Margaret moore [warrior] - 04 - a chama do amor (pt br)

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A chama do amor (The Welshman's way) Margaret Moore Uma noiva relutante... Jamais a doce e obediente virgem Madeline de Montmorency revoltara-se contra seu destino. Mas daquela vez seria diferente! Não iria para o leito nupcial com um estranho. Especialmente quando seu coração já escolhera outra aliança... uma aliança com um homem tido como fora-da-lei e larápio!.... Um rebelde fora-da-lei... Dafydd estava cansado de lutas até pousar o olhar na ardente Madeline. Ali estava a primeira normanda a quem não sentia vontade de chamar de inimiga. Ao contrário. Tudo que queria fazer era chamá-la de meu amor... mesmo contra tudo e contra todos! A Chama do amor “The Welshman's way” 1995 Margaret Moore SÉRIE WARRIOR – VOL. 4 - - 1

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A chama do amor (The Welshman's way) !Margaret Moore!

! !!!! Uma noiva relutante... Jamais a doce e obediente virgem Madeline de Montmorency revoltara-se contra seu destino. Mas daquela vez seria diferente! Não iria para o leito nupcial com um estranho. Especialmente quando seu coração já escolhera outra aliança... uma aliança com um homem tido como fora-da-lei e larápio!.... Um rebelde fora-da-lei... Dafydd estava cansado de lutas até pousar o olhar na ardente Madeline. Ali estava a primeira normanda a quem não sentia vontade de chamar de inimiga. Ao contrário. Tudo que queria fazer era chamá-la de meu amor... mesmo contra tudo e contra todos!

A Chama do amor !“The Welshman's way”

1995 !

Margaret Moore !

SÉRIE WARRIOR – VOL. 4 !!

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A chama do amor (The Welshman's way) !Margaret Moore!

Warrior1. A Warrior's Heart (1992) 2. A Warrior's Quest (1993) 3. A Warrior's Way (1994) 4. The Welshman's Way (1995) 5. The Norman's Heart (1996) 6. The Baron's Quest (1996) 7. A Warrior's Bride (1998)8. A Warrior's Honor (1998) 9. A Warrior's Passion (1998) 10. The Welshman's Bride (1999) 11. A Warrior's Kiss (2000) 12. The Overlord's Bride (2001) 13. A Warrior's Lady (2002) 14. In the King's Service (2003) ! !! !

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PRÓLOGO !!!No estábulo do monastério dominicano de St.

Christopher, um burrico se mexeu e um rato se esgueirou por sob a palha. Com movimentos rápidos e silenciosos, Dafydd ajustava a sela sobre o cavalo, ignorando a dor no ombro ferido.

Embora a maioria dos monges estivesse dormindo, vira da enfermaria a luz fraca de uma vela na capela, onde frei Gabriel costumava ficar de vigília. Considerando o quanto ele e seus bons irmãos haviam se arriscado abrigando-o secretamente, lamentava partir dessa maneira, mas não tinha opção. Até o falecimento do abade Peter, convalescera relativamente a salvo, mas o novo dirigente, com seu interesse em assuntos de Estado, não hesitaria em entregar ao senhor normando mais próximo um rebelde galês como ele.

Com a partida do ambicioso abade Absalom, em viagem para celebrar um casamento que uniria duas importantes famílias normandas, surgira o momento ideal para a fuga. Invadindo seus aposentos, recuperara a velha espada e confiscara algum dinheiro para a longa e difícil jornada, bem como roupas adequadas.

Dafydd prendeu a trouxa improvisada na sela e conduziu o cavalo para fora. Não era uma montaria impressionante, mas aparentava dispor da energia e força necessárias à longa jornada por estradas difíceis que empreenderia. Além de desviar-se de cidades e aldeias e esquivar-se de outros viajantes, cuidaria também de passar bem longe das terras de lorde Trevelyan e seu genro, Morgan, que tinham bons motivos para se lembrar dele.

Assim, Dafydd ap Iolo partiu no rumo noroeste. Tão logo alcançasse a região mais remota do país de Gales, casaria-se com uma galesa simples e tranquila e com ela teria muitos filhos. Bastava de lutas, mortes e privações.

Só queria viver em paz. !!!!

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CAPITULO UM !!!Gloucestershire, 1222 adeline de Montmorency olhou para a.madre superiora

como se não estivesse acreditando no que ouvira, o que era mesmo o caso.

— Lamento ter de informar-lhe sobre esse assunto de forma tão abrupta — amenizou irmã Bertrilde, a voz tão fria quanto as paredes de pedra do aposento espartano do convento. — A carta de seu irmão acabou de chegar.

— Devo me casar em quinze dias? — inquiriu Madeline, incrédula, desejando que a madre superiora, reconhecida por sua seriedade, estivesse fazendo uma brincadeira.

Mas não, não estava. — Assim informa seu irmão. Madeline agitou-se, ansiosa, tentando digerir a notícia

extraordinária. Não via o irmão há dez anos, desde a morte dos pais, por febre, com intervalo de poucos dias. Nos primeiros meses, aguardara um contato dele, imaginando o dia em que iria buscá-la para levá-la para casa, para longe daquele convento, de volta ao mundo de liberdade, cor e felicidade... não para outra prisão, na qualidade de esposa de um homem que nunca vira.

— Com certeza, ele não decidiria sobre esse assunto sem conversar comigo — protestou. — Ele menciona um noivado ou... !!!

A CHAMA DO AMOR — A menos que tenha perdido a capacidade de ler —

cortou madre Bertrilde, severa —, tenho certeza de que o contrato já foi assinado. Uma vez que está sob a guarda de seu irmão, deveria estar preparada para obedecê-lo.

— Mas quem é esse lorde Chilcott? Nunca ouvi esse nome! — protestou Madeline, pasma com a fatalidade expressa no semblante e no tom de voz de madre Bertrilde.

— Não faço idéia, mas suponho que pertença a uma família rica e de sangue nobre. O que mais precisa saber?

— Com certeza deve haver um engano! Meu irmão deve estar falando sobre um noivado, não casamento. Preciso de mais tempo...

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— Seu irmão escreve que virá logo para levá-la para casa, a fim de que se prepare para o casamento — reafirmou Irmã Bertrilde, impassível.

Madeline percebeu que cometera um grave erro ao in-sinuar que madre Bertrilde pudesse estar enganada.

— Mas esse casamento é impossível — protestou, mu-dando de tática. — Pensei que iria fazer meus votos em pouco tempo e aqui estou eu, aguardando há mais tempo que muitas noviças.

Madeline lançara mão desse trunfo, embora não fosse bem verdade. Estudara e dissimulara um grande interesse pela vida religiosa, para controlar a curiosidade das irmãs sobre o motivo de Roger não mandar buscá-la.

Madre Bertrilde encarou-a com um franzir de cenho tão imperceptível que somente uma pessoa que estivesse estudando atentamente suas expressões poderia notar o sinal de grande desgosto.

— Desejava poder contar-lhe sobre a minha decisão num momento mais apropriado — replicou ela, sem um mínimo de camaradagem. — Entretanto, seu irmão não me deu muito tempo para o tato. Madeline, eu não teria permitido que se tornasse uma freira. Não lhe ocorreu que eu estivesse postergando minha decisão por não estar certa da sua vocação? O convento não é lugar para uma mulher do seu temperamento...

— Meu temperamento? Madre Bertrilde teria franzido o cenho, mas estava con-

dicionada a sorrir mesmo quando não se sentia contente. — Está demonstrando a sua falta de adequação neste

exato momento. Você não é humilde. Não vai se submeter às ordens de ninguém. Você se interessa demais por assuntos corriqueiros.

— Mas eu... — Por isso, Madeline — continuou Madre Bertrilde —,

sugiro que se prepare para partir com seu irmão e conforme-se com os arranjos que ele designou a você.

— Em seu próprio benefício — completou Madeline. Como aquela mulher insensível e o irmão se atreviam a decidir sobre sua vida daquela forma? Não era mais nenhuma criança!

— Quaisquer que sejam os motivos dele, é sua obrigação obedecê-lo.

— É minha obrigação casar-me com um homem que nunca vi? — inquiriu Madeline, dissipando a raiva com sarcasmo.

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— Que outra escolha tem? — desafiou madre Bertrilde, visivelmente indiferente. — Não posso mantê-la aqui contra a vontade de seu irmão.

— Muito bem, eu partirei — decidiu Madeline, com tal determinação que causou até admiração na edxicado-ra. — Se a minha piedade, devoção e paciência devam ser recompensadas com o banimento, como se estivesse doente, se a senhora acha que não tenho escolha senão submeter-me como uma ovelha, então irei com prazer. Mas não com meu irmão.

Mesmo assim, madre Bertrilde permaneceu indiferente. — Com quem pretende viajar? Eu lhe asseguro, não

proverei escolta. — Então, irei sem ninguém. — Madeline avançou um passo

na direção da porta pesada. Finalmente, as palavras decididas de Madeline pare- 8 A CHAMA DO AMOR ceram penetrar além da muralha de pedra que era a

madre superiora. — Está falando bobagem, Madeline — advertiu a religiosa.

— Não pode sair sozinha. Não apenas estaria se comportando como uma camponesa, mas com certeza seria morta, se não viesse a sofrer pior destino. As estradas estão cheias de bandoleiros e rebeldes.

Madeline curvou o lábio, desdenhosa. — Qual é a diferença, madre, entre ser molestada por um

fora-da-lei ou por um homem com o qual estarei casada contra a minha vontade? — Com isso, saiu pela porta e imediatamente colidiu com um tórax largo e sólido. O homem estendeu as mãos fortes e afastou-a.

Madeline ergueu o olhar para focalizar o obstáculo hu-mano. O rosto jovem e bem talhado parecia reservado e ameaçador. Na verdade, era uma versão mais alta e mais forte de si mesma, apenas com feições mais angulosas, masculinas.

— Roger? — exclamou Madeline, surpresa. — Madeline? — Roger de Montmorency, que não era

conhecido pela suavidade de temperamento, olhou por cima da cabeça da irmã, na direção da forma vestida de negro que era a madre superiora. — O que significa isso? Ela deveria estar pronta para partir.

Madre Bertrilde, conhecida por seguir as regras à risca, devolveu o olhar.

— Lamento — começou ela, sincera —, que o seu men-sageiro tenha se atrasado. Sua carta chegou somente esta manhã.

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Roger voltou-se para o homem da nobreza que o acom-panhava. Este tinha os cabelos levemente grisalhos e o semblante preocupado, mas havia jovialidade no olhar e também alguma simpatia.

— Albert, descubra o que aconteceu com Cedric. Depois, faça uma das freiras arrumar os pertences de minha irmã.

Assentindo levemente com a cabeça, o homem entrou em ação.

— Eu não vou com você — declarou Madeline, cruzando os braços, de cara amarrada.

Roger olhou para a irmã, que não via havia muitos anos, no meio da sala. Ficara mais alta do que imaginara, e mais bonita também, ainda que trajada apenas com o hábito da ordem. Mas aqueles olhos azuis, zangados e desafiadores, sem dúvida pertenciam à Madeline de que se lembrava. E chegara a acalentar o sonho de que as freiras a transformariam numa moça plácida e obediente!

— Os arranjos já foram feitos. Arrume os seus per-tences, Madeline — ordenou. — Partiremos em seguida, pois são dias de viagem até nosso castelo. — Desatou do cinto uma bolsa com moedas. — Isto é um agradecimento pelo seu trabalho — esclareceu à madre superiora.

Madre Bertrilde franziu o cenho, reprovadora. — Sugiro que guarde o seu dinheiro para um padre que

reze pela sua alma imortal, uma vez que devo lembrá-lo de que está num convento. Aqui, sou eu que digo às irmãs o que fazer. Não o senhor e seus homens.

Roger de Montmorency não se deixou abalar pelas pa-lavras da madre superiora, nem por sua expressão zangada. Voltou-se para Madeline:

— Venha. — Eu já lhe disse, Roger: não vou com você. Não vou me

casar para obedecê-lo, e, com certeza, não com um homem que me é completamente estranho.

A revolta da irmã também não o impressionou. — Eu mesmo não conheço Chilcott — comentou, va-

gamente. — O meu suserano, barão DeGuerre, quer que as nossas famílias se unam. Você é minha responsabilidade e não tem escolha senão me obedecer, da mesma forma que obedeço ao barão. As ordens do meu senhor, asseguro-lhe, serão cumpridas.

— Partirei quando estiver pronta — insistiu Madeline —, e irei a qualquer lugar, menos para o seu castelo.

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— Basta! — vociferou Roger. Não tinha tempo para argumentar com a irmã, nem para cortesias desnecessárias com a madre superiora. A viagem fora retardada, as chuvas torrenciais de abril tornaram a jornada um pesadelo e o casamento estava marcado para dali a quinze dias. Por isso, agarrou Madeline pelo braço, ergueu-a e lançou-a por sobre o ombro.

— Você está pronta e vai para o meu castelo! Dirigiu-se à porta ignorando os protestos e esforços da irmã para se libertar. Voltou-se para a madre reverenda.

— Um dos meus homens ficará aguardando a bagagem dela. Bom dia.

Sir Roger de Montmoreney saiu a passos largos, carre-gando a irmã relutante como se fosse um saco de cereais.

— Roger, pare! — gritou Madeline, enquanto ele a carregava pelo corredor de pedra até saírem no pátio do convento. Para maior humilhação, Madeline percebeu os olhares curiosos e cochichos das outras internas. — Solte-me já!

Roger finalmente a pôs de pé no chão. Agitada, Madeline arrumou o cinto e olhou para o irmão.

— Como se atreve! Como se atreve a me tratar desse jeito!

— Atrevo-me porque sou seu irmão mais velho — res-pondeu ele. — Como você se atreve a me desobedecer!

— Você não pode simplesmente ordenar que eu me case com esse Chilblain...

— Chilcott. E sim, posso. Madeline conscientizou-se do silêncio súbito e olhou ao

redor. Várias religiosas observavam a cena espantadas, boquiabertas e com os olhos arregalados.

Talvez fosse melhor irem para um local onde pudessem discutir em paz.

— Continuaremos essa discussão mais tarde, caro irmão — retiíicou ela, sorrindo docemente.

Ele tomou uma expressão mais sombria e totalmente desprovida de simpatia.

— Não há nada a discutir, Madeline. Nem agora, nem mais tarde. Eu dei minha palavra a Chilcott e você será sua esposa.

Dizendo isso, ele se voltou e deixou-a ali parada no meio do pátio, passando a berrar ordens a seus homens.

Dafydd estava finalmente começando a achar que não seria pego e condenado à morte como ladrão. Iniciara a viagem pelo bosque, num terreno difícil, cavalgando paralelamente à

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estrada. Naquela manhã, decidira arriscar-se pela estrada, pelo menos por algum tempo.

Sentia-se de certa forma contente pela primeira vez desde que despertara no monastério normando e vira-se fraco, sozinho e sem perspectiva. Não fazia ideia de como conseguira afastar-se tanto da fronteira galesa. Lembrava-se vagamente de se arrastar e partir do local onde Morgan o deixara para morrer. Naquele momento, com certeza, não se importara com a direção que tomara, desde que fosse para longe das terras de Morgan. Sabia, de ficar ouvindo frei Gabriel e os outros irmãos, que fora encontrado quase morto por um monge viajante, que o levou ao monastério no lombo do burrico. Agora, calculava sua posição alguns quilómetros a leste da fronteira e não tão longe de Morgan e Trevelyan quanto gostaria.

De qualquer forma, estava livre e cada vez mais próximo do país de Gales.

O aroma de terra e floresta úmidas lhe invadia as na-rinas. Uma mudança agradável comparada aos estímulos olfativos da enfermaria. Passou a mão pelo cabelo à altura do ombro e sentiu prazer com o calor do sol, apesar de estar transpirando bastante com a túnica de lã. Desejou poder arranjar outras roupas. Com certeza, não enganaria ninguém fazendo-se passar por religioso, pois ainda que estivesse usando o hábito regular, estava com aqueles cabelos, porte e um ferimento que só poderia ter-se originado numa batalha. Entretanto, à exceção de andar nu, não tinha alternativa.

Olhou para o céu e avistou a formação de nuvens escuras, que indicavam uma mudança no tempo. Chovera bastante e as estradas estavam lamacentas e traiçoeiras. Mesmo assim, apreciava as nuvens, pois traziam uma brisa fresca.

No horizonte, já podia ver o começo do planalto, uma primeira indicação das terras que conhecia. Em poucos dias, estaria perto das montanhas do país de Gales, embora soubesse que precisaria atravessar outros morros e vales antes. Tentou se lembrar do que ouvira os monges comentarem sobre as terras próximas ao monastério. No começo, não entendia o idioma, mas logo passou a deduzir boa parte das conversas. Se os monges desconfiaram de que ele não era normando nem saxão, não o demonstraram. Dafydd aproveitou o tempo para aprender o máximo possível do idioma a fim de se proteger. Entretanto, nunca pronunciara uma palavra sequer e os religiosos, sabiamente, permitiram que ele permanecesse em silêncio.

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Ponderou sobre os vilarejos e feudos que os monges comentaram. Havia uma aldeia não muito longe dali, ao norte. Acreditava ser uma aldeia bem pequena, pelas conversas. Era tentador ir até lá, arranjar roupas mais adequadas e dinheiro, pois o cavalo que pegara tinha até um ar distinto, sob o ponto de vista doméstico.

Enquanto tentava organizar as idéias, surgiu uma en-cruzilhada. A estrada principal ia em frente; a outra, mais estreita e menos usada, vertia para o oeste. Ficou tentado a tomar a estradinha, até se lembrar de ter ouvido comentário de que a noroeste do monastério ficavam as terras de um senhor normando chamado sir Guy. Concluíra que os religiosos não gostavam do nobre normando, por ser lascivo. Bem, que normando seria diferente em relação a mulheres, poder e riqueza?

Bem, não queria encontrar nenhum nobre normando. A maioria dos senhores feudais daquela área, na fronteira entre o país de Gales e o resto da Inglaterra, era rude e brutal, com autorização do rei para fazer o que achasse necessário para subjugar qualquer galês que ousasse se rebelar. Aliás, sabia muito bem o que fariam com ele se o pegassem.

Passou por o que parecia ser uma fazenda abandonada. Duas construções incendiadas evidenciavam algum desastre e Dafydd torceu os lábios, desgostoso, pois não duvidava de estar olhando para o trabalho de algum normando. Talvez o pobre agricultor não tivesse sido capaz de pagar o dízimo, ou talvez pertencesse a uma família importante e não conseguisse esconder o orgulho que ainda sentia. Talvez, ainda, tivesse uma filha bonita que não se submetera às atenções de um normando.

Dafydd balançou a cabeça para desanuviar a mente e passou a imaginar o quanto estaria longe do castelo de lorde Trevelyan e do feudo de Morgan, um galês que se casara com a filha de Trevelyan. Teria que descobrir e tomar cuidado para não chegar muito perto. Se fosse reconhecido, sua liberdade acabaria ali.

Decidiu permanecer na estrada até ficar bem próximo da aldeia. Era um pouco arriscado, mas o trajeto estava muito mais tranquilo pela estrada e o ar, mais fresco. Perto da aldeia, tomaria mais cuidado, embora tivesse esperança de poder entrar numa taverna para se informar melhor sobre o caminho a seguir e também para comprar outros mantimentos.

A estrada conduziu a um vale estreito, densamente ar-borizado. Folhas de vários outonos formavam uma espessa camada sobre o leito da estrada e silenciavam os sons dos

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cascos da montaria. Samambaias brotavam ao longo do caminho e flores do campo vermelhas e amarelas coloriam a paisagem. Uma leve brisa movimentava os galhos novos e, apesar da beleza primaveril, Dafydd calculou logo que as folhas mortas poderiam camuflar o som da presença de bandoleiros. Na verdade, aquele local era perfeito para uma emboscada. Possuía pouca coisa que pudesse interessar a ladrões, mas sabia que alguns homens tinham ainda menos e assaltavam e assassinavam qualquer um, fosse normando ou galês, nobre ou camponês.

Dafydd avaliou as árvores, tentando descobrir com a sensibilidade pouco utilizada ultimamente se estava sendo observado.

Não devia ter permanecido no monastério por tanto tempo. Tinha ficado destreinado.

De repente, estacou, inclinou a cabeça e prestou atenção. De algum local acima vinha o som familiar de metal contra metal e gritos de homens em batalha.

Desmontou e tirou a espada da bainha amarrada à sela. A estrada fazia uma curva para a direita, contornando o morro arborizado. Se subisse reto por entre as árvores, poderia ver o que estava acontecendo do outro lado sem ser notado. Não desejava interferir, simplesmente queria ver quem estava lutando e como aquilo afetaria sua própria jornada. Conduziu a montaria até um arbusto e começou a se movimentar cuidadosamente entre as árvores.

A túnica longa se prendeu num galho, e ele então parou para desenganchar o tecido. Foi quando ouviu o grito aterrorizado de mulher. Por um momento, petrificou-se, inerte como o menino que fora. Uma imagem, um nome nos lábios... então, sentiu o sangue quente de ódio ser bombeado no coração. Praguejando, tirou a túnica e lançou-a no chão, aventurando-se morro acima apenas com a cueca de linho, Quando quase chegou ao cume, passou a andar devagar e sorrateiramente, avaliando a estrada abaixo. Sentia o pulsar do sangue no corpo todo e segurou a espada com tanta força que os nós dos dedos ficaram brancos.

Viu o que parecia ser um bando de ladrões atacando ura pequeno grupo de viajantes a cavalo. Os homens maltrapilhos e rudes que estavam a pé cercavam dois nobres, uma mulher a cavalo... uma freira, aparentemente, e alguns soldados armados. O cavalo da mulher movimentava-se nervoso, mas ela o controlava com destreza, enquanto os nobres, com certeza normandos, lutavam com habilidade e determinação. Podia dizer pelos brados e ordens que os atacantes eram galeses. Dafydd

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não acreditava que aqueles homens tinham outra intenção senão o roubo, pois três deles logo se apossaram das montarias de carga, deixando os soldados vivos. Se o motivo fosse rebelião, teriam matado as vítimas.

Não achava tampouco que a mulher e a escolta tivessem o que temer. Os normandos eram hábeis e estavam bem armados. Os ladrões só estavam mantendo-os ocupados enquanto as montarias de carga eram levadas.

Suspirando de alívio, Dafydd começou a se retirar, mas continuava observando, mais por interesse em ver as espadas refinadas do que por preocupação com os combatentes.

Então, um dos bandoleiros agarrou a rédea do cavalo da freira e montou atrás dela. A mulher gritou e um dos nobres voltou-se para vê-la, enquanto o fora-da-lei conduzia a montaria na direção de onde Dafydd vinha.

O que aquele camarada queria com ela? Resgate, talvez, ou mais alguma coisa?

Rapidamente, Dafydd desceu pelo morro, ignorando os galhos que lhe arranhavam o peito nu, pernas e braços. Correu o mais rápido possível para até onde deixara o cavalo e então ficou bem quieto.

Ouviu um barulho vindo da direita. Uma luta. Ordens ásperas. Mais uma vez, ele se aventurou na floresta seguindo os sons. Dafydd ouviu claramente os sons familiares e dolorosos do dia em que sua irmã foi molestada e assassinada por soldados normandos. Os mesmos que já haviam assassinado seus pais. Como Gwennyth lutara! Eles não viram o menino escondido entre as árvores, sozinho. Mas Gwennyth vira. Pouco antes de falecer, ela voltou a cabeça e olhou para ele. Jamais esqueceria a dor no olhar, nem seu último esforço para chamá-lo.

Dafydd chegou à clareira. O ladrão estava lá, em cima da mulher no chão. Ela se debatia sob ele, praguejando e tentando arranhar o rosto do vilão.

Dafydd não conseguira proteger Gwennyth e os pais naquele dia terrível. Mas agora era diferente, fosse essa mulher normanda ou galesa não importava, e se aquele sujeito quisesse apenas mantê-la para resgate ou não, tampouco importava.

Dafydd ap Iolo, rebelde galês e fora-da-lei, um homem que lutava contra os normandos desde os dez anos de idade, esqueceu-se da decisão de abandonar as batalhas. Com um brado de guerra, ergueu a espada e atacou. !! - ! -12

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! CAPITULO DOIS !!!Corno se atreve a pôr as mãos em mim! Meu irmão vai

matá-lo se você me machucar! Quanto você quer? Roger vai pagar! — berrava Madeline, enquanto lutava contra seu algoz. Apesar do medo e pânico, sabia que valia muito mais viva e intacta do que humilhada ou morta. Percebera também que seu captor era apenas pouco mais alto do que ela, e embora fosse forte, não era muito maior.

Ele agarrou-lhe os braços agitados com firmeza. — É inútil lutar, mulher — desdenhou ele, com um francês

normando precário, o sotaque galês acentuado na voz grave. De repente ouviu-se um brado ameaçador. Por um mo-

mento, Madeline discerniu surpresa no semblante do fora-da-lei antes que ele pulasse de pé para se defender. Desesperada para fugir, contorceu-se e engatinhou, tão rapidamente quanto suas pernas trêmulas permitiram, até um arbusto grande. Se pudesse ao menos se esconder!

No afã, ignorou os golpes de espadas, a troca de palavras estranhas e ásperas, que, tinha certeza, eram blasfémias em galês, até estar completamente protegida pelos arbustos. Só então voltou-se para ver quem viera em seu socorro.

Não era Roger. Nem sir Albert. Nem ninguém que já vira antes. Seu salvador era alto, moreno, musculoso e estava quase nu. Tinha o corpo bem formado e, à primeira vista, sabia lutar. O cabelo comprido chegava aos ombros e escondia seu semblante. Era como se algum guerreiro imortal dos bretões houvesse ganho vida para salvá-la.

Então, enquanto ele cercava o adversário, Madeline viu em seu ombro direito uma cicatriz ampla e outra marca de um grave ferimento no lado esquerdo. Ainda assim, o mais impressionante era a extrema concentração e a linha impassível de seus lábios enquanto avaliava o oponente. Nem Roger parecera tão completamente determinado quando os bandoleiros atacaram.

Fosse quem fosse, viesse de onde viesse, Madeline nunca se sentira mais feliz por ver alguém em sua vida.

O defensor continuava a cercar o bandoleiro, o olhar semelhante ao de um felino pronto para atacar. O fora-da-lei, que ela agora sabia ser um jovem, estava de pé e parecia um rato encurralado. Os dois combatentes gingavam o corpo de um

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lado a outro e seguravam as espadas com ambas as mãos, aguardando, avaliando-se.

De repente, o homem ergueu a espada. O fora-da-lei fez o mesmo e o som de metal contra metal reverberou por entre as árvores. A lâmina do fora-da-lei escorreu pela espada do defensor, para atingir-lhe o peito. Madeline abriu a boca para avisá-lo, mas, antes que ela se manifestasse, o homem girou as mãos, desenganchou as espadas, afastou-se e movimentou a espada num grande arco, atingindo o fora-da-lei na perna. A ação toda ocorreu antes que Madeline pudesse emitir qualquer som. Os dois homens bradaram e caíram no chão ao mesmo tempo, o fora-da-lei verificou a perna que sangrava e o defensor parecia sentir dor no ombro.

Mas o ferimento na perna não era grave e ele ergueu a espada com o intuito de atingir o adversário, que se levantava também. O defensor evitou o golpe e lançou sua espada mais uma vez.

Perdeu o golpe. Mas quando o fora-da-lei passou, o defensor estendeu o pé, fazendo-o tropeçar e cair no chão. Quando o fora-da-lei tentou se levantar, o defensor ergueu a espada e bateu em sua cabeça com o cabo. Com um gemido, o fora-da-lei desfaleceu.

O defensor largou a espada e levantou-se bastante ofegante, as mãos nos joelhos. O suor escorria da testa e no tórax musculoso e o cabelo comprido ainda escondia-lhe o rosto.

Madeline rastejou para fora do arbusto. Sem saber o que fazer, ela arrumou o lenço de cabeça e a túnica, tentando obter algum autocontrole. Manteve o olhar no estranho, desconfiada. Madre Bertrilde descrevera o mundo além dos muros do convento como um lugar cheio de maldade e homens ruins e, após o ocorrido, já não se sentia tão inclinada quanto antes a encarar com ceticismo as idéias de madre Bertrilde.

Após um longo período em que só se ouviu o ofegar do homem, ele ergueu o olhar e avaliou-a. De repente, ela sentiu o coração disparar, como se ela mesma tivesse acabado de lutar contra o fora-da-lei. Que expressão estranha tinha aquele olhar obscurecido e penetrante! Como se ele estivesse surpreso em vê-la ali, mas não fora ele que deliberadamente viera em seu socorro? Que arriscara a própria vida por ela?

Rapidamente tentou se convencer de que se sentia tão estranha apenas pelo fato de nunca ter visto um homem em todo aquele perído em que estivera enclausurada no convento. O que ele tinha que a atormentava tanto? Era inegavelmente bonito, com aqueles olhos castanhos avaliadores e os lábios de

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uma qualidade sensual que nunca vira antes. Mas havia homens bonitos na escolta do irmão. Ele inegavelmente possuía força e manejava a espada, sabia ela, com grande habilidade. Mas o irmão e outros homens também tinham força e habilidade.

Ele possuía mais que isso. De certa forma, parecia até selvagem com toda aquela ferocidade, mas era controlado demais para ser brutalmente cruel. Não tinha dúvida de que ele podia ter matado o fora-da-lei com tranquilidade, mas não o fizera.

Talvez fosse apenas porque ele viera em seu socorro. Não, havia aígo mais, aígo pessoal no olhar intenso, que causava-lhe algo mais do que admiração por um rosto bonito, um corpo forte e habilidade bélica, e gratidão.

A expressão dele mudara, transformara-se em algo que a deixava curiosa, excitada e espantada, tudo de uma vez. Então, compreendeu, sem dúvida alguma e embora tivesse passado os últimos anos da vida na companhia exclusiva de mulheres e de um velho padre que vinha para rezar a missa no convento, que aquele homem, aquele guerreiro, a estava olhando não como uma estudante ou noviça, ou uma mulher da nobreza. Ele a olhava simplesmente como uma mulher. Aquilo era tão novo, tão excitante... tão maravilhoso.

— Quem... quem é você? — investigou, incapaz de manter o silêncio por mais tempo.

Ele piscou, ergueu-se devagar até atingir a altura total e começou a ir embora. A atitude dispersiva dele fez com que ela se lembrasse da própria situação perigosa, embora não achasse que devesse temê-lo. Afinal de contas, ele a ajudara e estava pronto para deixá-la; portanto, não tinha relação nenhuma com o ataque.

— Obrigada, senhor, por sua ajuda — agradeceu ela, apressando-se para acompanhá-lo. — Meu irmão ficará contente em recompensá-lo.

Ele continuou caminhando, como se pretendesse deixá-la ali, com o ladrão inconsciente e com outros tantos acordados que estavam por ali. Ela o agarrou pelo braço. Ele olhou para ela e então para a mão. Ela ruborizou e afastou-se um passo.

— Preciso encontrar o meu irmão. Ele não respondeu, embora não desviasse o olhar do rosto

dela. — Não vai me ajudar? Eu... eu não sei onde estou e pode

haver outros bandidos por aí. Ele recomeçou a andar. Ela rapidamente bloqueou-lhe a passagem.

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— É o fora-da-lei? Não podemos deixá-lo ali daquele jeito. Ele devia ao menos ser atado, não acha?

O homem simplesmente balançou a cabeça e continuou seu caminho. Ela saiu trotando atrás dele, confusa com aquele comportamento. Com certeza ele não a havia salvo para abandoná-la ao próprio destino.

Aproximaram-se de um horrível cavalo ruão que mas-tigava capim placidamente perto de um grande carvalho, totalmente alheio aos acontecimentos. O homem abaixou-se e recolheu uma túnica, que logo vestiu.

Madeline sentiu os nervos chegarem ao limite e estava ofegante.

— Senhor! Eu sou lady Madeline de Montmorency e exijo que me leve a meu irmão e à nossa escolta. Estou muito grata ao senhor, claro, mas na verdade... — Ela finalmente notou o que ele vestia. — O senhor é frade?

Ele não respondeu, apenas lançou outro olhar significativo.

— Ou um irmão leigo. Sim, é isso, com certeza. Um irmão leigo. Nenhum frade manejaria a espada daquele jeito. O senhor deve ter sido um soldado. Mas, ora... oh, eu entendo! — exclamou, lembrando-se das histórias que ouvira no convento. — Fez voto de silêncio. Como penitência?

Madeline encolerizou-se quando ele não deu sinal de que lhe faria a cortesia de qualquer resposta:

— Senhor, não sei quem o senhor é, mas sei muito bem que nu não mereço ser ignorada dessa maneira. Entretanto, não responda se isso lhe convém e eu assumirei que deduzi corretamente. — Deu uma olhada no cavalo e na trouxa atada à sela. — E acredito que está em romaria como parte de sua penitência. Seja o que for que esteja fazendo, senhor — continuou, formal —, solicito a sua ajuda para encontrar meu irmão e a escolta, que, tenho certeza, teriam vindo em meu socorro, caso o senhor não tivesse aparecido.

Dafydd olhou para a mulher impressionante diante dele. .Enquanto corria em seu socorro, ficou impressionado com a força que ela tinha para lutar contra o captor e praguejar contra ele. Então, quando vencera o confronto e tivera tempo para realmente olhar para ela, ficou espantado com dois aspectos. O primeiro era a beleza; o segundo era que aquela beleza estava acondicionada em trajes de noviça de um convento.

Por um momento, temeu que ela estivesse ferida ou fosse desmaiar, pois estava extremamente pálida. Quando nada

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aconteceu, creditou-lhe mais força interior e mais habilidade para se recuperar rapidamente do que a maioria das nobres, até ficar claro que ela não apenas se recuperara, se a língua ferina era um indicador, mas que também estava sendo ingrata. Aparentemente, ela aceitara o socorro como um direito natural. E não apenas isso, pensara que ele estivesse desejoso... ou melhor, ansioso, para levá-la de volta ao irmão.

Precisava retomar seu caminho, para fora dos territórios normandos e na direção do país de Gales. Não tinha a mínima vontade de bancar a ama-seca de uma nobre nor-manda, especialmente não da irmã arrogante de sir Roger de Montmorency, um homem notoriamente rude com os rebeldes galeses. Além de Morgan, ele era um dos homens que Dafydd sabia que deveria evitar a todo custo.

Quem diria que ele se encontraria em tal situação? Em hipótese alguma, iria chegar perto de sir Roger de Montmorency. Nem podia deixá-la sozinha na floresta, embora fosse tentador. Havia perigos demais para uma mulher solitária.

Sentia o ombro doer e estava cansado. Nunca deveria ter interferido. O pobre jovem desmaiado lá na clareira com certeza só queria algum dinheiro de resgate e não a teria machucado de verdade. Entretanto, poderia levar aquela mulher a algum lugar... neutro. O feudo de sir Guy, talvez. Seria arriscado, mas com certeza menos perigoso do que ir direto ao encontro de sir Roger de Montmorency. Lady Madeline começou a bater o pé, impaciente.

— O senhor poderia fazer a gentileza de me acompanhar até o meu irmão? — repetiu ela, insistente, encarando-o com aqueles olhos azuis enormes que mascaravam qualquer emoção como um sinalizador. — Tenho certeza de que ele liquidou o resto do bando tão facilmente quanto o senhor fez com aquele bandido.

Dafydd franziu o cenho, embora concordasse com ela. Os galeses deviam já ter ido embora, mas com certeza não deviam estar muito longe. Eles poderiam estar aguardando o jovem tolo que metera na cabeça que tentaria um resgate. Uma lady normanda valeria um grande resgate; por isso, ele se arriscara.

Sim, como objeto de resgate, ela era muito valiosa. Para ele também. Ora, ele poderia conseguir prata suficiente para viver como qualquer nobre. Deu-lhe as costas, pois seu olhar poderia ser tão denunciador quanto o dela.

— Roger vai recompensá-lo por seu aborrecimento, ou, pelo menos, vai lhe providenciar um cavalo decente.

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Recompensa era menos arriscado que resgate, calculou. Mesmo assim, devia evitar qualquer contato com normandos. Decidiu seguir o plano original e levar a lady para o feudo mais próximo e, então, seguir seu caminho.

Sem falar nada, agarrou lady Madeline pela cintura e pousou-a sobre o cavalo que ela desdenhara.

Sem dúvida, ela não o teria insultado com tanta facilidade quando percebesse que a única alternativa era caminhar. Dafydd montou por trás dela e estendeu-se para agarrar as rédeas, cercando-a com os braços. Conduzindo o cavalo pelo caminho que atravessara havia pouco, incentivou o animal para que se movimentasse. Naquele momento preciso, Dafydd apercebeu-se de mais um detalhe.

Fazia muito tempo que estivera com uma mulher. Naquele longo período no monastério, nem vira mulher, quanto mais tocar.

Com certeza, estava tocando em uma naquele momento. Não apenas qualquer mulher.

Lady Madeline de Montmorency era extremamente bonita, com o rosto rosado, os olhos muito azuis adornados por cílios castanhos, o nariz delicado e o queixo gracioso, que podia ver quando se inclinava para a frente. Os lábios também eram adoráveis. Inclinou-se para a frente mais uma vez, sentindo prazer com o contato sutil que fazia seu sangue ferver.

Ela até cheirava bem. Como uma fruta. O que aconteceria se tentasse sentir-lhe o gosto?

Aquela criatura normanda arrogante com certeza o esbofetearia caso chegasse perto, mas ela era tão linda quanto orgulhosa. Talvez o beijo valesse o efeito colateral. Não, simplesmente a ignoraria. Ignoraria o belo rosto normando, os olhos azuis desdenhosos e os lábios carnudos. Passou a refletir sobre as vestes. Estava vestida como noviça, mas não se comportava como nenhuma noviça que já vira ou conhecera. Talvez as roupas fossem um disfarce para desviar atenções indesejáveis. Sim, um irmão pensaria daquela forma, especialmente com uma irmã tão bela.

Lady Madeline de Montmorency. O nome era levemente familiar. Seria o irmão famoso? Não... o casamento a que o abade Absalom iria comparecer... uma das partes não era de Montmorency? Sim, era isso!

Então, esta mulher logo iria se casar. O esposo precisaria de todo apoio! Precisaria domar a megera.

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Um trovão ecoou. Dafydd olhou para o céu. Logo seria noite e, quanto antes se livrasse de lady Madeline de Montmorency, quanto antes estaria a caminho de Gales.

— Esse não é o caminho certo. — Madeline voltou-se sobre a sela para encarar o homem misterioso. — Nós passamos por aqui há algum tempo, meu irmão e eu. Estou reconhecendo aquele prédio em ruínas. Você se enganou. Meu irmão está para o outro lado — afirmou.

O estranho franziu o cenho e balançou a cabeça. Embora ela não estivesse ansiosa para voltar ao castelo

do irmão e obedecer às determinações dele sobre seu futuro, não fazia idéia de onde aquele peregrino a estava levando, se fosse mesmo peregrino. Talvez houvesse apenas trocado de captor, a túnica podia ser falsa, estava em dúvida quanto à retidão do cidadão. Não acreditava que aquele homem representasse perigo diretamente, pois, senão, ele já teria entrado em ação. Entretanto, ela poderia ter cometido um grave equívoco em se identificar. Como objeto de resgate, valia muito.

— Eu estou certa — insistiu. Ele balançou a cabeça novamente. De repente, os braços

que a cercavam e que pareceram protegê-la até aquele instante viraram uma gaiola.

— Senhor, agradeço a sua voluntariedade em me ajudar, mas devo insistir para que alteremos o rumo — afirmou ela, tentando não parecer tão aterrorizada quanto estava.

Censurando-se por ter sido tão tola, tentou imaginar um modo de escapar e voltar para Roger. Fosse qual fosse seu plano, teria que agir rápido, antes do anoitecer, pois senão não conseguiria mais achar o caminho. E pensar que passara boa parte da vida a poucos quilómetros dali e que nunca andara por aquela estrada! Se pelo menos madre Bertrilde não fosse tão irredutível quanto a permanecer dentro dos muros do convento...

Quando passaram ao lado do que parecia uma floresta bastante densa e ouviu-se o borbulhar das águas de um riacho, rapidamente anunciou:

— Estou com sede. Podemos parar e nos refrescar na-quele riacho?

O homem assentiu e fez o cavalo parar. Tentando parecer calma, Madeline desmontou e foi para o manancial. Bebeu um gole de água fria e clara e observou com o canto do olho que o homem também desmontara e caminhava em sua direção.

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— Eu... eu vou naquele matinho — comunicou Madeline, esperando não parecer assustada, mas cheia de inocência virginal. Encaminhou-se aos arbustos. Quando o homem inclinou-se para beber a água, desviou-se para

o cavalo tão silenciosamente quanto pôde e subiu na sela. Incentivou o animal com um chute.

Dafydd voltou-se de repente ao ouvir o galope de sua montaria. O que ela estava fazendo? Aonde pensava que ia? Ele correu até a estrada para ver lady Madeline e o ruão desaparecerem numa curva.

Uma lista de ditados galeses voltou-lhe à lembrança en-quanto permanecia parado no meio da estrada completa-mente indefeso. Ela estava com todos os seus pertences, incluindo a espada e o dinheiro que furtara do abade Ab-salom. Então, de repente, a raiva foi substituída por apreensão. O cavalo pertencia ao monastério. Se alguém o visse e reconhecesse, saberiam de onde viera e, não apenas isso, descobririam a trouxa com as moedas roubadas.

Sir Roger com certeza mandaria alguém atrás dele. Se o encontrassem, sir Roger com certeza deduziria que o antigo hóspede dos monges não era um simples soldado ou peregrino religioso. Seria enforcado como rebelde e também como ladrão.

Dafydd percebeu que podia ou esquecer o cavalo, o di-nheiro, a espada e fugir, ou ir atrás de lady Madeline e tentar recuperar tudo antes que alguém reconhecesse o cavalo. Talvez, se se apressasse, os encontraria ainda em regozijo com o reencontro e não abririam a sacola, e ele poderia roubá-la novamente. Precisava recuperar a espada, pelo menos. Estava em sua família havia gerações.

Com o rosto sombrio, Dafydd suspendeu a pesada túnica e correu pela estrada atrás de lady Madeline de Montmorency. !!!

CAPITULO TRÊS !!!Suando profusamente, ansioso e zangado, Dafydd

praguejou contra si mesmo por ter cedido ao impulso de interferir no evento com os bandoleiros enquanto corria junto às árvores que ladeavam a estrada. Prestava bastante atenção aos sons que pudessem indicar a aproximação de pessoas pela via lamacenta. Sem a espada, era totalmente vulnerável aos

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normandos, e a qualquer fora-da-lei. Na verdade, não achava que seria incomodado por nenhum fora-da-lei. Com certeza, eles não achariam que um homem solitário de mãos vazias valesse qualquer esforço e, além disso, tinha razões para crer que o bando que havia atacado o comboio de sir Roger já estava longe dali, remexendo a carga e decidindo como dividir o butim.

Os normandos eram mais preocupantes. Se tivessem sido feridos, iriam atrás dos bandoleiros que desapareceriam como orvalho num dia quente de verão. E, se o pegassem, com certeza não ouviriam seus protestos sobre não pertencer ao bando. Era galês e aquilo já era suficiente para condená-lo.

Sorriu irônico ante a idéia de ser enforcado por um crime que não cometera em detrimento dos delitos que cometera.

O sol estava quase no horizonte e Dafydd percebeu que chegara finalmente ao local onde parara ouvindo os sons do ataque. Cortou caminho pelo morro e chegou ao cume. Dali, facilmente localizou lady Madeline de Mont-morency. Ela estava sozinha, agachada na lama, examinando o solo. O cavalo ruão estava largado, as rédeas soltas. Embora ele nem tomasse cuidado, ela não o ouviu se aproximar e continuou avaliando a estrada muito pisoteada e lamacenta. Os sinais de luta eram óbvios e, num local em particular, havia marcas de sangue. Ela ergueu e baixou os ombros com um suspiro entrecortado e soltou um soluço.

Lady Madeline não parecia tão arrogante naquele mo-mento. Na verdade, Dafydd ficou admirado por ela ser uma mistura de orgulho e vulnerabilidade tal qual jamais encontrara antes. Exceto, talvez, nele mesmo.

Dafydd ignorou o leve repente de piedade e empatia no coração e avaliou o local. Nesse mesmo instante, lady Madeline percebeu que não estava sozinha. Ergueu-se, parecendo temerosa e apertou algo na mão.

— O que você quer? — indagou, enxugando o rosto coberto de lágrimas. Apesar disso, Dafydd discerniu o temor no olhar.

Aquela expressão perturbou-o mais do que tudo o que havia acontecido.

— Não vou machucar você — avisou ele, devagar e confiante, tentando soar o mais normando possível.

— Você fala! Ele assentiu. — Então me diga quem você é — exigiu ela, as lágrimas e

o medo já esquecidos, ou subjugados sob a forte determinação e coragem.

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Ele não respondeu, ao invés disso, apontou para a mão. Lady Madeline estendeu a mão aberta e ele avistou algo brilhante sob a fraca iluminação.

— E o broche que segura a capa do meu irmão — informou ela. — Era de meu pai. Ele jamais deixaria isto para trás.

Dafydd lembrou-se do jovem que caíra e percebeu que aquele poderia ser Roger de Montmorency. Imaginara que o homem grisalho fosse o famoso cavaleiro.

— Seu irmão não deve estar morto — opinou Dafydd, seguro.

Ela o observou desconfiada. — Como pode ter certeza? — Ele luta bem. Talvez esteja ferido, mas os outros não

eram bons o bastante para matá-lo. — Acredita mesmo nisso? — Foi o que disse, não foi? — Você não é normando. Era uma conclusão, não uma pergunta, e ele não tentou

negar. — Não é frade, tampouco. Novamente, não havia motivo para mentir. Não parecia

frade e sabia muito bem disso. Ela estreitou ainda mais o olhar e afastou-se. — E um peregrino pelo menos? — Sim. — Ou quase isso. Não queria assustá-la. Avançou

um passo, desejando que ela não sentisse medo dele. Detestava normandos, mas ela era, antes, uma mulher. — Estou indo para Canterbury — acrescentou, para dar credibilidade.

— Então, está indo na direção errada — observou ela, desconfiada.

Precisou se esforçar para não bater na própria cabeça. Devia ter mantido a boca fechada! Na verdade, tudo o que sabia sobre Canterbury era que tratava-se de um local sagrado e que ficava na Inglaterra.

— A outros lugares antes — remendou ele, após um longo momento em que ela o observou apreensiva. — Dou a minha palavra de que não a machucarei.

— Preciso encontrar Roger. Pode me ajudar? — Não. A recusa definitiva espantou-a e preocupou-a; mas ele

não tinha como evitar. Era melhor ela saber logo o que ele pretendia e o que não pretendia fazer.

— Mas você precisa!

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— Não. — Não pode me deixar aqui! E se aqueles bandoleiros

voltarem? — Eu a levarei até uma ajuda. — Ajuda? Que ajuda? — Há um feudo, para lá. — Ele gesticulou na direção da

estrada e imaginou se estava cometendo outra tolice em se oferecer para ajudá-la. Embora ela estivesse certa, não poderia deixá-la ali.

— Suponho que lhe deva ser grata por isso — resmungou ela, procurando parecer bastante contrariada. — Mas preciso encontrar Roger.

— Para ir se casar? — disparou ele, impertinente. — Sim, para ir me casar — rebateu ela, desafiadora,

como se achasse que ele estivesse duvidando de sua urgência. Antes que ele pudesse avaliar a reação dela, ouvíu-se um

trovão e uma chuva torrencial começou a cair sobre suas cabeças. O cavalo relinchou e se movimentou nervosamente. Dafydd conseguiu agarrar as rédeas antes que o animal fugisse. Puxando a montaria, foi até Ma-deline e, habilmente, sem falar nada, ergueu-a até a sela e começou a correr pela lama, junto à estrada e então pelas árvores na direção de uma fazenda em ruínas que observara antes. Rapidamente chegaram à edificação abandonada e abrigaram-se em uma cabana que permanecia intacta. As portas largas eram mantidas por duas dobradiças e algumas tábuas haviam despencado, mas o teto estava bom e dava para o cavalo entrar também.

Ele parou para abrir completamente as portas e lady Madeline rapidamente desmontou, correndo a se abrigar. Dafydd seguiu-a, conduzindo o cavalo pela entrada.

Dafydd avaliou a cabana abandonada cheia de teias de aranha e palha. Trechos do telhado estavam faltando, mas, apesar disso, dentro permanecia seco. Ainda havia cheiro de animais e feno e Dafydd percebeu que o ambiente amplo era dividido em dois.

Ele conduziu o cavalo mais para dentro e avaliou sutil-mente se a trouxa amarrada à sela permanecia intocado.

Madeline foi para a porta e ficou observando a chuva contínua.

— Preciso encontrar o meu irmão — anunciou novamente. — Assim que a chuva parar.

Dafydd observou-a e lamentou um pouco por ver que a mulher vulnerável desaparecera para dar lugar novamente à arrogante aristocrata. Ela tirou o lenço da cabeça e uma

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cascata de cabelos longos e brilhantes derramou-se-lhe pelos ombros, alcançando a cintura. Por tudo o que era sagrado, ele jamais vira cabelo como o dela. Como seria a textura, como seria ver aquela massa espalhar-se sobre seu corpo nu?

Sem a moldura de tecido ao redor do rosto a beleza ficava ainda mais aparente. As maçãs do rosto pareciam lisas e macias, os olhos claros e brilhantes denunciavam inteligência, os lábios eram tentadores. Não era surpresa sir Roger tentar esconder tal beleza nas vestes tacanhas de uma ordem religiosa.

Bonita ela era; entretanto, havia algo mais na boca que sugeria determinação e até teimosia. Também possuía o comportamento e o porte orgulhoso que todos os conquistadores normandos possuíam. Provavelmente ela tivera tudo a seu modo em toda a sua vida tranquila. Daria uma ótima esposa normanda e teria muitos filhi-nhos normandos que iriam controlar as terras.

Dafydd alisou o pêlo do cavalo vigorosamente. Eía bem que podia ser uma freira.

— Acho que a chuva está ficando mais forte — denunciou ela, como se ele fosse responsável pela virada no tempo. — Talvez tenhamos que ficar aqui esta noite.

Ele tirou a túnica molhada e estendeu-a para secar. Já dormira em lugares piores e com tempo pior também. Pelo menos tinham um teto sobre as cabeças, Dafydd desamarrou a trouxa da sela e pousou-a a seus pés. Procurou no interior e retirou uma pedra-de-fogo com a qual acenderia uma fogueira na lareira semides-truída no outro lado da cabana. Recolheu um pouco de palha e pedaços de madeira que estavam num canto. Tudo estava bem seco e o fogo pegou fácil. Então, reabriu a trouxa e retirou pedaços de pão que escondera na cama nos últimos dias na enfermaria do monastério.

Ela se voltou e olhou para ele. Dafydd mastigava uma pequena fatia de pão redondo. O único som era o da chuva. Entardecia e a penumbra se devia tanto ao horário quanto à presença das nuvens carregadas. Logo ficaria escuro demais para viajar, especialmente nas estradas enlameadas.

Vendo-a de pé ali, iluminada pelas chamas bruxulean-tes da fogueira, Dafydd ficou ciente de estar quase nu e sozinho com uma mulher.

Ela veio em sua direção, observando-o cautelosamente. Era óbvio que não tinha mais certeza do tipo de homem que ele era, se peregrino, soldado, fora-da-lei ou camponês.

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Desconfiada, sim, mas não temerosa, o que o agradava, embora soubesse que isso não deveria importar.

Mesmo assim, ela era, sem sombra de dúvida, a mulher mais bonita que já vira. Apreciou o jogo de luzes em seu rosto e a intimidade do momento.

Ela se sentou no chão à sua frente. Ele lhe passou um pedaço de pão e notou, divertido, que ela não ficou satisfeita com a oferta de pão bolorento. Surpreendentemente, entretanto, não disse nada, e começou a comer, desviando o olhar, recatada, como se ele fosse um pretendente e ela, uma virgem tímida sendo cortejada.

Essa idéia divertiu-o imensamente. Não podia imaginar um normando cortejando uma mulher, com certeza não da forma adequada, com palavras eloquentes, ou com uma canção de amor, talvez, e beijos implorados no escurinho numa noite de verão. Era uma pena, de certa forma, pois ele achava que aquela mulher merecia tal corte.

Ele mesmo nunca cortejara uma mulher. Sua vida sempre fora ocupada com lutas, rebeliões e longos períodos escondido na floresta. Seu relacionamento com mulheres limitara-se a momentos de paixão com prostitutas animadas, que achavam excitante fazer amor com um rebelde. Mal se lembrava da maioria delas.

Percebeu que lady Madeline estava tremendo e imaginou se deveria sugerir que ela retirasse a roupa molhada. Idéia muito interessante...

— Preciso encontrar o meu irmão — repetiu ela, desa-fiadora, retirando-o do estado sensualmente contemplativo.

— Não com o meu cavalo — afirmou ele. Até o beicinho dela tinha algo de adorável.

— Eu lhe asseguro que, seja quem for, será devidamente recompensado pelo animal e pelo transtorno. Meu irmão é muito rico. E muito influente.

— O seu noivo é rico e influente também, sem sombra de dúvida.

— Sim. Apesar do formoso queixo erguido, ele achou que ela não

tinha tanta certeza disso. Interessante, Irrelevante, mas interessante.

Ele ofereceu outro pedaço de pão. Madeline aceitou escrupulosamente e foi se sentar o mais longe possível do indivíduo, mas ainda perto do calor das chamas.

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Para seu dissabor, o homem quase nu sorriu-lhe. Sorriso demoníaco era aquele, e ela ficou imaginando como achara que ele pudesse ter feito votos em uma ordem religiosa.

Desviou o olhar, decidida a não olhar mais para ele, nem para aquela cicatriz horrível no ombro, nem ficar pensando como alguém podia sobreviver a um ferimento daqueles. Gostaria que ele colocasse a túnica.

Forçou-se a pensar no que faria em seguida. Não tinha idéia de como agir numa situação tão inusitada. Nos últimos dez anos, cada momento de sua vida seguira um padrão pré-estabelecido e convivera com pessoas cujos hábitos, gostos e desgostos conhecia tão bem quanto os seus próprios. Então, de repente, ela se viu diante da notícia de seu casamento iminente, a chegada de Roger, a partida abrupta do convento, o ataque de bandoleiros, seu resgate e, agora, lá estava ela, temerosa na companhia daquele estranho musculoso, que não era normando, e mais temerosa ainda com a opção de deixar esse estranho e sair na chuva, embrenhando-se no desconhecido.

Mas deveria acreditar tão facilmente no palavra daquele homem de que Roger estava bem? Os fora-da-Iei estavam em maior número, afinal de contas. Talvez Roger estivesse caído, ferido, em algum lugar, sangrando e sentindo dor... Só porque não fora capaz de convencê-lo a, pelo menos, adiar o casamento até que conhecesse o futuro marido, não significava que não se importava mais com seu único parente vivo.

Aliás, se Roger não estivesse ferido, por que não viera ao seu encontro? Com certeza, estaria procurando por ela se fosse capaz. Ainda que se importasse com ela apenas como um instrumento para atingir seus objetivos. Ou especialmente se a tivesse em consideração apenas por isso.

Suprimiu um suspiro entristecido ao entender que o tempo e o treinamento haviam transformado seu irmão num ser calculista. Ora, aquele homem sentado à sua frente, um total estranho, estava mostrando mais preocupação com ela do que Roger.

Quem era ele? De onde viera? Por que a ajudara? Con-seguia adivinhar alguns aspectos sobre ele com alguma certeza. Sabia que ele era galês, apesar dos esforços em mascarar o sotaque, pois havia criadas galesas no convento, que ficava perto da fronteira.

Ele devia ter sido treinado como soldado, pois manejava a espada com bastante habilidade. Poderia ser um rebelde, ou alguém que vira a oportunidade para um resgate, mas ele não

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tentou amarrá-la, nem impedir-lhe os movimentos de maneira nenhuma. Se quisesse, poderia sair a qualquer instante.

Poder ia fazer- lhe perguntas , c laro , mas e le provavelmente responderia com aquele olhar perturbador ou pior, com aquele sorriso.

Ele captou o olhar dela e apontou para um monte de palha no canto.

— Vá dormir. — Onde? — indagou, cautelosa. Embora ele se mostrasse

confiável, ela era mulher e ele, homem. Um homem jovem e forte.

Ele indicou novamente o monte de palha. — Ali. — Não. — Balançou a cabeça, determinada. Afinal de

contas, estavam ali sozinhos, e ele estava seminu. — Não vou tocar em você — afirmou ele, insultado com

razão com a relutância dela. — Pode haver... ratos — aventou Madeline, estremecendo.

Sempre tivera pavor daquelas criaturas peludas e tinha absoluta certeza de que aquela cabana era o paraíso para os ratos. E, onde havia um rato, havia centenas. Era uma boa desculpa.

Ele começou a rir, emitindo um som rico e solto que surpreendentemente agradou-a. Com graça felina, ele se levantou rápido, agarrou a espada e experimentou-a na palha.

— Não tem ratos. Ele voltou para perto da lareira, pousando a espada a seu

lado. Ela percebeu que ele franziu o cenho. — Dói, o seu ombro? — perguntou, sem pensar. — Agora não. Ele a olhou intensamente e por um longo momento. Ela

sustentou o olhar, tentando decodificar a mensagem e determinada a não permitir que ele a dominasse. A única pessoa cujo escrutínio nunca conseguira sustentar era a madre Bertrilde e ele não a assustava tanto quanto a madre zangada.

Mesmo assim, ela desviou o olhar primeiro, porque percebeu, de repente, que o calor da vergonha fora substituído por aconchego e que ela estava gostando do olhar dele de uma forma inusitada.

— De onde você vem? — perguntou, inocente, embora já soubesse a resposta.

— Cornwall.

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— Ah. — A mentira decepcionou-a. Ele a achava idiota? A pele e o cabelo escuros denunciavam sua origem, bem como o sotaque. — Você foi soldado?

Ele assentiu e ela desejou que aquilo não fosse mentira também.

— Você luta bem. Talvez possa servir a meu irmão. Ele está sempre procurando bons soldados.

O semblante do homem ficou sombrio e ela desconfiou de que ele não lhe responderia mais. Em vez de permitir que ele a ignorasse, caminhou para o monte de palha e dejtou-se.

— Durma — repetiu ele. Recostou-se contra a parede da cabana e estendeu as pernas até chegar quase ao fogo.

Ela se virou de lado para ficar de costas para ele. Como se pudesse dormir numa situação daquelas, como um homem que não lhe dizia a verdade, que lutava como um demônio e que permanecia ali seminu e sem vergonha disso.

Por uma vez, agradeceu à madre Bertrilde por ser tão rígida. Já passara várias noites de vigília e aprendera a descansar sem realmente adormecer. Se o homem se apro-ximasse, acordaria instantaneamente e se defenderia.

Cada parte do corpo de sir Roger de Montmorency parecia doer, em particular a cabeça. Onde estava? Uma vela tremeluzia sobre um criado-mudo simples, onde jazia também um copo de argila do qual emanava um cheiro de remédio. O resto do quarto estava escuro. As paredes próximas eram muito brancas e lisas. Um crucifixo enorme pendia sobre a cabeceira. Podia ouvir o canto. Vozes graves, de homem, sonoras e agradáveis. Cantos.

Era noite e estava num monastério. O que acontecera? Houve um ataque. Muitos foras-da-lei.

Madeline gritou... — Madeline! — gritou ele, sentando-se abruptamente. A

dor aguda na têmpora fez com que se deixasse cair novamente sobre o travesseiro.

Sir Albert Lacourt inclinou-se e o rosto sério pareceu estar flutuando desfocado.

— Onde...? — sussurrou Roger. — Você está a salvo no monastério de St. Christopher,

Roger. Você foi ferido. — St. Christopher? Então estamos quase de volta ao

convento! Onde está Madeline? — Nós... nós não sabemos. Estamos fazendo de tudo para

localizá-la, Roger — informou Albert, rápido.

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— Preciso encontrar Madeline. — Roger tentou se le-vantar, mas sentia-se tão fraco quanto um filhote de gato recém-nascido.

Albert olhou por sobre o ombro para alguém que estava nas sombras e então inclinou-se sobre Roger novamente.

— Você perdeu muito sangue. Frei Gabriel disse que não deve tentar se levantar.

— Quem é esse frei Gabriel para me dar ordens? — revoltou-se Roger, fraco. Mais uma vez, esforçou-se para se sentar.

Instantaneamente, mãos determinadas mas gentis for-çaram-no a se deitar.

— Meu senhor, devo insistir. Ou poderá até morrer. Roger olhou para o homem que o segurava. Os olhos

cinza eram gentis, mas tinham uma expressão determi-nada que já conhecia, pois era a mesma que seu professor na arte da espada usava para instigá-lo a continuar praticando. Mas aquele homem parecia mais um acadêmico do que um soldado, embora fosse bastante forte para um frade, ou, pior, talvez estivesse mesmo muito fraco.

— Preciso encontrar minha irmã. O casamento é daqui a alguns dias e ainda estamos longe do meu castelo.

— Por favor, senhor, não se esforce! — aconselhou Albert. — Já mandamos Bredon com os cães.

Roger sentiu algum alívio. Bredon era o melhor caçador da Inglaterra e responsável por seus cães, que eram também os melhores da Inglaterra. Se alguém pudesse encontrar Madeline, seria Bredon.

Albert limpou a garganta e olhou para o frade ansioso. — Infelizmente, está chovendo desde o anoitecer e não

podemos procurar como gostaríamos, — Precisa ter fé, meu filho — incentivou o frade, gentil.

Roger de Montmorency torceu os lábios, cético. Tinha fé em apenas três assuntos: em Deus, na espada e na

habilidade de manejá-la. Infelizmente, Deus parecia tê-lo abandonado, e Madeline também. Quanto à espada, logo teria força suficiente para manejá-la. Se alguém houvesse tocado em Madeline, colocaria suas duas crenças em ação sem piedade.

— Encontrem-na e eu quero aqueles fora-da-lei. Vivos. — Capturar aqueles bandoleiros pode ser difícil. Outros

galeses com certeza lhes darão abrigo — respondeu Albert. A expressão sombria de Roger foi a resposta e o homem logo se apressou em afirmar: — Muito bem, senhor. Vamos atrás deles também.

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Frei Gabriel limpou a garganta, respeitoso. — Senhor, por favor, lembre-se de que pode haver outros

fatores a considerar. Se esses homens são simplesmente uns fora-da-lei, como acredita, tente entender que há outros senhores, menos sábios que o senhor, talvez, que são rudes cora seus servos e, então, criam...

— Se os homens não cumprem a lei, devem ser punidos. — Que seja, mas um pouco de misericórdia... — Eles terão exatamente o que merecem, frei. Nem

mais, nem menos. — Roger olhou para Albert e tentou focalizar o amigo. — Não creio que fossem rebeldes.

Albert balançou a cabeça. — Nem eu, senhor. — Pediram resgate? — Não recebemos nenhum pedido. — Não quero que Chilcott saiba nada sobre isso. Nem o

barão DeGuerre. — A sua preocupação não deveria estar na volta de sua

irmã sã e salva? — indagou frei Gabriel, suave. Roger discerniu a repreensão no olhar do religioso. — Claro que estou preocupado com ela, homem! Deixem-

me sozinho agora! O tom autoritário era inequívoco e frei Gabriel sabia-

mente não retrucou. — Com certeza não há necessidade de informar ao noivo

de sua irmã — amenizou Albert. — Pelo menos, não encontramos o corpo. Isso pode indicar que ela conseguiu escapar e agora está...

— Perdida na floresta? Pouco confortador, Albert! Eu mesmo vou procurar por ela. — Roger afastou a coberta, pousou os pés no chão e levantou-se.

Então, sir Roger de Montmorency caiu de volta na cama desmaiado, o rosto tão pálido que Albert apressou-se até o corredor e chamou frei Gabriel aos berros. !!!

CAPÍTULO QUATRO !Madeline avançou, mal respirando, embo-ra o inflar do

peito nu do galês indicasse que ele estava dormindo. Quando acordou pela primeira vez e percebeu que ele estava adormecido e que a chuva havia cessado, sentiu-se tentada a fugir, até concluir que não fazia idéia de onde estava. Poderia

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acabar perdida na floresta, na mesma floresta que abrigava os fora-da-Iei que haviam atacado seu comboio no dia anterior. Além dtsso, decidira tomar outra atitude.

Muito cautelosa, afastou a espada do toque frouxo do galês. Certo! Conseguira! Ergueu o instrumento com cuidado, surpresa com o peso e a beleza do acabamento e ciente da lâmina muito afiada. Então, suspirando fundo, pousou a arma no pescoço do galés.

Ele abriu os olhos, instantaneamente desperto. — O que está fazendo? — exigiu.ele, o sotaque acentuado

devido à surpresa. Ergueu-se um pouco. — Quero que responda às minhas perguntas. Quero saber

quem você é. — Ela empurrou um pouco a ponta da espada para mostrar que queria respostas, não sorrisos.

— David — respondeu ele. — Meu nome é David. — Muito bem, David, se esse é mesmo o seu verdadeiro

nome, e não estou acreditando totalmente nisso, o que faz vestido com uma túnica de frade?

— Eu lhe disse, estou fazendo uma peregrinação. — Para onde? — Canterbury. — Por que então não está indo para o sul? — Eu... vou visitar a minha família primeiro. — E você é de Cornwall? — Sim. — Você está mentindo para mim, David. Ele não

respondeu. — Havia moças galesas trabalhando para nós no convento.

Eu reconheço o sotaque. O que mais é mentira? Que você não vai me machucar?

— Isso é verdade. Eu não vou machucá-la. De tudo o que ele dissera, ela acreditava naquilo. Con-

seguia ver a verdade no olhar e a sinceridade na voz. No convento, desenvolvera a habilidade de identificar as verdadeiras intenções das pessoas, pois lá muitas mascaravam a ganância passando-se por piedosas apenas para obter favores da madre superiora. Sabia muito bem detectar hipocrisia e falsidade. Não via nada disso quando ele faiava que não a machucaria.

Mais importante que isso, havia algo mais no olhar daquele homem quando a observava. Não era medo por ela estar com a espada em seu pescoço, mas um tipo de respeito contrariado, algo reconfortante, pois suspeitava de que ele não

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concedia aquilo com facilidade, não a um normando e, com certeza, não a uma mulher.

— Posso dizer o que acho, David? — perguntou ela, o tom mais leve, apesar de ainda sério. — Acho que você é ou foi um tipo de soldado. Não é mais, por causa desse ferimento em seu ombro ou, então, está viajando disfarçado. Também deduzo que não gosta dos normandos. Portanto, você é um galês que sabe lutar e que não gosta de normandos. Você seria, por acaso, um rebelde?

— Se eu fosse — provocou ele, com um sorriso desdenhoso —, acha que seria estúpido o suficiente para admitir?

Ela se levantou, ainda segurando a espada. Ele esfregou o pescoço enquanto a observava.

— Estou contando o que acho apenas para provar a minha teoria. Não me importa quem você realmente seja, ou o que você tenha feito. Não tenho interesse nenhum na verdade sobre você, além do que se relaciona com a minha segurança. — Aquilo não era totalmente verdade, mas não era seguro deixá-lo saber que tinha curiosidade sobre ele.

— Nada sobre você me importa, desde que me ajude. — Eu disse que ajudaria, mas não vou levá-la a seu irmão.

Ele odeia os galeses. Madeline não respondeu à afirmação rude, pois não sabia

o que dizer. Infelizmente, não podia mais falar pelo irmão. Ele parecia ter mudado muito naqueles dez anos e era possível que aquele homem entendesse Roger melhor do que ela mesma.

— E, se eu fosse você, não ficaria muito ansiosa em contar a seu irmão que andou com um galês como escolta

— alfinetou ele. — Pense no escândalo, minha senhora. Madeline arregalou os olhos e esqueceu-se de esconder

o sorriso de excitação. Dentre todos os aspectos, não considerara o que aconteceria se reencontrasse Roger e viesse à tona o fato de ela ter passado a noite sozinha com um homem. E, pior, do ponto de vista de Roger, pelo menos, um galês que bem poderia ser um rebelde. Um escândalo era bem o tipo de acontecimento que acabaria com um casamento.

Então, ela franziu o cenho. Embora não gostasse nada da idéia de se casar com Chilcott, não tinha certeza de que queria perder a reputação por isso. Aí, percebeu que o galês sorria-lhe.

— Você deve ter sido um soldado bem medíocre, David, para permitir que uma mulher o encurralasse no sono

— disparou ela, tranquila.

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— Dê-me a espada antes que se machuque — desdenhou ele, erguendo-se.

— Não. Enquanto ela recuava, mantendo a espada apontada para

ele, Dafydd avançou subitamente, arrebatou a arma da mão dela e lançou-a rente ao chão. E aterrissou sobre ela, sufocando-a.

— Por que não fugiu quando viu que eu estava dormindo, lady Madeline de Montmorency — perguntou Dafydd. Afastou-se um pouco e olhou para ela, ciente do corpo junto ao seu e da proximidade dos lábios convidativos.

— Preciso de escolta e, infelizmente, você é o único disponível. — Não há motivo para ajudá-la, especialmente quando

você põe a minha espada no meu pescoço — observou ele. — Eu queria saber quem você era. — Eu sou a sua escolta. Isso basta. — Suponho que sim — rebateu ela, fazendo beicinho e

lançando-lhe um olhar que era ao mesmo tempo orgulhoso, impertinente, indagador e muito tentador. — Poderia, por favor, sair de cima de mim? Você está...

— 0 quê? — perguntou ele, suave, inclinando-se mais um pouco, de tal forma que seus lábios ficaram quase unidos. — Eu o quê, senhora?

Gentilmente, ele a beijou. De início, simplesmente de-gustou a sensação do beijo que havia muito tempo não sentia. Então, como milagre, de forma maravilhosa, percebeu que ela estava correspondendo ao beijo, de forma inocente, denunciando a descoberta de uma nova capacidade. Saber que podia inspirar tal sentimento deu-lhe novo ânimo. Investigou os lábios com a língua, até que ela os entreabriu para que ele avançasse mais.

Quando ele introduziu a língua suavemente em sua boca, Madeline mal compreendia as sensações extraordinárias que a invadiam. Em primeiro lugar, vinha a surpresa sem tamanho. O toque de qualquer natureza era proibido no convento, até mesmo aquele decorrente da passagem das travessas de alimento. O beijo em si era inebriante; mais que isso, transportava-a a uma dimensão tão excitante que mal podia raciocinar muito além do prazer que era sentir os lábios dele sobre os seus, deliciosamente mornos, firmes e possessivos.

E se um beijo já a deixava daquele jeito, o que seria com outras atividades sobre as quais as meninas do convento falavam, atividades secretas, comentadas aos sussurros no pátio, quando as freiras não estavam ouvindo?

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Excitada, Madeline tornou-se impetuosa e agarrou os ombros musculosos. Sentiu a carne quente nas mãos e instintivamente começou a ondular o corpo.

Ele a salvara e a protegera. E ainda iria ajudá-la. David era forte, bonito, viril. Um guerreiro.

Foi quando sentiu a mão grande nos seios. Espantada, afastou-o.

— Pare! — gritou, surpresa e chocada, nem tanto pela atitude inesperada dele, mas também pela própria falta de controle. Era intimidade demais, cedo demais. O que sentia devia ser luxúria, só podia ser luxúria. Ruborizada de vergonha, empurrou-o. — Pare com isso!

Ora, o sorriso dele podia ser a manifestação da luxúria. — Você gosta de ser beijada. — Não, não gosto. — Ela se remexeu abaixo dele, ten-

tando fazê-lo sair de cima. Em resposta, ele movimentou os quadris, o estímulo

suficiente para dar uma mostra do que acontecia. Ela permaneceu quieta, olhando para ele, horrorizada. — Eu... eu quero ser freira! — Pensei que fosse se casar. — Sim. Não. Saia de cima de mim! — Muito bem. — Misericordioso, ele rolou para o lado. —

Quer viver entre mulheres pelo resto da vida? — Quero. — Isso seria um grande desperdício — resmungou ele,

sorrindo, enquanto erguia-se devagar e procurava a túnica. — Como se atreve! — protestou ela, enquanto tentava se

pôr em pé. — Eu sou noiva! Ele vestiu a túnica e encarou-a, enigmático. — Como você se atreve? — corrigiu ele, friamente. — Eu? Você! Você me arrebatou, você... !— Se não deseja ser beijada, não olhe para um homem

daquele jeito. Se é realmente noiva, aja como tal. Ela se aprumou. — De que "jeito" eu olhei para você? E eu estou agindo

como uma mulher noiva! Insisti o tempo todo para que me levasse a meu irmão. — Ela tinha olhado para ele como para qualquer outro homem... não tinha?

— Está querendo me dizer que não gostou do beijo? — Não, não gostei! Não poderia jamais gostar do toque de

um... camponês! — Você não sabe se eu sou um camponês.

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— Não é aristocrata. Ele alargou o sorriso, irritando-a. — Vai me ajudar ou não? — Eu disse que iria; então, vou. — Então, faça o favor de ficar longe de mim. — Como quiser, senhora. — Estou com fome. O que tem para comer? Dafydd

retirou mais um pedaço de pão bolorento da trouxa e atirou-o no ar. Ela agarrou o alimento pouco

antes que atingisse o solo e então o observou pegar a espada e caminhar na direção do cavalo.

— Precisamos ir logo — informou ele. Ela deu uma mordida no pão e espantou-se por não perder

os dentes nesse ato. Assentindo, mastigava devagar e evitava o olhar dele.

— Você não vai comer? — Não. Ele selou o cavalo e atou a trouxa. Ela ficou em silêncio

enquanto comia e o observava. Ele não era nobre, não importava o que dissesse. Não podia ser.

E ele não deveria tê-la beijado. Era tudo culpa sua. Aliás, ela estaria melhor sem sua companhia. Claro que não tinha gostado do beijo. Como poderia? Ele fora longe demais.

Deveria tentar outro beijo antes de deixá-la em segurança?

A ordem tirou-a das divagações. Removeu as migalhas da roupa e juntou-se a ele. Fora, o céu estava nublado, mas não achava que ia chover novamente. Havia poças d'água por todo lado e as folhas ainda gotejavam. Apesar disso, a cena que se apresentava era tão desoladora quanto seu próprio futuro, caso voltasse ao irmão.

Precisava saber o que havia acontecido com Roger. Roger... quase se esquecera dele, só porque aquele malandro dissera que ele provavelmente não se ferira com gravidade.

O galês cruzou os dedos e aguardou, agachado ao lado do cavalo. Obviamente, a intenção era que ela cavalgasse. Então, pousou o pé no apoio que ele lhe oferecia e foi erguida para a sela. Aguardou quase bufando que ele se juntasse a ela. Quase podia sentir o corpo junto ao seu, tocando-a, e convenceu-se de que amaldiçoava o contato.

Mas ele não montou. Ao invés disso, pegou as rédeas e começou a caminhar na direção da estrada.

— Para onde vamos? — perguntou, friamente. — Para um feudo normando que conheço.

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— Feudo de quem? — Sir Guy. — Sir Guy? — Havia algo de familiar no nome, mas Guy

era um nome comum. — Você só sabe esse nome? — Só. — Como sabe que será bem recebido num feudo

normando? — Prefere que eu encontre outra escolta para a senhora?

Não havia argumento Contra aquilo e ela decidiu se calar. Afinal de contas, precisava mesmo ser salva e pre-

cisava encontrar Roger. Não poderia fazer isso sozinha. Com certeza, um aristocrata normando seria mais capaz de cumprir essa missão do que esse galés misterioso.

A estrada estreita e cheia de sombras do feudo de sir Guy fazia meandros pela floresta densa de carvalhos, faias e pinheiros. O céu estava nublado e as nuvens bloqueavam até o sol do meio-dia. O ar estava denso, pesado com a vegetação úmida e folhas em decomposição. Tudo estava parado e quieto; nem mesmo o canto de pássaros interrompia o silêncio. Folhas primaveris não tinham vez ali, devido à fraca incidência solar. Era como se tivessem entrado num conto de fadas em que a floresta jazia sob o efeito de um encanto de bruxa ou feiticeiro.

Enquanto caminhava ao lado do cavalo ruão, Dafydd tentou se convencer de que ficaria feliz por logo poder se ver livre de lady Madeline de Montmorency. Ou até ela poderia ensinar a Dalila uma coisa ou outra sobre sedução, ou era mesmo a criatura inocente que dizia ser. Aquele olhar que ela lhe lançara quando estava por baixo dele, aquele beicinho, casual e desafiador... seria arte ou apenas uma resposta natural? Fosse o que fosse, ele teria que ser mais do que um simples mortal para controlar-se e não beijar aqueles lábios carnudos e vermelhos.

E, não importava quanto ela negasse, Madeline tinha correspondido. Oh, ele podia tê-la surpreendido no início, mas logo ela ficou ansiosa para aproveitar as sensações também.

Pelos antepassados todos, em que encrenca tinha se metido daquela vez? Ela era normanda e irmã de um homem odiado pelos galeses.

E ele desprezava todos os normandos. Podia dar razão a esse ódio também, nas poucas vezes em que havia um intervalo entre as árvores. Camponeses maltrapilhos trabalhavam em pequenas faixas de terra. Todos pareciam muito velhos, magros e doentes, minimamente capazes de trabalhar. As cabanas eram

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pouco melhores do que aquela em que ele e Madeline haviam passado a noite. E, inusitadamente, não se viam jovens, nem crianças. Só velhos, em silêncio entristecedor e trabalho pesado.

Dafydd tentou lembrar-se do que os religiosos haviam dito sobre sir Guy. Que eles não o aprovavam fora fácil deduzir, mas atribuíra o conceito à ingenuidade dos monges, que levavam uma vida casta e reclusa. Haveria algo mais? Seria sir Guy um senhor cruel e ganancioso, que mantinha homens e mulheres trabalhando nos campos além do horário mais adequado? Haveria algo mais para explicar por que os jovens, que podiam locomover-se com maior facilidade, terem partido?

Não sabia dizer e não havia a quem perguntar. Lady Madeline obviamente ignorava a existência de sir Guy, o que não era surpresa, uma vez que ela passara os últimos anos reclusa num convento.

Da mesma forma, e!a parecia ignorar o efeito que tinha sobre ele.

— Há fome aqui? — perguntou Madeline, com dó quando passaram por outro grupo de velhos camponeses. — Madre Bertrilde sempre dizia que o mundo era um lugar de doenças e falta de comida. Às vezes, achava que ela dizia isso para que ficássemos contentes no convento.

— Não, não há fome. — Mas essas pessoas... — Camponeses, eles são, senhora. Nunca viu camponeses

antes? — Não como esses. — Evidentemente, ela estava tão

confusa quanto ele. Dafydd começou a achar que estava cometendo um en-

gano levando-a para lá. E se sir Guy o identificasse como um provável galês rebelde tão facilmente quanto lady Madeline? Se o tratamento dado aos servos do feudo era um indicador, ele não receberia misericórdia de sir Guy.

Dafydd decidiu que enviaria lady Madeline sozinha assim que avistasse o castelo. Isso seria o menos arriscado.

De repente, sentiu um puxão da rédea ao mesmo tempo que ouvia Madeline exclamar. Ele olhou para a direção em que ela apontava.

— O que... o que é aquilo?— perguntou ela num sussurro. — Um corpo — respondeu Dafydd, frio. Já vira cenas

semelhantes. — E um corpo, provavelmente alguma pobre alma culpada por algum crime. Foi enforcado e deixado para apodrecer como exemplo da justiça normanda.

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— Mas há tantos! Ele desviou o olhar do rosto bonito e olhou melhor a cena.

Sim, havia mais exemplos da justiça normanda. A visão era nauseante e Dafydd apressou o passo. Não pretendia ficar mais tempo do que o necessário com tal cenário.

— Eles devem ter feito algo muito terrível — comentou Madeline.

— Talvez este aqui tenha roubado comida, ou tenha sido pego em propriedade alheia além da conta — respondeu, sombrio, ao passarem pelo primeiro corpo.

— Mas isso é tão terrível! Eles vão receber um enterro logo? — Dafydd mal podia ouvir a pergunta de lady Madeline, pois ela mantinha a manga contra o rosto por causa do mal cheiro.

— Duvido. — Minha nossa! E tão injusto. Ele parou um instante para olhar para ela. — É a regra normanda, senhora. Pergunte a seu irmão

quando o reencontrar. — Roger não faria algo tão terrível. Dafydd retomou o

caminho. — Tem certeza? — Absoluta. Não o vejo há dez anos, mas ele não pode ter

mudado tanto — respondeu ela, desejando acreditar no que dizia. — Ele deve punir atos errados. E sua obrigação. Mas deixar os corpos... Não, Roger não faria isso.

— Pergunte a ele. — Eu perguntarei. E direi a sir Guy para enterrar esse

aqui logo. Dafydd tropeçou. Acreditava que ela faria mesmo aquilo,

o que com certeza seria um grave erro. Qualquer senhor cujos servos tivessem a aparência tão maltrapilha e cuja justiça incluía expor os corpos não receberia ordens de ninguém com gentileza. A sensibilidade afetada de lady Madeline faria com que o pedido soasse impróprio.

As árvores rarearam e Dafydd percebeu que a estrada estava levando para um vale largo e rochoso. O sol já estava baixo no horizonte, finalmente visível entre as nuvens e a terra. Os últimos raios coloriram o céu com tons avermelhados muito brilhantes sobre um manto acinzentado. No vale, um nevoeiro estava se erguendo e, à frente, envolto no ar úmido, erguiam-se as muralhas do castelo. O vale parecia estranhamente morto e o castelo, sombrio como uma cripta.

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Ao passarem pelas últimas árvores, Dafydd começou a achar que seria mais- sábio voltar e ir para a vila. Embora a chance de ser pego com os bens roubados fosse maior, e embora isso significasse ficar mais tempo junto de lady Madeline, parecia ser a decisão mais sábia. Lady Madeline iria protestar, mas isso não tinha importância. Sentia que estariam mais seguros na vila. Ainda que fosse pego lá, os monges com certeza seriam mais misericordiosos com ele do que aquele sir Guy.

Então, vindo das árvores às suas costas, Dafydd ouviu os sons de chibatas e gritos de homens a galope pela estrada. Por um momento, sua formação galesa imaginou cavaleiros fantasmas, demoníacos, baixando à terra para causar destruição. A visão logo foi substituída pelo desejo urgente de sair daquele lugar.

Antes que pudesse manobrar o cavalo, o grupo de apro-ximadamente vinte homens surgiu, o som que emitiam quase tão assustador quanto o silêncio precedente. A tropa não era tão grande quanto dava a entender pelo ruído. Mesmo assim, eles estavam em maior número. Todos tinham cavalos soberbos e usavam capas caras com acabamento de pele para espantar o ar frio.

Dafydd entendeu que haviam caído numa armadilha. Não podiam voltar sem ser vistos e ter a passagem bloqueada por aqueles camaradas.

Esperou que Madeline se identificasse sem nem mesmo olhar para ela. Ela estaria a salvo, enquanto aqueles homens tentassem ir atrás dele. Por sorte, estava perto da floresta. Fora perseguido muitas vezes e jamais fora pego. Poderia fugir rapidamente e...

Lady Madeline permaneceu em silêncio, mesmo quando o líder do grupo os avaliou e fez sua montaria magnífica estacar. Tinha meia-idade, era bonito de certa forma e estava bem vestido e bem armado, assim como os companheiros. Ele lançou o olhar de forma interrogativa e impertinente, que instantaneamente causou desgosto em Dafydd. Com certeza, lady Madeline estava desgostosa com o comportamento daquele homem, que devia ser sir Guy.

Dafydd olhou para lady Madeline e precisou suprimir a surpresa. Ela parecia tão diferente! Desmontara do cavalo, mas a postura continuava como a de uma pessoa montada. De algum modo, soltara umas mechas de cabelo, dando-lhe um ar desleixado. O mais impressionante, entretanto, era o sorriso idiota e a expressão vaga no olhar.

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O que ela estava fazendo? — Ora, ora — começou o recém-chegado, com a fala

arrastada dos normandos benvnascidos. — O que temos aqui? — Sou irmã Mary, do convento Holy Wounds — anunciou

lady Madeline, de forma brilhante, o tom alto e até estridente, completamente inédito para Dafydd. — Simplesmente não posso dizer o quanto estou contente por encontrar cavalheiros antes do pôr-do-sol! E tantos e tão bem armados. Oh, sim, é mesmo, um grande alívio. Estava com tanto medo de passar outra noite na floresta, no chão, com insetos e animais e nem sei mais o que pode aparecer! É terrível, posso lhe assegurar. Minhas preces foram atendidas, e tão bem, tão...

— Saudações, irmã Mary — interrompeu o líder, quando ela fez uma curta pausa para tomar fôlego. Ele a olhava de maneira menos entusiasmada, o que agradou a Dafydd. Mesmo assim, as maneiras daquele homem e de seus companheiros permaneciam rudes e impertinentes, e havia algo de repugnante neles. Ficou imaginando se lady Madeline escolhera aquela tática por ter tido a mesma impressão. — Sou sir Guy de Robespierre.

— Ah! Foi o que pensei! Encantada em conhecê-lo, sir Guy, absolutamente encantada! Por todos os santos, quem diria que uma peregrinação seria tão difícil! Tais acomodações que tivemos que enfrentar, mas tudo em nome da fé, claro, — Sir Guy e os homens olhavam para Dafydd de tal jeito que o deixava cada vez mais inquieto.

— Oh, quase me esqueci! Permita-me apresentá-lo o frei David de Saint Stephen. — Ela emitiu uma risadinha aguda. — Acredito que tenhamos tomado uma estrada errada. Tentei avisar o irmão aqui que não deveríamos virar, mas ele me ignorou, e, de certa forma, ele também estava certo, de outro modo não teríamos chegado ao seu charmoso castelo. Aquela construção no vale é sua, não é?

— A senhora é bem-vinda para jantar conosco, irmã, e para pernoitar. A senhora e o frade.

Dafydd olhou para os homens que acompanhavam sir Guy. A maioria parecia entediada, mas não o homem que estava bem à direita do castelão. Extremamente bem vestido, com uma capa de veludo vermelho com acabamento em arminho, ele olhava para Dafydd de uma forma que o deixava ansioso. Será que ele sabia que o frei David não era daquele jeito?

— Farold, não somos afortunados em poder ajudar essas pessoas? — comentou sir Guy.

— Sim, sir Guy. — Farold respondeu com um sorriso vagaroso, que deixou Dafydd ainda mais intranquílo, es-

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pecialmente quando ele voltou o olhar para Madeline. Para se assegurar, ela se transformara, mas mesmo assim continuava tão adorável que nenhum disfarce podia ocultar toda a graça.

— Nós só o incomodaremos com abrigo para nós e para o cavalo por uma noite — esclareceu Madeline. — Uma refeição simples de pão e água será mais que suficiente. Nada de fartura para peregrinos! Mas espero que tenha pão, pois se não comer um pouco logo estarei diante Dele!

— Oh, podemos oferecer muito mais. Prometo-lhe, não esquecerá facilmente a hospitalidade de sir Guy de Robespierre.

Os homens pareciam estar achando tudo divertido. Da-fydd tentou não se trair pela expressão no rosto, pois tinha certeza de que Farold o avaliava atentamente. Por isso, chegou mais perto do cavalo.

Lady Madeline lançou-lhe um olhar e então sorriu daquela forma vaga mais uma vez.

— Bem, nós deveríamos recusar o seu convite. Frei David e eu fizemos voto de pobreza. Entretanto, o senhor faz a coisa parecer tão charmosa que não tenho como recusar.

— E o senhor, frei? Vai aceitar a nossa hospitalidade? Lady Madeline riu novamente.

— Temo que frei David tenha feito voto de silêncio também e não possa responder. Ele é muito rígido nesse assunto. Não falou nem uma única palavra comigo a viagem toda! — Ela inclinou-se na direção de sir Guy. — Não posso dizer o quanto estou aliviada por ter alguma companhia, sir Guy. No que estava pensando quando comecei essa peregrinação, eu não sei. Bem, talvez perdão, não é?

Sir Guy reafirmou: — Bem vindos ao meu feudo. Permita-me escoltá-los. Frei,

importa-se em cavalgar? Tenho certeza de que um dos meus homens pode ser persuadido a dividir a montaria com o senhor.

— Oh, que gentileza a sua, sir Guy, mas ele prefere caminhar. Entendo que isso nos atrase, mas peço a sua compreensão. Agora, me diga, como o seu castelo fica tão longe da estrada? Parece tudo tão solitário para mim! E esse nevoeiro, com certeza, o ar não é saudável.

Dafydd não teve escolha senão caminhar ao lado do cavalo de Madeline e ouvir enquanto ela continuava tagarelando com sir Guy. Ela estava fazendo uma bela imitação de uma mulher estúpida, e ficou imaginando onde esse artifício os levaria. ! - ! -41

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!! CAPÍTULO CINCO !!!Roger sentia a cabeça doer tanto que cada movimento

causava mais uma onda de agonia. Olhou para frei Gabriel ao pé da cama. A única pessoa que desejava ver era Albert, que saíra logo cedo liderando as buscas por Madeline.

Frei Gabriel transferia o peso de um pé para outro como se tivesse um defeito mecânico e girava o cinto de cânhamo como se fosse feito de contas de rosário. Estava assim desde que entrara no quarto. Outro religioso, um homem magro e quieto com rosto melancólico, apresentado como frei Jerrald, estava junto à porta.

— Está se sentindo melhor, senhor? — indagou frei Gabriel.

— Exceto por essa dor na cabeça... — Ah. Espero que o medicamento que preparei logo

amenize o desconforto. Vários momentos se passaram em silêncio e Roger con-

tinuava olhando frei Gabriel com seus trejeitos e frei Jerrald parecendo uma estátua de pedra.

— O que quer, homem? — berrou Roger, finalmente. — Tem algo a me dizer sobre a rainha irmã?

— Infelizmente não, senhor — informou frei Gabriel, humilde e com sinceridade. — Todos estamos rezando para que ela volte sã e salva.

— O que foi então? — Senhor, por favor, não desejo incomodá-lo nesse

momento... — Então me deixe sozinho. Verei sir Albert quando ele

voltar ou minha irmã quando for encontrada. Frei Gabriel limpou a garganta, uma leve expressão de

desdém se formou quando ele olhou para frei Jerrald pairando junto à porta como um anjo da morte. Frei Gabriel raramente deixava de gostar das pessoas, pois tentava genuinamente ver cada ser como irmão; entretanto, frei Jerrald era os olhos e ouvidos do abade em sua ausência. O abade saberia de tudo o que se passou no monastério, principalmente tudo o que estivesse relacionado a um visitante tão importante. Infelizmente, ele também saberia se frei Gabriel se recusasse a contar a sir Roger sobre os recentes acontecimentos no

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monastério relacionados ao último hóspede, que suspeitavam ser um galês rebelde.

Embora eventos do mundo exterior os afetassem pouco e brevemente, não eram completamente ignorantes dos fatos. Tampouco tinham certeza de que os normandos estavam sempre certos. O abade Peter mostrara a admirável capacidade de simpatizar com as pessoas locais, incluindo muitos galeses, e essa tolerância dera um caráter indulgente ao monastério. No caso do sumiço do último hóspede, frei Gabriel e a maioria dos irmãos não se manifestariam sobre esse assunto. As sequelas do ferimento dariam um fim à capacidade de luta dele de qualquer forma e frei Gabriel acreditava que as ativida-des do antigo hóspede eram por uma boa causa. Os fora-da-lei meramente interessados em roubo não possuíam o comportamento nobre, nem tinham a expressão agradecida quando eram trazidos feridos ao monastério.

Infelizmente, a chegada súbita de um homem que per-sonificava o poder dos normandos, qual seja, arrogante, impiedoso e autoritário, criara no frei Jerrald a necessidade de dever e o interesse óbvio de impressioná-lo. Ele fora irredutível quanto à necessidade de contarem a sir Roger sobre o galês, que frei Gabriel torcia para estar bem longe dali.

— Parece que fomos roubados, sir Roger — declarou frei Gabriel, finalmente.

— Roubados? De quê? Quando? — exigiu Roger, com sua habitual irascibilidade.

— Um cavalo. Uma túnica... Roger deitou-se novamente e suprimiu um gemido. A

ultima coisa que desejava naquele momento era ser ator-mentado por causa de um reles furto.

— E quem o senhor acha que é o ladrão? — Bem, senhor, não sabemos. O homem junto à porta avançou um passo. Frei Gabriel

lançou um olhar ameaçador e reafirmou: — Não sabemos. Desconfiamos de um homem que per-

maneceu aqui enquanto estava se recuperando. Roger desfez o sorriso cansado. Frei Gabriel geralmente

era gentil e submisso, mas estava demonstrando que tinha sangue nas veias, embora Roger não tivesse dúvida quanto a quem estava segurando as rédeas naquele instante.

O homem junto à porta franziu o cenho e tossiu. — Para ser totalmente sincero — continuou frei Gabriel,

relutante —, ele desapareceu na mesma noite em que o cavalo também sumiu.

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— E quando foi isso? — Duas noites atrás. — Conte a sir Albert como era esse homem e o cavalo. Ele

pode ficar de olho enquanto procura minha irmã. Está bem assim, frei Gabriel?

— Sim, senhor. Ouviu-se outro tossir vindo da porta. — Também temos razões para crer que o antigo hóspede

era galês — acrescentou frei Gabriel, relutante. — E? O religioso ficou surpreso e isso agradou a Roger, que

não gostava de homens que andavam pelas sombras. — Não é crime ser galês — esclareceu Roger. — Algumas pessoas acham que todos os galeses são

ladrões — rebateu frei Gabriel. — Não sou uma delas — afirmou Roger. Deu um leve

sorriso para o padre, que não soube dizer se aquilo era um sinal de boa vontade. — Contrariando o que tenha ouvido a meu respeito, eu castigo os faltosos, de qualquer idioma.

— Fico feliz que tenha me esclarecido, senhor. — Muito bem. Diga a sir Albert que o homem pode ser

galés. Isso é tudo, frei? Nesse momento, Albert em pessoa entrou no quarto,

apressado. Ele obviamente fora longe e bem rápido. Roger sentou-se num ímpeto.

— Quais as novidades? — Acreditamos que ela esteja viva, senhor — adiantou o

amigo, muito ofegante, como se tivesse corrido desde o estábulo.

— Onde ela está? Albert pareceu ficar desanimado. — Nós... nós não sabemos exatamente ainda, senhor.

Estava difícil seguir a trilha por causa da chuva e... — Então, como sabe que ela está viva? — Encontramos evidência de que alguém dormiu num

velho barracão não muito longe de onde fomos atacados. — Alguém? Ela está sozinha? Albert limpou a garganta. — Não, senhor. Bredon acredita que ela não esteja

sozinha. Roger não duvidava de Bredon. Se ele dizia que mais de

uma pessoa havia estado no barracão, então mais de uma pessoa havia estado.

— Quantos estão com ela?

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— Ele acredita que duas pessoas tenham passado a noite lá, senhor, e um cavalo. Ele... ele não encontrou sangue, então cremos que não há feridos. Também temos razões para acreditar que uma das pessoas era lady Ma-deline, pois Bredon identificou fios de cabelo escuros e compridos num monte de palha.

Roger sentiu a esperança brotar, mas havia muitas galesas com cabelos escuros e compridos. Era possível que o cabeio pertencesse a uma estranha.

~ Os dois não estavam mais lá quando chegaram ao barracão?

— Precisamente. Roger fitou os lençóis. Se Madeline estivesse viva, com

certeza estava bem, mas não estava sozinha. Isso significava que os fora-da-lei a mantinham para pegar um resgate ou simplesmente para seu próprio prazer? Forçou-se a não ponderar sobre a ultima possibilidade, e concentrou-se na caçada e no que se sucederia. Encontraria Madeline e os homens que a haviam raptado e, se ela tivesse sofrido qualquer mal, aqueles homens se arrependeriam do dia em que deixaram os úteros maternos.

— Onde está Bredon? — Está seguindo o cavalo e a pessoa que parece estar a

pé. O cavalo parece ter um andar muito peculiar. Eu voltei para lhe contar as novidades.

— Senhor? — interrompeu frei Gabriel, suave. — O quê? — O cavalo que está desaparecido... ele tem ura andar

peculiar, devido a um ferimento. — Está insinuando que minha irmã está nas mãos desse

seu ladrão? — exigiu Roger. — Não sabemos ao certo se ele é um ladrão, senhor. Frei Jerrald torceu os lábios, zombeteiro, embora dis-

creto. Roger voltou o olhar para Albert, que focalizava o chão, — Albert, para onde eles estão indo? — Bredon acha, senhor, que e]es tomaram a estrada que

vai para o oeste, pela floresta. O tossir repentino de frei Gabriel chamou a atenção dos

nobres. — O que sabe? — perguntou Roger, severo. A expressão de frei Gabriel era de tristeza e simpatia. — Em primeiro lugar, senhor — começou ele —, se a sua

irmã encontrou-se com nosso antigo hóspede, acho que não tem nada a temer,

.— Esse homem que pode ser um ladrão?

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— Bem, seja o que for, senhor... humm, acho que ela está melhor com ele do que com muitos outros.

— Explique-se, frei! — O homem. O homem que ficou aqui um bom tempo se

recuperando... ele é um camarada de valor. — Frei Jerrald movimentou-se e desta vez foi frei Gabriel que lançou um olhar reprovador. — Eu acho que consigo julgar o caráter das pessoas melhor que você, Jerrald. Tenho mais experiência. — Voltou-se a Roger novamente. — E acho que ele não machucaria a sua irmã.

Frei Jerrald pareceu querer falar, mas Roger ergueu a mão, impaciente. .

— Continue, frei. — E também tenho quase certeza de que ele tem co-

nhecimento de luta, a julgar pelos ferimentos. Roger estreitou o olhar, desconfiado. — Devo presumir que o senhor crê que ele vai precisar

desse conhecimento, já que está rumando para oeste? O país de Gales fica para oeste, padre.

— Bem como o feudo de sir Guy de Robespierre. — Minha nossa! — exclamou Roger. Nunca se encontrara

com sir Guy, pois ele e seus seguidores raramente iam muito além de seu feudo remoto. Mesmo assim, Roger, e a maioria da nobreza exceto talvez uma jovem que passara a vida num convento, já tinha ouvido sobre os hábitos lamentáveis dele em relação às mulheres. E aos homens também.

— O fugitivo pode simplesmente ter planejado levá-la ao feudo mais próximo.

Roger começou a se levantar. — Sir Roger, por favor! Temo que assim só vai conseguir

piorar! — protestou frei Gabriel. Roger afastou as mãos do padre, — Albert, providencie a minha roupa. E a minha espada.

Sele o meu cavalo. Partiremos imediatamente. — Albert saiu da sala apressado. Roger olhou para frei

Gabriel. — O senhor virá, também, frei, para identificar o ladrão.

— Mas os meus deveres aqui... — Não perguntei sobre os seus deveres aqui. Frei Jer-

rald poderá cuidar do monastério em sua ausência, não? A reação do religioso, de aparente indiferença com o que

estava acontecendo em relação ao próprio estado de êxtase, foi patética.

— Qual a distância até o castelo? — investigou Roger.

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— Fica bem afastado da estrada. Creio que sir Guy, humm, gosta de privacidade. Vai levar algum tempo, senhor, e o dia já vai longe. O senhor ainda não está recuperado...

— Isso não é da sua conta, frei, mas vou pedir para que venha comigo. — Roger suavizou a expressão por um momento. — Se Madeline caiu nas mãos daquele homem, ela vai precisar de conforto.

Frei Gabriel assentiu. — Devo dizer, sir Guy, que me sinto muito mais segura

com o senhor e seus homens a nos proteger! — comentou Madeline, quando se aproximaram dos muros esternos do castelo.

Desde que haviam tomado a estrada solitária, ficou tentando se lembrar do que ouvira sobre alguém chamado sir Guy. Por algum motivo, o nome estava relacionado a algo escandaloso.

Quando viu o castelo no vale em meio ao nevoeiro, lembrou-se do que ouvira havia muito tempo, quando chegara ao convento. Uma jovem da alta nobreza fora levada às freiras. Ninguém, exceto a madre superiora e algumas freiras mais antigas cuidaram dela. Isso não impediu que as outras irmãs comentassem o que achavam. Madeline não ouviu muita coisa, pois as freiras deixavam de sussurrar quando as estudantes se aproximavam. Mesmo assim, conseguira ouvir que algo terrível acontecera à jovem nas mãos de um homem chamado sir Guy de Robespierre. Ele não se importara com a posição social da jovem e morava longe dos outros, em um vale tão úmido e repugnante quanto suas intenções.

Madeline abençoou sua decisão de bancar a idiota quando ele se aproximou, e fez três desejos: que ele não fosse sir Guy de Robespierre, mas outro sir Guy; que, se ele fosse o mesmo sir Guy, o fato de apresentar-se como freira pudesse lhe dar alguma proteção; e que, se ela se apresentasse da forma mais idiota e sem atrativos possível, ele os deixasse em paz. Somente o último desejo mantinha-se precariamente em pé. Ainda bem que não estava sozinha!

Sir Guy voltou-se para ela com um sorriso insinuante. — Concordo que essa reunião seja oportuna. Há muitos

bandoleiros e rebeldes que não respeitariam a condição religiosa de vocês e os veriam apenas como dois viajantes. Ouvi dizer que um bando até se atreveu a atacar sir Roger de Montmorency.

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— Sir Roger de Montmorency? — repetiu ela, arregalando os olhos como se tentasse aplacar tanto a excitação quanto o medo de saber sobre Roger. — Quem é ele?

— Um cavaleiro normando muito poderoso. Ouvi dizer que feriram sir Roger e que levaram sua adorável irmã, que parece ser muito bonita, talvez tão encantadora quanto você. Não ouviu sobre esse incidente?

— Oh, o senhor me deixa sem jeito, sir Guy! Para dizer a verdade, eu e frei David andamos perdidos. Quando falamos com alguém foi para pedir orientação somente. Não fiquei sabendo sobre esse ataque. Disse que sir Roger foi ferido? Não seriamente, espero.

— Não. Ele está em boas mãos em St. Christopher, ouvi dizer. A morte dele seria um tragédia, hein, Farold? — O homem torceu os lábios, fazendo Madeline supor que dera uni sorriso. — Mas entendo que ele é um homem forte.

— A pobre jovem! Atacada? E levada pelos horríveis fora-da-lei. É bonita também, não foi o que disse? Qual o nome dela?

— Madeline. Lady Madeline de Montmorency. Madeline puxou as rédeas.

— Não! Madeline? Conheci uma Madeline num convento. Como ela é?

— Nunca tive o prazer de vê-la. — Loura, não é? Com o rosto corado? — Não sei — respondeu sir Guy, meio cansado da

conversa. — Sim, isso mesmo. Loura e muito alta. Magrinha. Alguns

dizem que ela tem uma elegância insuperável, mas eu a achei um pouco tola. E orgulhosa! Minha nossa! Nunca vi criatura tão vã. Tem certeza de que nunca a viu?

— Acredito que me lembraria se a tivesse visto — comentou sir Guy.

— Sim, sim, claro que se lembraria. Bem, bem, bem, atrevo-me a dizer que ela não deve estar tão arrogante agora nas mãos dos fora-da-lei.

— Farold e eu temos quase certeza de que foi um bando de ladrões que anda ameaçando as minhas terras. São rebeldes galeses, na verdade.

— Claro! Que tolice a minha! Seria necessário mais que um homem para ameaçar um normando. Quero crer que o senhor vá tratá-los da mesma forma rigorosa que aqueles outros patifes. — Madeline suavizou o tom de voz. — Eu vi os corpos...

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— Aquilo foi para dar exemplo. Diga-me, irmã, de onde é o frei David?

— Cornwall — respondeu Madeline, sem hesitar. Farold aproximou o cavalo de Dafydd e o galês esforçou-

se para não franzir o cenho. A essa altura, decidira fazer o mesmo jogo de Madeline pelo menos até que conseguissem sair daquele lugar. Ela podia ter-se identificado e condenado-o a um destino cruel nas mãos daqueles homens, pois eles não machucariam a irmã de sir Roger de Montmorency. Não tinha certeza de que sir Guy ou Farold estavam acreditando na teia de mentiras de lady Madeline. Agora, não duvidava de que ela estava correndo outro tipo de perigo e não a deixaria sozinha naquele momento.

— Tenho certeza de que o bom frei aqui a manteria a salvo — salientou Farold. — Ele parece um camarada bem forte.

— Oh, gostaria de ter tanta certeza! — declarou Ma-deline, com um trinado. — Confesso que Padre David parece impressionante, mas nunca portou arma. Ele passou a vida toda no monastério, percebe?

A essa altura, haviam chegado aos portões imponentes do castelo. Dafydd desacelerou o passo, como se estivessem sendo levados à própria execução.

Quando acabaram de passar, um homem velho, sem falar nada nem saudá-los, fechou os portões. O som da batida ecoou como o badalar de sino que anuncia a morte.

Dafydd avaliou o pátio espaçoso. Os estábulos ficavam à esquerda e outros prédios externos amontoavam-se junto ao muro. Aquele local também estava muito silencioso, como se as conversas e até as ordens fossem dadas aos sussurros ou, ainda, completamente desencorajadas.

Os homens de sir Guy aguardaram enquanto meninos vieram dos estábulos para cuidar das montarias. Os garotos, bem alimentados e bem vestidos, não disseram nada e nunca encaravam os homens. Apenas pegavam as rédeas e apressavam-se. Um deles veio pegar as rédeas do cavalo ruão e Dafydd pôde encarar o menino. Ele parecia aterrorizado e Dafydd sentiu uma dor no coração. Sir Guy devia ser um senhor muito severo.

O homem velho que trancara o portão aproximou-se de Dafydd.

— Gochel! — sussurrou, antes de sair apressado. Era a palavra galesa para cuidado. Dafydd observou

o homem afastar-se, sentindo-se cada vez mais temeroso.

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— Pode deixar a sua espada com um de meus homens, frei — anunciou sir Guy, chamando a sua atenção. — Não há necessidade de armas aqui.

Dafydd manteve a expressão inescrutável enquanto ba-lançava a cabeça.

— Frei David só se desgruda da espada na hora de dormir — explicou Madeline, rápido. — Estou sempre com medo que ele se machuque com isso.

— Bem, suponho que um religioso deva manter sua espada à mão, ainda que a use pouco — comentou sir Guy, sorrindo torto. — Não concorda, Farold?

— Sim, Guy — respondeu Farold. — Eu não o entendo, sir Guy — manifestou Madeline, com

um jeito confuso. — Há motivo para ele precisar da espada? — Não estava me referindo àquela espada, irmã —

respondeu sir Guy. Os outros homens trocaram olhares maliciosos. — Mas claro que ele pode manter essa espada, se prefere assim.

Dafydd não acreditava que um homem pudesse fazer um comentário tão grotesco diante de uma senhora e, ainda por cima, supostamente uma freira. A que tipo de homens desrespeitosos e rudes conduzira Madeline?

Sir Guy liderou o grupo para o corredor de entrada. Era uma construção antiga, pesada e impressionante, mas bem conservada. Dafydd deu uma boa olhada no grupo que acompanhava sir Guy. Compunha-se de vários homens jovens, bem vestidos e bem alimentados, embora nenhum deles tivesse o mesmo aspecto de fartura que Farold. Como isso se explicaria, pensou Dafydd, quando os camponeses pareciam estar padecendo de fome e incapazes, fracos demais para semear as terras? Era um verdadeiro mistério, mas as respostas a essas indagações não eram tão importantes quanto encontrar uma maneira de sair dali.

— Bem-vindos à minha mansão — anunciou o anfitrião, ao entrarem. Mais uma vez, não havia alternativa senão acompanhar e mais uma vez Dafydd não desejou nada além de pegar Madeline pela mão e sair daquele

lugar. — Embora esteja contente em poder ajudá-la; irmã — continuou sir Guy, enquanto os conduzia para a plataforma —, também ficaria muito feliz em resgatar lady Madeline de Montmorency. Tenho certeza de que seu irmão seria muito generoso ao expressar sua gratidão.

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— Olhou para Madeline, perspicaz, mas a única resposta que obteve foi uma risadinha idiota e o tagarelar semelhante ao gorjeio de passarinhos sobre os móveis maravilhosos do salão.

Dafydd notou que, embora o ambiente fosse ricamente mobiliado com peças pesadas de carvalho, a maioria parecia velha e arranhada, como se os homens de sir Guy se divertissem entalhando a madeira descuidadamente. Havia tapeçarias visivelmente antigas e desbotadas. Entretanto, sobre o assoalho, esteiras de junco jaziam muito limpas e, sobre as mesas, toalhas de linho estavam impecáveis. Tochas queimavam nos soquetes nas paredes, emitindo a fumaça para o alto. Cães enormes estavam soltos e ficavam grunhindo e brigando entre si por qualquer pedaço de alimento que era atirado ao chão.

Os homens de sir Guy distribuíram-se nas diversas mesas enquanto ele conduzia os convidados para a plataforma, onde uma longa mesa estava posta para o jantar. Dafydd percebeu, surpreso, que não havia mulheres no salão, apenas vários jovens esplendidamente trajados como pajens. Todos estavam muito graciosos, a pele tão delicada quanto a de meninas e cabelos pela altura do ombro muito bem penteados. Mas havia algo no olhar, a mesma expressão vista nos meninos do estábulo. Eles estavam com medo.

Dafydd olhou para Madeline e captou sua expressão espontânea de repulsa. Ela estaria entendendo que tipo de lugar era aquele, que tipo de homem sir Guy e seus seguidores eram?

— Talvez queira banhar-se, irmã? Eu posso ceder meus aposentos sem problemas.

— Oh, como o senhor é atencioso. Talvez mais tarde, sir Guy. Mas esse seu salão é mesmo suntuoso. E esses pajens. Tantos e tão bem cuidados! Estou muito impressionada, sir Guy, de verdade. E o aroma da cozinha! Não faço uma refeição decente há muito tempo. Frei David e eu agradecemos a sua hospitalidade, preciso dizer. Acho que estamos abusando.

— Não há nada de mal em aproveitar as boas coisas da vida — comentou Farold, calmo enquanto tomava uma cadeira ao lado da que sir Guy indicara para Madeline.

Dafydd viu como Farold olhava para Madeline e desejou poder cortar a garganta do sujeito.

Madeline deu uma risadinha ao tomar seu lugar. — Mas eu e padre David não podemos fazer isso! Seria

pecado, eu lhe asseguro. Mas tudo é tão tentador — salientou ela, quando a primeira bandeja foi posta à sua frente.

— Sim, com certeza, é — concordou Farold, sorrindo malicioso para sir Guy por sobre a cabeça de Madeline.

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Dafydd apenas pôde olhar, impotente. — Nós ficaremos bem no estábulo após esta magnífica

refeição — comentou Madeline, aparentemente alheia ao clima que se estabelecera no salão.

— Irmã, a senhora me ofende — retrucou sir Guy e posicionou a mão adornada de jóias sobre o peito. — Vai negar a pecadores como eu a oportunidade de conversar com religiosos? Ora, Farold, também está muito transtornado, não está, Farold? — continuou, sem aguardar resposta do amigo. — Farold adora religiosos.

— Bem, eles são uma necessidade — respondeu Madeline, dando uma risadinha. — Temo que logo tenha que confessar a gula. — Após um rápido olhar para Dafydd. começou a comer.

Ele, por sua vez, não tinha fome. Estava avaliando o salão, desesperadamente procurando uma forma de fugir dali. Uma porta conduzia ao pátio, uma outra, no final do corredor, levava aparentemente à cozinha. Esta ficava longe dos estábulos. A maneira mais rápida de sair era pela porta principal. Mas até onde conseguiriam ir sem atrair a atenção?

— E uma peça maravilhosa — comentou Madeline, de repente. Dafydd viu que ela apontava para a adaga no cinto de Sir Guy. — Minha nossa, são esmeraldas no punho? São, sim! Eu nunca vi esmeraldas de verdade. Posso vê-la?

Sir Guy sorriu indulgente e entregou a arma. — Ficarei muito feliz em permitir que segure a minha

adaga. Os homens ao redor riram abertamente. Mas somente

por um breve momento, pois assim que Madeline pôs a mão na arma, avançou contra ele, posicionando-a em sua garganta.

— Ora...! — exclamou ele, pressionado contra a cadeira. — Todos sentados — berrou ela. Após um momento de

hesitação, todos sabiamente obedeceram. — Mande seus homens largarem as armas — ordenou

Madeline. — Não estou entendendo! — protestou sir Guy. — Acho que está, sim. — Madeline pressionou a adaga na

garganta de sir Guy, ciente da movimentação do galês. — David, ele acha que eu não serei capaz de feri-lo, mas

você é, não é? — Com certeza, poderia acabar com isso agora mesmo — afirmou Dafydd, ansioso enquanto segurava firme sua

espada. Por mais abomináveis que fossem, Madeline não conseguia

pensar em morte.

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— Recolham as armas. — Ela olhou para os pajens que estavam paralisados ao redor. — Vocês vão nos ajudar?

Eles olharam para sir Guy e então uns para os outros. Um deles, o mais velho, deu um passo. — Com prazer — declarou, com desdém.

— Preciso de algum material para amarrá-los. O menino disse algo rápido e os colegas saíram

apressados, voltando pouco depois com cordas. Os demais re-colheram as armas.

Madeline correu para a porta quando sir Guy, Farold e os demais estavam amarrados.

— Venha, David, vamos sair daqui logo. — E quanto a eles? — Ele indicou os pajens. Sorrindo para os meninos, falou com o que parecia ser o

líder. — Fujam! — aconselhou, gentil. — Peguem o que quiserem

desse castelo e fujam para o mais longe possível. Daqui a um ano e um dia, vocês serão livres.

Dafydd juntou-se a Madeline e ela lançou um olhar de desdém a sir Guy, endireitando o corpo, orgulhosa.

— Eu sou lady Madeline de Montmorency, sir Guy. e tenha certeza de que contarei a meu irmão sobre o senhor e seus homens. Sugiro que comece a pedir perdão pelos seus pecados, embora duvide que consiga se penitenciar o suficiente nesta vida.

Dizendo isso, voltou-se e deixou o salão, apenas para deparar com uma cena inusitada. Uma horda de camponeses maltrapilhos passou pelos portões do castelo e tomava conta do pátio aos brados, agitando espadas, machados e até forcados. Os rostos pareciam cheios de ódio e raiva. Madeline hesitou ao chegar à porta principal, pois uma flecha atingiu a madeira bem a seu lado.

— Corra! — gritou Dafydd junto a seu ouvido, puxando-a pela mão.

Passaram pelo pátio em direção ao estábulo. — O que é isso? Quem são eles? — indagou ela, ofegante. — Os arrendatários, provavelmente, — Dafydd apressou-se até o primeiro cavalo e levou-o para fora do estábulo. — Um dos meninos deve ter contado o que estava acontecendo. É melhor sairmos daqui o mais rápido possível. — Mas não fizemos nada... — começou ela. Ele a agarrou pela cintura e colocou-a montada no cavalo. A gritaria se intensificou.

— Eles não vão se importar. Nós somos estranhos. Você é normanda. É só isso o que importa para eles!

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Sem esperar a resposta dela, Dafydd guardou a espada e subiu na garupa. Manobrou o cavalo por entre as pessoas e afastou um homem que tentou apanhá-los. Assim que passaram pelos portões, pós o cavalo a galope e deixou para trás aquele lugar amaldiçoado. !!!

CAPITULO SEIS !!Dafydd poderia ter cavalgado a noite toda para ficar

longe do feudo de sir Guy com Madeline a salvo em seus braços. Estava enauseado, de corpo e alma, perturbado além do que achava ser possível, desesperado para escapar de sir Guy e seus homens.

O cavalo escolhido mostrara-se um animal soberbo, correndo com vigor e com a mesma velocidade por um bom tempo. Só mais tarde, percebeu que devia estar com o garanhão de sir Guy. Passara da meia-noite quando finalmente freou a montaria, que estava espumando e muito ofegante. Embora não soubesse o quanto haviam avançado, um rápido olhar para o céu indicou que haviam rumado para norte e que também já haviam passado pelo local onde os bandoleiros haviam atacado Madeline e até pelo largo do pequeno vilarejo.

Sua primeira preocupação era com Madeline. Sem falar nada, estendeu os braços e agarrou-a peia cintura, ajudando-a a desmontar. Ela fechou os punhos com firmeza sobre os braços fortes e apoiou-se nele assim que tocou no solo.

— David, David... — murmurou. — Dafydd — sussurrou ele, desejoso por ela conhecer

seu verdadeiro nome. Precisava de que ela soubesse. — Meu nome é Dafydd.

— Aqueles homens, aqueles homens terríveis! Eu lamento tanto! Devia ter me lembrado antes... Devia ter me recusado a ir com eles...

— Psiu — sussurrou,ele. — Já acabou. Estamos bem longe deles. — Embalou-a gentil e ficou ouvindo-a chorar baixinho, feliz por ela permitir que ele a mantivesse daquele jeito. — Devíamos ter saído da estrada. Não acho que vão nos seguir, mas seria melhor não facilitarmos.

Ela ergueu o rosto úmido de lágrimas. — O que acha que aconteceu depois que saímos?

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— Não faço idéia — respondeu Dafydd, sombrio, — Espero que os meninos fiquem bem. Devíamos agradecer o ataque. Sir Guy vai estar muito ocupado para nos seguir, se ainda estiver vivo. Venha, precisamos descansar.

— Sim, tem razão — concordou ela, afastando-se. Tentou caminhar, mas fraquejou.

Habilmente, ainda segurando as rédeas com uma das mãos, Dafydd tomou-a nos braços e carregou-a até um riacho na floresta. Nesse intervalo, sentiu-se tomado por um maravilhoso instinto protetor. Por anos a solidão o acompanhara. Até aquele momento. Juntos, eles haviam encarado o perigo e juntos tinham escapado. Era quase providencial ter passado por aquela provação para poder ter esse momento de encantamento.

Ele a pousou gentilmente no solo e amarrou as rédeas em uma árvore próxima.

— Vamos ficar aqui. Mas somente até o amanhecer. Ela assentiu e ergueu o olhar, sentindo-se miserável.

— Oh, Dafydd, e se eles tivessem me atacado! — Ou a mim — acrescentou ele. Sentou-se a seu lado

sobre o solo úmido. — Você me salvou, Madeline. — Não gostei da forma como olharam para você. — Ela

sorriu fracamente, e ele ficou contente por ver um leve sinal de volta à normalidade.

— Obrigado — declarou ele, sincero. — Obrigado por me salvar. Confesso que não achava que você deduzira... sobre eles.

— Havia algo muito errado com eles, logo vi. Então, lembrei-me de onde ouvira falar de sir Guy. — Rapidamente, ela contou o incidente quase esquecido. — Decidi que a melhor coisa a fazer era passar por ignorante até poder ter certeza. Então, eu vi como aquele pobre homem olhou para você, Dafydd. — Estremeceu ante a lembrança. — Aqueles pobres meninos! Espero que fiquem bem.

— Eles sempre estarão melhor livres. Eu estou surpreso por você saber sobre esses assuntos.

— Confesso que nunca acreditei nas histórias sobre homens como ele. E ele era mesmo tão cruel e avarento. Tinha tanto, enquanto os arrendatários morriam de fome. Entendo por que eles decidiram fazer o ataque.

— Ou por que um galês se rebela? — perguntou ele, encarando-a intensamente.

Ela assentiu devagar e demonstrou que realmente entendera.

— Ou por que um galês se rebela.

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Enquanto ela continuava encarando-o, a expressão ho-nesta e de companheirismo, Dafydd sentiu no coração que ela nunca lhe pertenceria, de forma alguma. Made-line era normanda, nobre e comprometida, ainda que o impressionasse mais do que qualquer outra mulher que já conhecera.

— Foi um ótimo estratagema aquele — comentou Dafydd, casual, e afastou-se um pouco. — Aprendeu a atuar desse jeito no convento?

— Para dizer a verdade, estava imitando irmã Elizabeth. — Ah. Você tem talento. — Costumava fazer as outras irmãs rirem, especialmente

quando falava como madre Bertrilde. — Ela era como essa irmã Elizabeth? — Oh, não. Ela era muito séria e muito severa e só falava

para corrigir erros ou para dar ordens. Dafydd deduzia, pelo tom de voz de Madeline, que ela não

gostara muito do período que passara sob orientação de uma mulher tão severa. Ali estava um novo aspecto a considerar. Sempre supusera que as mulheres que viviam em conventos normandos levavam uma vida cheia de luxo, e livres do autoritarismo de homens. Parecia, entretanto, que madre Bertrilde era tão severa quanto qualquer pai, irmão... ou marido.

— Você deve estar feliz por se casar e deixar esse lugar. Ela retirou o lenço da cabeça, suspirando, e Dafydd

tentou ignorá-la quando ela soltou o cabelo. — Serei honesta com você, Dafydd, pois agora somos

iguais. — Iguais? — Você me salvou e eu o salvei. Você podia ter me

largado sozinha quando ouvimos sir Guy e seus homens se aproximando.

Ele sentiu o coração falhar uma batida. Sim, iguais. Ele se sentia daquela forma também, e jamais esperara se sentir assim com uma mulher. Entretanto, ela era tão diferente, tão especial... e aparentemente percebia que alguma coisa estava acontecendo entre eles. Algo maravilhoso que não deveria, não poderia acontecer.

— Não teria deixado nem o meu pior inimigo lá — respondeu ele, tentando parecer convicto.

— Espero não ser a sua pior inimiga — ponderou ela, sorrindo.

— Você não é nem minha inimiga. — Eu sei disso, também, e é por isso que confio em você.

Portanto, vou confessar, agora que sei que Roger está bem e em

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boas mãos, que não desejo voltar para ele. Ele está me forçando a me casar contra a minha vontade.

Novamente, aquilo era outro aspecto que Dafydd nunca considerara, que ela estivesse relutante em voltar para a família. De alguma forma, aquilo soou como uma boa nova.

— Ele pode forçá-la a se casar? Ela lhe lançou um olhar determinado, que ele passara a

reconhecer. — Ele vai tentar. — O seu noivo sabe como você se sente? — Não. Ele não sabe absolutamente nada sobre mim,

como eu não sei sobre ele. — Como ele se chama? — Chilcott. Dafydd balançou a cabeça. Nunca ouvira aquele nome. — Por que não quer se casar com ele? — Eu nunca vi o homem! — Não é assim que os normandos fazem? — Em alguns casos, mas eu achava que Roger não iria

fazer uma coisa dessas, embora não o veja desde que éramos crianças. Pensei que ele se importasse comigo, mas parece que suas ambições vêm em primeiro lugar.

Ela parecia sentir-se traída pelo tom de voz. Ele conhecia muito bem aquele sentimento, pois também fora traído. Não pela família, mas por um homem que admirava, e que mostrara não estar imbuído de sentimento patriótico pela volta do domínio galês sobre o país de Gales, mas sim pelo desejo egoísta de ver a própria família, e somente a sua família, de volta â opulência, custasse o que custasse.

— Você forçaria sua irmã a se casar? — disparou Madeline.

— Minha irmã está morta — respondeu Dafydd, sim-plesmente. Sim, precisava reforçar. Lembrou-se de Gwen-nyth e de como ela morrera, nas mãos dos normandos.

— Oh, desculpe! — E os meus pais também. Mortos pelos normandos após

serem obrigados a ver o que eles fizeram com minha irmã. Eu só escapei porque me escondi.

— Fico feliz por ter se escondido. Ele se levantou de repente,

— Vou nadar no rio. Preciso me lavar. Dafydd não esperou que ela respondesse e saiu a passos

largos na direção da água que brilhava. Arbustos cresciam junto à margem, e os sons que emitiam devido à brisa lembravam

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fantasmas que o atormentavam por ter traído seu povo. Ele tirou a túnica, as botas e ficou nu.

Caminhou para a água fria e purificadora. Então, levan-tou-se e respirou fundo antes de ficar ciente da figura que estava à margem.

— Eu não sou sua inimiga, Dafydd — declarou Madeline, suave. — Lamento pelo que os normandos fizeram à sua família e gostaria do fundo do coração poder compensá-lo.

— Eu sei que você não é responsável — respondeu ele, e ao mesmo tempo desejava que ela se afastasse para ele poder se vestir.

— A água está muito fria? — Está. Para espanto dele, ela começou a tirar a roupa. — O que... o que você está fazendo? — exigiu ele, áspero. — Vou tomar banho também. Ele pôde apenas ficar olhando enquanto ela despia toda a

roupa e avançava, completamente nua, para dentro da água. Desde a morte dos pais e após ser separada do irmão,

Madeline sentira-se completam ente só no mundo. Até aquele dia. Até ali e até aquele momento. Queria Dafydd, precisava dele, desejava-o. Ele a lembrara de seu destino: o casamento com um homem que não queria. Com certeza, conseguiria recusar a primeira escolha de Roger e talvez, uma segunda escolha, mas ele era muito determinado. Eventualmente, ele conseguiria que ela se casasse com alguém que lhe fosse conveniente. Roger era homem; jamais entenderia o que ela considerava desejável num marido. Portanto, bem ali e naquele momento, ela mesma escolheria um homem para si. Esse homem, esse guerreiro, protetor e companheiro, cuja família sofrera tanto nas mãos de seus compatriotas. Mantendo-se sobre as rochas acidentadas e escorregadias, observou-o aproximar-se pelas águas. Gotas de água brilhavam sob o luar e, quando ele a tomou em seus braços, ela se apoiou, contente.

Tomada por um desejo intenso, Madeline puxou-o para si e beijou-o, sem sequer tentar refrear a paixão, ao contrário, deixando-a correr solta. Queria sentir os braços fortes envolvendo-a, queria sentir os lábios sobre os seus, queria que ele a erguesse e a levasse para a grama, onde a pousaria.

Ela recebeu o corpo morno e pesado. Explorou-o com as mãos, maravilhando-se com a firmeza dos músculos sob a pele molhada, tocou levemente a pele manchada de cicatrizes. Ele também explorava-a, acariciando com as mãos e, depois, com os

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lábios. Ela arqueou as costas, entregando-se totalmente a ele e à miríade de sensações que ele despertava.

Dafydd sussurrou palavras suaves em seu ouvido, en-quanto guiava sua mão para a região abaixo da cintura. Ela o tocou, retraindo-se por um instante. Ele permitiu que ela se soltasse. Então, meio tímida, meio ansiosa, aventurou-se sozinha. Ele prendeu a respiração e nos olhos castanhos surgiu a marca do desejo e, com esse incentivo, ela entreabriu as pernas, mais por instinto do que por conhecimento.

— Annwyl — sussurrou ele, enquanto acariciava-a e introduzia-se. — Annwyl... — Amada.

Madeline sentiu uma dor intensa e momentânea, mas logo a esqueceu quando começou a se excitar. Com gritos de prazer quase angustiantes, Madeline respondia ansiosa com a boca, as mãos, o corpo. Sentia-se como metal sob o calor de uma fornalha, moldável, maleável, pronta para se renovar a cada carícia. Tudo o que ele fazia só aumentava seu desespero, até que ela atingiu um ponto intenso, estranho. Ele enterrou as mãos no cabelo dela, gemendo, enrijeceu-se e e depois relaxou sobre ela.

Ficaram ali deitados, aconchegados pelo abraço mútuo, ofegantes e saciados por um longo tempo.

Por esse longo tempo, Madeline sentiu-se feliz. Deli-ciosamente feliz, até que refletiu sobre algo que não lhe ocorrera antes.

E se ficasse grávida? E se parisse um filho desse rebelde galês? Seria humi-

lhada, banida, denegrida. Afastou Dafydd e ergueu-se. — O que foi? — resmungou ele, levantando-se também.

Nu, sob o luar. Ainda magnífico. Ela não conseguia falar, pois a vergonha era unicamente sua. Fora ela que

decidira entrar no rio nua com um plano na cabeça. Ele teria parado a qualquer tempo, sabia sem sombra de dúvida, pois esperara quando ela se assustou por um breve instante. Não, a culpa e a vergonha eram só suas e sozinha iria carregá-las.

— Eu... eu estou com frio. Ele pegou o hábito dela e aproximou-se com um sorriso

tão reconfortante no rosto bonito que a deixou pensativa sobre aquela situação. Mesmo assim, recebeu as vestes e voltou-se para se recompor.

— Devemos nos esconder. Pode haver outros foras-da-lei. — Sim. — Ele também se vestiu, pegou a espada e, então,

parou para olhá-la intensamente. Ela não pôde suportar esse escrutínio.

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— Talvez naqueles arbustos. Dafydd observou-a rastejar para baixo do arbusto de

folhas largas e deitar-se calma e silenciosamente, como se nada importante tivesse acontecido entre ambos. Ele conduziu o cavalo para baixo do arbusto, amarrou a rédea num galho e foi juntar-se a ela. Assim que se aproximou, ela afastou-se e deu-lhe as costas.

O que tinha dado nela? Seria ele? Ou arrependera-se do que haviam feito? Ele sentia tudo, menos pesar, pelo que haviam partilhado, e sabia que não se enganara com o desejo no olhar dela.

— Amanhã, vou levá-la de volta para o convento — informou ele, finalmente. Não podia arriscar-se indo para o sul, de volta ao monastério, mas não queria arriscar a segurança de Madeline.

— Não. — Ela nem sequer deu-se ao trabalho de encará-lo.

— Então, para o monastério. Os monges vão ajudá-la. — Roger tem muitos amigos poderosos, mas meus pais

também tinham. Conheço um que com certeza me ouvirá e me ajudará a convencer Roger de que não devo me casar com Chilcott. Ele não mora muito longe daqui.

O que estava errado? Ela de repente ficara fria, dis-tante... mas estivera ansiosa pelo ato de amor! Ela o seguira até o rio, incentivara-o a continuar...

Dafydd sentiu o coração descer até o estômago, para em seguida sentir o calor da vergonha ao descobrir como pudera ter sido tão estúpido.

— Por que a pressa, senhora? — indagou, friamente. — Uma vez que não é mais virgem, Chilcott com certeza

não vai querer se casar com você. Finalmente, ela se voltou e encarou-o. — Não há motivo para ninguém ficar sabendo o que

fizemos. — Mas, então, de que adiantou esse seu sacrifício, o fato

de entregar a sua virgindade a um camponês galês? — Você não entende! — Oh, sim, entendo! — Oh, como fora estúpido, cego,

desesperado por seu amor! — Se seu irmão forçá-la a se casar, você rapidamente vai contar a ele, ou ao noivo em potencial, que não é mais virgem. É um plano adorável, senhora. O casamento será suspenso, o irmão autoritário será subjugado. Ou, talvez, pretenda esperar até a noite de núpcias e deixar que o pobre idiota descubra por si mesmo que foi logrado. Com certeza, o

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noivo e seu irmão ficarão contentes com uma anulação discreta, assim ninguém vai ficar sabendo que você os enganou. Somente um galês grosseirão ê que saberá da história, mas, na-turalmente, isso não tem importância.

— Você está enganado! — Você não era virgem? — disparou ele, falsamente

admirado. — Você é mesmo uma boa atriz, embora haja alguns artifícios para melhorar a sua atuação. Umas lágrimas para simular a dor da penetração talvez. Um leve temor ante a inocência.

— Não foi fingimento! — Não importa. Conseguiu o que queria e eu também. — Você não sabe o que eu quero — rebateu ela. — Não

entende nada sobre a minha vida e duvido de que um dia entenda.

— Desde que eu arrisque a minha própria vida para isso? — Sou muito grata, como já... — Demonstrou? Demonstrou de uma forma muito pra-

zerosa. Estou encantado por ter escolhido essa forma para me agradecer.

Ela franziu o cenho, sombria. — Pretende me "agradecer" novamente? — Providenciarei para que seja recompensado, com

dinheiro ou um cavalo. Ele sorriu irónico ante as palavras repugnantes. — Não sou um servo, senhora, nem estou à venda. — Nem eu — Madeline forçou-se a dizer. — Nem vou

implorar por sua ajuda. Se não quiser me ajudar, encontrarei alguém na próxima vila que com certeza possa conduzir-me aonde desejo.

— Isso é muito perigoso. Já se esqueceu de sir Guy? Há outros como ele que consideram uma mulher desacompanhada um ótimo aperitivo.

Ela deixou de franzir o cenho ao lembrar-se do terror que sentira na fuga recente.

Embora estivesse magoado e zangado, Dafydd lamentou lembrá-la de sir Guy. Quase lamentou ter-se lembrado do episódio também, pois isso forçava-o a lembrar-se de que ela o salvara. Não poderia deixá-la por conta própria, talvez, para um destino igualmente cruel. Era responsável por ela agora, gostasse ou não.

— Eu a levarei aonde quiser ir. — Providenciarei para que seja recompensado.

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— Não quero recompensa. Quero a sua palavra de que, se eu me vir em perigo por ajudá-la, você vai garantir a minha liberdade para voltar ao país de Gales.

— De acordo, David. — Dafydd! Meu nome é Dafydd — disparou ele, áspero.

Então, ela se esquecera também disso. Como ele significava pouco para ela!

— Muito bem então, Dafydd. Tem a palavra de lady Madeline de Montmorency.

Ele sentou-se a poucos passos de distância dela. — Vou fazer vigília esta noite. Ela não respondeu, mas voltou-se para dormir. Bem,

pensou Dafydd, podia ignorá-la também. Uma coruja piou e um rato passeou pelos arbustos. O cavalo remexia o mato placidamente, como se nada houvesse acontecido.

Mas tinha. Muita coisa. Pelo menos para ele. — Minha nossa! — exclamou Roger, comedidamente, ao

ver a pilha de corpos carbonizados num canto do salão, quando o alvorecer iluminou a cena.

Madeira queimada jazia sobre o assoalho do que fora um salão imponente. As pedras, rachadas devido ao calor intenso, estavam esparramadas como se um gigante tivesse desarranjado-as. Cheiro de fumaça e de carne queimada saturavam o ar da manhã.

Ao lado de Roger, frei Gabriel, abalado, murmurava uma prece. Os demais cavaleiros, embora acostumados a cenas de matança, ficaram impressionados com o que viram.

— Guarde o fôlego, frei — disparou Roger, friamente. — Se há justiça no mundo, estes homens vão continuar queimando em outro lugar por toda a eternidade.

— Senhor... — Preces são para merecedores. Se uma parte sequer do

que ouvi sobre sir Guy e seus homens for verdade... — Não cabe ao senhor julgar, sir Roger — interrompeu

frei Gabriel, com firmeza surpreendente no tom de voz geralmente tranquilo, — Não cabe ao senhor, nem a mim, nem a nenhum homem julgá-los agora.

Roger não estava convencido, pois ouvira muitas histórias sobre sir Guy e frei Gabriel provavelmente nunca ouvira nem metade dos pecados que atribuíam a sir Guy. Mas não adiantava esclarecer o bom frade,

Albert aproximou-se, trazia um pano junto às narinas.

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— Algum sinal de Madeline? — perguntou Roger, apreensivo. Não havia nenhuma mulher entre os mortos, mas isso não diminuiu a sua ansiedade.

— Não, senhor — respondeu Albert. Apontou para um homem velho que o acompanhara. — Nós encontramos esse serviçal, senhor, o porteiro, ou assim ele se diz.

— O que aconteceu aqui? O ancião ajeitou o topete, sorriu de leve ao ver os corpos. — Uma luta, houve, sim. O velho galês estava evidentemente satisfeito com a

morte do patrão, apesar de tentar parecer chocado e submisso. Na verdade, estava quase tripudiando, o que explicaria o fato de ainda se encontrar ali. Talvez ele mesmo quisesse contar o que acontecera a sir Guy e seus seguidores.

— Quem lutou? — Não sei exatamente. Sir Guy tinha muitos inimigos —

comentou o porteiro. Indicou os corpos. — Mas eles perderam, né?

— Viu uma mulher por aqui recentemente? — Sir Guy sempre trazia mulheres para cá, esponta-

neamente ou à força. Roger esforçou-se para se manter calmo, apesar de toda

a ansiedade. — A mulher que estou procurando estava vestida de

freira. — Ah! — Você a viu? — Às vezes, sir Guy gostava de trazer freiras. Roger

sentiu o temor crescer. Sir Guy parecia pior do que ouvira falar. — Uma linda mulher, ela era, senhor? — Sim, muito bonita. — Talvez a tenha visto ou não. Determinado a saber a verdade, Roger agarrou o velho

pelo pescoço e ficou cara a cara com ele. — Preste bem atenção. Eu sou sir Roger de Montmo-

rency e estou procurando por minha irmã, lady Madeline de Montmorency. Se eu descobrir que você sabia o paradeiro dela e não me contou, mando meus homens aqui de volta para pegar você. E então você vai lamentar muito, muito mesmo.

— Havia uma freira e um frade, juntos. Vieram com sir Guy pouco antes do ataque — disparou o velho, os olhos arregalados de medo.

— Uma freira e um frade?

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— Sim, senhor, verdade! Roger soltou o pescoço. O velho engasgou tentando

respirar, enquanto frei Gabriel avançava. — Esse frade, como ele era? — Era baixo, magro, dentes podres e tinha cabelo ruivo —

descreveu o velho com convicção. — Mas a moça era uma beldade.

Roger e frei Gabriel trocaram olhares. Não era impro-vável que um galês protegesse outro.

— Estavam a pé? — investigou frei Gabriel, — Estavam. Frei Gabriel comentou: — Se me dá licença, sir Roger, acho esse local

insuportável. Roger assentiu em acordo e observou o frade dirigir-se

aos estábulos antes de encarar o velho novamente. — Onde eles estão agora? — Fugiram quando a luta começou. — Os dois? — Juntos partiram. A pé. Roger respirou fundo. Não era a notícia que queria

receber, mas, se a freira fosse mesmo Madeline, parecia estar bem e escapara de sir Guy antes da luta.

— Albert! — Sim, senhor? — Mande Bredon e os cães vasculharem a estrada e a

área ao redor. — Sim, senhor. — Aíbert desapareceu rapidamente. — Meu velho, quem fez isso? — Roger gesticulou para o

salão em ruínas. O velho umedeceu os lábios nervosamente. Roger con-

duziu-o de iado e disse: — Nem eu, nem meu suserano, barão DeGuerre, gos-

távamos de sir Guy e seus homens — adiantou, baixinho —, e poucos irão lamentar a morte dele. Mas precisamos responder a algumas perguntas e seria melhor encontrar as respostas aqui, agora, de forma tranquila, antes que outros venham a sofrer. Foram os fora-da-lei?

O velho assentiu. — E os arrendatários também, talvez? O velho não

respondeu. — E os pajens? — Os o quê? — Os meninos. Ouvi algumas histórias.

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— Ele fazia coisas horríveis com eles, ele e os segui-dores — confirmou o velho, olhando Roger fixamente. — Não vai encontrá-los agora. Fugiram todos depois de pegar o que puderam, que foi uma parca recompensa pelo que passaram, senhor — sentenciou o velho, desafiador.

Roger deteve-se antes de aquiescer, mas não mandaria seus homens atrás dos meninos. Diria ao barão tudo o que sabia e sugeriria que passassem aquele castelo e as terras a alguém mais merecedor, o que incluía quase todo mundo. Roger percebeu que frei Gabriel voltara e indagava algo entre os homens.

— Você pode ir agora — liberou Roger. Frei Gabriel apressou-se para mostrar a Roger algum

objeto que trazia nas mãos. — O cavalo ruão, sir Roger. Ainda está no estábulo. — E o que é isso? — Roger assentiu para o objeto que o

padre trazia. — Estava amarrado ao cavalo. — Abra — ordenou o nobre. Frei Gabriel suspirou, mas obedeceu. Dentro, havia um

resto de pão, uma pedra-de-fogo e uma bolsa com moedas. Ambos arregalaram os olhos ao ver o dinheiro.

Roger fez uma expressão irónica. — Se esse camarada é quem está procurando, parece que

ele roubou mais do que roupas e um cavalo. Frei Gabriel assentiu. — Parece que sim. — E ainda acredita que minha irmã está a salvo com ele? — Acredito — respondeu o religioso, convicto. — Apesar de sua confiança nele, esse sujeito ainda pode

pedir resgate para devolvê-la a salvo. — Ele a trouxe aqui, não trouxe? Se ele quisesse resgate,

não a traria a nenhum feudo normando. — Ele quase a trouxe para a morte, ou algo pior. — Se estou entendendo bem a situação, sir Roger, me

parece que ele a salvou. — Frei Gabriel sorriu levemente. — Acredite-me, senhor, um homem que passou a vida toda na companhia de outros homens logo aprende a identificar pequenos sinais de valor ou falsidade. Se tivesse uma irmã, eu não temeria por ela na companhia desse homem.

— Suponho que isso deva me confortar — comentou Roger, e franziu o cenho.

— Não, senhor. Somente a fé pode confortar. Roger voltou a atenção à trouxa.

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— Muito pouco e agora não tem nem mesmo isso. O velho disse que eles partiram a pé. Não podem ter ido longe, se o porteiro não estiver mentindo sobre eles não terem pegado um cavalo.

— Por que ele faria isso? — perguntou frei Gabriel. — Porque o porteiro é galês. E o homem que está com

Madeline provavelmente é galês e pode ser enforcado por roubar um cavalo. Talvez ele queria ajudar um patrício ou apenas queira me aborrecer. Quem sabe?

— Parece ansioso em desacreditar o pobre velho. — Conheço o mundo, padre. O mundo de verdade, seja

galês ou normando, não se conhece num monastério. — O que pretende fazer? — Ora, continuar as buscas, claro. Frei Gabriel franziu o

cenho. — Acho que seria prudente descansar, sir Roger. Ca-

valgou durante a noite inteira e já se excedeu. — A minha saúde é problema meu. — Não vai ajudar a sua irmã se ficar doente. Roger

suspirou. — Oh, muito bem. Mas só porque os cavalos precisam

descansar. Vamos parar aqui e recomeçar ao meio-dia. Assim está bem, frei?

— Está. Mas só mais um problema. Roger ergueu o cenho, confuso.

— Vamos permanecer até que tenhamos dado a esses homens um enterro digno, juntamente com aqueles outros que vimos pendurados nas árvores. !!!

CAPITULO SETE !!!À primeira luz, Dafydd chamou Madeline, ignorando a

beleza de seus lábios entreabertos e cílios espessos sobre a pele alva. Ainda zangado, ordenou rispidamente que ela montasse no cavalo. Esperou pelo protesto dela, mas, pela primeira vez, ela não retrucou.

Ela o instruiu para que continuassem para o norte, acompanhando a estrada principal, pois esse era o caminho que levava a seus amigos. Ele, não querendo parecer interessado na vida dela, não conversou exceto para perguntar a distância até

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esses amigos. Ela não tinha certeza, só sabia que eles ficavam a noroeste dali.

Então continuaram em silêncio, até fazerem uma pausa para se refrescar num riacho.

— Vamos ter que vender o cavalo — comentou Made-line, ao montar novamente para prosseguirem viagem.

Como antes, Dafydd caminhava à frente do garanhão, de onde não conseguia vê-la.

— Não. E muito arriscado — respondeu ele, decidido. Dafydd tentava manter o tom de civilidade, apesar

dos sentimentos caóticos que o invadiam. Preferia vender a alma a deixar que ela visse quanto o perturbava, ainda mais parecendo inabalável à sua raiva e à sua paixão, já que alcançara seus próprios objetivos.

— Não importa o quanto ache arriscado — rebateu Madeline, resoluta.

Ela continuava a agir como se nada tivesse acontecido entre eles na noite anterior, enquanto ele era atormentado pelas lembranças daqueles bons momentos.

— Nós precisamos vender este cavalo — insistiu ela. — Precisamos de comida e de outras roupas.

Na noite anterior, ela conseguira manobrá-lo para obter o que queria; desta vez, ele não cederia aos esquemas dela com tanta facilidade. Se ela pudesse pensar em outra coisa senão o próprio conforto, veria que aquela idéia de vender o cavalo roubado de sir Guy era perigosa demais para eles... para ele, principalmente. O plano original era comprar outras roupas com o dinheiro roubado ao abade. Isso, sim, teria sido uma transação tranquila. Vender um cavalo, entretanto, era demais, especialmente quando era um galês tentando passar a mercadoria. Os normandos e saxões consideravam os galeses ladrões e iriam investigar a pessoa que tentasse vender um animal tão selecionado.

— Devíamos sair da estrada — declarou ele, mudando de assunto e reforçando um aspecto para o qual já alertara antes com pouco sucesso. — Muitas pessoas já nos viram.

— Meu irmão está com Bredon, o homem de caça com os melhores cães. Se permanecermos na estrada, a nossa trilha vai se misturar com outras e será mais difícil nos identificarem. E, se conseguirmos outras roupas, só o que conseguirão ver será duas pessoas viajando e não um homem mal disfarçado de frade.

Ele voltou-se e lançou-lhe um olhar ameaçador. — Você também não se parece com uma freira. — Ele

avaliou o hábito rasgado e amarrotado e percebeu ime-

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diatamente que cometera um erro, pois ainda estava muito ciente das formas dela sob o tecido. — Você pensou que eu era um frade — ponderou, voltando à questão primeira —, quando eu a salvei daquele fora-da-lei.

— Só estava em condições de avaliar você pelas suas roupas e aquele fora-da-lei era apenas um menino — disparou, impaciente.

— Você estava suficientemente preocupada com aquele menino a ponto de querer amarrá-lo — Dafydd refrescou-lhe a memória.

— Não era eu. E é você agora? Ou você seria a mulher da noite an-

terior? Essa linha de raciocínio era inútil. — Para nós é perigoso tentar vender o cavalo e, além

disso, sem ele como pretende chegar até esses seus amigos? — Nós iremos a pé. Ele desdenhou, e coçou o braço onde a lã incomodava. — Eu posso caminhar essa distância e se você acha que

não precisa de outras roupas, sofra então. Mas precisamos de comida e não temos nada para vender exceto o cavalo — explicou ela, como se ele fosse bobinho. — Devemos tentar vender na próxima aldeia. Amanhã deve ser dia de feira, pois já cruzamos com várias pessoas pela estrada. Além disso, já devemos estar bastante afastados dos domínios de sir Guy para que esse cavalo não seja reconhecido.

Dafydd não respondeu. Ela estava certa quando calculou que sir Guy estava longe dali e que morava em relativo isolamento. Dessa forma, talvez não corressem tanto perigo. Mas não lhe daria a satisfação de concordar. Ela não estava no comando.

— Devemos descansar agora — anunciou ele ao avistar um local adequado cheio de árvores e arbustos. Conduziu o cavalo para fora da estrada e segurou os galhos para que não arranhassem.

— Temos ainda algum tempo antes de o sol se pôr — observou Madeline, enquanto segurava um galho a fim de não ser atingida no rosto.

— Eu sei. Ele amarrou o cavalo em um galho de ameixeira e olhou ao

redor, satisfeito. — Você deve ficar em segurança aqui. — Está planejando ir a algum lugar sem mim? — exigiu

Madeline, desconfiada.

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— Nós precisamos comer. Lembra-se? — Ele quebrou galhos finos e longos e afiou as pontas com a espada enquanto ela desmontava. — Provavelmente conseguirei um peixe ou um coelho.

— E como pretende cozinhá-lo? Não temos pedra-de-fogo para acender uma fogueira.

Ele nem parou a atividade, — Então não vamos cozinhar, não é? — Não vou comer carne crua. — Não está com fome? — Não o esse ponto. — Aproveite o jejum então, senhora. Madeline ficou imaginando com que tipo de bárbaro

estava viajando. Carne crua era revoltante. E, quanto ao comentário dele sobre jejum, bem, ela já jejuara várias vezes. Era verdade que estava com fome, mas poderia continuar por algumas horas até se sentir fraca.

O que a espantava era a maneira ríspida e grosseira dele, embora soubesse que era tudo culpa sua. A percepção repentina das consequências do ato que haviam cometido deixou-a impaciente e rude, quando na verdade sentia-se fragilizada.

Ele não sofreria consequências sérias decorrentes da noite anterior, nem talvez entendesse o que ela poderia enfrentar. Ela sabia, morando perto da fronteira com o país de Gales, que os galeses não viam a ilegitimidade com tanto rigor quanto os normandos, E ele também, sendo um rebelde e banido, não tinha muito a perder. Ela, entretanto, era uma nobre normanda e sua vida seria irremediavelmente destruída pelo estigma de parir uma criança fora da instituição do matrimônio.

Apesar de ele ter outra formação, a acusação de que ela o usara para um propósito egoísta e desonroso era imperdoável.

Dafydd colocou a espada na bainha e então retirou a túnica. A visão do corpo quase nu trouxe a lembrança da noite anterior e ela virou o rosto, decidida a não ter recordações. A não ceder.

— Fique aqui e não se mexa — ordenou ele. Antes que ela pudesse protestar, desapareceu entre as árvores.

Madeline sentou-se e apoiou o queixo nas mãos, sentindo-se abandonada e ressentida com o tratamento. Quem ele pensava que era para dar-lhe ordens daquele jeito? Ele não era melhor que Roger, sob tal aspecto. Todos os homens tratavam as mulheres como animais insensíveis e irracionais? A vida no convento não parecia tão ruim. Ainda que madre Bertrilde às vezes fosse muito severa e áspera, e Dafydd e Roger nem sequer imaginavam quanto ela podia ser severa, a vida parecia

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infinitamente melhor por lá. Naturalmente, se tivesse perma-necido no convento, jamais teria conhecido Dafydd e nunca teria vivido a experiência de...

Bem, aquilo não iria acontecer novamente. Errara uma vez e não repetiria o engano, apesar de apreciar os esforços dele em ajudá-la e apesar das lembranças vívidas dos beijos e carícias, bem como o tom de voz suave, o olhar, o corpo musculoso sobre o seu... Tais lembranças não lhe faziam nenhum bem.

Deu uma olhada nos arbustos. Já era quase maio e ainda não havia morangos e framboesas. Podia haver ovos nos ninhos, mas ovos crus soavam tão mal quanto carne crua.

Então, ouviu vozes. Não de homens, identificou aliviada. Crianças. Vozes felizes, uma mudança brutal comparada aos camponeses das terras de sir Guy. Estremeceu ao lembrar-se de sir Guy e seus seguidores e só então levantou-se, tomando o cuidado de permanecer escondida atrás dos arbustos.

Dois meninos caminhavam por uma trilha estreita. Iam conversando e rindo alegremente. Evidentemente eram irmãos, pois tinham o mesmo cabelo claro e o mesmo tipo físico. Um era mais velho talvez um ano; o outro, não tão alto e um pouco mais gordinho, precisava se apressar para acompanhar o irmão, que parecia empenhado em manter a dianteira. O mais velho não corria, mas mantinha o passo apertado e olhava para trás, para ver se o irmãozinho estava acompanhando ou se estava a ponto de ultrapassá-lo.

Madeline sorriu. Roger costumava fazer aquilo com ela também, nos bons tempos em que seus pais eram vivos. Os tempos que ele deixara para trás.

Olhou para a roupa de lã suja e amarrotada e retirou o lenço da cabeça. Embora estivesse sujo, o tecido era de boa qualidade. Talvez esses meninos tivessem uma mãe que trocaria os tecidos por alguma roupa, imaginou Madeline, enquanto os observava. Talvez pudesse até conseguir alimento, além de roupas mais adequadas. Mas Dafydd disse-lhe para ficar ali...

Nesse instante, o estômago roncou. De repente de-terminada, Madeline começou a seguir os meninos sorrateiramente.

Andaram um bom trecho antes de chegarem a um córrego e uma clareira, onde se podia avistar uma cabana humilde. Não era grande, mas as paredes estavam em boas condições. A fumaça saía pela chaminé sobre o telhado de sapê. Algumas galinhas estavam soltas no quintal e havia um porco num cercado. Quando Madeline aproximou-se de mansinho, sentiu o

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aroma de pão recém-assado e começou a salivar. Também viu um vestido estendido, uma camisa de linho, uma túnica de homem, aventais e roupas infantis estendidos na margem do córrego para secar.

Uma mulher magra, também loura, saiu da casa e chamou os meninos, que correram até ela, esquecendo a disputa. Madeline aguardou até que eles fossem até um pequeno barracão. Ouviu um mugido de vaca. Hora do leite.

Habilmente, Madeline levantou-se e tirou o hábito, fi-cando apenas com a combinação de linho, que estava em melhor estado que a peça descartada. Dobrou a roupa cuidadosamente no lenço de cabeça. Se deixasse tudo o

que possuía, com certeza compensaria o vestido, a túnica e o pão que pretendia levar.

Avançou até a cabana, procurando ficar entre as árvores o máximo possível. Entrou na casa, avistou o pão, largou a trouxa de roupa sobre um banquinho e arrebatou o alimento. Correu para fora, agarrou o vestido, a túnica e correu para atravessar o córrego. Quando se sentiu novamente abrigada pela floresta, sentou-se ofegante até recuperar o fôlego. Então, apressou-se na direção em que achava que deixara o cavalo.

Não muito longe, entretanto, Madeline estacou, confusa. Não deixara marcas para se guiar e prestara mais atenção nas crianças do que nas árvores. Estava perdida.

Frei Gabriel suspirou de leve enquanto cavalgava atrás de sir Roger e sir Albert. A frente, ouvia os caçadores que se moviam tão silenciosamente quanto felinos, conduzindo os cães junto à estrada.

Se estivesse entendendo bem, os cães tinham pego um rastro que ia para o norte, confirmando as marcas que um cavalo a galope havia deixado. Os caçadores foram enfáticos em afirmar que o cavalo carregava mais que uma pessoa. Infelizmente, os cães haviam perdido o rastro a poucos quilómetros do castelo de sir Guy e a estrada dava em outra trilha antiga, de pedra, onde não havia marcas claras. Mesmo assim, após terem enterrados os corpos de sir Guy e seus homens, sir Roger insistira para que continuassem o máximo possível para norte até o anoitecer, quando acamparam na floresta junto à estrada.

Estavam naquele momento cruzando uma floresta de faias e outras árvores altas. Havia poucos arbustos naquele local e frei Gabriel avistava Bredon com os cães à frente. Sir Albert e sir Roger encabeçavam o cortejo e vários soldados

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deixavam a estrada e procuravam com atenção qualquer sinal. Outros homens iam pela floresta, seguindo o cortejo.

Frei Gabriel observou sir Roger emparelhar os cavalos. — Está cansado? Quer descansar? — perguntou sir

Roger, num tom meramente cortês, o olhar atento. — Em absoluto — respondeu frei Gabriel. — Mas e

quanto ao senhor? Levou uma pancada forte e... —- Já levei piores, posso assegurar-lhe, frei. — Ele

lançou um olhar avaliador. — Dormiu bem? — Confesso que, apesar de já ter dormido sobre tábuas e

passado muitas noites de vigília ajoelhado sobre pedras, nada se compara à tortura de dormir em solo úmido e frio com uma pedra me incomodando as costas.

Sir Roger riu com gosto. — Eu conheço essa dor, frei, creia-me, isso passa logo.

Pelo menos, parece que não vai chover mais. Hoje parece que vai ser um dos melhores dias que já tivemos nesta primavera.

— E o senhor, sir Roger? Dormiu bem? — Já tive noites melhores. — Um momento se passou. —

Há alguma casa religiosa ao norte? — perguntou. — Não que eu saiba — respondeu frei Gabriel, com ho-

nestidade. Bastava de comentários corteses, aparentemente. — A mais próxima fica muito mais longe, ao norte.

— Esse fora-da-lei que acha que está com Madeline, que tipo de homem ele é?

— Tipo de homem, senhor? — Sim. Ele é galês, não foi o que disse? — Acredito que sim, senhor. — Acredita? Se entendi bem, ele esteve sob seus cui-

dados por um bom período. Como pode não ter certeza? Ele falava francês? Ou era saxão?

— Ele não falou nem uma palavra, senhor — esclareceu frei Gabriel.

Roger lançou um olhar desconfiado ao religioso. Sir Roger era mesmo um prodígio, pensou frei Gabriel.

Era o epítome do nobre normando, Atrevido, autoritário, determinado, bonito, e o sorriso tinha um certo charme, talvez devido ao fato de não ser concedido com facilidade.

— E, mesmo assim, está convencido de que ele é galês e um galês honesto — observou o nobre.

— Independente da raça, sir Roger, acredito que ele seja um homem único.

— Sir Guy de Robespierre também era um homem único.

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— Oh, o galês não era nada daquilo! — protestou frei Gabriel — Ele é honrado, estou certo disso. Também tem uma enorme vontade de viver ou já teria morrido bem antes de chegar a nós. Também é inteligente, pois somente um homem inteligente perceberia que a fala o denunciaria como sendo um estrangeiro, possivelmente um inimigo.

— Ou um rebelde. E devo lembrá-lo de que ele agora já roubou dois cavalos, bem como o dinheiro do abade.

— Por necessidade, creio firmemente. Ele ajudou sua irmã, sir Roger.

— Mas se ele é tão honesto e honrado, por que não trouxe Madeline de volta para mim? Ou por que não a deixou em boas mãos?

— Talvez seja isso o que ele está tentando fazer. Como disse antes, ele pode não ter entendido bem as poucas coisas que ouviu a respeito de sir Guy e, além disso, falava-se muito pouco sobre ele no monastério. Lady Madeline talvez soubesse algo sobre sir Guy?

— Duvido. O feudo de sir Guy era ainda mais longe do convento do que do monastério e a maioria das pessoas não se inclinava muito a comentar sobre a estilo de vida degradante de sir Guy.

— Perceba, então, sir Roger, que ele talvez pudesse estar levando-a a um lugar que considerava seguro, o castelo de um senhor normando, especialmente se ele não conhece bem as redondezas,

Sir Roger assentiu. — Essa suposição também é possível, frei. A perspicácia de frei Gabriel não era centrada apenas

nos homens feridos que chegavam ao monastério. — Perdoe-me, sir Roger, mas fiquei imaginando por que

lady Madeline talvez não queira voltar ao convento ou ao monastério. Com certeza, ela sabe que encontraria abrigo seguro nesses locais e mesmo assim parece estar indo na direção oposta.

— Apesar do que possa achar, talvez ela não seja livre para fazer o que deseja — rebateu Roger, severo. — Se esse camarada é, ou foi, um rebelde ou um fora-da-lei, ela pode não estar em condições de decidir para onde quer ir.

— Devo reforçar, sir Roger, que se ela está com o jovem que alojamos no monastério, tem pouco a temer pela segurança de sua irmã. Há algum outro motivo para que ela não queira procurá-lo?

— Explique-se, padre — exigiu sir Roger.

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— Não quero fazer críticas. Fiquei sabendo por sir Albert e os outros que ela estava a caminho do casamento. Às vezes, quando uma jovem não quer se casar ou não gosta do pretendente, simplesmente foge.

O normando ergueu uma sobrancelha, incrédulo. — Pelo que sei, frei Gabriel, o senhor morou a vida toda

dentro do monastério. O que sabe sobre casamentos e noivas? —: O fato de levar uma vida reclusa não significa que sou

completamente ignorante dos assuntos mundanos — respondeu frei Gabriel, plácido. — Estou simplesmente tentando buscar explicações para essa dificuldade em encontrá-la. Se ela não quiser ser encontrada, isso explicaria muitas coisas.

— Bobagem. Frei Gabriel lançou um olhar perspicaz. — Sua irmã tem o mesmo temperamento que o senhor, sir

Roger? — Por que pergunta? — Porque, filho, se ela for como o senhor, acho que deve

considerar a hipótese de ela estar conduzindo o galês. — Está dizendo que acha que minha irmã estaria viajando

de bom grado pelo país com um homem que nem conhece? — O jovem olhou para frei Gabriel como se ele tivesse sugerido que Madeline estivesse com uma doença grave.

— Se a opção que se lhe apresenta não é do agrado, é bem possível.

— Madeline jamais faria algo tão vergonhoso. — O senhor parece muito seguro. — Estou. — Desculpe, senhor. Sir Albert me deu a entender que

não vê sua irmã há algum tempo. — Que seja — disparou sir Roger, sóbrio —, tenho

certeza de que Madeline tem orgulho e bom senso compatíveis. — Há outro local a que Madeline pudesse recorrer para

buscar ajuda? — O que quer dizer? — Quero dizer, senhor, que ela talvez ache que o senhor

vai magoá-la. Ela não poderia procurar alguma família amiga? — Há um amigo da família, lorde Trevelyan, cujo castelo

fica a muitos quilómetros daqui — declarou sir Roger, após refletir um pouco. — E fica ao norte.

— Talvez ela esteja indo para lá, onde acha que en-contrará auxílio — sugeriu frei Gabriel, esperançoso.

— Sábio raciocínio, frei — declarou sir Roger, com um leve sorriso. — Vou mandar Albert na frente para investigar. —

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Incentivou o cavalo e então voltou-se. — Esteja onde estiver, nós a encontraremos logo. !!!

CAPÍTULO OITO !!!Parado no meio da pequena clareira em meio aos arbustos,

Dafydd limpou a testa cheia de suor com as costas da mão. Onde estaria Madeline? O garanhão negro continuava amarrado e remexia o mato. O solo não parecia revirado, como se tivesse havido luta. Nem havia sinal de outras pessoas, tais como um irmão reencontrando a irmã desaparecida. Claro, se aquele tivesse sido o caso, o cavalo com certeza teria sido levado.

E ele provavelmente teria sido capturado e condenado à morte, apesar da promessa ingênua de Madeline de que conseguiria convencer o irmão a poupá-lo. Era mais provável que ela houvesse se afastado um pouco para atender a um chamado da natureza. Apesar disso, sentiu temor.

Largou os galhos afiados, que se mostraram inúteis, no chão.

— Lady Madeline? — chamou, baixinho. Não houve resposta. Seria possível que ela estivesse

mantendo silêncio de propósito? Não a achara vingativa, mas não a conhecia muito bem. Fora ríspido com ela, com razão, claro, mas mesmo assim...

— Lady Madeline? — Procurou no chão alguma indicação da direção que ela tomara, mas não encontrou nada em meio às folhas soltas e galhos secos.

Ela não tinha decidido seguir em frente por conta pró-pria, tinha? Era perigoso. Madeline era inteligente demais para não entender um fato tão simples.

Ou pensara que conseguiria outra escolta na vila? Se ela se apresentasse como lady Madeline de Montmorency, conseguiria uma escolta com certeza. Isso significaria que voltaria para o irmão, mas talvez isso importasse pouco àquela altura.

Talvez ela simplesmente o tivesse abandonado ali. Não ficaria perturbado nem desanimado com isso, convenceu-se. Não iria se preocupar com ela. Estava contente em se ver livre e, além disso, tinha um cavalo bem melhor.

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Ali! Avistou um galho recém-quebrado no solo, resultado da passagem de uma pessoa e na direção contrária à da vila. Madeline teria tomado aquela direção voluntariamente?

— Madeline? — chamou novamente, o tom mais intenso e aguardou uma resposta. — Madeline! — Seguiu pela trilha estreita. — Madeline!

— Dafydd? — Um sussurro chegou até ele, — Sim! — Eu não deveria estar tão satisfeito, pensou,

desejando que o semblante não revelasse nada. Ouviu-se um ruído de folhagens quando uma mulher

atingiu a trilha. Alguma coisa estava diferente, mas era Madeline, felizmente. Ela não o abandonara.

Dafydd precisou se esforçar para apenas avaliá-la e não correr a seu encontro. Ela estava sem o lenço de cabeça, que cabelo maravilhoso ela tinha! Não estava usando o hábito e trazia algo nas mãos. Manteve o olhar no volume, embora estivesse bem ciente do vestido colado ao corpo. Era de linho tingido de cor escura, fechado na frente com lacinhos. Parecia que o corpete ia se abrir a qualquer momento, revelando os seios formosos cobertos apenas com a fina camisola. O vestido era um pouco pequeno para ela e por isso a camisola aparecia no colo e na barra. Dafydd engoliu em seco.

— Onde você estava? — exigiu, marchando em sua direção. — O que está usando?

— É um vestido — respondeu ela, redundante. — Estou vendo. — Então, por que perguntou? — Ela começou a andar

deixando-o para trás, como se ele não merecesse explicação. Ele a acompanhou. — Onde conseguiu esse vestido? — Troquei pelo meu hábito. — Com quem? — Com uns camponeses. Eu consegui uma túnica para você

e pão também. — Triunfante, ela mostrou o volume e desembi-ulhou-o, revelando o pão e a peça de vestuário.

— Estava preocupado comigo? — Não — mentiu ele. — Se você quer se deparar com mais

alguns foras-da-lei, não é problema meu. Que camponeses encontrou?

Ela franziu as sobrancelhas escuras e bem feitas, con-trariada. Obviamente, Madeline esperava que ele a pa-rabenizasse por se arriscar de maneira tola.

— Eles moram lá atrás. — Ela gesticulou vagamente.

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— Se tivesse visto um fora-da-lei, teria me escondido. Você não me viu, viu? E estava me procurando, não estava?

— Você contou a esses camponeses quem você era? — perguntou ele, sem se dignar responder às acusações.

Ela lançou um olhar devassador. — Acha-me assim tão tola? E se meu irmão aparece atrás

de mim? Eu lhe asseguro que os camponeses nem me viram. Embora ela tivesse acabado de confirmar que queria

evitar o irmão, ele manteve a atenção no ato insano. — O que quer dizer "nem me viram"? Você disse que

trocou a mercadoria. — Eu quis dizer que deixei o meu hábito em pagamento —

explicou ela, rápido. — Não havia ninguém na casa e o meu hábito tinha um tecido mais fino que o dessas roupas e o pão é bem pobre, embora isso não importe, já que nós dois estamos com fome e, francamente, acho que eles levaram a melhor parte nessa troca...

— Você roubou tudo isso! — Era pior do que imaginava! — De certa forma, acho que se pode dizer isso — con-

cordou, desgostosa. — O que há com você? Está agindo como se eu tivesse assassinado a família inteira enquanto dormiam! Mas nós dois estamos com fome e precisávamos de roupas. Além disso — disparou, maliciosa —, você não é inocente quando se trata de roubo, é?

— De certa forma — parodiou ele, o tom de voz alterado de raiva —, você tem razão. Sobre tudo, incluindo o meu passado. Mas parou suas considerações logo, senhora. Não considerou que o meu destino é a forca se formos pegos com esses artigos roubados.

— Mas fui eu quem roubou tudo isso — ponderou ela. — A senhora não é uma fora-da-lei. Uma rebelde. Uma

galesa. A senhora é uma nobre normanda bem nascida, irmã de sir Roger de Montmorency. A quem a senhora acha que o juiz vai acusar e condenar? E se eu for con- siderado culpado, asseguro-lhe, serei enforcado.

— Eu não permitirei isso. Ele lhe lançou um olhar desdenhoso. — A senhora não

permitiria. Oh, nem posso dizer o quanto me sinto mais seguro agora.

— Eu vou explicar... — Quando vir o seu irmão da próxima vez, sugiro que lhe

pergunte sobre a justiça normanda. É sumária e asseguro-lhe, senhora, não permite explicações demoradas, especialmente de

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galeses e mulheres. Já se esqueceu dos corpos pendurados naquela estrada? Aquele pode ser o meu destino.

Ela enrubesceu, sentindo-se ignorante, envergonhada e zangada por se deixar intimidar daquela forma. Tentara ajudar e ele estava agindo como se ela o tivesse traído totalmente. Sentiu os lábios trêmulos e os olhos encherem-se de lágrimas, mas conseguiu controlar-se.

— Muito bem, Dafydd. Eu peço desculpas humildemente por ter conseguido roupas e comida para nós. Eu deveria ter me sentado debaixo de um arbusto como uma pedra e morrido de fome. No futuro eu deverei deixar que corra todos os riscos.

— Madeline, eu... — Lady Madeline — corrigiu ela. Se ele iria tratá-la como

débil mental, pelo menos precisava lembrá-lo de que pertencia a uma classe superior.

— A que distância estão esses camponeses com os quais negociou, lady Madeline?

— Uma boa distância — resmungou ela, descontente, e notou um buraco na túnica.

— Foi por isso que demorou tanto? — Eh... levei algum tempo até achar o caminho de volta. — Mas... você se perdeu? — Ele agarrou-lhe o queixo e

forçou-a a encará-lo. — Nunca mais me deixe! Ela avaliou o olhar de Dafydd e sentiu o coração bater

mais acelerado. Ele estava zangado, sim, mas, além disso, sabia que também era por preocupação com ela. Ele realmente se importava com ela, e ela fora tola em não considerar o perigo ao qual o submetera, no qual o manteria enquanto estivessem juntos.

Mas ela precisava dele. E ele se importava com ela, muito mais do que qualquer outra pessoa. Ela providenciaria para que nada, nada, acontecesse a ele por sua causa. Dafydd duvidava de que ela pudesse protegê-lo, mas ele ainda descobriria que o que lady Madeline de Montmorency desejava, conseguia.

— Isso não importa, não é? — disparou ela, não mais em lágrimas. Na verdade, teve que suprimir um sorriso enquanto se afastava. — Voltei sã e salva. Tome. — Ela ofereceu a túnica. — Vista isso e então poderemos comer.

— Espero que essa túnica me sirva melhor do que o seu vestido — grunhiu ele, e afastou-se um pouco, não sem antes correr os olhos pelo corpo dela.

Ela se sentiu corada novamente, mas não de vergonha dessa vez.

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— Lamento não ter levado medidas. — Ela o avaliou severa, dos pés à cabeça. — Mas deve servir.

Era excitante a forma como ele a olhava. Mas não tão excitante quanto os beijos, pensou, involuntariamente. Já havia se esquecido de que se arriscara muito mais fazendo amor com ele do que com aquele pequeno negócio à base de troca.

— Não é hora para falarmos disso — desdenhou ele, voltando-se para onde deixara o cavalo.

— Este vestido é mais fresco que o hábito, o que é muito importante, pois não posso andar seminua como você.

— Não podia usar a túnica de lã enquanto caçava, — Claro que não. Ele vestiu a roupa nova. Não serviu muito bem, pois

estava larga demais. Madeline preferia vê-lo seminu e ruborizou ante o pensamento sensual.

— Quantos coelhos conseguiu pegar? — Nenhum. — Parece então, que sou melhor caçadora. Ele

simplesmente franziu o cenho. Ela se sentou junto a um arbusto e partiu o pão em dois,

passando-lhe uma metade. — Devo confessar que agi impulsivamente. Madre Ber-

trilde sempre diz que eu deveria pensar primeiro e agir depois, mas nem sempre é tão fácil.

Ele aceitou o pão e foi se sentar a vários passos de distância.

— Precisa concordar que será melhor para nós estarmos vestidos assim. Roger e os demais estarão procurando dois religiosos e talvez achem que estou sozinha. Então, acho melhor fingirmos que somos um casal.

Ele deu mais uma mordida no pão. — Vai ser mais fácil depois que vender o cavalo. Passarei

por camponesa — anunciou ela. — Você? — Ele a olhou com uma expressão desconfiada e

confusa. — Claro. Como você mesmo já disse, você é galês. Os

comerciantes de cavalos podem achar que você roubou o animal. Ele se movimentou desconfortável e então comentou: — Você não parece ser camponesa. Eles podem imaginar o

que uma nobre normanda está fazendo vestida de forma humilde e tentando vender um cavalo.

— Oh, sinhô, tá bão, sinhô — respondeu ela com forte sotaque interiorano, e dando uma piscadela. — Nem todas no convento eram bem-nascidas — explicou com voz normal.

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— Seria melhor poder manter o cavalo e vender você — resmungou ele, em galês, que achava que ela não entendia.

Mas ela entendeu, pelo menos o suficiente para perceber a ironia, que a impressionou mais do que desejou considerar. Na noite anterior, sentira-se deliciada quando ele a chamara de "amada".

Entretanto, não era hora de permitir que seus senti-mentos pessoais interferissem. Precisavam de um plano para o resto da viagem.

— Posso dizer que somos marido e mulher se alguém nos vir e perguntar?

— Não! Ela tentou não parecer decepcionada com a pronta

recusa. — Meu irmão, então. Meu irmão fortão, quieto e valentão.

Sim, deve funcionar. — Não tenho intenção nenhuma de deixar você vender o

cavalo — grunhiu Dafydd. O jovem fazendeiro corado, cujos cabelos louros bro-

tavam da cabeça como um telhado de sapé, coçou o queixo e olhou bem para Madeline, então para o garanhão e depois novamente para ela.

Tentando não parecer suspeita, ela permanecia parada no pequeno cercado da taverna da vila. Por perto, camponesas carregavam baldes com produtos e fazendeiros conduziam galinhas e gansos. Ocasionalmente, passava uma ovelha ou vaca. Todos encaminhavam-se ao o mercado daquela cidadezinha próspera. Uma carroça velha cheia de sacos de grãos surgiu na estrada, provavelmente a caminho de um moinho grande junto ao rio. Enquanto esperava o rapaz dizer alguma coisa, qualquer coisa!, ficou ouvindo os comerciantes chamando consumidores em potencial e as brincadeiras dos frequentadores.

Madeline transferiu o peso para o outro pé e imaginou se deveria ter esperado por um outro tipo de comprador. Entretanto, as roupas dele pareciam limpas e bem costuradas, ele tinha o físico bem alimentado e a bolsa de dinheiro estava cheia. Ela também percebeu que ele deveria ser menos experiente na barganha do que alguém mais velho.

Se pelo menos ele se decidisse e parasse de olhar para seu peito como se nunca tivesse visto seios antes! Bem, de certa forma, ela merecia esse escrutínio impertinente, pois insistira em realizar pessoalmente o negócio. Talvez fosse errado usar tal artimanha. Os seios praticamente estavam expostos, mas achou que poderia usar todos os meios viáveis

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para realizar a barganha. Percebera havia muito tempo que as freiras mais bonitas do convento inevitavelmente faziam os melhores negócios com os mercadores locais.

O que ele diria se soubesse quem ela era realmente? Embora a idéia fosse engraçada, rapidamente voltou a se concentrar no negócio que estava realizando, que era a venda do cavalo.

— Quanto ele disse para pedir pelo cavalo? — perguntou o fazendeiro.

Fazendo seu papel, Madeline mordeu o lábio preocupada e agarrou a rédea com mais força enquanto repetia o valor. Dafydd dissera-lhe o quanto achava que o cavalo valia e ela, então, pedira o dobro. Pedir o dobro fora idéia sua e ficou imaginando se cometera um equívoco. — Minha nossa, moça, parece um pouco demais — declarou, finalmente, o rapaz. — Darei metade disso e já está bom demais. Sempre tive fraqueza por moças bonitas — completou. Sorriu e deu uma piscadela. Madeline fez uma expressão de desolação. — Oh, senhor, meu irmão tem um temperamento terrível, tem, sim! Ele vai me bater se não conseguir o que ele pediu!

— Então ele deveria avaliar melhor o animal — desdenhou o fazendeiro. — Esse garanhão não vale o tanto que pediu, moça.

— O que vou fazer? — implorou Madeline, abrindo bem os olhos para parecer bem estúpida e desesperada.

Ele a olhou curioso. — Talvez possamos fazer uma pequena barganha. — Oh? — Ela sorriu esperançosa. — Que tipo de

barganha? — Venha aqui onde é mais tranquilo — convidou ele,

dirigindo-se para um corredor que ficava entre a taverna e um galpão.

— Eu não sei... meu irmão disse para esperar aqui. Talvez se eu soubesse que vai me dar o que pedi pelo cavalo, ele não fique tão zangado se não me encontrar aqui...

O fazendeiro quebrou a cabeça por alguns momentos. — Não posso pagar essa soma a menos que você... humm...

faça valer a pena. — Como? — perguntou ela, inocente. Ele aproximou-se do seu ouvido e sussurrou. Madeline

engoliu em seco. Se Roger soubesse dessa proposta, aquele rapaz seria jogado no primeiro calabouço. Por outro lado, Dafydd apenas franziria o cenho e diria que aquilo era exatamente o que ela merecia por se meter onde não devia. Dessa forma, decidiu que da próxima vez, se houvesse uma

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próxima vez, iria se vestir com mais modéstia. Naquele momento, não via alternativa senão continuar com seu plano. Então, sorriu timidamente para o fazendeiro.

— E o que a sua esposa iria dizer? — Não tenho esposa. — Bem... você é um rapaz bonito e não quero que meu

irmão me bata... —Ela olhou por sobre o ombro. — Talvez se me passar a prata antes...

O fazendeiro rapidamente sacou a bolsa com moedas. Ela largou a rédea do cavalo, arrebatou a bolsa e correu

para a porta da taverna. — Oh. obrigada! — gritou por sobre o ombro para o ex-

futuro-amante atônito. — Ei! — berrou ele, segurando a rédea. — Ei! Ela parou

na porta da taverna. — Sim? O fazendeiro franziu o cenho e marchou até ela. — Nós tínhamos um trato... Uma figura surgiu por trás de Madeline e o jovem

fazendeiro ficou pálido. — Ele me pagou o que pediu pelo cavalo — informou

Madeline, nervosa, recostando-se em Dafydd de forma que o bumbum ficou roçando contra seu corpo.

Inadvertidamente, essa posição permitiu que Dafydd tivesse uma boa visão do decote.

Ele assentiu sem dizer nada e olhou para o fazendeiro. Dafydd tinha concordado relutantemente com Madeline, pois ficara cansado de argumentar com ela e porque era mesmo um risco para um galês tentar vender um cavalo daqueles. Por outro lado, teria sido melhor se ele fingisse ser normando. Durante o ano no monastério, tivera muita oportunidade de observar os religiosos. Podia passar por um deles, pelo menos o tempo suficiente para vender o cavalo.

Madeline instruíra Dafydd a não falar nada e apenas parecer muito zangado quando ela chegasse na taverna. E ali estava ele, passando por um irmão muito zangado e caladão, quando na verdade sentia tudo menos fraternidade. Ponderando bem, percebeu que era bom não ter que falar muito. Mal podia raciocinar com ela ali tão tentadora.

— Ele não é casado — informou Madeline docemente, e o fazendeiro pareceu menos aterrorizado.

— Vocês...vocês moram aqui por perto? — gaguejou o jovem, esperançoso.

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— Não — grunhiu Dafydd. Agarrou Madeline pelo braço e puxou-a para a estrada.

— Ouça aqui! — protestou o jovem. — Não devia ser tão severo!

Dafydd voltou-se e lançou um olhar fulminante para o fazendeiro, que engoliu em seco audivelmente e entrou rapidinho na taverna.

Dafydd marchou na direção da feira ainda segurando Madeline pelo braço.

— Pode soltar — informou ela, tranquila, quando ficaram fora de visão. Ele deixou o braço pender na lateral. — Consegui o dobro do que me disse — contou ela, triunfante.

— Como? Ela estacou. — O que quer dizer com isso? — Quero dizer — declarou ele, sombrio, encarando-a —,

como conseguiu o dobro do valor? — Com uma barganha esperta — anunciou ela. devagar e

intencionalmente. — Você nunca barganhou em sua vida. — Como sabe? — Você disse que morou num convento nos últimos dez

anos. — As irmãs precisam comer e fazer roupas. — Então, você era a comerciante do convento? — per-

guntou Dafydd, cético. — Não. Mas observei irmã Úrsula. — E ela era uma negociante sagaz? — Sim, era. Ela aprendeu com o pai, que começou sem um

centavo e morreu muito rico. Ao contrário de alguns camponeses, ele tinha ambição.

Dafydd ignorou a zombaria e direcionou-se para a feira novamente.

— Ajeite o decote. Não há dúvida de que a sua... com-binação... deixou aquele pobre rapaz animado.

— Qual o problema? Eu consegui o dinheiro — disparou ela, marchando zangada ao lado dele. — Você não é meu irmão de verdade, sabia?

— Ainda bem, — Convenceu-se de que era bom sentir-se zangado. Se ela estava zangada, então ele também podia ficar, E, se estivesse zangado, não sentiria mais nada.

— Vou comprar comida. — Compre outro vestido. — Muito bem.

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— Aqui não. Você já atraiu muita atenção. — Só falei com poucas pessoas.

Ele parou e percorreu o corpo dela com o olhar. Ela ajeitou o decote.

— Exatamente — murmurou ele. — Cada homem que passou por você notou-a.

— Mas precisamos de outro cavalo. — Compramos um na próxima vila. — Você nos levou para uma estrada tão distante da

estrada principal que Roger não vai nos encontrar aqui. — Estou tomando todas as precauções — respondeu

Dafydd. — Então podemos comprar comida lá também? Dafydd

procurou na túnica e mostrou um pedaço de pão. — Onde conseguiu isso? — exigiu Madeline. — Na taverna. — Sem dinheiro? — indagou Madeline, cética. Desta vez,

Dafydd pareceu ficar embaraçado e apressou o passo. — Então, a garçonete se engraçou com você? Ele encolheu

os ombros. — Ela também vai se lembrar de você, assim como o

fazendeiro vai se lembrar de mim — disparou ela, contrariada. — Mas, claro, estou me esquecendo de que você não faz nada errado. Será um alívio para mim, bondosa que sou, quando me deixar com lorde Trevelyan.

Dafydd estacou, pálido. — Quem? — Lorde Trevelyan. Dafydd, o que foi? Qual o problema? — Falamos nisso depois — cortou ele. — Quando es-

tivermos sozinhos. !!! CAPITULO NOVE !!!Ainda que Dafydd não se apressasse, Ma-leline apanhava

para acompanhar-lhe o passo rumo à margem do rio, no limite norte do vilarejo. Estava extremamente curiosa em saber por que ele reagira de maneira tão imprevisível à menção de lorde Trevelyan, mas, a exemplo do garotinho seguindo o irmão mais velho, não conseguia emparelhar com ele e questioná-lo. Até

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onde sabia, era tão comparável àquele galês quanto a qualquer outro homem.

Não que o considerasse um homem comum. Mesmo andando, o porte ereto de Dafydd fazia com que parecesse mais nobre do que muitos nobres que vira durante a infância. E ele era tão bonito também, com as cores dos galeses, além de forte e bondoso. Tão completamente tentador. Ali, naquele momento, sob os últimos raios de sol do dia, não parecia tão errado ter feito amor com ele.

Você só pensa assim porque sabe que não está grávida, repreendeu-se. Tivera a feliz certeza naquela manhã, enquanto aguardavam fora do vilarejo. O alívio que experimentou assemelhou-se ao que sentiu quando Dafydd foi em seu socorro, pois, se estivesse grávida, estaria em apuros, por sua própria imprudência.

Uma ponte de pedra muito antiga atravessava o rio, conduzindo a uma bifurcação. Uma estrada ia para noroeste, na direção das terras de lorde Trevelyan; a outra, ia para nordeste. Com a luz diminuindo rapidamente,

o ar ficou mais fresco e o perfume das flores envolveu-os. Por trás de Dafydd, Madeline avistou a lenta roda do moinho. Ouviu gorjeios de pássaros e, lá longe na pequena cidade, mães chamavam as crianças para dentro de casa.

Madeline respirou fundo. Gostava não somente da fra-grância, mas também da liberdade de poder respirar ali. No convento, elas deviam ignorar até os prazeres mais simples, como o perfume das flores e o sabor das frutas.

Mas permitiu-se apenas um momento de prazer, pois havia outras coisas mais importantes a considerar.

— Qual é o problema? Eu sei que lorde Trevelyan é normando, mas com certeza você sabia que qualquer amigo da minha família provavelmente seria normando — comentou Madeline, assim que se viram a sós e longe dos ouvidos dos outros. — Evidentemente, não espero que entre no pátio do castelo e se identifique. E nós tínhamos um acordo.

Ele não respondeu imediatamente. — Bem? — incentivou ela, determinada a descobrir o

motivo de ele querer quebrar a promessa. Dafydd puxou um galho de um arbusto próximo. — Nem acho que seria um pecado passar a noite no

conforto de uma pousada. — Não vou passar a noite com você em nenhuma pousada.

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Ele falou como se ela estivesse propondo dividirem a mesma cama! Madeline percebeu também que ele escolhera o assunto menos importante para comentar.

— Não estou sugerindo que partilhemos o leito. Sim-plesmente estou cansada de dormir no chão. Que diferença faz descansar em um lugar decente?

— Devia ter pegado uma cama de plumas daqueles camponeses — sugeriu ele, irônico.

— E correr mais riscos? — rebateu ela, sarcástica. — As pessoas fariam muitas perguntas se ficássemos no

vilarejo — declarou ele, conclusivo. — Certo, então concordo que não devemos ficar lá. Por

que você não vai comigo até o limite da propriedade de lorde Trevelyan?

— Não posso ir até as terras de lorde Trevelyan — declarou Dafydd, tão superior que ela sentiu-se frustrada.

— Mas por quê? — Devia ter adivinhado que você iria argumentar —

comentou ele, sentindo-se tão frustrado quanto ela. Se ele se explicasse, ela poderia até concordar, mas se

ele simplesmente achava que ela aceitaria uma mudança nos planos sem protestos, assim como Roger esperava que ela se casasse sem se manifestar, estava com-pletamente enganado.

— Eu disse que a levaria a um lugar seguro — corrigiu ele. — O feudo de lorde Trevelyan não é um lugar seguro para mim.

— Por você ser galês? Eu lhe asseguro, Dafydd, lorde Trevelyan não é um homem irredutível. Ora, ele deixou a filha se casar com um galês. E fez dele cavaleiro e deu-lhe terras. Então, veja...

— Não posso ir lá. — Não deixarei que nada de mal lhe aconteça. — Não preciso ser protegido por uma mulher. — Não se importou com a minha "proteção" antes, no

castelo de sir Guy. Ele ficou quieto e ela estava se acostumando a essa

atitude. — Muito bem — concordou ela, finalmente —, não me

leve. Mas como chegarei lá? Não posso ir sozinha. — Vou levá-la de volta ao vilarejo e arranjar uma escolta

para você. Madeline voltou-se e aproximou-se das águas correntes

do rio. — Alguém como aquele fazendeiro, talvez? Ele ficaria

muito ansioso em ajudar, embora não o recompense da forma

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que ele deseja. Pode me dizer o que ele quis dizer com isso, Dafydd? — Ela repetiu a proposta do fazendeiro.

Madeline não sabia exatamente qual reação esperar dele, mas esperava alguma reação. Em vez disso, ele simplesmente olhou para ela como se estivessem falando sobre o tempo. Então, ele disse:

— Acho que sabe muito bem o que ele quis dizer, senhora. Não é nenhuma inocente.

— Não mais — desdenhou ela. Ele fez uma careta e encolheu os ombros. — Você e eu sabemos a verdade sobre o que aconteceu.

Não vou me sentir culpado. — Não se sinta. — Não me sinto mesmo. Acho que fui um tolo ao desejá-

la. Diga-me, senhora, fez amor comigo para punir seu irmão? Ou para evitar o casamento? Ou achou que, se fizesse amor comigo, eu, em troca, a levaria aonde quisesse?

— Não vou me explicar a você. Entretanto, realmente achei que manteria a palavra e me levaria para a segurança. Será que tem medo de lorde Trevelyan?

— Não, não tenho medo de lorde Trevelyan — respondeu ele —, embora não ache que ele seja o santo que você imagina. Ele fez um favor à filha permitindo que se casasse com um galês.

Madeline juntou os lábios por um momento e então falou com firmeza e intenção:

— Pensei que quisesse ir para o país de Gales. As terras de Trevelyan ficam na fronteira. Ele tem simpatia pelos galeses. Por que, então, não vai me levar lá?

— Porque é perigoso demais para mim. — Podia me levar de volta para o convento. — Não seria seguro para mim voltar para lá, tampouco. — Ora! Deixe-me aqui então! Eu mesma encontrarei

alguém para me acompanhar. Não lhe pedirei mais nada. — Seu irmão irá encontrá-la se voltar para o convento —

ponderou ele. — E que lhe importa? Você ainda vai estar a salvo e dessa

forma vai poder contar vantagem de como se deitou com a irmã de um nobre às margens de um rio em uma

noite escura! Ele a encarou como se ela tivesse passado uma lâmina

através de seu coração. Naquele momento, ela daria tudo para poder rever as palavras ásperas que dissera.

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Antes que ela pudesse falar mais alguma coisa, Dafydd manifestou-se, o tom de voz muito frio.

— Se acha que sou capaz de uma atitude dessas, talvez eu deva deixá-la aqui. Já terminou, não?

— Dafydd, perdoe-me! — lamentou ela, o orgulho es-quecido ao ver a expressão no olhar dele. — Não devia ter dito aquilo...

Ele apenas ergueu uma sobrancelha, pesaroso. Aparentemente, ela se humilhara por nada. Ela, lady

Madeline de Montmorency, pedira perdão a um galés apenas para receber aquele olhar de desdém.

— Há algum outro lugar para onde possa ir? — indagou ele, finalmente, após um longo momento em que ela apenas teve ciência do rosto enrubescido. — Alguma outra pessoa ou convento onde possa conseguir abrigo?

— Madre Bertrilde é uma mulher poderosa e meu irmão é um nobre poderoso e respeitado — respondeu Madeline, tentando recuperar o autocontrole. — Ninguém iria querer ofendê-los me dando abrigo, disso eu tenho certeza. Entretanto, há um outro lugar, o castelo de lorde Gevais. Meus pais o conheciam bem e Roger foi mandado para lá para ser treinado.

— E é sua intenção encontrar outra escolta, senhora? O primeiro impulso foi responder afirmativamente. Ela

não o queria, não precisava dele... mas no fundo queria, precisava. E mais, confiava nele. De repente, percebeu que não havia mais ninguém no mundo em quem confiava tanto. Mas humilhar-se novamente!

— Eu disse que a ajudaria e sou um homem de palavra. Onde fica esse castelo?

— Para o norte — informou ela. Ele assentiu. — E para o leste. Bem no meio da Inglaterra e longe do

país de Gales. — Ela aguardou a recusa, mas, para sua surpresa, ele não se manifestou.

Em vez disso, investigou: — A que distância para leste? — Não sei. Não estudamos mapas no convento. — Com certeza, uma das irmãs falava sobre isso: irmã

Elizabeth ou irmã Úrsula, ou, talvez, irmã Francis, a mapista? — Pode gozar de mim e de minhas professoras. Já vimos

que todas foram muito úteis e você não pode negar esse fato. Ele não respondeu diretamente. — Não tem nenhuma idéia da distância? — A cidade se chama Bridgeford Wells.

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— Bridgeford Wells? — Bridgeford Wells — repetiu ela, devagar e de

propósito. — Já ouvi falar. Fica a cem quilómetros daqui e teremos

que ir a pé. — Eu consigo... se você conseguir — desafiou ela. — Eu a levarei até lá. — Teremos alguma vantagem. Roger não vai nos procurar

nessa direção — comentou ela, ficando mais entusiasmada com o plano e não feliz por Dafydd ir com ela. — Ele vai achar que fui procurar lorde Trevelyan. E. se alguém estiver atrás de você, não vai achar que você foi para o país de Gales?

— Desde quando as noviças aprendem estratégia? — Precisa admitir que estou certa. — Eles não sabem com certeza se sou galês. Ela lhe

lançou um olhar cético. — Você disse aos monges que era de Cornwall? — Nunca disse uma palavra durante o tempo em que

fiquei com eles. — Não pode negar a sua cor. — Não há morenos entre os normandos? — Não como você. — Era verdade, mas, assim que disse,

Madeline arrependeu-se. Não havia homem como ele em toda a Inglaterra, mas ele não precisava saber o que ela achava. — Bem, Dafydd, vai me levar lá ou não?

— Irei com você até Bridgeford Wells, onde você pro-videnciará para que eu seja recompensado com o suficiente para ir até Gales e tenha livre passagem garantida. Ê só o que peço.

— E é só o que vai ter. Dafydd ainda estava acordado, bem tarde, quando o solo

da floresta já estava úmido de orvalho. Olhou para Madeline, adormecida a poucos passos de distância, e percebeu que ela estava tremendo de frio.

O primeiro impulso foi de ir deitar-se a seu lado e aquecê-la com o próprio corpo. O segundo foi o de deixar que ela continuasse tremendo, como punição por seu comportamento naquele dia. Ela ainda se portava como se estivesse no comando, como se quisesse esquecer que tinham feito amor e, pior que tudo, como se ele fosse um covarde. Se ela fosse homem, ele a teria deixado ali, provavelmente sangrando.

Mas ela era mulher, e uma mulher que suscitava paixão e ternura, além do que ele mesmo sabia ser capaz de gerar. Mas permitir que ela dissesse tudo aquilo!

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Seria melhor se ele fosse mesmo um covarde, pois po-deria largá-la ali, sem sentir culpa.

Tomaria um caminho tortuoso e difícil de seguir, uma vez que acreditava que Roger de Montmorency era tão cabeça-dura e determinado quanto a irmã e não descansaria enquanto não a encontrasse.

Ela gemeu baixinho e movimentou-se, ainda adormecida. Não seria bom se ela adoecesse, refletiu. Na verdade, se ela aparecesse doente quando chegassem a Bridgeford Wells, poderiam culpá-lo por aquilo também. E, se adoecesse a ponto de morrer, embora não acreditasse realmente que uma criatura tão cheia de vida quanto Madeline de Montmorency pudesse morrer, eles poderiam caçá-lo com vigor.

Não tinham como acender uma fogueira. Com cuidado, a fim de não acordá-la, deitou-se a seu lado, as costas largas contra as dela, os braços junto ao tórax. Ela se aninhou junto a ele com um suspiro.

Dafydd soltou um palavrão e desejou poder apressar o alvorecer. !

Logo após o almoço, lorde Trevelyan abriu um largo sor-riso ao ver quem adentrava o enorme salão bem decorado.

— Roger! — chamou, jovial. O cavaleiro normando marchava na direção da mesa alta

sem parar para cumprimentar a nobreza luxuosamente vestida que lotava o salão. Todos pararam de conversar e aguardaram, visivelmente curiosos, as mulheres especialmente, e várias delas mantinham um brilho de alegria nos olhos baixos.

— Mas é uma surpresa muito grande! — continuou lorde Trevelyan. — Resolveu então aceitar a minha oferta e parar para descansar, enquanto leva sua irmã para casa? Espero que sim e, amanhã, partiremos todos juntos.

Lorde Trevelyan fez uma pausa, a expressão séria. — Há algo errado? Onde está Madeline? Olhou para o genro, Hu Morgan, que estivera sentado a

seu lado até a entrada de Roger de Montmorency e se erguera para saudar o visitante, e de novo para Roger, que detivera-se diante da plataforma. O jovem cavaleiro parecia fraco e cansado, como se sua força estivesse no fim.

— O que aconteceu? — exigiu lorde Trevelyan, ao per-ceber que a urgência dispensava qualquer cortesia.

— Posso falar com o senhor em particular? Imediata-mente? — perguntou Roger.

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Lorde Trevelyan não deixou de notar que, fosse qual fosse o problema, não afetara a maneira autoritária de Roger de Montmorency. Entretanto, aquilo não tinha importância naquele momento.

— Naturalmente — respondeu o homem mais velho. — Acompanhe-me ao solar. Você também, Hu.

Os dois homens seguiram lorde Trevelyan e Roger olhou Morgan de soslaio. Ouvira falar daquele galês, pois seus pais eram amigos de lorde Trevelyan. Roger não comparecera ao casamento de Liliana Trevelyan, pois estava no norte a serviço do barão DeGuerre e, como muitos, espantara-se com a escolha de lorde Trevelyan para a filha única. Agora aquela união não parecia tão bizarra. Morgan era um camarada simpático, cujos movimentos continham a marca dos guerreiros e de cujo olhar transcendia a inteligência. E, naturalmente, lorde Trevelyan era tão rico e tinha tantos parentes influentes que poucos se atreveriam a questionar suas decisões.

Quando chegaram ao solar, Roger esqueceu-se de Morgan e foi direto ao assunto que o preocupava.

— Madeline está desaparecida — anunciou. — O quê? — perguntou Trevelyan, incrédulo. Rapidamente Roger explicou os eventos dos últimos dias,

omitindo detalhes irrelevantes como a relutância dela em obedecê-lo a se casar contra a vontade.

— São mesmo notícias muito ruins — declarou lorde Trevelyan, e balançou a cabeça grisalha. — Gostaria, de coração, que sua irmã tivesse me procurado, Roger, mas ela não veio.

Roger não se sentou no lugar oferecido, mas começou a andar agitado, e nem sequer notou os detalhes decorativos simples e elegantes do pequeno ambiente, inco-muns na maioria das residências normandas.

— Achei que ela viria para cá correndo. — Nós ficaríamos muito contentes em recebê-la — de-

clarou lorde Trevelyan. — Vou dispor meus homens para ajudar nas buscas. Hu vai organizar os grupos.

— Há quanto tempo ela está desaparecida? — perguntou Morgan, enquanto dirigia-se para a porta. — Se ela está sozinha e a pé, pode estar viajando devagar e com cuidado.

Roger suspirou e finalmente sentou-se na cadeira de carvalho ricamente entalhada. Olhou para o genro de lorde Trevelyan.

— Acreditamos que ela não esteja sozinha e, se está a pé ou não, não sabemos.

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— Não está sozinha? — questionou lorde Trevelyan, confuso.

— Ela pode estar com um galês que fugiu do monas-tério de St. Cristopher após se recuperar de um ferimento. Frei Gabriel acha que ele pode tê-la encontrado.

Lorde Trevelyan e Morgan trocaram olhares. — Não houve pedido de resgate? — investigou Morgan. — Nada. — Roger torceu os lábios num fraco sorriso. —

Frei Gabriel acha que ele pode estar tentando ajudá-la. Eu não estou tão convencido.

— Disse que o galês estava ferido? — observou Morgan. — Aparentemente — murmurou Roger. — Mas que

importa? Ele roubou roupas, moedas e um cavalo quando fugiu, mas abandonou tudo no castelo de sir Guy. Ele pode estar com outro cavalo, roubado do outro patife.

— Como ele é, esse galês? — investigou Morgan. — Vai ter que perguntar a frei Gabriel — respondeu

Roger, impaciente e confuso com as perguntas. — Ele está com os meus homens lá fora.

Lorde Trevelyan foi até a porta e chamou um criado, que despachou com ordem para trazer o frade.

Enquanto aguardavam, lorde Trevelyan serviu vinho a Roger e ao genro.

— Liliana vai ficar preocupada com essa notícia — comentou o lorde. Quando percebeu o olhar indagador de Morgan, explicou: — Elas brincavam juntas quando eram crianças.

O som de passos apressados no corredor anunciou a che-gada de frei Gabriel. O religioso foi conduzido à sala pelo criado, que saiu em seguida e fechou a porta suavemente.

— Este galês — começou Morgan imediatamente —, descreva-o. E a natureza dos ferimentos.

— Minha irmã é mais importante... — interrompeu Roger. — Silêncio! — exigiu Morgan, e Roger franziu o cenho

para o jovem galés impertinente. — Prossiga — ordenou ao frade.

Frei Gabriel obedeceu, preocupado. Quando acabou, Morgan assentiu e olhou para o sogro.

— Pode ser ele, o que pensei estar morto. — Morto? De que está falando? Conhece esse camarada?

— indagou Roger. — Se for o mesmo homem, eu sei algo sobre ele. Pensei

que tivesse sangrado até a morte, mas agora percebo que posso ter me enganado.

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— O que tem ele? — Ele estava com um bando de rebeldes que atacaram o

meu castelo e mataram meu amigo. — O quê? — Roger olhou para Morgan e para frei

Gabriel. — Ele matou o líder do grupo, que por sua vez estava

tentando matá-lo. Foi assim que foi ferido. Eu o deixei ir. Para morrer, supunha,

— Bem, aparentemente, ele não morreu. — Roger lançou outro olhar zangado a frei Gabriel. — Graças aos monges de St. Christopher. E ainda acha que minha irmã está a salvo com esse indivíduo?

Morgan também fitou o frade. — Acredito que sim. Na verdade, nada temo por ela se

estiver na companhia desse homem. Lorde Trevelyan. que estivera ouvindo tudo pensativo,

manifestou-se: — Vamos crer, por hora, que Madeline está com esse

camarada. Onde mais poderiam ir, se não para cá? Sua irmã tem outros amigos a quem poderia pedir ajuda?

— A menos que tenha feito essa amizade no convento, não.

— E isso não poderia ser possível? Perguntou à madre superiora?

Roger não perguntara e percebeu, pela primeira vez, que poderia ter cometido um grave erro. Foi até a porta e mandou o criado trazer Albert. Quando o amigo chegou, ordenou:

— Volte ao convento e conte à madre Bertrilde tudo o que aconteceu. Depois, pergunte sobre as amigas dela. É possível que ela tenha ido a um lugar que nem sequer cogitamos. E tente manter tudo na maior discrição possível.

— Imediatamente, senhor — declarou Albert, antes de sair apressadamente pelo corredor.

Hu Morgan fez uma pequena mesura. — Nesse ínterim, meu sogro, sir Roger, vou reunir meus

homens para iniciar as buscas — declarou. Deu um leve sorriso. — Gostaria de ver aquele homem novamente.

— Ora, esse homem é alguma espécie de santo? — resmungou Roger. Ao ver Morgan partir, concluiu que nunca entenderia os galeses, nem queria. — Eu vou também — anunciou. Baixou a voz: — Para o caso de ele decidir deixá-lo livre novamente.

Felizmente, Morgan não ouviu a última frase, nem o tom irônico de Roger.

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Lorde Trevelyan e frei Gabriel desceram as mãos sobre os braços de Roger.

— O que significa isso? — grunhiu Roger. — Você está horrível — avaliou lorde Trevelyan. — Ele foi ferido na briga com os bandoleiros, senhor —

explicou frei Gabriel. — Temo que esteja se excedendo. — Sim — concordou lorde Trevelyan. — Fique e descanse

um pouco, Roger — ofereceu. — Não vai poder ajudar Madeline se cair doente.

Embora Roger quisesse discordar, sentia-se fraco, tonto e cansado.

— Muito bem — murmurou, e voltou a se sentar. — Só por uma noite. — Olhou para o religioso, que sabiamente não protestou.

— Talvez Madeline tenha decidido ir para casa, para o seu castelo, temendo outros perigos — comentou lorde

Trevelyan, pensativo. Frei Gabriel limpou a garganta audivelmente e os dois

homens voltaram-lhe os olhares. — Há, talvez, outro motivo para lady Madeline não querer

ir para casa — alfinetou o religioso. — Oh?! — exclamou o lorde. — Sim. Mas sir Roger pode explicar melhor o que se

passa. — Ela não concorda com os meus planos — admitiu Roger,

sombrio. — Ela quer escolher o marido sozinha. Lorde Trevelyan suspirou e havia simpatia e compreensão

no olhar. — Bem, sei como é lidar com mulheres assim. Minha filha

tem a mesma opinião. — E o senhor permitiu que ela escolhesse. Abriu um

precedente perigoso, Trevelyan — censurou Roger, amar-gamente. — Posso apostar que Madeline ouviu sobre Li-liana e seu galês.

— E foi a melhor decisão que tomei, Roger — afirmou lorde Trevelyan. — Lembro-me bem de Madeline. Eu teria solicitado a sua adoção após a morte de seus pais se eu mesmo não fosse viúvo. E se ela não brigasse tanto com Liliana... Teria sido um pesadelo ter duas meninas teimosas no mesmo castelo. Presumo que ela continue teimosa?

— Sim. — Roger finalmente provou o vinho. — Eu só fiz o que achei melhor.

— O que você achou melhor, ou DeGuerre?

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— Ele é meu suserano. Eu não tinha objeções ao casamento.

— Conhece Chilcott? Roger olhou para lorde Trevelyan, preocupado. — Não. Por que pergunta? Conhece-o? Lorde Trevelyan

suspirou. — Não, mas lembro-me do pai. Um homem lascivo e

agressivo. Um tio levou Reginald para a Sicília e acho que foi a melhor coisa. Conheço poucas pessoas que o encontraram por lá. Mas sei que Chilcott não é nada parecido com o pai. Na verdade, bem o oposto, um sujeito simples e inofensivo.

— Foi o que me informaram. — Sim... — Mas? — Mas você acha que Madeline seria feliz com ele? Como

esse arranjo aconteceu, se me permite perguntar? — DeGuerre planejou tudo. — E você não está preocupado com isso? Roger estreitou

o olhar. — E deveria? Confio minha própria vida a meu suserano. — A da sua irmã também, pelo que vejo — declarou lorde

Trevelyan, suave. — O contrato foi elaborado, assinado e lavrado. Ela não

devia ter fugido! — Eu não estou dizendo que você agiu errado, nem que

ela tenha agido corretamente. E não estou me esquecendo de que ela pode estar sendo mantida por esse galês contra a vontade, que pode também não ser o homem que Hu conheceu antes. Ainda que seja, sei menos sobre ele do que Hu, embora respeite o julgamento de meu genro. O que estou tentando dizer é que não sei se esse Chilcott é o marido ideal para Madeline, a menos que ela tenha mudado muito.

— Ela não mudou nada — resmungou Roger. — Não seria mais prudente, então, quando ela for en-

contrada, pelo menos permitir alguma flexibilidade? — DeGuerre quer que nossas famílias fiquem unidas. — E

você sabe por quê? Roger torceu o lábio num sorriso. — Na verdade, sei. Embora o senhor seja diplomático

demais para dizer, sei que Chilcott é um tolo. DeGuerre achou melhor aliá-lo a um comandante mais capaz.

— Você? — Eu. Lorde Trevelyan assentiu.

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— Então encontramos o fio da meada. DeGuerre é um homem esperto que dá valor a um bom comandante e que tem a sabedoria de não ofender um homem rico ainda que seja um tolo. Mas, então, você não tem objeção à aliança?

— Nenhuma. — Roger refletiu por um momento, em consideração ao velho amigo de seus pais, e decidiu contar a verdade, embora tivesse dificuldade em compor as frases. A mente estava confusa, pois sentia-se cansado.

— Achei que Madeline ficaria a salvo com alguém como Chilcott. Um homem mais autoritário poderia querer colocá-la na linha. Achei que, assim, ela tomaria as rédeas.

— Bem — declarou Trevelyan, sorrindo paternalmente para Roger —, agora chegamos a um ponto. Contou isso a ela?

— Não. Lorde Trevelyan suspirou ante a teimosia peculiar da

família Montmorency e então sorriu. — Sugiro que não seja reticente quando ela for

encontrada. — Então, acha que a encontraremos? — Pela primeira vez

desde o desaparecimento de Madeline, Roger permitiu que um pouco de sua dúvida e ansiedade transparecesse.

— Se ela estiver em algum lugar num raio de cinquenta quilómetros, Hu vai encontrá-la.

Roger ouviu as palavras de lorde Trevelyan, a sala pareceu rodar, e ele desfaleceu. !!

CAPITULO DEZ !!— Olhe! Um texugo! — exclamou Ma-deline, suave, e

apontou para a criatura gorducha que atravessava a estrada. O dia estava quente e ensolarado, não havia nuvens no céu e o ar estava carregado dos aromas da floração e do brotar da vegetação. Dafydd apenas franziu o cenho. Ela parecia estranhamente animada com a paisagem, assim como estivera bastante jovial antes, sem dúvida porque achava que estava no comando.

Deixe-a pensar o que quiser, convenceu-se. Não fazia diferença alguma. Pelo menos, comprara um vestido mais decente, assim como ele comprara uma pedra-de-fogo. Não haveria mais noites ao lado dela, prometera a si mesmo ao despertar, duas noites antes, e encontrá-la aninhada em seus

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braços. Desde então, tomara cuidado para ficar tão longe dela quanto possível.

Infelizmente, não era tão fácil. Embora o vestido novo não fosse tão justo quanto o anterior, ele adivinhava os contornos formosos e excitantes. Também se surpreendeu várias vezes observando-a: o sorriso, os olhos, o cabelo, os gestos.

Ora, devia ter aceito o convite da garçonete. Não tinha dúvida das intenções da moça da taverna e, pelo menos, talvez ficasse mais fácil ignorar Madeline.

— Preciso descansar — anunciou ela, pouco tempo depois. Sem esperar resposta, sentou-se ao pé de um enorme carvalho.

Dafydd franziu o cenho e baixou a pouca bagagem. Para dizer a verdade, a área sombreada estava fresca e convidativa, mas ele não iria admitir que queria descansar também. Nem admitiria que o ombro estava doendo devido às noites passadas sobre o solo frio e duro.

— Não avançamos muito nessa manhã — comentou, examinando-a furtivamente enquanto se sentava a seu lado. — Você disse que poderia fazer a jornada.

— Eu posso — reafirmou ela. — Só estou cansada e preciso de um breve descanso.

Ela parecia pálida e havia marcas escuras ao redor dos olhos. Ora, ela não parecia apenas cansada, mas doente, o que o deixou preocupado. Apesar do que dissera, essa viagem era demais para uma mulher bem nascida que, com certeza, estava acostumada a caminhar apenas a distância entre o convento e a capela. Cuidaria para que ela descansasse com mais frequência. Ainda deveriam caminhar muitos quilómetros.

— Quer um pouco de água? — perguntou ele, quase gentil.

Ela balançou a cabeça e levou a mão ao estômago. Esse movimento fez Dafydd fazer outra conjectura. Tal-

vez, na noite em que haviam feito amor, houvessem feito mais alguma coisa.

— Está se sentindo... — Ele fez uma pausa, pois só sabia a palavra náusea em galês.

— Não é nada — assegurou Madeline, com um leve sorriso. — Estou naqueles dias.

Portanto, não estava grávida. Dafydd convenceu-se de que devia ficar satisfeito.

— Silêncio! — sussurrou ela, de repente. — Ouça! Percebiam-se sons abafados e longínquos de arreios,

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latidos de cães, galope de cavalos e vozes masculinas. Madeline achou que reconhecia uma das vozes, mas, antes que pudesse ter certeza, Dafydd agarrou-a pelo braço e escondeu-a atrás do primeiro arbusto. Madeline até se esqueceu da cãibra e nem notou os espinhos arranhando-lhe os braços.

— Cães! — Dafydd praguejou. Rapidamente, conduziu Madeline até caírem num riacho estreito e lamacento.

— Para lá! — ordenou, enquanto a segurava, ajudando-a a subir num galho baixo de um carvalho. — Suba o mais alto possível e fique quieta!

— Onde você...? Ele não respondeu, pois já estava subindo em outro

carvalho com a bolsa de mantimentos entre os dentes. Através dos galhos da árvore, Madeline identificou um grupo de cavaleiros, cinco no total, na estrada, com o gentil lorde Trevelyan à frente e outro cavaleiro a seu lado. Estavam acompanhados de cães, mas os animais pareciam confusos e não sabiam para onde ia a trilha.

Ela só tinha que descer da árvore e apresentar-se a lorde Trevelyan para acabar com aquela aventura cheia de ameaças e desconforto. Lorde Trevelyan a levaria a seu castelo maravilhoso, onde ela se banharia e teria uma refeição quente e uma cama decente. E lorde Trevelyan, que tinha uma filha mais ou menos da mesma idade dela e que a conhecia desde a infância, não permitiria que Roger a forçasse a um casamento arranjado.

Sim, tudo o que tinha a fazer era descer da árvore... e deixar Dafydd para trás para sempre.

Madeline permaneceu na árvore. — Acho que fomos longe demais — comentou lorde

Trevelyan, freando o cavalo não muito longe da árvore. — Eles não estariam tão a leste, Hu. — Poderiam estar, se ele estiver tentando nos levar a

uma brincadeira de gato e rato — respondeu o homem que Madeline achava que era o genro de lorde Trevelyan.

Hu Morgan também era galês. Ela olhou para Dafydd e ficou espantada com o olhar sombrio de reconhecimento dele ao focalizar Morgan. Como Dafydd conhecia o genro de lorde Trevelyan?

— Ele é esperto; portanto, não será fácil agarrá-lo — observou Morgan.

Madeline ficou feliz por ter hesitado. Embora quisesse usufruir dos confortos sem demora, entendia que podia ter

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colocado Dafydd em perigo. Seria uma pobre recompensa por sua ajuda.

— Mas o que aconteceu a Madeline? Com certeza, ela encontraria um jeito de nos ajudar a localizá-la.

Morgan assentiu. — Acho que frei Gabriel pode ter razão. Talvez ela não

queira ser encontrada. Quem era aquele frei Gabriel e como ele sabia tanto

sobre ela? Olhou novamente para Dafydd, mas não conseguiu identificar nada no semblante impassível. Ele se camuflava entre a folhagem, como os animais costumavam se esconder dos predadores.

— Não sei o que vou dizer a Roger — declarou lorde Trevelyan, e balançou a cabeça. — Ele acordou melhor? Achei que ia desmaiar também ao vê-lo desfalecer!

Madeline suprimiu um soluço. Acreditara que Roger es-tava bem. Ou, pelo menos, convencera-se de que ele estava bem, para se concentrar egoisticamente nos próprios problemas. Inclinou-se para a frente para ouvir melhor.

— Não foi nada sério. Frei Gabriel está convencido de que ele simplesmente precisa descansar. Liliana disse que ele está com aparência muito melhor esta manhã.

— Ainda bem — declarou lorde Trevelyan, e Madeline reforçou esse sentimento. — Não adianta, Hu. Sugiro que voltemos para a estrada principal.

Morgan assentiu e os cavaleiros manobraram as mon-tarias para voltar por onde vieram. Madeline começou a respirar com mais tranquilidade, até Morgan parar e olhar por sobre o ombro, diretamente para sua árvore. Ela segurou a respiração.

Morgan voltou-se, juntou-se ao grupo e logo todos de-sapareceram de vista.

Madeline olhou para Dafydd, mas ele não fez menção de descer e ela o imitou. Aguardaria até que ele considerasse seguro.

Observou-o de seu poleiro e notou a expressão pensativa, a linha da boca tensa e o olhar atento.

Após o que pareceu ser uma eternidade, Dafydd desceu e foi para baixo da árvore dela. Ele a segurou com destreza, enquanto ela descia devagar.

— Acha que nos viram? — perguntou, ansiosa. Ele balançou a cabeça.

— Não, senão não teriam ido embora. — Você conhece Hu Morgan? — Quem?

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— Sabe tão bem quanto eu. O homem que estava com lorde Trevelyan.

— Aquele era lorde Trevelyan? — Era — confirmou ela, confusa. Acreditava que ele realmente não conhecia lorde Tre-

velyan; entretanto, tinha quase certeza de que conhecia Morgan.

— Por que se escondeu, então? — indagou ele, o olhar atento e penetrante.

— Não tinha certeza de quem era, a princípio — declarou ela, tentando esconder a mentira.

— Eles estavam bem visíveis. — Foi tudo tão inesperado. Estava confusa e insegura... — Você? Insegura? — Ele lhe lançou um olhar des-

confiado. — Seu irmão também está no castelo de lorde Trevelyan, pelo que entendi. Você podia ir para lá agora, sã e salva.

— Eu... eu sei. Eu não queria que eles o levassem prisioneiro.

— Você me disse que não tinha nada a temer de Trevelyan.

— E ainda penso assim. Só não posso ter certeza e eu devo isso a você.

— Sempre a nobre graciosa — respondeu ele, irônico. — Não preciso da sua proteção.

— Talvez eu devesse ter ido com lorde Trevelyan. — Vá atrás dele, então — desafiou Dafydd, e cruzou os

braços. Ele queria que ela fosse embora?, imaginou Madeline, de

repente temerosa em encará-lo e ver a confirmação. Então, percebeu que estava agindo como uma covarde. Se ele queria que ela fosse embora, deveria aceitar a verdade e partir. Respirou fundo e ergueu o olhar.

— E isso o que você quer? — desafiou ela. — E — veio a resposta, mas ela viu uma verdade mais

profunda no olhar. — De verdade? — insistiu, pois queria que ele dissesse o

que via naquele olhar, queria que ele admitisse a emoção que fazia com que seu coração se aquecesse e fosse tomado por uma inexplicável alegria.

Ele não conseguiu manter o olhar. — O que importa o que eu quero? — resmungou Dafydd,

finalmente. — Eu sou um camponês e você, uma nobre hormanda.

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— Diga para mim, aqui e agora, que quer que eu vá e que vai ficar feliz se nunca mais me vir — insistiu ela. — Ou então, deixe-me ir com você para o país de Gales.

— Isso é loucura! — protestou ele. Voltou-se e afastou-se a passos largos.

Ele não conseguia mentir para ela. Sabia que não era melhor que nenhum garoto tomado pela primeira paixão. Entendera isso no momento em que percebeu que ela poderia deixá-lo ali e ir com lorde Trevelyan. Naquele instante, sentiu uma dor no coração ante a idéia de viver sem ela.

Então, aquilo era o amor, concluiu, amargo. Uma emoção desesperada e intensa. Apesar do que ela dizia, sabia que não podiam ficar juntos. Havia um mundo separando-os. Oh, talvez não agora, quando ambos ainda tinham o calor e a alegria da paixão, mas, depois, com o tempo, e quando ela começasse a pensar nas coisas que abandonara. Não, não havia futuro para eles.

— Dafydd, responda-me! — Madeline — ele forçou-se a dizer —, não tenho nada a

lhe oferecer. Nenhum castelo, nenhum dinheiro, nem lar de espécie alguma.

— Eu não me importo. — Deveria. E vai se importar, com o tempo. — Ouça-me, Dafydd. A vida sob a tutela de madre

Bertrilde foi tão dura quanto possa imaginar. Eu trocaria tudo o que meu irmão ou qualquer outro normando possa me dar para ficar com você pelo resto da vida.

Um sentimento de alegria e esperança surgiu no rosto de Dafydd, desaparecendo em seguida quando ele desviou o olhar.

— Não importa o que sentimos. E impossível. — Por quê? Você me ama. Eu sei que você me ama. — Madeline, não diga mais nada — advertiu ele. — Você é

quem você é e eu sou quem eu sou. Não há como mudar isso. — Recomeçou a caminhar e ela passou a acompanhá-lo.

— Para onde estamos indo? — Vou levá-la a lorde Trevelyan. Ela estacou abruptamente. E ele achava que nada podia

ser mudado. Mas tudo mudara quando ela o viu pela primeira vez e estava determinada a mostrar-lhe que não era a mulher que ele achava que era.

Ela era uma mulher perdidamente apaixonada por ele e, por mais que negasse, sabia que ele a amava também. Ele simplesmente só via obstáculos, mas ela não era o tipo que permitia que obstáculos ficassem em seu caminho. Só precisava

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de tempo para fazê-lo ver que poderiam viver juntos, que ela estava, sim, disposta a abrir mão da riqueza para ficar com ele.

— Você disse que me levaria a lorde Gevais. — Trevelyan fica mais perto. — E quanto a Morgan? — Sim, estava me esquecendo de Morgan. — Ele suspirou

cansado. — Muito bem, vamos para Bridgeford Wells. Eles chegaram ao riacho e Dafydd começou a andar pelo

leito. — Precisamos fazer isso? — indagou ela, e ergueu a barra

da saia. — Está tão lamacento. — Quer ir para Bridgeford Wells ou não? — indagou ele,

sem olhar para trás. — Quero. — Então, não devemos deixar rastro para os cães. Agora,

fique quieta e siga-me. Madeline sentiu uma ponta de dúvida. Ele estava sendo

tão rude... talvez tivesse superestimado o que ele sentia por ela. Mesmo assim, não havia dúvida em seu coração. Queria ficar com ele, sã e livre. Ainda assim, a atitude dele deixou uma marca de dúvida. Seria possível que ela estivesse sendo ingénua? Ele estaria certo ao imaginar que seus sentimentos mudariam com o tempo, que ela poderia vir a lamentar a vida com ele?

Caminharam para o norte um bom trecho, depois dei-xaram o riacho e continuaram pela floresta. Ela percebeu que ele segurava o ombro.

— Está doendo? — investigou, suave. — Foi desconfortável ficar ali em cima da árvore. — Ele

parecia cansado, mas não tão rude quanto antes, o que ela tomou como um bom sinal.

— De onde conhece Morgan? — Ela ficou ao lado dele e notou o semblante transtornado. Ele se preocupara tanto com ela, mas aquela viagem não parecia estar sendo fácil para ele, tampouco.

— Ele me deixou para morrer nas montanhas. — Ele feriu você? — Ela indicou o ombro. — Não. Quem me feriu foi Ivor, o líder dos rebeldes com

quem eu estava. Eu não estava de acordo com a tática dele e ele não estava de acordo com a minha oposição.

— Então ele lutou com você? — Foi. — O que aconteceu? Você o matou?

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— Não. Morgan fez isso quando eu já jazia quase morto em seu salão.

— Então, como Hu Morgan acabou levando-o para morrer na montanha?

— Eu pedi a ele. Ela estacou e aguardou que ele parasse também e se

voltasse a ela. — Você pediu e ele concordou? Por quê, se você era um

rebelde? — Porque eu tentei deter Ivor, suponho. Ou, talvez,

devido à eloquência do meu pedido — acrescentou Da-fydd, sarcástico.

— Ou talvez ele tenha visto o que eu vejo, um homem honrado.

— Madeline... eu não a amo. Nunca amarei você. Está se fazendo de tola.

— Não sou eu que estou mentindo, Dafydd. Se não me ama, por que está me levando até lorde Gevais?

— Porque eu disse que levaria. — Então você é um homem honrado. — Mas não a amo. — Dafydd — chamou ela, suave e aproximou-se para

pousar as mãos sobre os ombros dele. — Homens honrados não mentem, então, quero que me diga que não se importa comigo, se isso for verdade,

— Madeline — advertiu ele. — Chega disso! — Desculpe por ter sido áspera com você após aquela

noite. Eu estava com medo. — Não quero conversar sobre isso. Foi um erro para nós

dois. — Foi um erro até que percebi o que você sente, até que

percebi que você realmente se importa comigo. — Eu nunca disse isso. — Agora quem está sendo teimoso? Você se importa, sim.

Posso ler isso em seu olhar. Mas, se eu tivesse ficado grávida, teria sido terrível. Eu seria humilhada. Ninguém me respeitaria.

— Provavelmente nenhum normando — concordou Dafydd, retirando as mãos dela de seus ombros e envolven-do-as com as suas enquanto refletia. — Por que não me contou antes sobre os seus temores? — sussurrou. — Considerava-me tão pouco assim, Madeline?

— Achei que não era problema seu. Fui eu, Dafydd, quem o procurou naquela noite.

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— Mas teria sido fruto de nós dois, Madeline — afirmou ele, baixinho. — Acha que eu abandonaria a minha própria carne e sangue? Acha que eu deixaria o meu filho para ser criado entre os normandos?

— Eu sou normanda, Dafydd — ela o lembrou. — O bebê seria meu também. Mas isso não importa. Não estou grávida.

— Ótimo — encerrou ele, e largou as mãos dela. — Se você achava que eu seria capaz de deixá-la à própria sorte com uma criança, então não sabe nada sobre mim e é melhor que continue assim,

— Eu sei algo sobre você, Dafydd. Sei que você é bom e honrado. Saberia mais se me contasse.

— Mas será que não vê, Madeline? Pertencemos a dois mundos diferentes.

— Então, podemos construir um outro só para nós — incentivou ela. — Não entende, Dafydd? Não precisamos ficar sozinhos nunca mais.

Ele a encarou. De todas as coisas que ela poderia ter dito, aquela era uma que atravessava a armadura que ele construíra ao redor de si mesmo. Sabia muito bem o que era estar sozinho no mundo. E ela também. O amor deles não poderia significar o fim daquela solidão para sempre? Talvez, apenas talvez, pudessem partilhar uma vida em comum.

Ele segurou-a pelos ombros e aproximou-a até que fi-cassem frente a frente. Ela se aproximou ainda mais, colando seus corpos,

— O que você deseja, Dafydd? O que está procurando? — Paz — definiu ele, pensativo, ciente da presença dela,

de seu amor por ela. — Um lar. Uma esposa. Filhos. — Assim como eu quero um marido que me ame. Filhos.

Um lar. Eu quero você, Dafydd. — Madeline — sussurrou ele, inclinando-se para beijá-la.

Encontrara uma promessa ali, de felicidade e amor, de uma família, de tudo que havia tanto tempo não fazia mais parte de sua vida.

Era como um conto de fadas. A história de uma dama e um vagabundo. Só que a princesa descobria no fim que o vagabundo era também um príncipe e Madeline não teria a mesma surpresa. Ele a afastou.

— Madeline, isso é errado. É apenas um sonho. — Não, é o nosso mundo — sussurrou ela, fervorosa. — Eu

o amo, Dafydd, do fundo do coração. — Deitou-se no chão e trouxe-o junto. — É direito. Faça amor comigo, Dafydd.

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Ele a queria, naquele momento e para sempre. Amava-a de todo o coração. De corpo e alma. A vida dela era a sua vida, os sonhos dela eram os seus sonhos, seus medos eram os dele...

— E se você engravidar? — avaliou ele, quase insensível de desejo, mas ainda pronto para controlar as ações se ela assim desejasse.

— Não importa. Nada me faria mais feliz do que dar-lhe um filho.

— Nada me faria mais feliz do que tê-la como minha esposa — sussurrou Dafydd.

Gentil e conduzido pela paixão, Dafydd se deitou a seu lado e explorou com calma a carne ardente, os lábios. Enterrou as mãos em seu cabelo, como imaginara várias vezes. A paciência de Madeline ante estímulos tão deliciosos não durou muito tempo. Ela o trouxe para junto de seu corpo e afastou a túnica para expor o tórax musculoso. Com carícias ardentes e sussurros de desejo, rapidamente levou-o ao clímax, que combinava com sua própria condição.

— Sim! — gritou, quando ele a tomou completamente, num único movimento rápido.

Então, deliberadamente, Dafydd acalmou-se e ergueu-a, até ela se apoiar em seu tórax, as pernas fechadas em torno de sua cintura.

Por instinto, gerado pelo desejo e necessidade, Madeline começou a se movimentar contra ele, e cada avanço dos quadris era recompensado com um gemido que cresceu até ele emitir um grunhido. Então, alcançaram o limite e ele gritou, entregue a ela.

Madeline descansou sobre ele, o rosto colado ao tórax, o som das batidas do coração aceleradas em seu ouvido.

— Madeline — sussurrou Dafydd, rouco —, acho que não posso viver sem você.

— Nem vai precisar — assegurou ela, com um suspiro. — Você será feliz no país de Gales? — Se você estiver lá, serei. Ele riu. — Gostaria de ter tanta certeza de tudo quanto você!

Mas vou confiar na sua opção. Iremos para oeste amanhã. Ela se afastou e franziu o cenho, preocupada. — Preciso ir a Bridgeford Wells antes, Dafydd. Não

estamos muito longe agora, estamos? — Por quê? — Devo isso a Roger. Preciso contar a ele o que aconteceu

e garantir que ele pare de me procurar.

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Esquecera-se de sir Roger de Montmorency. Sim, era dever dela avisar o irmão que estava bem. Mas um homem como sir Roger daria ouvidos a Madeline? Pior, ele permitiria o casamento com um galês, ainda que de família que um dia pertencera à nobreza? Ele permitiria que ela estragasse seus planos?

— Poderei deixar uma mensagem com lorde Gervais — calculou Madeline. — Felizmente, Roger não está em condições de nos procurar, embora não esteja gravemente ferido.

Dafydd suspirou, abraçou-a e permitiu que ela se aninhasse junto a seu corpo. Não acreditava que Roger iria desistir da caçada tão facilmente. Mesmo assim, se a melhor opção de Madeline era informar o irmão de que não estaria mais sob sua responsabilidade, teriam que fazer desse modo.

Madeline afastou-se e buscou a bolsa com mantimentos. Retirou um cobertor grosso.

— Tome, não é um colchão de plumas, mas vai nos aquecer — concluiu ela, e deitou-se a seu lado, cobrindo-os. — Fale-me sobre o país de Gales, Dafydd.

Ele a envolveu nos braços. — Se você me contar sobre a sua vida antes do nosso

encontro. Ela sorriu e assentiu. Então, deixando-se tomar pela

esperança, Dafydd contou sobre as terras de seus ancestrais e ouviu histórias da infância de Madeline até a lua estar alta no céu. !!

CAPITULO ONZE !!Madeline nunca estivera em Bridgeford Wells, embora os

pais tivessem desfrutado da hospitalidade de lordeGervais muitas vezes e ele também os tivesse visitado. A perspectiva de finalmente conhecer aquela cidade grande e próspera acrescentou-se a excitação e alegria dos últimos dias e Madeline não se decepcionou com a primeira visão. A cidade esparramava-se sobre um amplo território, desde as margens do rio largo e cheio de meandros, passava por um muro antigo que hoje servia apenas para apoiar as novas construções e che-gava até a elevação suave em que ela e Dafydd pararam. Muitas casas situadas na parte externa do muro tinham dois andares e deviam pertencer a mercadores bem estabelecidos. O

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movimento contínuo de pessoas entrando e saindo da cidade lembrava um formigueiro.

Madeline olhou para Dafydd e viu que ele tinha o cenho franzido de preocupação, o que não a surpreendeu. Ali estava um belo exemplo do poder dos normandos e, com certeza, não era algo que os galeses gostavam de ver. Para ela, entretanto, o castelo de lorde Gervais significava a liberdade. Só o que precisava fazer era pedir-lhe que transmitisse sua decisão a Roger e, então, poderia partir com Dafydd.

Dafydd podia estar preocupado também porque, na noite anterior, tiveram que se esconder com mais cuidado. Embora estivesse viajando com Dafydd por livre e espontânea vontade, decidiram que seria mais sábio irem com cautela até que ela pudesse se explicar com lorde Gervais, caso Roger tivesse mandado mensageiros na frente. Encontraram muitas pessoas na estrada no dia anterior, mas Madeline achou que era por estarem perto de uma cidade grande. A decisão de Dafydd parecia-lhe extrema, mas nada questionou. Ele era mais esperto do que ela em muitos assuntos e também sentia-se mais ameaçado, estando em território exclusivamente norman-do. Naturalmente, como seu noivo, estaria a salvo, mas era.melhor tomar cuidado e evitar qualquer incidente. — Você não precisa ir comigo até lá — declarou Madeline. — Posso ir sozinha e encontro com você mais tarde, após ter conversado com lorde Gervais.

Dafydd desviou a atenção de Bridgeford Wells e do belo castelo de lorde Gervais.

— Não. Eu irei com você. Esse lugar é muito movimentado, você pode correr perigo.

Madeline achava esse cuidado de Dafydd tocante, ao contrário do tratamento arrogante de Roger, que só a queria como instrumento para atingir seus próprios objetivos.

— Eu lhe asseguro que não há perigo aqui. Mas fico imaginando por que todo mundo está vindo para cá. Parece ser um festival.

— E dia da primavera — respondeu Dafydd, e olhou para um grupo de mocinhas que passavam pelo portão amplo, trazendo nos braços maços de flores do campo,

— Sim! Olhe! — exclamou Madeline. — Estão montando o poste e veja como decoraram as portas. Não havia notado.

— Vamos. Com todos comemorando, não vão notar mais dois estranhos.

— Faz tanto tempo que não vou a um festival de pri-mavera — murmurou Madeline, e pegou uma flor na beira da

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estrada. O canto dos pássaros descontraía o ambiente e o céu estava muito azul, com algumas poucas nuvens que mais tarde poderiam trazer chuva, mas que naquele momento adornavam o cenário perfeito. — Desde que era criança. Madre Bertrilde achava isso muito pagão

— acrescentou. — Madre Bertrilde deve ser uma criatura inflexível. — Oh, era, sim. Mas muito devota. Suponho que ela

achasse que era o melhor — comentou Madeline, contente. Notou que Dafydd avaliava o castelo atentamente.

— Dafydd? — Segurou-o pelo braço. Um grupo de cam-poneses passou por eles, cumprimentando simpáticos. Aguardou que eles se afastassem antes de indagar: — Dafydd, importa-se se eu deixar para ver lorde Gervais mais tarde? Gostaria tanto de aproveitar o festival.

— Eu preferia estar longe daqui. — Sim — respondeu Madeline, com um movimento de

cabeça. — Eu sei. Mas, veja, eles já fincaram o poste que vai ser decorado com flores. Não podemos ficar só um pouquinho? Por favor?

Dafydd avaliou a multidão. O lugar estava cheio de normandos. E saxões. E alguns galeses também, pelo semblante. E se alguém o reconhecesse? E se alguém de repente gritasse: "Aquele camarada ali não é um dos homens de Ivor Rhodri?" Mas Madeline queria ficar e tinha o olhar tão brilhante e animado...

— Acho que ninguém vai prestar muita atenção — concluiu, torcendo para que fosse assim.

Ela sorriu gloriosa e Dafydd sentiu o coração falhar uma batida. Ela era sua e mal podia acreditar. Amava-a e queria fazê-la feliz. Que mal podia haver em uma pequena comemoração?

Havia mais do que um toque sombrio na expressão de sir Roger de Montmorency quando o cortejo chegou à parte final da viagem até Bridgeford Wells. Logo viu, mesmo àquela distância, que lorde Gervais concluíra finalmente o castelo. E seria preciso muita força para invadir aquela construção! Ou muitos anos para fazê-los morrer de fome. Havia poços no interior e os armazéns estavam abarrotados de provisões.

Felizmente, faltavam poucos quilómetros. Já era quase meio-dia, mas sabia que lorde Gervais não acharia a sua chegada incómoda. No máximo, lamentaria por eles não terem chegado para almoçar. E poderiam ter chegado, se a estrada não estivesse tão cheia de camponeses e outros transeuntes que,

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aparentemente, queriam comemorar o dia da primavera da forma mais barulhenta e inconveniente possível.

Podia ouvir Bredon e os cães mais atrás e ficou ima-ginando se não deveria tê-los deixado com Morgan e Tre-velyan, que haviam prometido continuar as buscas. E todo o atraso por causa de frei Gabriel, que só o liberara para andar a cavalo após um longo período de descanso.

Albert emparelhou. — Está um dia maravilhoso e devo dizer que o senhor

também está com melhor aparência. — E não deveria? Dois dias de cama! Tratado como uma

criança! Devia mandar o frade de volta a sua enfermaria. — Voltou-se e franziu o cenho para o religioso que cavalgava recuado.

— Ele não teria ido — comentou Albert. — Acho que está curioso com o desfecho desse incidente.

— Ele e todo mundo que ficou sabendo da história — grunhiu Roger. — Dois dias e quem sabe para onde Ma-deline pode ter ido ou o que pode ter-lhe acontecido?

— Morgan parecia seguro sobre esta direção e preciso concordar que, se ela não foi até lorde Trevelyan, pro-vavelmente veio para cá.

Roger franziu o cenho ainda mais, — E como ele sabe? Qual a evidência? Nada além de um

palpite. — Roger suspirou cético. — Provavelmente algum tipo de misticismo galês. Segunda visão. Deve ter visto nas entranhas de uma ovelha, talvez. Talvez o grande tolo seja eu por seguir o conselho do homem.

Albert limpou a garganta, desajeitado. — Bem, Roger, se Madeline não estiver aqui, você poderá

conseguir mais ajuda de lorde Gervais. Seu pai ado-tivo vai ficar feliz em ajudá-lo a encontrar sua irmã.

— Ainda que isso signifique que mais pessoas vão ficar sabendo o que está acontecendo. E, quando for encontrada, mais chance de escândalo.

Albert não se deixava enganar pelos modos de Roger. Sabia que o amigo estava muito menos preocupado com a segurança da irmã do que com sua reputação. Mesmo assim, sentia simpatia. Roger era um homem ambicioso e Madeline estava ameaçando seus planos.

— Bem, não tenho muita escolha — concluiu Roger, sombrio. — Se ela não for encontrada hoje ou amanhã, terei que informar Chilcott que o casamento será adiado. E ao barão,

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também. Maldita Madeline! Quase desejo que estivesse ferida, ou nas mãos dos fora-da-lei. Seria mais fácil explicar.

— Com certeza, sir Roger, não está falando sério — censurou frei Gabriel, levemente acusador.

Roger voltou-se sobre a sela e outro franzir de cenho surgiu no rosto bonito.

— Claro que não estou falando sério — disparou. — Ela é minha irmã, apesar de tudo.

— Temia que tivesse se esquecido desse fato. — Poderia já tê-la encontrado se não fosse a sua in-

sistência para que eu permanecesse na cama. Frei Gabriel não parecia se abalar com as palavras duras

de Roger. — Não poderia apresentá-lo à sua irmã, já morto. Além

disso, lorde Trevelyan e seus homens estavam fazendo um trabalho excelente e prometeram continuar as buscas.

Outro grupo de celebrantes do dia da primavera surgiu, fazendo Roger desacelerar um pouco.

— Ai! Esse pessoal podia sair do caminho! — São apenas camponeses desfrutando de um feriado

comum, sir Roger. Não merecem ser alvo de suas frustrações — disparou frei Gabriel.

Roger lançou um olhar desgostoso a Albert. — Estou surpreso que aprove esse "feriado comum". — Um pouco de divertimento não faz mal. — Talvez — grunhiu Roger —, mas eu estou aqui a

negócios. — Levantou-se na sela para ver mais adiante. — Iremos direto para lorde Gervais, quando conseguirmos sair da turba. Albert, enquanto verifico se Madeline já chegou, pegue alguns homens e vasculhe a cidade.

O cavaleiro normando a serviço de lorde Gervais ob-servou as pessoas dançando e sorriu divertido quando sua atenção foi chamada por uma moça excepcionalmente bonita, com o cabelo castanho solto. Era um prazer ficar observando-a.

Havia algo familiar nela, mas Urien Fitzroy, bem casado e em cujas tarefas incluía-se o treinamento de jovens nobres mandados ao castelo Gervais para aprender sobre a arte da guerra, não achava que a tinha visto antes.

Ficou vagamente interessado na atitude da moça ao ig-norar o jovem com quem viera. O pobre rapaz obviamente recusara-se a dançar, comprara uma cerveja e postara-se à margem do pátio, de onde podia ver a moça e o poste que ia ser decorado. Embora tentasse ignorá-la, era claro que estava ansioso e irritado com seu divertimento.

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Fitzroy suspirou, saudoso dos tempos de juventude. O homem simplesmente podia fazer o que ela queria e ir dançar. Qual era o problema dele? Sorriu para si mesmo e saudou sutilmente o jovem com a caneca. Talvez aqueles dois acabassem casados, como ele e sua esposa.

— Fitzroy! — chamou o taverneiro. Ele trazia duas canecas, moveu-se entre a multidão e juntou-se ao amigo. — Minha nossa, quanta gente. Minha mulher mal consegue encher as canecas.

— Então é melhor ir ajudá-la, senão vai dar confusão. — Sim — reconheceu o taverneiro. Mesmo assim, sentou-

se no banco ao lado do cavaleiro e começou a consumir sua cerveja. — Mas como dançam!

— Eu também dançaria para ficar mais perto daquela mocinha ali — comentou Fitzroy. — Posso ser casado, mas não estou morto. Tem que admitir que ela é muito linda.

— Também tenho olhos! Mas... — ele chegou mais perto de Fitzroy e apontou o jovem alto e moreno —, ela não está sozinha.

— Quem são? Acho que me lembraria dela e do jovem fortão também.

— Não sei. — O taverneiro encolheu os ombros. — Ele é galês ou eu sou idiota. — Talvez. Bem, é melhor voltar ao trabalho ou a mulher

vai fazer com que me arrependa de ter casado. Fitzroy ergueu a caneca para se despedir do amigo e

voltou a observar os dançarinos, concentrando-se na moça e em seu namorado mal-humorado. Ela não devia ter começado aquele jogo, o rapaz parecia muito contrariado. Mas, com certeza não ficaria muito zangado com uma beleza daquelas.

Tomou mais um gole de cerveja e a sombra de um estranho envolveu-o.

— Saudações, amigo — cumprimentou Fitzroy, jovial. — Você não é galês — afirmou o estranho. — Não, não sou — concordou Fitzroy, amigavelmente. — Como se atreve a olhar para ela desse jeito! — grunhiu

Dafydd. — Quem? — disfarçou Fitzroy. — Você sabe quem! Pare ou eu enfio sua cabeça nos

ombros! — É sua namorada? Então, devia dançar com ela. — Cale a boca, seu cão insolente! — Posso não ser nobre,

nem ter um castelo, mas não deixarei nenhum normando olhar para Madeline desse jeito!

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O cavaleiro estreitou o olhar e ergueu-se devagar. — Olhe a língua, galês — advertiu. — Vou deixar passar

os seus insultos desta vez porque está bêbado, mas não vou admitir mais nenhum.

— Eu não estou bêbado e repito: pare de olhar para ela, sua escória normanda! — gritou Dafydd, e mirou um soco na cabeça de Fitzroy.

O homem recuou e escapou do golpe por um milímetro. O taverneiro chegou apressado. — Por favor, senhores! Hoje é um dia de festa. Não

vamos brigar. — Eu vou matá-lo — resmungou Dafydd. — Não sabe com quem está falando, filho — apaziguou o

taverneiro. — Acho melhor você pensar duas vezes antes de desafiá-lo.

— Vou arrancar a sua cabeça! — Dafydd aprontou o soco e encostou a mão bem no queixo no normando, ameaçando.

Madeline abriu passagem e agarrou Dafydd pelos braços. — O que está acontecendo? — Esse cão estava olhando para você. — Dafydd voltou o

olhar sombrio. — Foi um insulto. — Se houve um insulto foi a mim e não a você. Por favor,

não há motivo para briga. — Eu digo que há! Sou responsável por você e não vou

permitir que qualquer homem a olhe com luxúria. — Na verdade, meu caro, não foi minha intenção insultá-

lo. Estava apreciando a dança. — Ele fez uma mesura cavalheiresca para Madeline. — Asseguro-lhe, não fiz por mal,

— Qual é o seu nome? — exigiu Dafydd, temendo que aquele homem pudesse ser Chilcott.

— Fitzroy. E o seu? — Não é da sua conta — desdenhou Dafydd, sentindo-se

mais raivoso. — Vai lutar comigo? Ou é um covarde? — Não vou levar insulto de ninguém e por nenhum motivo

— declarou ele. — Ótimo. Lute comigo ou aceite a alcunha. Fitzroy olhou

para o taverneiro. — Bem, Bern, abra espaço. Este camarada e eu vamos

lutar. Já que ele não tem arma, vamos com os punhos mesmo. — Senhor! — gritou Madeline, ciente do perigo ao qual

estavam se expondo sem necessidade. — Não seria justo. Ele está machucado e...

— Fique quieta, Madeline — declarou Dafydd, com firmeza. — É questão de honra.

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— Não vou permitir isso! — exclamou Madeiine, autoritária.

— Ela não vai permitir? — repetiu o normando, surpreso. — Fique quieta — ordenou Dafydd. — Nós só vamos lutar corpo a corpo. Não vai ser até a

morte. Bern, guarde a minha túnica. A multidão se organizou e formou um círculo. O clima

esquentou. — Dafydd, por favor, não faça isso — implorou Madeiine,

mas ele ignorou-a e retirou a túnica. Todo mundo engoliu em seco ao ver a cicatriz impres-

sionante no ombro e o normando arregalou os olhos. — Talvez devêssemos reconsiderar. — Não preciso da sua piedade, normando — desdenhou

Dafydd. — Agora, vamos logo. A luta se iniciou. De início, houve igualdade, mas Dafydd

conseguiu prender Fitzroy pelo pescoço com o braço. — Desista! — ameaçou Dafydd, e apertou ainda mais o nó

no pescoço. — Desisto — engasgou Fitzroy, e a multidão soltou um

suspiro de alívio. Dafydd afastou-se e sorriu sombriamente enquanto

procurava por Madeline. Ela não estava mais lá. — Ela não está aqui — informou o taverneiro, que corria

para ajudar o amigo. — Foi para aquele lado — e apontou, enquanto ajudava Fitzroy a se levantar.

— Minha nossa — resmungou Fitzroy. — Devo estar ficando velho.

— Ele tinha sangue no olhar, Urien — consolou o taverneiro.

— A moçoila significa muito para ele, está claro. Ah, bem — lamentou Fitzroy —, provavelmente vou amaldiçoar a hora em que aceitei o desafio do camarada. Um oponente de valor.

Um brilho de metal ao longe chamou a atenção de Fitzroy. — Lorde Gervais tem visitantes — deduziu. — Armados e

apressados pela velocidade em que vão. É melhor verificar se precisam da minha ajuda e de meus homens. !!

CAPITULO DOZE !!Dafydd encontrou Madeline já bem afastada da cidade,

passando pelos primeiros campos e casas de arrendatários, em

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uma clareira perto de uma área recém-lavrada. Ali, o som das festividades era menos audível e o cheiro de terra, forte. Ela estava sentada debaixo de uma árvore e não se manifestou quando ele se aproximou e largou a bolsa com os mantimentos no chão.

— Madeline? — A luta já acabou? — indagou ela, fria, varrendo-o com

um olhar. — Suponho que deva me sentir aliviada por você não ter se machucado muito.

— O que está fazendo aqui? — Imaginando por que você fez uma coisa tão estúpida. — Não foi estúpida. Aquele camarada estava olhando para

você como se você fosse algum tipo de... de... — Camponesa? Prostituta? Ou uma moça bonita? E será

que devo ficar satisfeita com a sua demonstração infantil de orgulho masculino?

Ele se sentou a seu lado. — Eu não a entendo. Lutei pela sua honra. — É uma boa mentira, mas ainda é mentira. Você brigou

por si mesmo. Se estivesse pensando em mim, teria permitido que eu me divertisse dançando. Não agiu melhor que Roger, como se eu fosse propriedade sua!

Ele franziu o cenho e olhou para o chão. — Quer dizer que estava gostando dos olhares lascivos

de todos aqueles homens! Rindo, sorrindo e pulando. Aquele camarada não tinha o direito de olhar para você daquele jeito!

— Ele não fez por mal. — Como sabe? — exigiu Dafydd, e arrancou as folhas de

um arbusto próximo com raiva. Ela suspirou, mas, no fundo, não estava mais zangada com

ele. A briga parecera-lhe algo estúpido, um exemplo da necessidade masculina de exercer a propriedade sobre um mulher; entretanto, ali e naquele momento, a defesa de sua honra tinha um certo charme.

Ela suavizou a expressão. — Vejo que irmã Mary tinha razão. O ciúme pode deixar

um homem meio ensandecido. Mas você sabe que eu o amo. Não havia necessidade de tal demonstração.

— Eu achei que havia. Aquele camarada precisava aprender um lição.

— De você? — provocou ela, suave. — De mim. Ou você acha que nenhum normando tem algo a

aprender com os galeses? Ela tomou-lhe os ombros e fez com que ele a encarasse.

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— Qual é o problema, Dafydd, de verdade? Ele não a encarou; em vez disso, ficou picando as folhas

em pedacinhos. — Quer mesmo ser minha mulher, Madeline? — per-

guntou, sério. Fitou-a, e ela percebeu a vulnerabilidade no olhar. — Não tenho nada a lhe oferecer. Nem lar, nem família, nem riqueza, nem poder.

— Só você mesmo, Dafydd, e é tudo o que quero — declarou ela, tomando-lhe as mãos. — Por que não consegue entender? Por que é tão difícil para os homens entenderem que nós, mulheres, sabemos o que queremos? Eu quero você, Dafydd, galês teimoso que é. Sem riqueza, sem poder, sem um amontoado de pedras para chamar de lar. E eu me entregaria a você sem nada, pois meu irmão vai me renegar. Nós construiremos a nossa própria casa e a nossa própria família. — Tomou-lhe o rosto nas mãos. — Agora, você acredita em mim?

Dafydd ergueu-se e soltou uma risada grave e satisfeita, tomou-a nos braços e girou-a com energia.

— Muito bem, eu acredito em você. Ela sorriu quando ele a baixou ao chão.

— Por que brigou com ele, Dafydd, de verdade? — Porque ele é um normando arrogante. — Não estava com ciúme? — Não. Ela apoiou-se nele e ficou brincando com a gola da túnica. — Nem mesmo um pouquinho? Ele encolheu os ombros. — Não vai admitir que estava com ciúme, não é? — Não. — Bem, você não devia ter desafiado aquele homem em

particular, depois de toda essa conversa sobre sermos cautelosos, mesmo que ele tivesse feito uma proposta indecente. Aquele era Urien Fitzroy.

— E daí? — Ele não é apenas um dos homens mais leais a lorde

Gervais, mas também ensina a arte da guerra aos jovens nobres. Ele foi o instrutor de Roger.

— Nesse caso, não é um lutador tão bom. — Você é mesmo um camarada teimoso! E pena Roger não

poder encontrar com você. Ele veria que eu não sou a pessoa mais teimosa do mundo, como sempre diz.

— Sim, você é — afirmou Dafydd, e tombou na grama trazendo-a junto.

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Ela se aninhou. As risadas preencheram a clareira até que o desejo surgiu. Eles se aproximaram, acariciando-se enquanto se ajeitavam sobre a relva macia.

Dafydd e Madeline não estavam cientes de nada enquanto faziam amor sob as árvores frondosas, com o vento movimentando os galhos e abafando os gemidos de paixão.

Roger sentou-se no amplo salão do castelo Gervais e refletiu que havia pelo menos uma coisa boa com toda essa atrapalhação de Madeline: a chance de reencontrar Fitzroy. Não que fossem precisamente amigos. Se perguntado, Roger diria apenas que apreciava a oportunidade de rever o velho professor.

Sem saber, Urien Fitzroy ajudara a fazer de Roger o que ele era. Ao contrário do que pensava Dafydd, Fitzroy não nascera nobre, mas, sim, filho de camponês. Fitzroy era o padrão que Roger procurava seguir. Não era sua culpa, entretanto, se ainda tivesse que temperar justiça com misericórdia e que ainda não entendesse que um homem realmente forte suportava a perda de uma disputa de vez em quando, sem perder o respeito das pessoas.

Finalmente, lorde Gervais surgiu. — Saudações, Roger! — berrou o ancião. — Estou en-

cantado em vê-lo, rapaz. Mais feliz ainda por ter aceito meu convite para dar uma passada aqui com Madeline antes do casamento! Onde está ela?

Roger ergueu-se, fez uma mesura e notou que o pai ado-tivo estava mais magro desde a última vez que o vira.

— Pensei que ela já estivesse aqui. Lorde Gervais estacou, confuso.

— Aqui? Já? Sem você? — Ela está desaparecida, senhor. — Desaparecida! O quê! Como? — Lorde Gervais sentou-

se na cadeira ao lado de Roger. — Sente-se e explique-me tudo. Suspirando, Roger mais uma vez relatou as peripécias e

ficou imaginando o escândalo que seria quando toda a Inglaterra ficasse sabendo.

— Muito ruim tudo isso. E esse frei Gabriel acha que ela não corre perigo? E Trevelyan e Morgan continuam procurando por lá?

— Sim, senhor. — Ah! — exclamou lorde Gervais ao olhar para a porta. —

Urien, aqui está Roger de Montmorency.

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Fitzroy deu um leve sorriso que, Roger sabia, podia significar de desgosto a alegria genuína. Nesse caso, Fitzroy parecia feliz em ver o antigo aluno.

— Ele nos trouxe más notícias. — Mesmo? — Fitzroy pareceu desolado. — Ouça o que aconteceu — começou lorde Gervais, e

contou toda a história, poupando Roger de mais um relato. — Esse galês tem uma cicatriz no ombro? — investigou

Fitzroy. — Sim — afirmou Roger, contrariado com a pergunta irrelevante. — Atrevo-me a dizer que a sua irmã é um pouco parecida

com você, Roger? — Acho que sim. Temos as mesmas cores. Fitzroy abriu

um sorriso. — Então, eu a vi. Hoje. Em Bridgeford Wells. Muito bem

de saúde e dançando. — O quê! — Roger ergueu-se instantaneamente. — Onde? — Junto ao poste de primavera, e ela estava com o galês,

que foi o primeiro homem a me derrotar na luta corporal. — Ele esfregou o queixo. — Um camarada impressionante. Ela sumiu antes do fim da luta, entretanto.

— Mostre-me onde os viu — exigiu Roger, já caminhando para a porta.

— Certamente — concordou Fitzroy, e acompanhou-o. !Madeline despertou com a cabeça apoiada no tórax de

Dafydd e ouviu soldados antes mesmo de vê-los. — Dafydd! — gritou ela, acordando-o. Não era Roger, Madeline percebeu logo. Urien Fitzroy

atravessou a clareira acompanhado de uma tropa inteira de soldados.

—Lady Madeline de Montmorency? — invocou, educado. — Não. — Não adianta mentir para mim, senhora. Lembra muito

o seu irmão. — Muito bem, suponha que seja. Você não tem o direito

de me levar. Nem a Dafydd. Não fizemos nada de errado. — A senhora, talvez, mas o galês é tido como ladrão.

Madeline ergueu uma sobrancelha imitando inconscientemente o irmão.

— Aqui está a bolsa. Procure o quanto quiser. Não vai encontrar nada roubado aí.

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— Mesmo assim, senhora, seu irmão deseja falar-lhe, e com ele também, creio eu. Portanto, é melhor que me acompanhem ao castelo.

— O quê? Roger está lá? — Ele chegou esta tarde e está ansioso para vê-la.

Parece difícil acreditar, mas ele se importa com a senhora. Nesse momento, ele também está vasculhando os bosques, pois tivemos que nos dividir para procurar. Um de meus homens já foi despachado para informá-lo de que a encontramos.

— Eu não vou. Se causei preocupação a Roger, foi por culpa dele mesmo, ao tentar me casar à força — declarou ela. — Espero que tenha a bondade de passar esse comunicado quando o vir.

— Entendo. Ele omitiu essa parte da história. — E, por favor, diga a ele também que eu não sou mais

responsabilidade dele e que ele não precisa mais se preocupar. Eu vou para o país de Gales.

— Com ele? — Fitzroy assentiu para Dafydd. — Sim. Fitzroy franziu o cenho. — A senhora me deixa em uma situação delicada. — Roger não pode culpar você pela mensagem. — Não, mas pode me culpar por não seguir ordens. Seu

irmão é meu superior e, portanto, preciso obedecer, não importa minha opinião pessoal. — Fitzroy avançou um passo e assentiu aos soldados que mantinham Dafydd imobilizado.

— Não é preciso amarrá-lo! — gritou Madeline, indignada. — Ele não me machucou. Na verdade, salvou-me de um bandoleiro e de sir Guy de Robespierre. Não permitirei que o amarrem!

— Como disse, ordens são ordens. — O que vão fazer com Dafydd? — Não sei — declarou Fitzroy, mas insinuou: — Bem,

conheço seu irmão e, se me entende, talvez fosse melhor se esse galês me escapasse agora...

Madeline olhou para Dafydd. — Vai deixá-lo ir? — Vou dar-lhe as costas. O que acontecer depende de

você e dele. — Por quê? — investigou Madeline. — Por que faria isso? Surgiu um brilho enigmático no olhar de Fitzroy. — Porque Roger precisa de um castigo. Ou talvez porque

eu me sinta envergonhado de ter sido batido por esse camarada. Que importa?

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— Serei eternamente grata. — Ótimo. Agora, se apresse. Aqui, vá conversar com ele e

leve a minha adaga. Para se proteger, preste atenção, e não para cortar as cordas que lhe amarram os pulsos.

Fitzroy ordenou que os soldados se afastassem do pri-sioneiro e Ficassem de costas. Todos estranharam as ordens, mas, como era Fit2roy, obedeceram.

Madeline correu até Dafydd e cortou as cordas. — Precisa sair daqui e ir para o mais longe possível —

sussurrou, afobada. — Roger quer mais a mim do que a você. Se eu ficar, ele não vai atrás de você. Eu vou convencê-lo de que nós devemos ficar juntos.

— Do que está falando? Não vou embora sem você. Por que Fitzroy deixou que fizesse isso?

— Não tenho certeza. — A corda caiu. — Agora, vá. — Não sem você — afirmou Dafydd. — Você tem que vir

comigo. — Não. — Madeline! Acha que vou deixá-la assim? — Não, mas espero que faça o que eu peço. Se algo

acontecer a você e for minha culpa eu não suportarei. Vá, assim saberei que está bem.

— Mas e quanto a você? Seu irmão vai forçá-la a se casar. — Depois do tempo que passamos juntos, você acha que

ele pode me forçar a me casar com outro homem? Não, Dafydd, nunca! Quando ele vir que não pode me dissuadir, vai desistir e então poderemos ficar juntos.

— Como saberei? Como nos encontraremos novamente? — Senhora — chamou Fitzroy —, acho que estou ouvindo

a aproximação de mais homens. — Eu irei até o monastério de St, Christopher. Sei que é

arriscado para você, mas... E Roger que vem vindo. — Não vou deixá-la para que o enfrente sozinha —

afirmou Dafydd. — Por favor, Dafydd. Eu sei lidar com meu irmão. Confie

em mim! — Mas deixá-la aqui... — Dafydd — pediu ela, com lágrimas nos olhos —, nunca

vai acreditar que eu sei o que estou fazendo? Ele assentiu. — Estarei esperando por você no monastério, meu amor. — Eu irei, Dafydd, Agora, vá! Um breve beijo e ele se foi.

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Madeline aguardou um momento para recompor as forças, sabendo que iria precisar. Então, voltou-se para encarar o irmão e sua ira. !!

CAPITULO TREZE !!Perto dali, Dafydd permaneceu abaixado; então, com

habilidade, subiu em uma árvore, de onde podia ver Madeline. Estava muito mais temeroso por ela do que por si mesmo. Afinal, escondia-se dos normandos havia anos e podia ficar ali, tão rígido quanto uma pedra. Aquela hora do dia, era muito mais perceptível o movimento dos arbustos do que de um homem empoleirado em uma árvore. Ao contrário do que imaginava Madeline, ele não a deixaria para enfrentar o irmão sozinha.

Um nobre alto e moreno entrou a passos largos na clareira e foi direto até Madeline, que aguardava imóvel junto a Fitzroy, muito ereta e resoluta. Dafydd podia imaginar a expressão teimosa naqueles olhos.

Então aquele era Roger de Montmorency. As feições talhadas não indicavam que ele fosse capaz de sentir piedade ou que tivesse um coração compassivo.

Desanimado e apesar do que Fitzroy havia dito, Dafydd percebeu que ele não parecia contente em ver a irmã. Não a cumprimentou, mas apenas ficou à sua frente e observou-a por um longo momento. Da mesma forma, ela permaneceu em silêncio, dois adversários encarando-se e desafiando-se abertamente.

— Roger — começou Madeline, finalmente, avançando um passo em sua direção. — Deixe-me explicar...

— Não aqui — interrompeu ele, e gesticulou para os homens reunidos. — As explicações podem esperar até nos virmos a sós. — Voltou-se a Fitzroy. — Havia alguém com ela?

— Sim — respondeu Madeline. Roger voltou-se lenta-mente, a expressão de raiva contida. — Um homem que...

— Fique quieta, mulher! — rugiu o irmão. — Eu disse que falarei com você depois. Onde está ele, Fitzroy?

Pitzroy não teve tempo para responder. — Ele escapou — informou Madeline, e Dafydd iden-

tificou a tentativa dela para parecer forte. Admirou-se também com a coragem dela de enfrentar aquele homem e amou-a ainda mais por tudo aquilo.

— É verdade? — exigiu Roger de Fitzroy.

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— Sim, senhor — confirmou o professor, que não parecia particularmente impressionado com a raiva do ex-aluno.

— Como aconteceu? Você não o amarrou? — Está questionando a minha habilidade de cumprir

ordens? — Embora o homem falasse em tom normal, Dafydd pode ouvi-lo claramente e identificou o insulto na frase.

A decisão de Madeline de vir para Bridgeford Wells fora acertada, pois ali sir Roger de Montmorency não tinha tanto poder quanto em sua casa, se a reação de Fitzroy era alguma indicação.

Ela também fora sábia ao pedir para que ele fugisse. Por enquanto, estava livre e a salvo e poderia ir em seu socorro.

— Eu cortei as cordas e o libertei — anunciou Madeline. — Ele está bem longe daqui agora.

— Você o quê? — exigiu Roger, áspero, e Dafydd pra-guejou por nada poder fazer.

Madeline caminhou e passou por Roger na direção de Bridgeford Wells.

— Isso importa agora? Ele escapou e você está comigo. As explicações podem esperar até estarmos a sós.

Ela era espantosa. Oh, como ele a amava! Dafydd observou Roger gritar uma ordem a Fitzroy e

seguir a irmã para fora da clareira. Fitzroy balançou levemente a cabeça e deu ordens a seus homens para voltarem ao castelo Gervais.

Quando não havia mais ninguém, Dafydd desceu da árvore.

Não voltaria ao monastério, como combinara com Ma-deline, não agora que conhecera sir Roger de Montmorency. Ficaria por perto, onde pudesse descobrir exatamente o que estava acontecendo entre Madeline e seu irmão.

Silenciosamente, começou a recuar até que sentiu uma faca contra os rins.

— Não se mexa! — sussurrou uma voz, em galês. — O que temos aqui, então?

— Outro galês — informou Dafydd, calmo, no idioma nativo. Voltou-se para ver o algoz, mas sentiu a faca mais apertada contra a carne.

— Mãos às costas, se não se importa — ordenou o camarada, a voz algo familiar.

Dafydd submeteu-se e franziu o cenho enquanto tinha as mãos atadas.

— Eu o conheço? — perguntou, tentando se lembrar de onde ouvira aquela voz.

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O homem agarrou o nó que acabara de fazer e empurrou-o para a frente, fazendo Dafydd encará-lo.

Dafydd identificou o jovem que atacara Madeline e que ele deixara desmaiado no chão. Ele trazia à mão uma adaga muito antiga e, na outra, um porrete, que ergueu e desceu sobre a cabeça de Dafydd.

Madeline andava de um lado a outro no aposento espaçoso que lorde Gervais reservara-lhe. Mal notava o luxo do ambiente. Se tivesse chegado ali diretamente do convento, teria apreciado cada detalhe, mas, na situação em que se encontrava, só notou o tapete, pois, ao andar, mantinha o olhar baixo.

Criadas surgiram e distraíram-na com um banho quente e roupas novas. Logo, a necessidade de ver Roger cresceu. Dessa forma, poderia explicar tudo ao irmão e voltar logo para Dafydd. Apesar da recepção pouco amável, tinha quase certeza de que poderia convencê-lo de que agora ela pertencia a Dafydd.

De repente, a porta se abriu e Roger entrou no aposento a passos largos. Ele fechou a porta com o pé e encarou-a, o lábio torto de desgosto e o olhar muito zangado.

— Preciso conversar com você — começou Madeline. — Onde esteve?

— Onde você esteve? — rebateu ele, sem disfarçar a arrogância.

— Tentei encontrá-lo após o primeiro ataque — res-pondeu ela —, mas não sabia para onde você tinha ido. Já se recuperou?

— Estou muito bem. E você? Não parece ferida. Roger caminhou até a janela e ficou olhando para fora.

— Eu estou bem. Nunca me senti melhor em toda a vida e pode agradecer a Dafydd por isso.

— O galês com quem esteve? Ela ouviu a acusação no tom e se enrijeceu. — Sim, o galês que salvou a minha vida. Que me ajudou

quando você me deixou. — Eu levei um golpe e fiquei inconsciente. Albert decidiu

me levar para St. Christopher. Nós procuramos por você. — E não me encontrou e o que eu deveria fazer? Dafydd

me salvou dos fora-da-lei e me ajudou. — Por quê? — exigiu Roger. — Porque ele é um homem honrado — respondeu ela,

indignada com a atitude do irmão. — Mesmo assim, esse seu homem honrado não a levou a

meu encontro.

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— Era perigoso para ele e agora dou razão, vendo a sua atitude. A princípio, ele apenas tentou me levar a um feudo normando, mas...

— Estou sabendo sobre sir Guy de Robespierre. — Então sabe que Dafydd estava correndo perigo ali

também, mas, mesmo assim, ele não me abandonou. Ele agiu como um cavalheiro.

— Como você recompensou esse "cavalheiro"? — O que está insinuando? — exigiu ela. — Por que está

agindo dessa forma? Devagar, Roger voltou-se da janela e ergueu uma so-

brancelha questionadora. — De que forma? — Como se eu tivesse cometido um crime! — gritou ela, e

caminhou em sua direção. — Não fizemos nada errado. — Você andou pelo país, vestida em trapos, acompanhada

de um fora-da-lei, e acha que não fez nada errado? — Dafydd é um homem bom, Roger... — Ele é um ladrão e um rebelde. Até roubou do

monastério. — Só por necessidade. E ele não quer mais ser rebelde. —

Roger não respondeu, mas a expressão de ceticismo bastou. — Ele não quer. — Ela respirou fundo. — Bem, é melhor que saiba tudo de uma vez. Primeiro, não quero me casar com Chilcott.

— Você não quer? Quem você acha que é, Madeline, para contrariar a minha vontade?

— Eu sou filha de sir Folke de Montmorency e irmã de sir Roger de Montmorency — identificou-se. — Vou me casar com Dafydd ap Iolo, cujos ancestrais pertenceram à realeza.

— Que bobagem é essa? Realeza? — desdenhou Roger. — Realeza galesa? Não há e nunca houve realeza entre aqueles bárbaros.

— Diga o que quiser, ele me quer como esposa e eu concordei.

— Não se faça de idiota, Madeline, e não pense que pode me enganar contando mentiras para que eu releve a sua transgressão.

— Estou sendo o mais séria possível, Roger. Eu amo Dafydd e ele me ama.

— Amor? — Roger desdenhou, indiferente. — Isso é fantasia de camponeses e passatempo de senhoras de-socupadas! Achava que o convento a salvaguardaria dessas tolices.

— Roger, tenho pena de você, porque vejo que realmente acredita no que diz. E está enganado com a vida que se leva no

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convento, mesmo porque nunca se dignou a me visitar. Você não sabe o quanto desejei que você me tirasse dali, mas quando você finalmente apareceu foi para me levar para outra prisão!

Ele piscou, mas não desviou o olhar, — Bem, encontrei um homem que se importa comigo de

verdade. Que me respeita e que me quer da mesma forma como eu o quero. Serei livre com Dafydd. Livre finalmente.

— Está sendo muito tola, Madeline — observou Roger, indiferente. — Ninguém é livre, Madeline. Todos temos nossas obrigações e responsabilidades. Esse é o preço do privilégio da nobreza. Você me deve obediência, assim como eu devo obediência ao barão DeGuerre.

—Não quero nenhum privilégio, Roger. Trocaria tudo para ficar com Dafydd.

— E onde está esse ser extraordinário? Ele a deixou para me enfrentar sozinha.

— Eu pedi a ele que fugisse. Ele me ouve, Roger! Ele me respeita mais do que você ou Chilcott ou qualquer homem que já tenha conhecido ou venha a conhecer!

— Respeito não vai alimentá-la. Se acha que vou lhe dar um dote, está terrivelmente enganada.

— Não quero o seu dinheiro. — Talvez ele não a aceite tão bem quando souber. — Como se atreve! Como se atreve a insinuar que ele

tenha intenções tão baixas? Roger ignorou a alteração de Madeline. — Pobre, tola e ingênua Madeline. Esse galês enganou-a

direitinho. O tempo vai fazer com que veja a verdade. Entretanto, não temos tempo. Você vai se casar com Chilcott, Madeline, e eu vou atrás desse galês e vou fazê-lo entender que é melhor ficar o mais longe possível de você.

— Ele não vai se intimidar com as suas ameaças. — Não? — Não! — Você vai ser a mulher de Chilcott. Roger estava tão seguro que Madeline não teve alter-

nativa senão dar sua última cartada. — Talvez Chilcott não me queira, quando souber que não

sou mais virgem. Roger fechou os punhos e os olhos cuspiram fogo. — Sim, é verdade — confirmou ela, caso ele estivesse

duvidando do que ouvira. — Dei esse presente ao homem que amo, que é Dafydd ap Iolo.

— Está grávida desse bastardo?

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A chama do amor (The Welshman's way) !Margaret Moore!

— Não, não estou. Mas gostaria de estar! Ficaria muito orgulhosa em carregar um filho dele!

— Eu vou matá-lo. — Não, Roger — gritou Madeline. — Eu fui a ele

espontaneamente! Eu o amo e... — Você não passa de uma mulher tola, engrupida por um

cara esperto! Eu quero o sangue dele por ter tocado em você! Não vou tolerar esse insulto! — Roger caminhou a passos largos para a porta.

— Roger! Ele se voltou e o olhar fez com que Madeline sentisse

uma dor profunda. — Deixe-o ir, Roger. Foi culpa minha, se é que há culpa. —

Eu quero o sangue dele, Madeline. Vou enforcá-lo e pendurar o corpo inútil no muro do castelo para ter o

prazer de ver a carne apodrecer! Ela engoliu em seco. — Eu vou encontrar esse galês e ele vai morrer. Madeline ouviu as palavras e viu a expressão no sem-

blante do irmão. Desesperada, correu até ele e agarrou-o pelo braço.

— Roger, por favor! Quer me matar também? — Não se humilhe ainda mais implorando por ele,

Madeline. Apesar do que o irmão dizia, Madeline ajoelhou-se e

tentou desesperadamente encontrar um modo de salvar seu grande amor.

— Por favor, não faça isso! Deixe-o ir! Eu lhe imploro! — Levante-se, Madeline. Implorar não combina com você. — Roger, deixe-o ir... eu me caso com Chilcott. — Fará isso para salvar a vida dele? — Sim, Roger. Farei. — Com a honra que lhe restou, Madeline, me dá a sua

palavra? Ela ignorou o insulto. — Eu dou a minha palavra. — Então, levante-se e fique satisfeita porque o seu

pedido e a sua promessa livraram o galês da morte. Ela não se ergueu. Simplesmente encarou-o, e entendeu

que tinha salvado Dafydd da ira do irmão. Roger deixou o aposento, e ela cobriu o rosto com as mãos e começou a chorar, baixando a cabeça até chegar ao piso de pedra. !!

CAPITULO CATORZE

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!!— Dafydd, Dafydd, acorde, garoto! Dafydd gemeu

enquanto era cha-coalhado para voltar ao estado consciente. Entreabriu as pálpebras e percebeu que já era noite. Sabia que estava na floresta e achava que seu captor não estava sozinho, embora não conseguisse distinguir nada na escuridão. Mais importante, viu que as mãos não estavam amarradas. Num movimento súbito, sentou-se e agarrou a garganta do homem que estava ajoelhado à sua frente.

— Dafydd! — gritou o camarada, e afastou-se para evitar a pegada das mãos fortes. — Não está me reconhecendo, Dafydd?

— Alcwyn? É você? — identificou Dafydd, espantado, pois não via o amigo desde o dia que quase fora morto. — O que está fazendo aqui? E quem é aquele garoto? — Indicou o jovem que o golpeara na floresta.

— Bem, com você e Ivor mortos — respondeu Alcwyn e apontou para o pequeno grupo de galeses —, eu e os rapazes aqui andamos fazendo um pouco disso e daquilo. Até descobri que tenho talento para ser ferreiro.

Dafydd massageou os punhos. — O que quer dizer com isso e aquilo? — Dafydd gostava

do homem franzino com quem lutara lado a lado várias vezes e que sabia ser um camarada decente.

— Oh, você sabe, um pouco de trabalho duro, um pouco de comércio, um pouco de roubo.

— Um pouco de rebelião? — Não, rebelião, não. Não depois que o tolo do Ivor

morreu — respondeu Alcwyn, amargo. — Ficou perigoso demais. — E quanto a resgates? — Dafydd lançou um olhar

inquiridor ao jovem. — Por que não? — protestou o jovem, que aparentava uns

dezesseis anos. — Eu não ia machucar aquela moça normanda. — Mesmo? — Owain é um pouco radical — comentou Alcwyn. — Está

aborrecido. Foi treinado para ser escudeiro de um normando, mas, quando a hora de se tornar cavaleiro chegou, disseram-lhe que não iriam eleger um galês para cavaleiro.

— Ela é só uma normanda — resmungou Owain. — E você não devia tê-la ajudado quando viu que eu era galês como você.

— Era uma mulher e não apoio ataques a mulheres — explicou Dafydd, tranquilo.

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— Só ia pedir um resgate. Eles podiam pagar pela aparência deles. O que você é, um normando disfarçado de galês ou um traidor?

— Basta — interveio Alcwyn. — Este é Dafydd ap Iolo, idiota. Na família dele havia príncipes de Gales por várias gerações. Traidor, ora essa!

Owain agachou-se. — Dafydd ap Iolo? — sussurrou, incrédulo. — Sim, ele mesmo — afirmou Alcwyn. — E foi ele quem

nos mostrou que grande escória era Ivor. Muitos mais teriam morrido se não fosse ele. Está entendendo agora?

Owain assentiu, emudecido, depois limpou a garganta. — Desculpe-me, Dafydd ap Iolo, eu não quis... — Sim, você quis — corrigiu Dafydd, com um sorriso. — Estava apenas pagando na mesma moeda — consertou

Owain, ligeiramente temeroso. — Modere a raiva com reflexão e vai se sair bem. E

deixe as mulheres, certo? Elas já têm muitos problemas, mesmo as mais ricas. — Ele suspirou e ficou imaginando o que estaria acontecendo a Madeline. — Onde, afinal, estamos? Estamos longe de Bridgeford Wells?

— Não muito. Nós viemos para o dia da primavera. Dafydd até adivinhava o motivo. Com a multidão, seria

mais fácil e mais rendoso praticar pequenos roubos. — Diga aí, Dafydd ap Iolo — começou Owain —, o que

você está fazendo aqui? — Sim, Dafydd, pensamos que estivesse morto. — Quase. — Como escapou de Morgan? — Não escapei, ele me deixou ir. Alcwyn e os demais inclinaram-se para ouvir melhor. — Eu também achava que ia morrer e pedi a ele que me

deixasse nas montanhas. Ele me levou e largou lá. Só que descobri que não estava pronto ainda e consegui rastejar, até que um monge me encontrou e levou ao monas-tério de St. Christopher. Fiquei lá até recentemente.

— Até me atacar — observou Owain. — Estava indo para o país de Gales quando vi você com

lady Madeline de Montmorency. — Então, o que está fazendo aqui? — repetiu o jovem. —

Está bem longe da fronteira. — Uma vez que vocês tiraram Roger de Montmorency da

jogada, não podia deixar a irmã dele na floresta, podia? Eu a

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estava levando a um lugar seguro e longe das terras de Trevelyan e Morgan, que para mim seria muito arriscado.

Alcwyn parecia um pouco confuso. — Mesmo assim, está muito a nordeste, Dafydd. — Era para onde ela queria ir. — E então? Podíamos usar um bom lutador como você.

Dafydd balançou a cabeça. — Meus dias de luta acabaram, Alcwyn. Só quero pegar

Madeline e ir para casa. — Madeline, é? — indagou Alcwyn. — Desde quando está

tão íntimo da nobreza? — Desde que ela aceitou ser minha esposa. — Verdade? — A mais pura verdade. — Que história é essa? — investigou Owain, desdenhoso.

— Que nobre normanda se casaria com um pobre galês, ainda que fosse Dafydd ap Iolo?

— Calado, Owain — advertiu Alcwyn. — Só porque você não acredita, não significa que não é

verdade — declarou Dafydd. — Ela aceitou ser minha esposa. — Então onde ela está? Dafydd levantou-se. — Onde estão seus modos, rapaz? — alterou-se Dafydd.

— Quem você para falar comigo? Owain levantou-se também. — Eu sou Owain ap Gwydyr ap Ilar ap Idris...! —

identificou-se. — Por favor, por favor — açalmou Alcwyn, colocando-se

entre os dois. — Dois esquentadinhos aqui. Esfriem os ânimos com um pouco de cerveja. Já temos bastante problemas lutando contra os normandos. Nada de brigas internas'

Dafydd encolheu os ombros e Owain sentou-se. — Você precisa se desculpar, Owain — apaziguou Alcwyn

—, mas com certeza é uma história inédita. Ele também tem o direito de questionar, Dafydd.

— Eu não estou mentindo. — Nós sabemos, nós sabemos. É apenas estranho, certo,

Owain? Owain parecia contrariado, mas grunhiu: — Desculpe pelo desrespeito, Dafydd ap Iolo. — Onde está a noiva, então? — retomou Alcwyn, após um

momento. — Ela vai se encontrar com você nas redondezas? — Espero que sim. — Espera?

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— Não tenho tanta certeza quanto ela de que o irmão vai liberá-la.

— Ah, deve ser Roger de Montmorency. Acho que ele vai ter mais dificuldade do que Owain para aceitar que a irmã queira se casar com um galês.

— Concordo. Infelizmente, não estava em condições de permanecer e argumentar.

— Bem, uma vez que está no aguardo, é bem-vindo para ficar conosco. As acomodações não são das melhores, mas já partilhamos piores, né?

— Obrigado, Alcwyn. Ficarei honrado. Roger lembrou-se de permanecer calmo enquanto abria a

porta do aposento de Madeline no castelo Gervais. Estava absolutamente convicto sobre a conveniência do casamento e não permitiria que as respostas da irmã o irritassem.

Encontrou-a sentada em uma cadeira de espaldar alto, olhando para a janela. Quando ela o encarou, Roger notou o resultado de dois dias mal dormidos e da recusa de alimentos. Ela estava muito pálida e havia manchas escuras sob os olhos. Mesmo assim, não deixou transparecer a decepção.

— Então, Madeline, está pronta par juntar-se a nós para o jantar? Lorde Gervais está muito preocupado com a sua ausência.

— Não quero ver ninguém — respondeu ela, desanimada. — Madeline, precisa entender... O olhar dela brilhou, refletindo a teimosia que ele co-

nhecia bem. — Eu entendo muito bem, Roger. Entendo que eu seja a

oferenda para a concretização das suas ambições. Entendo que a minha felicidade não tem nenhuma importância para você, desde que o seu desejo seja satisfeito!

— Eu estou pensando na sua felicidade, Madeline, e você vai perceber quando estiver raciocinando! Que felicidade vai encontrar vivendo miseravelmente com esse galês em algum lugar esquecido por Deus com umas poucas ovelhas mal cheirosas?

— Deixe que eu me preocupe com isso. — Não, você é minha responsabilidade e não vou fugir ao

meu dever. — Eu quero que você fuja ao dever! Estou pedindo para

que fuja ao dever! — Madeline — retomou Roger, esforçando-se para se

manter calmo —, você precisa entender. Esse casamento entre um galês desconhecido e uma mulher da casa de Montimorency

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simplesmente não pode ser. Chilcott é a melhor escolha para você, eu lhe asseguro. Ele vai deixar que administre a casa e provavelmente o castelo. Ele é rico. E jovem. O que mais você quer?

— Eu não sou como você, Roger. Eu não quero mais. Eu só quero Dafydd! — Ela se levantou e andou ao redor do irmão devagar, avaliando-o friamente. — Não basta ter me obrigado a obedecê-lo? O que mais você quer? Você venceu. Espera que eu mude radicalmente e passe a agradecê-lo? Se for isso, enlouqueceu.

— Eu quero que você entenda que as minhas decisões são para o seu próprio bem.

— Ouça o que está dizendo, Roger! As suas decisões para o meu bem. Eu posso tomar as minhas próprias decisões!

— Estou vendo que você nunca vai racionalizar a situação, Madeline, e simplesmente quero lembrá-la de que me deu a sua palavra e vai se casar com Chilcott.

Madeline suspirou. A única coisa que lhe dava forças era saber que Dafydd estava bem. A essa altura, ele já devia estar em St. Christopher. Precisava enviar uma mensagem a ele, de algum modo. As criadas mencionaram que Roger chegara com um frade, um homem bondoso de St. Christopher. Se arranjasse um modo de falar com o religioso...

— Nada tema, eu não vou quebrar a minha palavra. — Foi o que pensei. Partiremos para o meu castelo

amanhã. — Eu... eu quero ver um padre. — E me atrevo a dizer que você precisa se confessar.

Muito bem. Vou mandar o capelão de lorde Gervais. — Ouvi falar que há outro religioso aqui, um enfermeiro

de St. Christopher. — Por quê? — Não consigo dormir. Talvez ele possa preparar alguma

coisa para mim. Roger olhou-a, desconfiado. Não tinha dúvida de que ela

descobrira quem o frei Gabriel era e de onde vinha. Talvez ela quisesse conversar com alguém que conhecia o galês ou talvez houvesse mais nesse pedido.

— Lembre-se do que eu disse, irmã — advertiu ele. — Mato o seu amante se encontrá-lo, pela desonra que causou à minha família e a mim.

— Eu sei, Roger. Além disso, o que mais posso dizer, exceto que ele estava certo sobre você o tempo todo?

— Explique-se.

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— Ele me alertou, pois dizia que eu não conhecia os normandos, que eu não conhecia você. Eu achava que conhecia. Descobri agora o quanto estava enganada. Agora, saia, Roger.

— Madeline, eu... — Não me interessa nada do que tem a dizer. Deixe-me.

Roger suspirou, cansado, pois sabia que não adiantava argumentar. Parou junto à porta e olhou-a. Era triste

saber que era a causa de sua dor. Algum dia, com certeza, ela entenderia. !!

CAPÍTULO QUINZE !!Madeline estava com um vestido suntuoso, vermelho e

dourado, o cabelo escuro, penteado e perfumado. O aposento era o mais luxuoso possível, mesmo assim, quando frei Gabriel observou os adoráveis olhos azuis, soube que nunca vira jovem mais triste e sofrida em toda sua vida.

Sir Roger de Montmorency não via o que estava fazendo à irmã?

Naquele momento, ele estava presente, sentado tão imóvel quanto uma pedra. Não sabia o que sir Roger tinha a temer de um frade, mas percebeu que ele não iria sair, como tinha feito da última vez em que conversara com lady Madeline.

— Vim para me despedir e para desejar-lhe boa sorte — declarou frei Gabriel.

— Obrigada, frei — respondeu ela, suave, e aproximou-se. — Estou muito grata por tudo o que fez por mim. E por Dafydd também.

Frei Gabriel olhou para sir Roger, mas ele parecia não ter ouvido ou, pior, simplesmente ignorara a referência.

— Rezarei por sua saúde, senhora. — Frei Gabriel notou que Madeline estava mais pálida e mais magra também, diferente da jovem corada que conhecera havia poucos dias. — Rezarei por sua felicidade também — completou, tão preocupado com sua saúde que nem sentiu o pequeno pedaço de couro que ela depositou em sua mão.

— Precisarei de seu apoio, frei Gabriel, embora tema que menha felicidade seja impossível. — Ela removeu a mão devagar e só então o frade notou o pergaminho. Ela olhou para a mão e depois para ele. Seria uma mensagem secreta?

— Adeus, senhora — disfarçou o religioso, e juntou as mãos.

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— Seu cavalo e sua escolta estão aguardando — informou Roger.

— Agradeço pelo cavalo, mas não preciso nem desejo uma escolta.

— Há muitos perigos na estrada — observou o nobre. — Talvez, mas sou um homem de paz e fé. Estarei bem. — E não quer mais estar ligado ao frio e cruel sir Roger,

correto? Frei Gabriel quase espantou-se por ouvir seus motivos

expostos daquela forma. — Não há necessidade de deslocar seus homens de suas

tarefas. — Frei, neste caso isolado, preciso concordar com Roger

— declarou Madeline, sincera. — Por favor, aceite a escolta. Ele quer ter certeza de que eu vou diretamente para o

monastério e que não vou falar com ninguém, tal como um galês que poderia estar nas redondezas, pensou frei Gabriel.

— Muito bem. Um homem — concordou o religioso, relutante. — Adeus, senhora. Adeus, sir Roger.

O normando apenas assentiu. Frei Gabriel saiu e per-correu o corredor, até que chegou a um local mais reservado, onde leu o bilhete.

Frei, D. vai a St. C. Por favor, diga-lhe que não poderei ir ate ele e que estou fazendo o que é preciso para salvar-lhe a vida. Mas que o amo e só a ele, para sempre. M.

Alcwyn chegou apressado à clareira trazendo uma moça robusta. Dafydd, sentado entre os outros membros do grupo, observou a recém-chegada com médio interesse. Alcwyn fora à cidade pela manhã dizendo que traria notícias. Dafydd suspeitava que havia outro motivo e ali estava.

Dafydd ergueu-se rápido e observou-os cauteloso. — O que foi? — Mildred trabalha na cozinha do castelo. Ela ouviu algo

que você deveria saber. — O quê? É sobre Madeline? Mildred umedeceu os lábios,

nervosa. — Ela vai embora hoje. — Para onde ela vai? — Talvez os temores fossem

infundados, ela poderia estar indo para o monastério, pensou Dafydd.

— Para o norte, para o castelo do irmão. Vai se casar. — Casar? Mildred assentiu. — Sim. Ela concordou em se casar com lorde Chilcott.

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— É mentira — disparou Dafydd. — Madeline jamais concordaria. Não pode ser verdade.

— Calma, homem. Mildred está falando a verdade — interveio Alcwyn. — Além disso, ouvi o mesmo comentário na taverna.

— Talvez Montmorency esteja tentando persuadi-la a aceitar — raciocinou Dafydd, e desejou poder adivinhar as intenções de sir Roger. — Como ela está? Como Madeline está?

— Ninguém a vê, exceto as criadas que têm levado comida.

— Ela não vai ao salão? — Não apareceu nem uma vez. Sir Roger disse a lorde

Gervais que ela estava muito doente para ir ao salão. — Doente? — O frei Gabriel do monastério de St. Christopber até

está cuidando dela — completou Mildred. — Frei Gabriel — identificou Dafydd. — Então Madeline

está sendo bem cuidada. Alcwyn limpou a garganta. — Ouvi dizer que eles trouxeram o frade para iden-

tificar o homem que estavam procurando. Um ladrão, disseram. Mas você não é nenhum ladrão, Dafydd. Um rebelde e patriota, mas ladrão, não.

— Agora eu sou. Roubei o abade antes de fugir do monastério.

— Roubou o quê? — Não tinha dinheiro, nem cavalo, nem roupas. Nada,

exceto a espada, que estava no aposento do abade. Não tive escolha.

— Talvez esse frei Gabriel esteja atrás do ladrão — sugeriu Alcwyn.

— Pode ser. Mas nunca achei que frei Gabriel fosse uma pessoa vingativa. Talvez ele tenha sido forçado a acompanhar Roger.

— Mas ninguém está procurando por você — afirmou Mildred. — Nem sir Roger, nem sir Albert, nem o frade. Aliás, frei Gabriel já foi mandado de volta para o monastério. Ele deixou o castelo esta manhã.

— O que está acontecendo? — murmurou Dafydd, mais para si mesmo que para os companheiros. Havia algum modo de Roger forçar Madeline a se casar com Chilcott? Achava que não.

A resposta chegou a Dafydd com a mesma força do porrete de Owain. Madeline. Ela concordara em se casar para salvá-lo.

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Dafydd endireitou-se e foi pegar a espada. — Preciso tirá-la de lá. Quem me acompanha? Owain

levantou-se e surgiu um brilho no olhar. Os demais pareciam confusos e olhavam atónitos para Da-

fydd ap Iolo. — Em que parte do castelo ela está? — Não tenho certeza. Eles todos vão partir também, mais

tarde, hoje mesmo. — Vamos pegá-los! — vibrou Owain. — Sir Roger vai estar mais atento que nunca — observou

Alcwyn. Por mais que Dafydd quisesse ir, sabia que Alcwyn estava

certo. Dafydd varreu com o olhar a clareira e os homens que ali

estavam. — Concordo que seria perigoso atacar sir Roger. Talvez

seja melhor encontrar frei Gabriel e ver se estou certo sobre o motivo de Madeline ter mudado de ideia. Ele está com muita escolta?

— Só Kynan está com ele — respondeu Mildred, sorrindo. — Kynan é meu primo — informou Alcwyn, rindo. — Com

ele não vai ter problema, embora seja melhor disfarçarmos o ataque, para ele não ficar mal.

— Nós? — Não vai se divertir sozinho, rapaz! — advertiu Alc-wyn,

jovial. — Especialmente quando vamos pegar só um frade e meu primo!

— Otimo, só quero conversar com o frade. — Dafydd ficou mais sério então. —- Está preparado para outro ata- que, Alcwyn?

— O que tem em mente? — A que distância fica o castelo de sir Roger? — Mais para norte, mais para leste. Mais norman- dos, se

me entende. E arriscado, Roger, ir mais longe da fronteira. — O noivo, pessoal — anunciou Dafydd. — Ele não deve

estar sabendo o que está acontecendo, pois o nosso caro sir Roger é orgulhoso demais para admitir que não cuidou da irmã adequadamente. E ele pode valer bastante.

— Talvez urna irmã? — Pelo menos, eu diria, e a barganha será melhor com

DeGuerre talvez. Frei Gabriel ainda estava matutando sobre uma maneira

de ajudar os jovens amantes, quando o guarda que o acom-panhava estacou. Um bando de homens saiu de trás das árvores,

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armados com espadas e arcos. Estranhamente, o grupo não parecia tão ameaçador, talvez por apresentarem os rostos sorridentes e os olhares brilhantes.

— Saudações, frei! — E você? — identificou frei Gabriel ao ver Dafydd. —

Estou contente em vê-lo novamente. Minhas preces foram atendidas, pois preciso mesmo lhe falar.

— Espero que continue contente quando eu lhe disser que pretendo retardar a sua viagem. Quero que me conte sobre Madeline e o meio da estrada não é o melhor local para conversar.

— Tudo bem! — exclamou o religioso. — Eu irei com prazer... oh, mas e quanto a esse camarada?

O guarda montado, parecendo muito mal-humorado, provavelmente desanimado por ter sido apanhado sem resistência.

— Oh, nós cuidaremos dele — adiantou Dafydd, pron-tamente. Dois homens se aproximaram e pegaram as rédeas. — Por aqui, por favor. !!

CAPÍTULO DEZESSEIS !!Frei Gabriel logo viu-se confortavelmente instalado no

acampamento galês. O guarda, aparentemente capturado quando estava desatento, estava, na verdade, contando histórias e partilhando cerveja com Owain e outros homens.

Alcwyn discretamente deixou Dafydd e o frade a sós. — Estou muito contente em vê-lo novamente — declarou

frei Gabriel. — Eu também. Meu nome é Dafydd ap Iolo — apresentou-

se Dafydd. — Desculpe por não ter dito antes, mas achei que era mais sábio, tanto para mim quanto para o senhor, se ninguém soubesse quem eu era. Desculpe também pelo roubo. Só peguei o que considerei necessário.

— Foi o que pensamos — concedeu o religioso, gentil. — Ou melhor, a maioria dos monges achou. Frei Jerrald, como sempre, foi do contra. Confesso que tinha esperança de encontrar o abade Absalom na estrada, para dar as minhas próprias explicações.

Dafydd não queria ser rude, mas a política interna do monastério não era de sua conta. Somente Madeline.

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— Lady Madeline, como ela está? E verdade que ela vai se casar com Chilcott, no final das contas?

— Ela está bem fisicamente — respondeu o frade —, por enquanto, embora esteja sentindo grande dor no coração. Ela está agindo assim para salvar a sua vida.

— Eu sabia! Mas isso não pode acontecer. — Ela também disse... — Frei Gabriel baixou a voz e o

tom ficou ainda mais triste —, que amará você e somente a você, para sempre.

Dafydd sorriu. — Eu sei disso, frei. Eu sinto o mesmo e não vou permitir

que ela se case com outro homem, especialmente por temer pela minha vida. O que é a minha vida, se a dela acabará sendo sacrificada?

— E o que temo que aconteça — murmurou frei Gabriel. — Ela não come. Está muito pálida e cansada. Se pelo menos o irmão admitisse o que está fazendo com ela, forçando-a a se casar!

Dafydd sentiu vontade de assaltar o castelo Gervais imediatamente, devido à forma condolente com que o frade narrou a situação de Madeline.

— Ele bateu em Madeline? Ela está ferida? — exigiu Dafydd.

— Não acredito que ele tenha encostado um dedo nela, Filho. Mas ele tem causado em Madeline grande angústia e medo. E isso pode ser pior do que um soco. Acho que ele ameaçou a sua vida, se ela não o obedecesse.

— Ele terá que me encontrar primeiro. — Eu conheço o homem, Dafydd, e você precisa acreditar

quando digo que ele vai encontrá-lo, não importa onde você se esconda. Sir Roger de Montmorency é um homem vingativo, acho, e você atrapalhou bastante os planos dele. — Frei Gabriel tossiu, cauteloso. — Também há a ameaça de escândalo. Acho que sir Roger teme que seus planos não dêem certo. Se lorde Chilcott descobrir que lady Madeline teve... uma... aventura... sozinha, com um homem, por vários dias e noites...

— Então, o contrato de casamento será desfeito — concluiu Dafydd, sentindo-se até satisfeito.

— Eu não me sentiria tão seguro assim, meu jovem amigo. Sir Roger também é um homem poderoso e, pelo que ouvi de Chilcott, acho que sir Roger pode convencê-lo a se casar com Madeline de qualquer jeito. Na verdade, devido à possibilidade de escândalo, talvez considere o casamento ainda mais necessário.

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— Se Chilcott soubesse de alguma coisa antecipadamen-te... — Dafydd estava alterado, mas, então, controlou-se.

— Soubesse o que, filho? Que a noiva não o quer? Acho que sir Roger o convenceria a ignorar esse fato.

— Madeline já é minha esposa de fato — comunicou Dafydd, após hesitar um momento.

Frei Gabriel franziu o cenho. — Então há motivo para escândalo? Dafydd assentiu. — Entenda, frei, eu e Madeline já somos mais do que

prometidos um para o outro. Eu só a quero de volta e vou trazê-la para meu lado o mais cedo possível.

— Seria tolice atacar sir Roger e seus homens — advertiu o frade.

— Já pensamos nisso. Nós vamos atrás de Chilcott. — Para quê? — Para convencê-lo de que não seria sábio casar-se com

Madeline — detalhou Dafydd. — Mesmo que seja capaz de fazer isso, acha que sir

Roger de Montmorency vai liberar Madeline para se casar com quem bem entender?

— Que mais posso fazer? — desesperou-se Dafydd. Só o que enxergava era Madeline, sozinha e vulnerável nas mãos do irmão insensível. Tomou uma expressão mais sombria. — Precisamos salvá-la o quanto antes.

— Embora seja contra a violência, concordo. Não é direito forçar uma jovem a se casar com quem não quer.

— Claro que, quando ela estiver de volta, vocês devem formalizar o casamento. Não é certo fazer amor fora do sagrado matrimónio, Dafydd.

— Claro. — Dafydd avaliou o frade. — Confesso que estou surpreso por ver que está do meu lado, frei — salientou. — E se nós detivéssemos Chilcott? Madeline é muito persuasiva. Se ela tivesse mais tempo, poderia convencer Roger a cancelar o casamento.

—Nunca viu sir Roger, viu? — investigou frei Gabriel. — Precisamos fazer alguma coisa. Não quero machucar

Chilcott, mas suponho que farei o que for preciso — murmurou Dafydd.

— Não quero que ninguém saia machucado, filho. Se soubesse melhor que tipo de homem é Chilcott, poderia pensar em uma forma de evitar o casamento. Infelizmente, ninguém o conhece, nem mesmo o barão DeGuer-re. Chilcott passou a maior parte da vida na Sicília, em seu feudo. O abade já o viu quando estava em peregrinação, mas nunca disse nada sobre ele.

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— Sicília? — Tão longe. Ninguém ali conhecia o homem... De repente, Dafydd idealizou um inacreditável, mara-

vilhoso e provavelmente impossível plano, um bem ao estilo de Madeline.

— Ninguém o conhece? — O pai, irmãos e meia-irmã vivem na Inglaterra, mas

bem para o sudeste. Acho que eles não devem comparecer devido à doença do pai.

— E quanto aos outros convidados? — Fora o abade, ninguém o conhece, eu diria. Nem nunca

o viram. Ele está vindo diretamente da Sicília. — Sabe como ele é? — Acho que tem o cabelo escuro. Só isso. — Altura, peso... O frade balançou a cabeça. — Não entendo... Owain surgiu do meio dos arbustos de onde estivera

espionando. Dafydd perdoou-o quando ouviu o que o rapaz tinha a dizer:

— Eu sei como ele é. Meu senhor normando uma vez me levou à Sicília.

— Descreva-o — ordenou Dafydd, ansioso. — Da sua altura, magrelo, cabelo escuro, como disse o

frei. Um camarada pomposo e que gosta de se vestir com muitas peças — concluiu Owain, desdenhoso.

— Maravilha! O abade, quando ele é aguardado no castelo de Montmorency?

— Não estou a par dos planos, mas acredito que ele quis estar lá um dia antes do casamento.

— Excelente! Cada vez melhor! — exclamou Dafydd. — Não estou entendendo... — declararam Owain e o frade

em uníssono. Dafydd levantou-se. — Alcwyn! — chamou — Planejaram um casamento. Então,

vamos dar prosseguimento! — Mas, filho... — Ninguém, exceto o abade conhece o noivo. Se Chilcott

e o abade forem trocados pelo homem certo e um frade que tenha em conta os desejos de Madeline, então, deixe o casamento acontecer! — concluiu, triunfante.

— Dafydd! — O frade se levantou e observou descon-fiado o jovem animado. — Deixe-me ver se entendi. Está propondo que eu e você substituamos Chilcott e o abade?

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— Sim! Alcwyn e alguns dos homens, aqueles mais discretos, podem tomar o lugar dos soldados. Não precisa durar muito. Posso dizer que acabei sendo retardado em minha jornada! Vai funcionar! — Que normandos podem saber...? — Dafydd fez uma pausa e franziu o cenho. — Morgan. Pitzroy. Eles me reconhecerão, se estiverem na cerimônia. Fitzroy não irá, com certeza, pois ele toda vez fica toda vez que lorde Gervais precisa se ausentar.

— Hu Morgan vai tomar conta das terras de lorde Tre-velyan enquanto ele comparece ao casamento — informou frei Gabriel. — Eu ouvi sir Roger e sir Albert discutindo sobre os convidados e a necessidade de avisá-los sobre o pequeno atraso deles. Só esses dois podem reconhecê-lo?

— Só eles. Não travei conhecimento com mais ninguém. Frei Gabriel limpou a garganta, nervoso.

— Desculpe dizer-lhe isso, filho, mas devo adverti-lo de que você não é um nobre normando. Espera realmente se passar por um?

Dafydd sorriu misterioso. — Tive os melhores professores no monastério e pude

praticar bastante andando com Madeline — resumiu ele —, e Owain pode me ensinar a atitude e etiqueta enquanto estivermos rumando para o castelo de sir Roger.

— O seu esquema parece muito arriscado — avaliou o religioso.

— Eu me arriscarei. — E quanto a Alcwyn, Owain e os demais? Vai arriscar a

vida deles também? Dafydd sentiu como se tivesse caído do paraíso. — Não, não, creio que não posso. — E nos privar da oportunidade de acessar riquezas de

verdade? — desafiou Alcwyn. — Ora, essa é a grande tacada, rapaz! Só a bagagem de Chilcott deve valer uma fortuna, se ele for tão rico quanto ouvi dizer. E pense nos objetos que poderão ser surrupiados no casamento também. Um cálice poderia alimentar uma família por meses. Ora, se você tem coragem de entrar no castelo de sir Roger, Dafydd, pode apostar que nós o seguiremos! E, se você pode passar por normando, poderemos aprender a ser sicilianos.

Dafydd sorriu, sentindo-se grato, e voltou-se para o frade.

— Vai nos ajudar, frei Gabriel? — Só se tiver a sua palavra de que ninguém sairá ferido.

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A chama do amor (The Welshman's way) !Margaret Moore!

— Nós cuidaremos de Chileott e do abade como se fossem recém-nascidos, não é, Alcwyn? Após o casamento, todos nós nos embrenharemos nas névoas do país de Gales. En-tão, o abade e Chilcott serão soltos, mediante pagamento, claro. Isso seria o mínimo para Alcwyn e seus homens.

— Não precisa do resgate, Dafydd — calculou Alcwyn. — A bagagem e o que conseguirmos tirar do castelo já vai ser suficiente.

— Sem resgate? O abade vai se sentir humilhado — observou o frade, que então abriu um sorriso. — Mas, afinal, humildade faz bem à alma.

Muita coisa mudara em seu antigo lar, refletiu Ma-deline, enquanto aproximavam-se do muro do castelo da família. Não era tão grande e imponente quanto as fortalezas de lorde Gervais e lorde Trevelyan. Os pais não viram necessidade de reforçar a construção e, em vez disso, investiram no conforto. O castelo de Montmorency era conhecido mais como uma mansão do que fortaleza. Infelizmente, mais lhe parecia uma prisão agora.

Onde estaria Dafydd, imaginou, mais uma vez, como fizera durante toda a jornada desde Bridgeford Wells. Estaria a salvo? Já estaria no monastério? Frei Gabriel passara-lhe a mensagem? Ele entenderia? — Pequena lady Madeline!

— Dudley! — exclamou ela, com alegria, ao identificar o administrador do pai. Fora ele que tomara conta das terras até Roger atingir a maioridade. — Que bom vê-lo novamente.

— Como você cresceu! — observou Dudley, com uma risada. — Eu, também, em idade, não é? — Acrescentou, avaliando o semblante de Madeline. — O que foi? Está doente, princesa?

— Ela está apenas cansada — antecipou Roger, e ca-minhou a passos largos até eles. — Precisa descansar. — Dizendo isso, tomou-a pelo braço com firmeza e escoltou-a para dentro.

Dudley recordou os acontecimentos desde a morte dos patrões. A estadia de sir Roger com lorde Gervais, a mudança de personalidade na volta, parecendo importar-se apenas em agradar ao suserano barão DeGuerre e, finalmente, o anúncio do casamento de Madeline.

Com passos cansados e repentinamente infeliz ao per-ceber que talvez já tivesse vivido o bastante, Dudley seguiu sir Roger e sua desanimada irmã para o salão. !! - ! -140

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CAPÍTULO DEZESSETE !!Com habilidade desenvolvida em anos de prática e

treinamento, Dafydd e o restante dos homens moveram-se pela floresta poucos quilómetros a sudeste do castelo de sir Roger, chegando perto da estrada que lorde Chilcott usaria. Viajaram por cinco dias, avançando devagar para evitar serem descobertos e para permitir que Dafydd absorvesse as inúmeras instruções de Owain. Ele só continuava porque sabia que tudo aquilo lhe traria Madeline de volta.

Dafydd, Owain e mais dez homens foram interceptar lorde Chikott; outro grupo, liderado por Alcwyn, estava na estrada sul, aguardando o abade.

Passava do meio da manhã. Dafydd instalou-se em um local que dava ampla visão da estrada, uma área que era densamente arborizada. Fazendeiros e outros que poderiam estar a caminho do mercado no vilarejo fora do castelo Montmorency já tinham passado e, assim, só restava aguardar.

Felizmente, não precisaram esperar muito até que o nobre e sua comitiva surgissem. Ele e seu criado estavam montados, os soldados armados seguiam a pé. Uma carroça carregada fechava o cortejo.

Dafydd olhou para Owain, que ajoelhara-se a seu lado. O jovem sorriu devagar e assentiu.

Dafydd voltou o olhar para o homem que sir Roger escolhera para se casar com sua irmã. O nobre tinha um cavalo branco esplêndido, ricamente ornado. Chilcott era jovem, não chegava a ser feio e vestia-se de forma extravagante. O cabelo encaracolado escuro e penteado estava coberto por um chapéu elaborado, a túnica de listras azuis e verdes tinha mangas enormes e por baixo havia outra túnica azul escura; as longas botas negras foram tingidas para combinar com a túnica.

Chitcott obviamente era um tolo, pois suas roupas e equipamentos eram tão chamativos que qualquer ladrão em um raio de dez quilómetros podia vê-lo.

Dafydd sentiu-se desgostoso por sir Roger desejar ver Madeline casada com aquele sujeito. Ao mesmo tempo, alegrou-se, pois o camarada assemelhava-se em altura com ele e a encenação seria mais convincente.

Ergueu-se silenciosamente. — Está na hora — sussurrou. — Certifique-se de que os

homens vão agir conforme combinamos. — Então, saiu da floresta e bradou: — Parem!

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Três homens, incluindo Owain, juntaram-se a Dafydd e encararam o nobre, que freou a montaria abruptamente, o semblante denunciando surpresa e temor.

— O que significa isso? — gritou lorde Chilcott, a voz aguda e o olhar como o de um coelho assustado com a luz do fogo.

— Sir Roger nos enviou para procurar lorde Chilcott. Os nobres visivelmente relaxaram, e a expressão mudou de medo para irritação.

— Eu sou lorde Chilcott. Bem, o que ele quer? E melhor que não seja mais ura retardo! Já estou cansado de tantos adiamentos!

— Nós fomos mandados para mostrar-lhe um atalho — apaziguou Dafydd.

Chilcott lançou um olhar de desgosto a Dafydd e seus homens.

— Foram? Permita-me perguntar quem é você. — Um guia. Sir Roger tem poucos homens para todas as

tarefas que surgiram com os preparativos do casamento e com a chegada dos convidados.

— Huh! Que convidados? Soube que as pessoas mais importantes não vão comparecer. Nem mesmo o barão De-Guerre. Tem algo muito estranho por aqui, guarde as minhas palavras. Seria melhor ter permanecido na Sicília. Bem, camarada, o que está esperando? Mostre o caminho!

— Sim, senhor — atendeu Dafydd, com uma mesura. Então, caminhou pela estrada até uma encruzilhada. Uma rota levava ao castelo Montmorency, a outra levava a um vilarejo ao sul.

Dafydd conduziu lorde Chilcott, que não parava de tagarelar, e seus homens pela estrada sul.

— Sinto-me como se estivesse entre bárbaros. Até nos Alpes é mais seguro e olhe que hoje em dia há muitos banditti por lá — continuou tagarelando Chilcott.

Dafydd desejou que o homem continuasse tagarelando, embora a conversa fosse cansativa e impertinente e a vontade de dar-lhe um tabefe aumentasse. Só assim ele não perceberia que estava perdendo seus homens dois de cada vez, arrastados floresta adentro. A carroça com o condutor já parara de acompanhar o cortejo fazia tempo.

Nada aconteceria aos homens capturados, exceto que eles seriam mantidos fora de ação até que Dafydd e Madeline estivessem bem longe, a salvo. Então, seriam soltos com lorde Chilcott e o abade, menos a carroça.

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Quando teve certeza de que o número de soldados de Chilcott estava bem reduzido, Dafydd estacou.

Chilcott finalmente fechou a boca por mais de um se-gundo e olhou para Dafydd como se fosse míope.

— O que foi, camarada, esqueceu o caminho? — des-denhou. — Isto aqui não se parece com uma estrada.

— Tem razão, senhor. Pegamos o caminho errado. — Ora, se não é um incômodo! Vou contar a sir Roger

sobre a sua incompetência assim que o vir. — O que não vai acontecer tão logo, lamento, lorde

Chilcott. — Do que está falando? — Vários outros galeses surgiram

na estrada e se postaram ao lado de Dafydd. — O que... Homens! — Chilcott voltou-se para trás e Dafydd quase sentiu pena do homem, quando ele o encarou novamente com o rosto pálido e o olhar temeroso. — O que está acontecendo? Onde estão os meus homens?

— Eles vão desfrutar da hospitalidade galesa, assim como o senhor — explicou Dafydd e sacou a espada de forma sossegada. — Enquanto esperamos pelo resgate.

— Oh — gemeu lorde Chilcott. Então, caiu da sela, desmaiado.

Frei Gabriel correu na direção de Dafydd e dos homens quando eles entraram no acampamento. Ansioso, olhou para o homem amarrado à sela de barriga para baixo.

— Ele está ferido? — investigou, inquieto. — Você me disse que ninguém sairia ferido.

— Eu mantive a minha palavra — assegurou Dafydd, sorrindo. — Ele só desmaiou.

— Desmaiou? — Desmaiou. E é este homem que sir Roger acha que vai

dar um bom marido para Madeline! — Dafydd pegou Chilcott pelo cabelo e ergueu a cabeça. — Entretanto, ele é moreno como eu e tem a mesma altura. Nesse sentido, sir Roger poderia ter escolhido pior.

Dafydd tirou lorde Chilcott da sela de forma não muito gentil. Entretanto, deitou-o no solo com mais cuidado, pois não queria amassar-lhe a roupa. Não poderia em hipótese alguma chegar no castelo de Montmorency com a roupa suja e rasgada.

— Onde está o resto dos homens? — indagou frei Gabriel. — Logo estarão aqui — afirmou Dafydd. — Algum sinal de

Alcwyn e o abade? — Ainda não. O abade não vai desmaiar —- assegurou o

religioso, preocupado. — Ele pode até tentar se defender. —

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Franziu o cenho. — Talvez eu não deva me envolver nesse negócio. Nunca me perdoarei se alguém sair machucado.

Dafydd desamarrou a túnica de Chilcott. — E quanto a Madeline? — disparou, perspicaz. — O

senhor mesmo viu como ela está debilitada. E ela? — Sim, tem razão. Naquele momento, ouviram o som de um homem atra-

vessando a floresta. Dafydd sacou a espada e gesticulou para que o frade se escondesse. Owain e os outros pegaram nas armas também.

Alcwyn surgiu, estimulando o avanço do abade com a ponta da espada.

— Sente-se! — ordenou Alcwyn. — Que inferno! — praguejou, limpando o suor da testa e observando o jovem desmaiado. — Gostaria de termos trocado de refém — comentou, e chutou Chilcott de leve. — O abade não queria se render e até lutou bastante, para um religioso.

O abade estreitou o olhar em Dafydd. — Você! — Eu. — Sabia que você era um patife! Tentei advertir aos

outros, mas aquele teimoso do Gabriel... — Fique quieto, ou eu o calarei à força — ameaçou

Dafydd. O abade resignou-se, mas logo notou o jovem nobre no

chão. — Oh — exclamou —, o que fizeram com Chilcott? — Nada. Ele só está dormindo. Owain, leve o abade a um

lugar onde ele possa descansar com conforto. Owain não pareceu satisfeito com a ordem, mas aceitou e,

seguindo o exemplo de Alcwyn, conduziu o abade com a ponta da espada.

Dafydd concentrou-se então em despojar Chilcott das roupas. Vestiu a túnica, tomando o cuidado de retirar os enchimentos de areia. Assentou bem.

— Iffwrdd — praguejou Alcwyn, e voltou à clareira trazendo outras roupas do nobre. — Eu não o reconheceria nessa roupa. Parece um nobre mesmo. Ou parece disfarçado de príncipe.

— Pareço? — Dafydd sorriu para si mesmo. — Bem, minha avó era uma princesa — ponderou. — Os outros experimentaram as túnicas?

— Sim. Acho que passam.

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A chama do amor (The Welshman's way) !Margaret Moore!

— Huh. Bem, é melhor amarrarmos Chilcott antes que ele acorde. O que acha do abade?

— Ele não é muito educado — observou Alcwyn. — Nem tranquilo.

— Não achava que seria. — Frei Gabriel parece um tipo camarada. — Sim. E você também. E seus homens. Nunca esquecerei

a sua ajuda, Alcwyn — declarou Dafydd, e sorriu para o amigo. — Ótimo. Posso um dia precisar de algum favor e pode

ter certeza de que pedirei. Onde deverei procurá-lo? — Estive pensando nisso. Madeline e eu não podemos

ficar em nenhum local perto. Pensei em ir tentar a sorte no norte. Minha avó tem uma meia-irmã casada com um normando. Contaram-me que a parte galesa no filho é predominante. Talvez Emryss DeLanya considere o laço de parentesco e me deixe jurar-lhe lealdade. Por causa de Madeline, é melhor estar no castelo de um homem assim do que num vilarejo galês.

— Nossa, o homem mais parece uma galinha depenada — observou Alcwyn ao retirar o meião de lorde Chilcott.

Dafydd riu da comparação, mas logo ficou sério. — Faltam três dias para o casamento. Partiremos à

primeira luz do dia. — Amanhã? Está louco, Dafydd? Terá que ficar no

castelo por duas noites e um dia antes do casamento. Isso é abusar da sorte.

— Owain me ensinou tudo o que preciso saber. Não quero que Madeline fique mais tempo sozinha.

— Mesmo assim, tanto tempo... — Não se preocupe. O castelo vai estar fervilhando com

os preparativos. Ninguém vai notar muito a sua presença nem dos homens, se vocês forem discretos.

— Mas e quanto a você, Dafydd? Eles vão reconhecer você. Vão ficar observando-o como águias.

— Owain pensou nisso. Se me complicar com as maneiras e costumes, ele disse para eu afirmar que é assim que fazem na Sicília.

— Não concordo, Dafydd. Espere mais um dia. — Não vou deixar Madeline sofrer mais do que o ne-

cessário — afirmou Dafydd e Aclwyn percebeu que não adiantava mais argumentar. !!

CAPITULO DEZOITO ! - ! -145

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A chama do amor (The Welshman's way) !Margaret Moore!

!Apática, Madeline submetia-se às costureiras que,

concentradas ao seu redor, ajustavam seu vestido de noiva discutindo o que seria melhor.

Sem prestar muita atenção às observações, pensava no velho vestido que tomara de uma camponesa desconhecida, que Dafydd detestara, mas não conseguira deixar de admirar em seu corpo. Por esse motivo, gostara da peça imensamente.

Mas Roger comprara-lhe vários outros vestidos, fazendo-a imaginar se era em agradecimento a sua complacência ou para minimizar a própria culpa. Vira pouco o irmão desde que haviam chegado ao castelo Montmorency e, portanto, não sabia os verdadeiros propósitos dele. Antigamente, sempre que percebia que estava errado, ele se escondia em vez de enfrentar as consequências.

Dafydd nem a reconheceria naquele vestido, pensou, enquanto uma das costureiras ajustava a bainha. A peça era ricamente bordada com motivos em branco e dourado. Por baixo, usaria outro vestido de mangas longas, vermelho, feito de um tecido que Roger chamara de seda, muito caro, importado do extremo Oriente. O cabelo seria penteado e ornado com motivos dourados e vermelhos e preso com uma tiara que pertencera à sua mãe. Por fora, pareceria muito nobre e refinada. Por dentro, entretanto, estaria mergulhada em lágrimas e somente a certeza de que Dafydd estava bem mantinha-a ali.

Realmente, ao ver-se refletida no metal polido, mal se reconheceu. Não era espanto. Sentia-se outra pessoa. Uma pessoa perdida em sua miséria.

Mesmo assim, não se arrependia de amar Dafydd. Não lamentava o tempo que passaram juntos, exceto sua decisão de ir a Bridgeford Wells. Deviam ter deixado a Inglaterra e partido para o país de Gales imediatamente. Devia ter informado Roger sobre sua decisão de outra forma. Errara naquele ponto e enganara-se quanto ao próprio irmão.

— Por favor — insistiu a costureira —, pode erguer o braço direito novamente? Está vendo? — sussurrou para outra costureira —, os laços estão todos amarrados. Não é a bainha o problema.

— Mas, se amarrar demais, não veremos o vestido de baixo. É melhor refazermos — concluiu a chefe das costureiras, e avançou sobre Madeline para recuperar a peça.

— Parem! — protestou Madeline, impaciente. — Está bom assim.

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As duas mulheres entreolharam-se espantadas, como se tivessem se esquecido de que estavam lidando com uma mulher de verdade e não com um manequim de

palha. — Ajudem-me a tirar esse vestido e depois vão embora — ordenou Madeline. — Mas, senhora, temos mais dois vestidos e... Madeline

alcançou os laços e começou a desfazê-los sozinha, o que fez com que as mulheres entrassem em

ação, temerosas de um estrago maior. — Deixe, senhora, deixe! De repente, a porta se abriu e Roger entrou no aposento. — Tire esse vestido — ordenou ele. — Assim que você deixar o aposento, poderemos fazer

isso — informou Madeline, curiosa e desconfiada com o súbito aparecimento do irmão.

— Use o vestido púrpura. Acabei de ser informado de que Chilcott e sua comitiva estão chegando ao vilarejo.

Madeline sentiu a garganta se fechar e só conseguia olhar o irmão desanimada. Percebeu que, mesmo incons-cientemente, estivera desejando que alguma coisa impe-disse Chilcott de vir.

— Ajudem-na — exigiu Roger. — Desça para o salão quando estiver pronta. — Então, saiu tão abruptamente quanto entrara.

As costureiras permaneceram paradas e mudas até que Madeline suspirou. Então, como se tivessem sido instigadas por uma chapelada, começaram a correr para aprontá-la.

Madeline não fez esforço nem para ajudar, nem para atrapalhar; sabia que não tinha opção senão submeter-se a Roger.

— Oh, ouçam! Deve ser ele! — alertou uma costureira. Correu até a janela estreita e inclinou-se para fora. A

outra mulher foi juntar-se a ela, mas não pôde ocupar a mesma janela. Quando endireitou-se trazia um largo sorriso no rosto.

— Oh, senhora — murmurou e cruzou os dedos, an- siosa, à maneira das freiras —, ele é tão bonito!

— E alto! — completou a outra. — E bem vestido. — Venha ver. Madeline caminhou até a janela relutante. Não tinha

pressa em ver o homem que bem poderia ser seu executor, mas aquelas mulheres despertaram-lhe a curiosidade. Então, para evitar fofocas, foi olhar.

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Madeline inclinou-se para fora da janela e focalizou os homens a cavalo no pátio. Sim, era a comitiva de um nobre. E aquele homem à frente, no garanhão branco, devia ser Reginald Chilcott.

Mas havia algo... O homem desmontou com agilidade e graça e sorriu para

Roger, e ela viu. Instantaneamente e sem sombra de dúvida. Dafydd! Viera para salvá-la?

Estava fingindo ser Reginald Chilcott, assim como ela se passara por camponesa e por freira no castelo de sir Guy. Instantaneamente, sentiu o medo e a ameaça se desintegrarem. Ia começar a comemorar, mas levou a mão à boca ao ver as mulheres observando-a atentas.

Voltou-se e tossiu. Percebeu que deveria ser mais re-servada. Uma mudança súbita em seu ânimo provocaria desconfiança.

Oh, mas Dafydd estava lá! Com as roupas de outra pessoa, conduzindo um cavalo alheio. Ali, para resgatá-la!

Respirou fundo e voltou-se para as costureiras, que pareciam confusas e curiosas.

— Eu... eu fiquei feliz por ele ter chegado, afinal — explicou. — Temia que ele mudasse de ideia. Estava preocupada por ele conhecer os problemas que tive e me achar indigna! Estava tão preocupada que mal conseguia comer. Oh, minhas caras, como devo parecer doente! — lamentou, sincera.

Ao ver que convencera as costureiras, saiu apressada do quarto e bateu no rosto para avivar-se. E Dafydd a veria daquele jeito... Oh, mas que importava? Ele estava lá!

Cruzou o corredor de pedra, apressada, o couro macio das sapatilhas abafando o som dos passos. Deteve-se ao chegar à escada e forçou-se a caminhar devagar para o salão.

— Minha irmã logo estará aqui para recepcioná-lo — informou Roger, enquanto acompanhava lorde Chilcott pelo pátio. — Ela estava experimentando o vestido de noiva e teve que se trocar.

— Ah, sim? — respondeu Reginald Chilcott, a fala ligeiramente arrastada. — Estou ansioso por conhecê-la. Giuseppe! — gritou, e um jovem, obviamente seu escudeiro, deu um passo à frente.

— Leve a minha bagagem a meus aposentos depois de cuidar dos cavalos.

— Meu administrador, Dudley, vai mandar um criado para mostrar-lhe os aposentos — comunicou Roger ao escudeiro, que assentiu. Voltou a atenção a lorde Chilcott.

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— Vamos para o salão; mandei preparar ura bom refresco. — Que gentil. Espero que a nossa chegada tão pela

manhã não seja inoportuna. Precisa perdoar um noivo impaciente.

— Em absoluto. — Roger conduziu-o para o salão e aproveitou esse momento para estudar discretamente o futuro cunhado. DeGuerre dera a entender que Chilcott era um tanto frívolo. Se aquele homem era frívolo, pensou, tinha algum motivo para ser assim. Era alto, musculoso, bonito e tinha uma atitude que era nobre e natural ao mesmo tempo. O mais surpreendente, entretanto, era o sotaque e os trejeitos forçados. — Giuseppe? Nome estranho o do escudeiro, não é? — investigou.

— A mãe dele é siciliana — respondeu Chilcott, indi-ferente, e avaliou a estrutura do castelo com uma expressão sombria.

Roger quase se esquecera de que Chilcott passara a maior parte da vida no estrangeiro. Isso, com certeza, explicava o sotaque diferente. Talvez ele decidisse voltar para lá com Madeline. Essa perspectiva não era agradável. Claro que vivera separado da irmã por vários anos, mas consolava-se com o fato de ela não estar tão distante.

— Ah, sim, Sicília. Ouvi dizer que é muito agradável por lá,

— Não há melhor lugar no mundo, se não se importar com o calor — respondeu Chilcott, convicto. — Um país encantador, um vinho delicioso. — Inclinou-se na direção de Roger e piscou. — As mulheres são ardentes também.

Roger deu uma risada que chamou a atenção dos criados. Esse evento era tão raro no patrão.

— Quero crer que sua irmã já tenha se recuperado do ataque? — alfinetou o falso Chilcott.

Como ele soubera? Fofocas, com certeza. — Ela está muito bem. Um pouco pálida, mas não é nada

sério. — Ótimo. Detestaria se a cerimônia tivesse que ser

adiada. Entraram no salão ricamente ornamentado. Dafydd

jamais vira um ambiente tão requintado e estava avaliando as mostras de riqueza, quando teve a atenção capturada pela jóia maior.

Madeline estava no topo da escada e deslizava como se descesse do céu. Havia um sorriso lindo no rosto adorável.

Ao se aproximar, ela manteve o olhar baixo.

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Como estava pálida! Frei Gabriel tinha motivo para estar preocupado com sua saúde.

— Esta é minha irmã, lady Madeline de Montmorency. — Seja bem-vindo, lorde Chilcott — declarou ela, o tom

sabiamente formal. Dafydd calculara que Madeline seria esperta o suficiente

para entender o que estava se passando. Fez uma mesura ampla que levara horas treinando.

— Estou completamente encantado, senhora. Roger olhava para Madeline e Dafydd, alternando o

foco. Desejou apenas não estar sorrindo feito um idiota. Lembrou-se de que Owain dissera que Chilcott gostava de cavalos de raça e concentrou-se:

— Atrevo-me a dizer que lady Madeline tem muitos afazeres antes do casamento. Sugiro que a liberemos. Ouvi dizer que tem excelentes cavalos, sir Roger. Podemos vê-los antes do almoço?

— Claro — concordou Roger. — Vemos você mais tarde, Madeline.

— Muito bem — declarou ela, indiferente. Eles a ob-servaram enquanto subia a escada.

— Podemos ir aos estábulos? — reforçou Dafydd. Mais tarde, durante o jantar, Roger recostou-se na ca-

deira e observou os convivas enquanto sorvia o vinho. Alguma coisa estava errada. Havia alguma coisa mais no

olhar de Madeline quando ela dirigia-se a lorde Chilcott. Talvez tivesse ficado impressionada também.

Lorde Gervais e lorde Trevelyan levantaram-se e, ainda conversando, levaram as cadeiras para mais perto da lareira enorme.

— Lady Madeline — chamou Albert —, precisa conduzir a primeira dança.

Madeline sorriu para Albert e olhou para o noivo. — Lorde Chilcott está cansado demais para dançar esta

noite — disfarçou ela —, e eu também. — Sim, peço-lhe perdão — reforçou Chilcott, e fez uma

mesura a Roger. — Os acontecimentos do dia me deixaram cansado. Com sua licença, acho que deveria me recolher.

— Como quiser — respondeu Roger, e assentiu reco-nhecendo o pedido. — Boa noite, lorde Chilcott.

— Chame-me de Reginald — corrigiu Chilcott, e voltou-se para Madeline. — Adieu, doce senhora. Até o amanhecer.

Roger encarou a irmã com um sorriso raro no rosto.

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— Parece estar aceitando melhor esse casamento — observou.

— Ele não é o que eu esperava — metaforizou ela, e ele identificou a sinceridade. — Se me dá licença, acho que vou me recolher também.

— Uma sábia atitude, Madeline. Atrevo-me a dizer que terá um dia cheio amanhã.

— Sim, terei — confirmou ela. Levantou-se e encaminhou-se para a escada.

Roger suspirou e recostou-se na cadeira, satisfeito com seus planos e consigo mesmo. Exceto por pequenas dúvidas sem importância sobre Chilcott que não se dissipavam. !!

CAPITULO DEZENOVE !!Assim que as camareiras se foram, Madeline vestiu de

novo o robe púrpura e aguardou pacientemente o momento em que poderia sair do aposento sem ser vista.

Com cautela, abriu a porta e espiou o corredor. Todas as hóspedes já deviam ter-se recolhido àquela altura. Quanto aos homens, poderiam permanecer no salão até o raiar do dia, comemorando. O vinho e a cerveja de Roger eram da melhor qualidade.

Silenciosamente, tomou o corredor. Sabia qual aposento tinha sido reservado para o noivo. Por um instante, hesitou e imaginou se o que estava a ponto de fazer era perigoso demais.

Mas o coração falou mais alto, fazendo-a apressar-se pela superfície irregular do piso de pedras.

Quando chegou ao aposento, não bateu na porta, nem fez barulho nenhum. Simplesmente entrou e encontrou Dafydd de pé junto à janela. Ele se voltou instantaneamente e sacou uma adaga.

Madeline sussurrou o nome dele. Em um piscar de olhos estavam abraçados, confortando

um ao outro. — Madeline — murmurou ele. — O que está fazendo aqui?

Não é seguro. — E quem está me falando de segurança? — acusou ela,

suave. — E o que você está fazendo aqui, fingindo ser lorde Chilcott? Pensei que já estivesse longe a esta altura, a salvo no país de Gales.

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— Não podia partir e deixá-la para se casar com outro — declarou ele, o olhar devoto. — Você não é a única capaz de fazer imitações.

— Mas como? — Quando a deixei em Bridgeford Wells, encontrei

velhos conhecidos que aceitaram me ajudar. Seu irmão provavelmente sentirá falta de alguns objetos e Chilcott não vai recuperar a bagagem, mas considerei que era por uma boa causa.

— Conseguiu enganar a todos, Dafydd — elogiou ela, feliz. — Mas é melhor tomar cuidado para não sair nada errado. Devo dizer que representou maravilhosamente hoje no jantar. Fiquei muito impressionada.

— Que bom. Achei que iria enlouquecer por não poder tocá-la. Nem beijá-la. — Ele tirou o atraso, apaixonadamente. — Estava pensando em se casar com Chilcott para me salvar? Acha que eu concordaria com tal situação?

Ela recostou a cabeça contra o tórax viril. — Não via outra saída. Devia ter adivinhado que você não

concordaria comigo nesse assunto também. — Fitou-o, o olhar muito brilhante. — Estou feliz por não ter seguido o meu plano, Dafydd.

Ela estendeu os braços, apalpou os músculos e sentiu a força através do veludo macio da túnica.

— E onde está Reginald Chilcott? — Ele está usufruindo da hospitalidade galesa a alguns

quilômetros daqui. Os homens de Alcwyn não vão liberá-lo enquanto não souberem que nós partimos.

— O que planeja fazer? Podemos fugir esta noite? — Vamos nos casar amanhã, lembra-se?

— Dafydd, é brincadeira? — Eu lhe asseguro, Madeline, estou falando sério. Frei

Gabriel chega amanhã bem cedo para realizar a cerimónia. — Frei Gabriel? O que aconteceu ao abade? Dafydd

parecia humorado ao responder: — Também está temporariamente detido. Madeline teve

que sorrir; então, ficou muito séria. — Chega de brincadeiras agora. Você sabe tão bem

quanto eu que não devíamos permanecer no castelo de Roger por mais tempo que o necessário.

— Madeline, você não quer se casar comigo? — questionou Dafydd.

— De todo o coração — externou ela, e acariciou-lhe o rosto.

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— Ótimo. Além disso, se fugíssemos esta noite, Roger iria atrás de nós novamente e eu já estou cansado disso. Então, você vai se casar com Chilcott, como Roger sempre quis. O feliz casal vai para seu lar e só uma mensagem pedindo resgate por Chilcott e o abade vai aparecer. Quando Roger adivinhar o que aconteceu, estaremos bem longe.

— Oh, Dafydd, é... é inacreditável! — Apesar da ex-clamação, ela sorriu e acreditou que o plano poderia dar certo. Seria sua esposa legalmente e não haveria nada que Roger pudesse fazer.

Risadas no corredor deixaram os dois assustados. — E melhor eu ir — concluiu Madeline, pesarosa. — Não

seria bom se nos vissem juntos, especialmente quando eu devia me comportar como se não quisesse me casar com você.

Devagar, ela se soltou do abraço. — Vejo-o pela manhã — confortou ela, e dirigiu-se para a

porta. Antes de sair, voltou-se e sorriu-lhe carinhosa. — Essas roupas lhe caem bem, Dafydd. Você parece um nobre normando.

— Você está me insultando — rebateu ele. — Vá agora, se precisa mesmo, ou agarrarei você e a levarei para a cama.

— A cama de plumas é a única coisa da qual sentirei falta. — Madeline concedeu-lhe mais um sorriso e desapareceu.

— Algum sinal de frei Gabriel? — indagou Dafydd a Owain na manhã seguinte.

Como em resposta à pergunta, ouviram o portão sendo aberto e frei Gabriel surgiu, montado em um animal de carga.

Dafydd assentiu muito discretamente ao religioso. Então, foi ao salão e encontrou Roger à porta.

— Estive procurando por você. — Oh? — Achei que deveríamos conversar sobre o dote e o

contrato de casamento. — Por quê? — exigiu Dafydd, arrogante. Quis soar mais

insultado que ansioso. Não tinha conhecimento de tais contratos, dotes e termos legais, nem era alfabetizado. — Peço desculpa pelo atraso da carroça trazendo os presentes de Madeline. Eu estava, talvez, muito apressado para ver a noiva.

— Não quis ofender — respondeu Roger. — O carregamento com o dote pode esperar até amanhã,

não pode? — perguntou Dafydd. — E poderemos acertar tudo mais tarde.

— Se prefere assim. — Prefiro. Essas negociações sempre me dão dor de ca-

beça e eu preferiria conversar com a sua encantadora irmã.

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— Quando lhe for conveniente, então. — Ótimo. Aliás, Roger, o que aconteceu ao abade? Nada

que retarde a cerimónia, creio. — Parece que ele adoeceu. Um frade que nos visitou

recentemente encontrou o mensageiro do abade na estrada e voltou para trazer a notícia.

Dafydd pareceu surpreso e preocupado. — Com certeza você tem outro religioso para realizar a

cerimónia. — Sim, frei Gabriel se ofereceu para dar a bênção. Nada

tema, Reginald. Não haverá atrasos. — Calculo que vá encontrar a sua irmã na capela? — Claro. Eu o acompanharei. Dafydd caminhou ao lado de Roger e tentou lembrar-se

de todos os detalhes que aconteciam em um casamento que Owain descrevera.

— Minha irmã parece muito impressionada — comentou Roger.

— Parece? Ouvi dizer que ela estava meio relutante. Roger hesitou um momento e, então, estacou.

— Serei honesto com você, Chilcott. Ela fugiu. — Bem, bem, bem. Sei que algumas mulheres agem de

forma teimosa. O que ela fez, escondeu-se no pomar? Ou hospedou-se na primeira pousada?

— Não. Após o ataque que sofremos, ela foi salva por um rebelde galês. Ficou com ele vários dias.

— Ah, sim? — Sim. — Roger também avaliou a reação de Dafydd. —

Ela se diz apaixonada por esse rebelde. — Ora, isso me surpreende. Ela parecia muito satisfeita

com nosso casamento na noite passada. Roger limpou a garganta e olhou para Dafydd fixamente. — Ela não é virgem, Reginald. — Nem eu. — Dafydd percebeu que Roger esperava por

uma resposta diferente e sorriu contente. — Bem, para ser honesto, Roger, acho que a maioria das mulheres não é, não importa como se comportem na noite de núpcias. As mulheres são criaturas sinistras e astutas. Bonitas e desejáveis, claro, mas um homem precisa ser tolo para acreditar nelas.

— Exatamente o que eu acho! — exclamou Roger, co-medidamente. — Bem, o meu administrador me disse que você não pretende ficar após o casamento. Confesso que quero persuadi-lo a ficar, Reginald. Não é sempre que aprecio a companhia das pessoas e ficarei triste se você partir.

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— Lamento decepcioná-lo — declarou Dafydd, cauteloso, após um momento. — Tenho um pequeno problema em minhas terras na Sicília. Eu não poderei usufruir da sua hospitalidade tanto quanto gostaria.

— Mas com certeza não quer passar a sua noite de núpcias na estrada? Uma noite não vai atrasá-lo mais.

— Não, realmente, agradeço a sua gentileza, mas devo insistir...

— Eu insisto, Reginald, por causa de minha irmã também. Ela passou por um período difícil recentemente e acho que uma nova viagem não seria prudente sem um bom descanso.

Dafydd sabia que estava perdido. — Como quiser, Roger, só uma noite não vai me atrasar

mais. Sem mais considerações, entraram na capela. !! CAPITULO VINTE !!Hu Morgan parou à entrada do grande sa-lão do castelo

Montmorency e aguardou lorde Trevelyan, para que fossem juntos até o pátio defronte à capela onde se daria a cerimónia de casamento entre lorde Reginald Chilcott e lady Madeline de Montmorency. Sua presença ali era inesperada, mas necessária, pois um mensageiro do rei Henrique, William Mars-hal, chegara solicitando a presença de lorde Trevelyan em uma reunião de senhores feudais poderosos em Londres. Lorde Gervais deveria comparecer também. Os dois nobres partiriam logo após a cerimónia; entretanto, tantos convidados, criados e soldados estariam ali que sua ausência mal seria notada.

Morgan avaliou o salão, decorado com guirlandas de flores primaveris e com as bandeiras coloridas dos nobres visitantes. Não havia dúvida de que os dois lordes perderiam uma excelente refeição e ótimo entretenimento. Bem, aquele era o preço do poder. Felizmente, ele, Morgan, poderia ficar.

E, embora nunca tivesse admitido, Hu Morgan estava curioso para ver se lady Madeline se recusaria a casar com Reginald Chilcott no último instante. Sua esposa comentara na noite anterior que aquilo, sim, seria do feitio de Madeline: prosseguir com o casamento e, então, bem na porta da igreja, malograr os planos do irmão.

Liliana devia ter vindo também, mas o filho estava res-friado e ela preferiu ficar em casa.

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Melhor assim, pensou Morgan, com um sorriso torto. Não tinha tanta fé quanto ela de que Roger perderia aquela batalha e até ficaria temeroso de que Liliana falasse ou fizesse algo que não era da conta deles e que de alguma forma pudesse impedir o casamento.

Lorde Trevelyan apareceu junto à escada. — Creio que não estou muito atrasado — declarou, com

um sorriso. — Desculpe por fazê-lo esperar. Esta maldita túnica devia ser dada aos mendigos. Os criados não conseguem dar os laços!

— Acho que quase todo mundo já está lá fora aguardando.

— Lady Madeline ainda está em seu quarto. Estou ouvindo as mulheres tagarelando como gansos.

— E o noivo? — Creio que Reginald já está esperando. O camarada está

tão ansioso, fiquei surpreso quando ele saiu da capela depois da missa para comer. Eu esperava que ele permanecesse lá e aguardasse a cerimónia. Quanto à noiva... Bem, ela fez meio mundo correr atrás dela por nada. Fosse quem fosse aquele galês, já foi esquecido.

— O quê? Ela concordou com o casamento? Lorde Trevelyan torceu o nariz de maneira bem pouco

nobre. — Concordou? Mais que isso. Ela está disfarçando, mas

qualquer tolo pode ver. Roger está todo prosa por achar que estava certo todo o tempo. Ele agiu de forma arrogante, mas ninguém vai censurá-lo agora. Vamos, é melhor não nos atrasarmos. Garanto que esta é uma cerimónia que definitivamente vai começar dentro do horário.

Juntos caminharam em meio à multidão de soldados e criados que estavam junto ao salão e misturaram-se aos demais nobres que aguardavam junto à capela. Morgan pensou reconhecer o frade que estava junto à porta. Então, Hu Morgan levou o maior choque de sua vida.

Pois ali, parado nos degraus da capela, materializado como uma rocha, usando roupas caras com detalhes era preto e ouro e portando-se como um nobre de verdade, estava o rebelde galés que ele deixara para morrer tempos atrás. Antes que pudesse falar ou piscar, a multidão se afastou e sir Roger apareceu acompanhado da irmã, que parecia tão linda e feliz quanto qualquer anjo do paraíso, indo na direção do suposto noivo. O galês.

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Enquanto aguardava junto à porta da capela, Dafydd percebeu que estaria sentindo algo similar se estivesse a caminho da própria execução. Estava mais bem vestido, com certeza; entretanto, da mesma forma, todos podiam vê-lo. Mesmo assim, ninguém parecia desconfiar que ele não era Reginald Chilcott e só precisava manter a farsa por mais alguns minutos, até ele e Madeline serem proclamados marido e mulher. Se Roger tentasse anular o casamento, frei Gabriel, parado a seu lado e quase tão nervoso, poderia confirmar que a relação já fora consumada. Dafydd afastou o pensamento da única coisa que o aborrecia, que era estar se passando por outra pessoa, como se tivesse que se envergonhar de ser quem era. Mas era por um bom motivo e eles ainda estariam casados dentro dos preceitos religiosos.

Dafydd aprumou-se e olhou para a multidão, avistando Owain, bem como Madeline. Verificou os homens de AIc-wyn já na dispersão de pessoas e manteve o olhar atento em todos.

Com uma exclamação de admiração coletiva, a multidão se afastou para revelar Madeline e o irmão.

Como estava gloriosa, com os olhos brilhando de amor. Parecia envolta numa aura de beleza. Avançou em sua direção, com o porte de realeza e a mão levemente pousada sobre o braço do irmão. Ele sorriu, inflado de uma felicidade que jamais sentira, até que alguém em meio à multidão imóvel chamou a atenção de Dafydd.

Prendeu a respiração. Morgan! Hu Morgan, ali parado como um anjo mau, viera para destruir sua felicidade. Enquanto o avaliava, estático e horrorizado, seus olhares se encontraram.

Dafydd entendeu que estava tudo acabado. Morgan o reconhecera. No momento seguinte, ele o denunciaria como impostor.

Com grande esforço, Dafydd voltou o olhar e fixou-o em Madeline. Sentiu uma dor no coração ao perceber que haviam chegado muito perto. Ela ficou sombria imediatamente e olhou nervosa para o irmão, que caminhava despreocupado. Percebera que algo estava errado; lera em seu rosto. O olhar perdeu o brilho do amor e tomou a expressão do desespero.

Com certeza, Morgan iria se manifestar a qualquer mo-mento, pensou Dafydd, também desesperado. Iria identificá-lo como um galês fora-da-lei. Chamaria os soldados.

Morgan continuava parado. O que estava esperando? Roger chegar aos degraus?

Madeline o amava. Ele a amava. Foram feitos um para o outro e ninguém deveria tentar separá-los. Quando ela

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alcançasse os degraus, a puxaria para seu lado, sacaria a espada e lutaria para saírem dali.

Mas estaria sozinho naquilo. Olhou para os amigos e desejou que eles deduzissem o que estava acontecendo e fugissem dali imediatamente, sem esperá-los.

Então, olhou novamente para a multidão. Muitos sairiam feridos se uma luta acontecesse ali, pois havia inúmeros soldados, embora estivessem inativos por enquanto.

Não. Não lutaria. Não fugiriam dali. Ele era igual a qualquer homem presente naquele castelo, até mesmo a Hu Morgan, pois ele era Dafydd ap Iolo e Madeline o amava. Endireitou os ombros. Pelo menos, todos ali saberiam quem ele era. Ele mesmo proclamaria, orgulhoso e sem ter vergonha de seu nome, e juntos enfrentariam as consequências.

Quando Roger e Madeline chegaram aos degraus, Dafydd respirou fundo.

— Eu sou Dafydd ap Iolo — anunciou alto e em bom tom, esperando que sir Roger o olhasse espantado e chamasse sua guarda.

A multidão reagiu com comentários abafados de espanto e Madeline deu um grito de desespero. Vira Hu Morgan, bem como a expressão determinada de Dafydd. Tivera a esperança de que ele se mantivesse calado, pois Morgan parecia impassível. Mas ele era Dafydd ap Iolo, e orgulhoso de ser quem era, e ela estava orgulhosa também por ele enfrentar seu irmão e falar a verdade. Não importava o que aconteceria, o irmão saberia que Dafydd era merecedor de seu amor e ela nunca o amara tanto.

Ela se soltou do irmão e correu para se juntar a Dafydd. Seu lugar era ao lado de Dafydd. Eles teriam que arrastá-la dali e isso só humilharia Roger ainda mais. Juntos, aguardaram Roger dar a ordem aos soldados.

Roger... não fez nada. Apenas ergueu uma sobrancelha e pronunciou tranquilo: — Verdade? Ele me enganou mesmo. Por um momento, Madeline não entendeu o que o irmão

dissera. Ele sempre soubera. De algum modo, descobrira. — Você sabia, Roger — acusou ela. — E mesmo assim ia

me deixar casar com Dafydd. — Suponho que deva ficar orgulhoso por você me con-

siderar tão inteligente — respondeu o irmão, indiferente. — Mas se esse fosse o caso, acha honestamente que eu permitiria que a minha irmã se casasse com um galês?

— Eu amo sua irmã e a quero como minha esposa — reforçou Dafydd.

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— Madeline me disse que também está abobalhada por você.

— Eu o amo, Roger! Frei Gabriel avançou, agitando as mãos ansioso, e abriu a

boca, mas Roger ergueu a mão. — Poupe-me de sua garantia de que ele é um homem de

valor — adiantou-se, cansado. — Reconheço uma conspiração quando vejo uma. — Fixou o olhar gelado no religioso, que limpou a garganta atrapalhado, e então focalizou Hu Morgan, que simplesmente encolheu os ombros. Madeline percebeu que nenhum dos homens estava particularmente arrependido, nem Roger estava tão zangado.

— E também entendo que Madeline poderia ter feito coisa pior... e melhor — acrescentou Roger, franzindo o cenho. — Mas já estou cansado de todo esse negócio de casamento. Case-se com esse galês então, Madeline, e acabe logo com isso. Essas pessoas estão aguardando.

— Roger, eu... — sussurrou Madeline, e tentou encontrar as palavras para expressar a gratidão e felicidade.

— Abençoe-os, frei, antes que eu mude de ideia e mande prender esse impostor — grunhiu Roger, e abominou a ideia de que as pessoas na corte pudessem considerá-lo fraco e sentimental.

Frei Gabriel assentiu nervoso e deu prosseguimento à cerimónia. Quando tudo estava acabado, a bênção, a troca de alianças, os votos de fé e o beijo, a multidão permaneceu em silêncio. Roger supôs que o choque da revelação inesperada de que o noivo não era normando contribuiu para a passividade coletiva, que continuou na procissão até o salão e na bênção de frei Gabriel às festividades.

Quando os comentários contidos dos convidados e os olhares ao casal continuaram, Roger dirigiu-se baixinho a sir Albert, que estava sentado a seu lado.

— O que há com essa gente? Parece até uma missa de corpo presente. Vai me dizer que gastei tanto dinheiro para tão pouco divertimento?

— Temo, senhor — declarou Albert, contido, uma vez que estava externando a própria opinião —, que eles acham que o senhor realmente não aprove o casamento...

— Claro que aprovo, ou eles não estariam casados. — Eu sei disso, e o senhor sabe disso e garanto que

Madeline sabe também, mas os convidados não têm tanta certeza.

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— Então, eu vou provar. — Roger levantou-se abrup-tamente e o silêncio imperou.

— Dafydd ap Iolo! O novo cunhado pela primeira vez desviou o olhar da

esposa. — Sim, sir Roger? — Levante-se. — Roger, o que...? — começou Madeline. Roger ergueu a mão pedindo silêncio e aguardou enquanto

Dafydd se erguia. — Ajoelhe-se — ordenou. O galês estreitou o olhar e cruzou os braços, desafiador. — Por quê? — Ora essa! Você parece tão teimoso quanto minha irmã.

Porque assim eu poderei fazê-lo cavaleiro, seu tolo! Madeline não conseguiu conter o sorriso e houve uma

onda de excitação entre os convidados. A aprovação de Hu Morgan era evidente, não que sua opinião importasse, e a expressão dos demais convidados variava de ultraje a contentamento. A corte comentaria tudo aquilo por um bom tempo, pensou Roger, irônico, e o barão DeGuerre acharia a sua atitude inadequada. Mas, então, viu o olhar brilhante de Madeline e não se importou mais com o que as pessoas e o barão iriam achar.

Dafydd ap lolo, entretanto, não estava sorrindo. — Por que vai me fazer cavaleiro? — O que quer dizer com por quê? É uma honra! — Não quero ser cavaleiro. — Ensandeceu? — Não. Não terei que jurar lealdade a você? — Sim, pelas terras que vou lhe dar. — Não quero jurar lealdade, nem desejo ser vassalo de

nenhum normando. Nem mesmo você, sir Roger. Roger ergueu o cenho, desconfiado. — Bem, Madeline, ele parece tão orgulhoso quanto

qualquer normando, é o que tenho a dizer dele. — Ele tem o direito de ser — respondeu Madeline, no

mesmo tom. — Onde pretende morar então? — perguntou Roger em

seguida, ciente de estarem dando um espetáculo, mas determinado a entender a rude recusa.

— No país de Gales. — Roger — protestou Madeline —, não creio que seja a

hora de...

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— É, sim — disparou Roger, e voltou o olhar a Dafydd. — Não vou permitir que Madeline viva num canto qualquer.

O cunhado nem piscou um olho. — Acha que permitiria que minha esposa vivesse numa

cabana qualquer? Tenho parentes que são tão ricos e nobres quanto você. Vou procurar abrigo com eles.

— Com quem? — Já ouviu falar dos DeLanyeas? — É aparentado de Emryss DeLanyea? — perguntou

Roger, surpreso em saber que o cunhado era tão bem relacionado.

Emryss Delanyea, meio galês, meio normando, era famoso na fronteira por ser um senhor justo e capaz. Até o barão DeGuerre falava dele com admiração.

— Sim. Nossas avós eram irmãs. — Parece um parentesco tênue — observou Roger. — Não para os galeses. Roger estendeu-se para pegar a mão de Madeline e

conduziu-a para o lado do marido. — Então, leve-a para lá. Mas quero a sua promessa de que

vai me dizer qual o seu rendimento e, talvez, permita-me uma visita de tempos em tempos.

Tanto Madeline quanto Dafydd assentiram em acordo. Como eles eram felizes, percebeu Roger. Agira mal ao tentar separá-los, embora talvez jamais visse a irmã novamente. Sem pensar, e para surpresa de todos, incluindo a si mesmo, de repente avançou e abraçou a irmã.

— Desejo-lhe toda a felicidade do mundo — sussurrou em seu ouvido.

Quando se afastou, viu que Madeline tinha os olhos úmidos de lágrimas e que o cunhado também tinha os olhos brilhantes.

— Ora, bem — anunciou Roger, rispidamente —, é hora de animar a festa.

Os convidados deram vivas e a celebração começou de verdade.

— Por que recusou ser cavaleiro? Ainda está zangado com Roger? — indagou Madeline, mais tarde, naquela mesma noite, enquanto penteava o cabelo.

— Parece que esqueceu toda a preocupação que ele causou muito rápido. — Dafydd apoiou-se contra a janela e observou-a. Como o cabelo ficava brilhante sob a luz das velas! — Ele ia casá-la contra a sua vontade, lembra-se? Você estava muito preocupada com isso certa época. — Olhou para a cama e

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notou que os lençóis haviam sido afastados de maneira convidativa.

— Posso ser magnânima — respondeu Madeline, vaga, largando a escova e indo se juntar a Dafydd com um sorriso gentil e sedutor —, já que tenho o marido que quero.

— Ele não é tão perverso — concedeu Dafydd. — Apenas teimoso. Parece que é característica da família.

— Da sua família também. Nunca havia notado essa pequena mancha na sua orelha antes — comentou, e ficou nas pontas dos pés para beijá-la. — Não vai ter que jurar lealdade a esse DeLanyea?

— E diferente. Nunca havia notado como a curva do seu pescoço é perfeita. — Ele a beijou, fazendo-a sentir um arrepio na espinha.

— Por que é diferente? — sussurrou ela, e começou a brincar com uma mecha de seu cabelo.

— Porque DeLanyea é mais galês que normando. — Dafydd mergulhou a mão na massa de cabelo. — Chega de falar disso — murmurou, e ergueu-a nos braços fortes.

— É a nossa noite de núpcias. — E finalmente vamos dormir em uma cama de plumas

decente — observou Madeline, com uma risada rica e grave. — Dormir não é exatamente o que tenho em mente. !Na manhã seguinte, exausto mas imensamente feliz,

Dafydd ap Iolo encontrava-se ocupado com os preparativos finais para a partida da corte do castelo de Mont-morency. Como presente de casamento, Roger providenciara duas montarias de excelente linhagem, bem como uma terceira para carregar a bagagem. Os outros galeses estavam nos estábulos, aprontando suas montarias e evidentemente aliviados por não terem mais que fingir ser sicilíanos. Houve reclamações sobre o horário da partida, pois haviam celebrado o casamento como somente os galeses fazem e muitos pareciam enjoados e precariamente despertos. Uns poucos mais resistentes nem foram dormir e continuavam cantando a mesma balada,

A maioria dos normandos ainda cochilava no salão, no lugar em que tombaram na noite anterior. Somente Dudley, sempre responsável, dava continuidade às suas tarefas rotineiras, embora, como já tivesse se despedido do casal, mostrasse o nariz e os olhos avermelhados, evidenciando ter bebido tanto quanto os demais.

Apesar do pedido generoso de Roger para que ficassem mais tempo, Madeline e Dafydd estavam decididos a partir. Já

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haviam passado tempo demais em solo normando. Dafydd verificou por último se Owain tinha amarrado toda a bagagem convenientemente. Pensando bem, parecia que havia muita bagagem e um volume em particular... — Já vai? — Alguém perguntou em galês. Dafydd olhou por sobre o ombro e identificou Hu Morgan caminhando em sua direção.

— Assim que Madeline estiver pronta, sim. — Sinto até inveja de você, indo para Craig Fawr. Se não

tivesse mulher e filho, também iria para casa, — Conhece o castelo de Emryss DeLanyea? — Se conheço? Sir Roger não lhe contou? Emryss é meu

pai adotivo. — Ah, que sorte você tem. Morgan. Mesmo assim, fico

imaginando... — O que faço em território normando? Com uma esposa

normanda? E lutando contra galeses fora-da-lei? — Sim. — Bem, a esposa normanda, você, melhor do que todos os

homens, deveria entender. Eu me apaixonei. Quanto a atacar galeses, se eles me atacam, eu me defendo. Quanto ao resto, como já lhe disse tempos atrás, os galeses precisam aprender a conviver com os normandos. Eles estão aqui para ficar, companheiro. E nem todos são inimigos, acho que vai ter que concordar.

— Não, nem todos. Eu também estou cansado de guerras. — Afinal de contas, acho que encontramos a melhor

forma de conquistar os normandos. Casando-nos com eles! Eles riram em amizade e pareciam tão satisfeitos que

Madeline até franziu ura pouco o cenho quando se juntou aos dois.

— Qual foi a piada? — indagou ela. — Só uma piada galesa, senhora — disfarçou Morgan, com

o rosto sério. — Vim para desejar-lhe uma feliz jornada. Sigam em paz! — Sorriu-lhes sincero.

Dafydd e Madeline se despediram e Morgan voltou para o salão.

— Qual foi mesmo a piada? — retornou Madeline, assim que Morgan desapareceu.

— Ele estava apenas nos parabenizando. — Oh, é só isso que vai me contar, não é? — Sim. — Oh, seu... seu...

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— Vilão? Fora-da-lei? Larápio? — Ele a agarrou. — Galês. — Beijou-a de leve nos lábios. — Marido. — Beijou-a novamente com mais intensidade. — Amante. — O beijo ficou ardente.

— Detesto interromper... Eles se afastaram e voltaram-se para encontrar Roger a

pequena distância. Roger de Montmorency, que, Dafydd agora sabia, tinha

um coração, aproximou-se. — Tem certeza de que não quer que eu o torne cavaleiro?

— indagou, casual. — Absoluta. — Bem, você é mesmo um camarada teimoso e orgulhoso.

Estou prevendo grandes batalhas entre vocês dois. Madeline sorriu para Dafydd. — Já tivemos algumas. Achamos que fazer as pazes vale a

batalha. — Suponho ter acabado de testemunhar um desses

momentos? Se assim for, sou obrigado a concordar. Quando vão liberar o pobre Chilcott e o abade, você e os seus "sicilianos"?

— Assim que nos encontrarmos com eles. Tem a minha palavra.

— Confesso que não estou ansioso para encontrá-los. Especialmente o abade. Acho que vou comentar com o barão DeGuerre que frei Gabriel parece ser um líder mais adequado para o monastério.

Dafydd sorriu em apoio, feliz com a possibilidade de frei Gabriel, tão bondoso, vir a ser o novo abade.

— Roger, sinto imensamente por você ter de lidar com eles diretamente. O que vai dizer ao barão sobre o casamento e tudo o mais? — investigou Madeline.

— Bem, já que seu marido escolheu um lugar tão público para fazer suas revelações, não conseguirei manter nada em segredo. Precisarei abrandar o barão, mas acho que já sei como.

— Sabe? — O barão DeGuerre queria que nossas famílias se

unissem. Isso ainda é possível. — Como? — indagou Dafydd. — Soube que Chilcott tem uma meia-irmã. Madeline entendeu imediatamente. — Quer dizer que você vai se casar por causa da aliança?

— adiantou ela. — Algumas pessoas não são tão restritivas quanto outras

— observou Roger, calculista. — Mas Roger...!

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A chama do amor (The Welshman's way) !Margaret Moore!

— Dafydd ap Iolo. É um nome esquisito, Iolo. Quero crer que não vá batizar seu filho assim, Madeline.

— Roger, estávamos falando de seu casamento. — Não, não estávamos. — Mas... — Por favor, não pode controlar essa sua esposa? Não

tenho vontade de discutir os meus planos matrimoniais. Vim aqui para me despedir.

— E eu ia pedir conselhos sobre como controlar sua irmã — lamentou Dafydd.

Madeline lançou um olhar ameaçador aos dois. — Vai deixar um assunto desses morrer assim? — Sim — responderam em uníssono o irmão e o marido. — Ouça-me pelo menos uma vez, Madeline — começou

Roger, o tom suave e muito sincero. — Não me importo nem um pouco com quem vou me casar e minha ideia de casamento jamais foi baseada na noção de amor. Se não for Mina Chilcott, será outra pessoa a qual não conheço e nem me preocupo com isso. E assim está bem para mim. — A voz retomou o tom cínico costumeiro. — Querida irmã, veja todo o transtorno que esse seu amor causou.

— Dafydd, faça-o entender. — Não, Madeline — recusou ele, devagar. — Ele tem que

tomar suas próprias decisões. Madeline percebeu que Dafydd estava certo, embora

estivesse desanimada com a atitude aparentemente desumana de Roger. Ela lutara muito para poder tomar suas próprias decisões e, se não concordava com Roger, não poderia forçá-lo a mudar de ideia.

— Oh, está bem — concedeu, finalmente. — Mas desejo que seja tão feliz quanto nós.

— Duvido muito — respondeu Roger. — Vocês dois estão tão encantados um com o outro, que chega a ser embaraçoso. Acho que deveriam ir embora agora mesmo, antes que inspirem os meus homens a sair pelo país à procura de esposas.

Apesar do tom ríspido, Madeline não se deixou enganar nem por um momento.

— Mandaremos notícias assim que chegarmos a Craig Fawr — afirmou, suave, depois que Dafydd ajudou-a a montar.

— Ótimo. — Adeus, Roger. Dafydd montou com habilidade. Os outros galeses saíram

do estábulo, já montados e prontos para partir. Dafydd sinalizou para que Owain liderasse o cortejo até os portões.

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— Cuide de minha irmã, galês — advertiu Roger. — Cuidarei. Tem a minha palavra. — E não permita que ela sempre tenha tudo a seu modo.

Ela já está mais do que mimada. — Roger! — Eu a acho perfeita — consertou Dafydd. — Esse tal de amor deve mesmo ser algo muito poderoso

para você achar que Madeline é perfeita. Madeline assentiu. — É sim, Roger. É um sentimento maravilhoso e es-

pantoso. Espero que descubra isso por si mesmo um dia. Adeus, irmão.

— Boa viagem, irmã. Madeline e Dafydd cavalgaram até atravessar o portão,

parando unia vez para acenar para Roger, que permaneceu só no pátio,

— Triste por deixá-lo? — perguntou Dafydd, quando Roger entrou no castelo.

Madeline voltou-se para o marido com lágrimas nos olhos e um sorriso adorável.

— Estaria, se estivesse partindo com outro que não você, Dafydd.

Ele desviou o olhar. — Está abrindo mão de muita coisa, Madeline. — Tenho tudo o que sempre quis — assegurou ela, muito

séria, e então lançou-lhe um olhar sensual. — E Roger nos deu um colchão de plumas também — acrescentou, ao observar o volume enorme e misterioso amarrado a um animal de carga.

Dafydd ap Iolo jogou a cabeça para trás e riu. Madeline juntou-se a ele e logo os sons de sua felicidade ecoaram pela estrada que levava ao norte, ao país de Gales. !!!

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