ARON, Raymond. Paz e Guerra entre as Nações

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I P R I

RAYMOND

ARON

PAZ E GUERRA

~

ENTRE AS NAOES

COI,ECO

CLSSICOS

IPRI

Comit Editorial:Celso Lafer l\farcelo de Paiva Abreu (~elson Fonseca Jnior Carlos Henrique Cardim

A reflexo sobre a temtica das relaes internacionais est presente desde os pensadores da antigidade grega, como o caso de Tucdides. Igualmente, obras como a Utopia, de Thomas More, e os escritos de Maquiavel, Hobbes e Montesquieu requerem, para sua melhor compreenso, uma leitura sob a tica mais ampla das relaes entre estados e povos. No mundo moderno, conlO sabido, a disciplina Relaes Internacionais surgiu aps a Primeira Guerra Mundial e, desde ento, experimentou notvel desenvolvimento, transformando-se em matria indispensvel para o entendimento do cenrio atual. Assim sendo, as relaes internacionais constituem rea essencial do conhecimento que , ao mesmo tempo, antiga, moderna e contempornea. No Brasil, apesar do crescente interesse nos meios acadmico, poltico, em presarial, sindical e jornalstico pelos assuntos de relaes exteriores e polti ca internacional, constata-se enorme carncia bibliogrfica nessa matria. N esse sentido, o IPRI, a Editora Universidade de Braslia e a Imprensa Ofi cial do Estado de So Paulo estabeleceram parceria para viabilizar a edio sistemtica, sob a forma de coleo, de obras bsicas para o estudo das rela es internacionais. Algumas das obras includas na coleo nunca foram traduzidas para o portugus, como O Direito da Paz e da Guerra de Hugo Grotius, enquanto outros ttulos, apesar de no serem inditos em lngua portuguesa, encontram-se esgotados, sendo de difcil acesso. Desse modo, a coleo CL/isSICOS IPRl tem por objetivo facilitar ao pblico interessado o acesso a obras consideradas fundamentais para o estudo das relaes inter nacionais em seus aspectos histrico, conceitual e terico. Cada um dos livros da coleo contar com apresentao feita por um espe cialista que situar a obra em seu tempo, discutindo tambm sua importncia dentro do panorama geral a reflexo sobre as rela()es entre povos e naes. Os CLAsSICOS Il)R] destinam-se especialmente ao meio universitrio brasilei ro que tem registrado, nos ltimos anos, um expressivo aumento no nmero de cursos de graduao e ps-graduao na rea de relaes internacionais.

ColeoTL'CDIDFS 'Histn"a. da Guerra do Peloponeso" Prefcio: Hlio Jaguaribe

CLSSICOSG.

IPRI

W. F HJ~(;J] 'rrextos Selecionados" ()rganizao e prefcio: Franklin Trein

JFAN-JACQL'/':S ROL'SSFJ\L' l1/inte Anos de Cnse 1919-1939. Ultla Introdu 'rfevytos Selecionados" o ao ~studo das Relaes Internacionais" ()rganizao e prefcio: Gelson Fonseca J r. Prefcio: Eiiti Sato

E. H. CARR

J.

!'vI. 1(1 :YN FS '/4.1 Consequeflcias ~confJJcaJ da Paz" Prefcio: !'v1arcelo de Paiva Abreu R,\Yi\IOND ARON lpaz e G'uerra entre aJ lrvaes" Prefcio: Antonio Paim l'vL\QL'L\YFI lhJcn"tos Selecionados" Prefcio e organizao: Jos Augusto Guilhon Albuquerque HL '(;O C;ROTIL'S lO IJireito da G'uerra e da Paz" Prefcio: Celso l.afer ALI':XIS Dl: TOO~l'FYllJ,F "h'Jcn"tos SelecionadoJ" ()rganizao e prefcio: Ricardo Velez RodrguesH,\;\;s !'vl( )R(; 1:;'\1'1'/ L\l

NORl\L\N AN(;I-JJ '~ G'rande IIuso" Prefcio: Jos Paradiso THOl\L\S !'v10HV 'Utopia" Prefcio: Joo Almino lConselhos ] Jzplomticos " Vrios autores ()rganizao e prefcio: l __ uiz Felipe de Seixas Corra E\I1.RIUf DI: V,\TTI':J lO IJireito das G'entes" Traduo e prefcio: Vicente Marotta Rangel T/I()i\1;\S H(mBl:s Ufevytos Selecionados" ()rganizao e prefcio: Renato Janine Rlbeiro DL S.\INT PJl':RRF (7)rqjeto para uma Paz Perptua para a huropa" S,\INT SIi\ION 'Reorganizao da Sociedade Europia" ()rganizao e prefcio: Ricardo Seitcnfuss HI])LLY Bl 'IJ '~ Sociedade Anrquica " Prefcio: Williams C;onalves FR.\:\lClSCO DL VITOR!,\ "J)e Indis et J)eJure Helli" Prefcio: l:ernando Augusto Albuquerque l'vIouroABl~(':

Poltica entre aJ Naes" Prefcio: Ronaldo !'vI. Sardenbcrg I\Ii\L\Nl'J:J J(.\NT ll ~scrtos Polticos" Prefcio: Carlos f--lcnrique Cardim S,\\1l"LI Pl'I;LNDORI' lI)o I )ireito Natural e das Gentes" Prefcio: Trcio Sampaio l,'erraz Jnior C,\RI Y()N CI,\l'SI:\\TI':1. "J)a Guerra" Prefcio: l)omcio Proena

'~

MINISTRIO DAS RELAES EXTERIORES

Ministro de Estado: Professor CELSO LAFER Secretrio Geral. Embaixador OSMAR CHOHFIFUNDAO ALEXANDRE DE GusMo - FUNAG

Presidente: Embaixadora THEREZA MARIA MACHADO QUINTELLACENTRO DE HISTRIA E DOCUMENTAO DIPLOMTICA - CHDD

Diretor: Embaixador LVARO DA COSTA FRANCOINSTITUTO DE PESQUISA DE RELAES INTERNACIONAIS

IPRI

Diretor: Ministro CARLOS HENRIQUE CARDIMUNIVERSIDADE DE BRASLIA

Reitor: Professor I~AURO MC)RHY Diretor da Editora Universidade de Braslia: ALEXANDRE Lll\1A

Conselho EditorialElisabeth Cancelli (Presidente), Alexandre Linla, Estevo Chaves de Rezende Martins, Henryk Siewierski,jos Maria G. de AlmeidaJnior, Moema Malheiros Pontes, Reinhardt Adolfo Fuck, Srgio Paulo Rouanet e Sylvia Ficher.IMPRENSA OFICIAL DO ESTADO DE SO

P ALTLO

Diretor Presidente: SRGIO IZOBAYASHI Diretor Vice-Presidente: LUIZ CARLC)S FRIGERIO Diretor Industrial.- CARl~()S NICOLAEWSKY Diretor Financeiro eAdministrativo: RICHARI) V AINBERG

I P R I

RAYMOND ARON

PAZ E GUERRA

~

ENTRE AS NAOES

Prefcio: Antnio Paitn

Traduco: Sergio Bath

Imprensa Oficial do Estado Editora Universidade de Brast1ia Instituto de Pesquisa de Relaes Internacionais So Paulo, 2002

Copyright ditions Calmann-Lvy 1962 Ttulo Original: Paix et guerre entre les nations Traduo de Srgio Bath Direitos desta edio: Editora Universidade de Brasilia SCS Q. 02 bloco C n. 78, 2. andar 70300-500 Braslia, DFA presente edio foi feita em forma cooperativa da Editora Universidade de Braslia com o Instituto de Pesquisa de Relaes Internacionais (IPRI/FUN AG) e a Imprensa ()ficial do Estado de So Paulo. Todos os direitos reservados conforme a lei. Nenhuma parte desta publicao poder ser armazenada ou reproduzida por qualquer meio sem autorizao por escrito da Editora Universidade de Braslia.

Equipe tcnica: ElITI SATO (planejamento editorial); ISABFLA MFDEIROS SOARES (Assistente)

Fotolitos, impresso e acabamento:IrvIPRENSA OFICIAL DO ESTADO DE SO PAULO

Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP) (Cmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Aron, Raymond Paz e guerra entre as naes / Raymond Aron; Prefcio de Antonio Paim; Trad. Srgio Bath (1 a. edio) Braslia: Editora Universidade de Braslia, Instituto de Pesquisa de Relaes Internacionais; So Paulo: Imprensa Oficial do Estado de So Paulo, 2002 936 p., 23 cm - (Clssicos IPRI, 4) ISBN 85-230-0095-X (Editora UnB) ISBN 85-7060-030-5 (Imprensa Oficial do Estado)

1 - Relaes Internacionais; I. ttulo. 11. Srie.

CDU - 327

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RAYMC)ND ARON

111 PAR1E HIST()RIA - O SISTEl\1A UNIVERSAL DA IDADE TERMONUCLEAR

INTRC)DUC) CAPTULO XIII: O mundo finito ou a heterogeneidade do sistema universaI CAPTULO XIV: A estratgia da dissuaso CAPTULO XV: Os irmos maiores ou a diplomacia dentro dos blocos CAPTULO XVI: Jogo empatado na Europa ou a diplomacia entre os blocos CAPTULO XVII: Persuaso e subverso ou os dois blocos e os no- alinhados CAPTULO XVIII: Inimigos, porm irmos IV PARTE: PRAXIC)LOCIA As ARTINOJ\llAS DA AO DIPLOl\1TICA ESTRATf~CICA INTRC)I)UC;C) CAPTULO XIX: Em busca de uma moral - I. Idealismo e Realismo CAPTULO XX: Em busca de uma moral - 11 Convico e responsa bilidade CAPTUIJO XXI: Em busca de uma estratgia - 1. Armar-se ou desarmar-se CAPTULO XXII: En1 busca de uma estratgia - 11. Sobreviver vencer CAPTULO XXIII: Alm da poltica de poder - I. A paz pela lei CAPTULO XXIV: Alm da poltica de poder - 11. A paz imperial..... ApNDICE: Estratgia racional e poltica razovel...............................

469

475 509 551

591

625 657

699 703

739 769 807 847 885 917

SUMARIOPREI,'C:I() PREFCIO

N()VA EI)I() EDIO BRASILEIRA

. . .

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2747

INTRC)DUC~()

I PARTE TEORIA - CONCEITOS E SISTEl\lAS CAPTULO I: Estratgia e diplomacia ou a unidade da poltica externa CAPTULO 11: O poder e a fora ou os meios da poltica externa

.

69 99127

.

CAP1TUIJ) 111: O poder, a glria e a idia ou os objetivos da poltica externa . CAPTUL() IV: Os sistemas internacionais CAPTULC) V: Os sistemas pluripolares e os sistemas bipolares CAPTULO VI: Dialtica da paz e da guerra . . .

153 189 219

SOCIOI~OGIAINTR()DUC~C)

11 PARTE - DETERl\fINANTES

E

REGULARIDADES . . . . . . .

249 253287

CAIJTlJL,() VII: O espaoCAPTlJ]~()

VIII: O nmero

CAPTUI_() IX: Os recursos CAPTULO X: Naes e regimes CAPTULO XI: Em busca de uma ordem histrica CAPTUL() XII: As razes da guerra como instituio

325 367 399 435

PREFAcIO

Paz e Guerra entre as Naes: uma ApresentaoAntnio PaimI.INI)/CAOhJ l)h ORl)bM BIBIBI.JOGRAJ-'ICARAYMC)ND Aron nasceu em Paris em 1905 e notabilizou-se, no ltimo ps-guerra, pela defesa da democracia e da liberdade ameaadas na Europa pelo totalitarismo sovitico, que contava com as simpatias da imensa maioria da intelectualidade france sa. Atuou, assim, isolado e como franco atirador. Tendo faleci do em 1983, antes da queda do Muro de Berlim e do abandono, pelos russos, da experincia comunista, no pde assistir vit ria de sua pregao. Aron concluiu a Escola Normal Superior de Paris e seguiu a carreira do magistrio, ingressando no Corpo Docente da Uni versidade de Colnia (1930) e na Casa Acadmica de Berlim (1931 a 1933). A ascenso do nazismo na Alemanha forou-o a regressar Frana onde se inscreve no doutorado em filosofia, concludo em 1938. Interessava-o, nessa fase inicial da vida pro fissional, o tema da filosofia da histria, a que dedicou seus dois primeiros livros: ((Essai sur la thorie de l'histoire dans l'Allemagne contemporaine - la philosophie critique de l'histoire" (Paris, Vrin, 1938) e "Introduction a la philosophie de l'histoire" (Paris, Gallimard, 1938). Considera-se ter sido o autor melhor sucedido na apre sentao da filosofia neokantiana da histria. A essa matria de dicou ainda diversos ensaios, alguns deles reunidos no livro ((Dimentions de la conscience historique" (Paris, Plon, 1960).

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PAZ E GUERRA ENTRE AS

N AC;C)ES

A guerra iria reorientar a sua carreira e lev-lo luta polti ca. Passando Inglaterra para combater no exrcito de liberta o que estava sendo organizado pelo General De Gaulle (1890/ 1970), foi ento incurrLbido de conceber e editar a revista La France Libre, funo que exerceu at fins de 1944, quando se consuma a libertao de Paris da ocupao alem. Desde ento Aron afeioou-se ao jornalismo e nunca mais o abandonou. Tor nou-se colaborador eminente dos jornais Combat e Le Figaro, bem como da revista L'Express. Regressando atividade acadmica no ps-guerra, Aron ocu pou-se do tema da sociedade industrial, procurando averiguar o que tinha de especfico e singular. Na viso de Aron, o essencial consiste na separao entre famlia e empresa. Nesta, na socie dade industrial (que tambm sinnimo de sociedade moder na), a organizao da produo no determinada pela tradio mas pela aplicao sistemtica da cincia e da tcnica. Em consequncia, o crescimento uma finalidade imanente a esse tipo de sociedade. A obra que Aron dedicou ao tema - ((Dezoito lies sobre a sociedade industrial"; (.:-4. luta de classes e Democracia e Totalitarismo" - minou pela base a pregao sovitica (marxista) de que o embate central se dava entre socialismo ( na viso so vitica, o comunismo totalitrio, que nada tinha a ver com a tradio ocidental do socialismo democrtico) e capitalismo, porquanto ambos achavam-se inseridos no modelo de produo emergente e vitorioso desde a Revoluo Industrial. O verda deiro embate tinha lugar no plano da organizao poltica, isto , entre o sistema democrtico representativo e o sistema cooptativo, aparecido na Rssia e que esta imps ao Leste Eu ropeu e tambm a outros pases (Cuba, por exemplo). Desse contato com as idias de autores franceses e ale mes que abordaram em carter pioneiro a questo do industrialismo (na rrana, Sairlt-Sii11l1 e Ci11te, sobretuJo, t:, na Alemanha, Max Weber, entre outros), Aron produziu alguns livros tornados clssicos como "A sociologia alem contempornea"

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(1950) e "Etapas do pensamento sociolgico" (1967). A crtica do marxismo ocupa tambm uma parcela expressiva da obra de Aron. Nesse conjunto, destaca-se "O pio dos intelectuais" (1955). Amos tra expressiva do seu mtodo de anlise de temas da poltica cotidiana encontra-se em "Estudos polticos" (1971). No ambiente intelectual francs em que viveu, Aron acha va que a postura da intelectualidade francesa predispunha der rota diante da Unio Sovitica. Marcara-o profundamente a ca pitulao de Munique, quando o Ocidente consagrou a poltica de expanso de Hitler, admitindo que se deteria no projeto de "reconstituir" as fronteiras alems tradicionais no chamado Ter ceiro Reich, e temia que a Europa se encaminhasse na direo do capitulacionismo diante do despotismo oriental, simboliza do pelo Imprio Sovitico. Entendia tambm que o destino do Ocidente estava associado Aliana Atlntica, onde defendia a presena dos Estados Unidos. () essencial dessa pregao reu niu-o no livro "Em defesa da E'uropa decadente" (1971). Aron autor de uma distino importante entre o que designou de "li derana americana", a que os Estados Unidos tinha direito, legi timamente, e o que chamou de "repblica imperial", comporta mento ao qual o pas tinha sido empurrado em certas circunstncias, por ambies imperialistas de correntes polti cas ali existentes, con10 foi o caso da interveno no Vietn. Por sua combatividade e persistncia, Aron conseguiu for mar expressivo grupo de intelectuais liberais, que deram curso sua obra, aps a sua morte, em 1983. Presentemente esse grupo acha-se reunido em torno da revista Commentaire e da Fundao Raymond Aron.

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[.lUGAR IJI~' "PAZ E C~UERRA ENTRE AS NAC;()ES"

N() CONJlTNTO IJA OHRA

Pela maneira como acompanhou e meditou os desdobramentos da guerra fria, Aron deu-se conta da importncia do tema das

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PAZ E GUERRA ENTRE AS NAC/)ES

relaes internacionais e, neste conjLlnto, o problema da guerra. Estudou-o com a profundidade que caracteriza as suas anlises no apenas em ((Paz e guerra entre as naes" mas tambm em "Pen sar a guerra: Clausewitz". N as "Memrias"l, Aron indica que se interessou pela guerra como socilogo, ainda quando estava em Londres, durante a conflagrao. Terminada esta, tendo se tornado comentarista internacional do jornal Le Figaro, "senti necessidade de estudar o contexto tanto militar como histrico das decises que eu, como jornalista, devia compreender e comentar"2. Adianta ain da que, entre 1945 e 1955 debruou-se sobre as duas guerras do sculo e data deste perodo o ensaio em que estabelece um pa ralelo com a Guerra do Peloponeso (disputa de Atenas e Esparta, entre os anos 431 e 404, antes de Cristo, na Grcia Antiga), tomando por base o fato de que as questes mal resolvidas da Primeira Guerra que deram lugar Segunda. Aron queria saber tambm se a guerra fria substitua ou equivalia preparao de uma guerra total. Movido por essa ordem de preocupaes, depois dos trs cursos sobre a sociedade industrial, na Sorbonne, dedicou os dois seguintes s relaes internacionais. O tema o envolveu a tal ponto que se licenciou da Universidade e passou um semes tre como professor pesquisador em Harvard (Estados Unidos) ocupando-se desse assunto. Ao trmino desta estada, achava-se concludo "Paz e guerra". Escrito nos anos de 1960 e 1961, o livro apareceu no primeiro semestre de 1962. Do que precede, torna-se patente que esta obra agora in cluda na nova Cole0 3 , patrocinada pelo Instituto de Pesquisa de Relaes Internacionais (IPRI), corresponde ao desdobramen to natural da meditao de Aron no ps-guerra. Ao mesmo tem-

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Memoires. Paris, Julliard, 1983. Traduo espanhola: Madrid, Alianza Editorial, 1985 Traduo espanhola, ed. cit., pg. 435. ') As edies anteriores estiveram a cargo da Editora da Universidade de Braslia, sendo a primeira de 1981 e, a segunda, de 1986, com apresentao de Vamireh Chacon.

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po, ocupa um lugar dos maIS destacados no conjunto da sua ex pressiva bibliografia.

111.

IA1P()RTANCIA b SIGNlf'lCAI)() IJA Th()RIA

A primeira parte de "Paz e guerra entre as naes" 4 acha-se ampla mente inspirada em Clausewitz (17801831), no seu conceito de "guerra total ou absoluta", tomado como referncia para o estu do das guerras concretas. Vale dizer, embora esteja voltado para o presente e para as situaes existentes, esse estudo sem a pr via determinao de uma "tipologia formal" no asseguraria o feliz desfecho da pesquisa a que ir lanar-se. Entretanto, a pre sena de Clausewitz no se limita a este aspecto, como se pode ver das citaes adiall_te: "A guerra de todas as pocas e de todas as civilizaes. Os homens sempre se mataram, empregando os instrumentos fornecidos pelo costume e a tcnica disponvel: com machados e canhes, flechas ou projteis; explosivos qumicos ou reaes atmicas; de perto ou de longe; individualmente ou em massa; ao acaso ou de modo sistemtico. Uma "tipologia formal" das guerras e das situaes de paz seria ilusria; s uma "tipologia sociolgica" que levasse em considerao as modalidades concretas desses fenmenos, po deria ter algum valor. No obstante, se as anlises ..... contribu em para esclarecer a lgica do comportamento diplomtico e estratgico, a tipologia formal resultante poder ter tambm uma certa utilidade".5 Nas Memrias diz expressamente que "Clausewitz me proporcionou a idia seminal de toda teoria das relaes internacionais: a continuidade dessas relaes atravs da alternncia de paz e guerra, a complementaridade da diplo-l ( ) livro subdivide-se etn quatro partes. Seguindo-se a esta primeira (teoria) trata do que denomina de "tipologia sociolgica", isto , das constantes e pennanncia em meio variedade histrica; a terceira cuida da histria concreta e finalmente, a quarta, que deno minou de "praxeologia" pretende retirar ensinamentos da trajetria efetivada, isto , o caminho (estratgia) que melhor conduziria paz. ') Ed. cit., pg.219.

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N A()ES

macia e da estrategla, dos meios violentos e no violentos que utilizam os Estados para alcanar seus objetivos ou defender seus interesses". Aron passa em revista as questes centrais, a comear da correlao entre o que chama de "guerra absoluta" e "guerra real", cujo sentido poderia ser resumido como segue. Quando uma nao ou conjunto de naes lana-se guerra, seu prop sito submeter o adversrio de modo integral e absoluto. Para tanto leva em conta os meios disponveis, o tipo de mobilizao a empreender, etc. Contudo, h um elemento da maior relevn cia que no pode ser medido: a vontade de resistncia do adver srio. Podemos dispor de todas as informaes requeridas acer ca dos recursos que se acham ao seu alcance, eventuais pontos fracos e tudo mais. Ainda assim, a varivel poltica permanece r como uma incgnita. Por isto, ainda que a disposio de lan ar-se guerra requeira a definio do conjunto de elementos que configuram uma estratgia, aqueles que a conduzem no podem supor que tudo ocorrer conforme planejado. H mesmo circunstncias, que focaliza, quando os homens chegam a per der o controle dos acontecimentos. A par disto, como diz, "a guerra no um ato isolado, que ocorra bruscamente, sem conexo com a vida anterior do Esta do". Tal circunstncia leva-o a efetivar a indicao a mais com pleta do que compete levar em conta. No fazendo sentido segu lo passo a passo, parece suficiente referir esquematicamente de que se trata. As guerras nem sempre supem solues claras e definitivas. Alm de ganhar, cabe considerar a hiptese de "no perder". A conduo das operaes to essencial como a pr pria estratgia. A diplomacia merece de sua parte uma conside rao toda especial. Resun1indo o que lhe competiria, escreve; "Pensar na paz, a despeito do fragor dos combates, e l1.o esque cer a guerra quando as armas silenciarem.". Enfim, os objetivos da poltica externa precisam ser fixados com clareza. Para tanto tece consideraes tericas as mais abrangentes acerca da ques

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to da potncia, ou das potncias. E assim chega a uma questo central: os sistemas internacionais. A sua tipologia considera tanto os sistemas pluripolares como os bipolares, que era a cir cunstncia de seu tempo, isto , dos tempos da guerra fria. De toda esta anlise adverte ter adotado a guerra como ponto de partida porque "a conduta estratgico-diplomtica re fere-se eventualidade do conflito armado". Entretanto, a paz o objoetivo razovel de todas as sociedades. E prossegue: "Esta afir mativa no contradiz o princpio da unidade da poltica externa, do intercmbio contnuo entre as naes. Quando se recusa a recorrer aos meios violentos, o diplomata no se esquece da possibilidade e das exigncias da arbitragem pelas armas. A ri validade entre as coletividades no se inicia com o rompimento de tratados, nem se esgota com a concluso de unla trgua. Con tudo, qualquer que seja o objetivo da poltica externa - posse do solo, domnio sobre populaes, triunfo de uma idia -, este objetivo nunca a guerra em si. Alguns homens amam a luta por si mesma; alguns povos praticam a guerra como um esporte. No nvel das civilizaes superiores, contudo, quando os Estados se organizam legalmente, a guerra pode no ser mais do que um meio (quando deliberada conscientemente) ou uma calamida de (se foi provocada por causa desconhecida dos atores)" . Para Aron, pode-se distinguir trs tipos de paz: o equilbrio, a hegemonia e o imprio. Mais expressamente: " ... as foras das unidades polticas esto em equilbrio, ou esto dominadas por qualquer uma delas, ou ento so superadas a tal ponto pelas foras de uma unidade que todas as demais perdem sua autono mia e tendem a desaparecer como centros de deciso poltica. Chega-se assim ao Estado imperial, que detm o monoplio da violncia legtima." A seu ver, seria um equvoco supor que a paz imperial dei xa de ser uma "conjuntura da poltica externa" na medida em que no pode ser distinguida do que denomina de "paz civil",('Ibidem

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PAZ E GUERRA ENTRE AS NAC)ES

isto , a paz interna do Estado. Acontece que a tipologia que bus ca no apenas abstrata, mas intimamente ligada com os dados histricos. Assim, "se h casos em que a paz imperial no se dis tingue da paz nacional, a assimilao da primeira segunda, em todas as circunstncias, revelaria desconhecimento da diversida de das situaes respectivas". Para exemplificar passa em revista exemplos concretos, extrados da histria, e conclui que a paz imperial se transforma em paz civil na medida em que se apagam as lembranas da vida independente das unidades polticas. Roma teve que fazer guerra aos judeus, no interior do Imprio. Embora a distino seja in1prescindvel e essencial, Aron adverte que existe estreita correlao entre os trs tipos de paz. A paz da hegemonia encontra-se entre as duas outras.

IV O

t!.SSt!.NCUlL. IJA CON'IRlHUlA-O IJt!. ARON: A BUSCA ]J!i REGULARIZJAIJtiS

Talvez se possa dizer que a contribuio especfica de Aron teoria das relaes internacionais residiria no seu empenho em estabelecer regularidades. Reconhece de pronto que muito di fcil fixar limites rgidos entre a teoria (pura) e a prtica. Contu do, considera que o socilogo est no dever de buscar proposi es de uma certa generalidade relativas a estes dois aspectos precisos: primeiro, a ao exercida por certa causa sobre a po tncia ou os objetivos das unidades polticas, a natureza dos sistemas e s modalidades de paz e guerra; e, segundo, suces so regular ou aos esquemas de desenvolvin1ento que estariam inscritos na realidade sem que os atores deles tivessem consci ncia, necessariamente. Em suma, o socilogo est convidado a pesquisar, como diz, "os fenmenos-causa, determinantes". Para tanto ir considerar os seguintes aspectos: 1) os tatores da potencla (qual o peso especfico, em cada poca, desses fatores); 2) a escolha, por determinados Estados, em determinadas

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pocas, de certos objetivos, em vez de outros; 3) as circunstncias necessrias ou favorveis constitui o de um sistema (hegemnico ou heterogneo, pluripolar ou bipolar) ; 4) o carter prprio da paz e da guerra; 5) a freqncia das guerras; e, 6) a ordem segundo a qual se sucedem as guerras e a paz (se que existe tal ordem) o esquema (se h tal esquema) de flutuao da sorte, pacfica ou belicosa, das unidades sobera nas, das civilizaes e da humanidade. Em sntese, para averiguar se h alguma especle de determinismo na ecloso das guerras ou na manllteno da paz, ir examinar dois tipos de causas: de um lado, as fsicas e mate riais (as comunidades humanas ocupam um territrio, renem uma populao e contam ou no com recursos naturais), tendo a ver com a geografia, a demografia e a economia, ou, como pre fere, "o espao, o nmero e os recursos"; de outro lado, temos os regimes polticos inseridos em determinadas civilizaes (po deramos dizer, tambm, culturas), mais das vezes em confron to e de igual modo a inquietante questo de saber se a natureza humana ou social predispe a um ou outro dos comportamen tos, isto , pacfico ou belicoso. Assim, escreve Aron, "o espa o, o nmero e os recursos definem as causas ou os meios mate riais de uma poltica. As naes - com seus regimes, suas civilizaes; a natureza humana e social - constituenl os deternlinantes mais ou menos disponveis da poltica externa. No caso dos atores (agentes), cumpre identificar ainda se po dem ser instados a escolher essa ou aquela direo por determinantes alheias sua vontade. Embora valendo-se am plamente da histria, Aron adverte que pretende evidenciar os traos originais de nossa poca e, para tanto, que ir interrogar o passado. Para avaliar a influncia efetiva do meio geogrfico, Aron

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PAZ E GUERRA ENTRE AS NAES

toma por base a denominada geopoltica. Considera ter sido o te rico ingls I-Ialford ~lackinder quem popularizou esse tipo de te oria, fornecendo o arsenal ideolgico de que se valeram os ale mes para justificar o seu expansionismo imperialista da primeira metade do sculo xx. Para esse fim, passa em revista a obra de Mackinder, que se inicia em 1904/1905. Apresenta tambm seus conceitos fundamentais como "ilha nlundial" ou "terra pivotal", a partir dos quais ir sugerir que "as linhas de expanso e as ame aas segurana esto desenhadas antecipadamente no mapa do mundo". Aron submete as propostas de Mackinder a unla anlise minuciosa, mobilizando todas as situaes histricas mais ex pressivas. Parece-lhe que o verdadeiro mrito da profundidade do estudo geogrfico "reside, antes de tudo, na eliminao das iluses ou lendas a respeito do determinismo do clima ou do rele vo. Quanto mais exata e profunda a investigao geogrfica, menos ela revela relaes regulares de causalidade". Dos ele mentos de convico que mobiliza, parece-lhe patente que as condies geogrficas so menos importantes que a capacidade tcnica das populaes. "Se o esprito da iniciativa individual, do ataque de surpresa, do aventureirismo herico e do terroris mo passional, nobre e srdido - adianta -, ainda tem ocasio de se manifestar, isto no ocorre nos nlares e nos desertos, mas nas montanhas e entre os guerrillleiros urbanos. Devido ao avio, o mar no mais o campo propcio aventura, sujeitas ao fogo inimigo, as bases perderam sua importncia ou, quando menos, no tm mais localizao fixa. A proteo de que dispem os Estados Unidos, por exemplo, contra um ataque de surpresa no reside na defesa passiva (abrigos para a populao) ou ativa (ca nhes, avies e foguetes); nas fortificaes, aerdromos ou por tos; consiste na fora de represlia". E, rIlais adiante 7: "Dedicadu cunyuisia dus uceanus e da atmosfera, o homem europeu, difundido agora para toda a hu7

Edio citada, pg. 285.

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manidade, volta seu olh.ar e suas ambies para o espao sideral. Nossas sociedades fechadas continuaro sus disputas provincia nas alm do globo terrestre e da atmosfera, da mesma forma como os ingleses e franceses se baterem nas neves do Canad? poss vel que os senhores da sociedade industrial faam reinar por fim a ordem e a paz, deixando aos insubmissos, como nico refgio, as cavernas e a solido de sua conscincia". At parece uma premonio das condies a que se viu reduzido Bin Laden K , aqui simbolizando a nica verdadeira ameaa que se abateu sobre o Ocidente no ciclo imediatamente ps-guerra fria. Igualmente minuciosa a anlise a que submete o fator populao. Mantendo o estilo de recorrer abundantemente a exemplos histricos, indica que "a fora e a contribuio cultu ral das coletividades nunca foram proporcionais ao seu tama nho.". Quanto a este respeito, tambm a tcnica seria mais deci siva. Contudo, na hiptese de que todas as principais civilizaes cheguem aos mesmos nveis de produtividade, isto , dissemi nando-se entre elas as capacidade industrial, pode ser que o nmero volte a pesar. Indica expressamente: "A superioridade que tm alguns pa ses devido ao seu avano em matria de desenvolviniento in dustrial, atenua-se e tende a desaparecer medida que se di funde o tipo industrial de sociedade. As relaes de fora dependem dos nmeros relativos de homens e de mquinas; e este ltimo tem flutuado, neste sculo, ainda mais rapidamente que o primeiro". Escrevendo nos anos sessenta., Aron profeti zava que "a China no precisar de mais do que quinze anos para aumentar a sua produo de ao em 20 milhes e tonela das, isto , uma quantidade maior que a atual da Frana." Tal prognstico naturalmente esbarrou com os desacertos provoca dos pela Revoluo Cultural de Mao. Mas depois da morte deste (1976), no seriani requeridos prazos dilatados afim de que a China~

Acusado dos ataques terroristas de 11 de setembro deste ano e refugiado em cavernas no A feganis to.

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alcanasse ndices invejveis e duradouros de desenvolvimento econmico. Assim, a possibilidade de proliferao da sociedade industrial (sem que isto implique a absoro dos valores morais do Ocidente), entrevista por Aron, tornou-se uma possibilidade real. Guardam portanto grande atualidade estas concluses : " Pode-se conceber uma fase, alm do atual estgio de industriali zao do mundo, em que todos os povos tenham alcanado uma produtividade comparvel - hiptese em que as relaes de fora poderiam depender exclusivamente do nmero de homens. Mas pode ser, tambm, que a qualidade das mquinas seja o fator decisivo. Que podem fazer milhares de tanques contra uma bomba ternlonuclear? E que poderiam dezenas de bombas termonucleares contra o Estado que possusse um sistema de defesa invulnervel, protegendo-o de bombardeiros e dos enge nhos balsticos inimigos? Evitemos as profecias. Limitemo-nos a constatar que entre rivais da mesma ordem de grandeza (ou, se preferirmos, de ta manho), a qualidade que faz pender a balana e leva a uma deciso. O que a capacidade de manobra das legies romanas representou para o mundo da Antigidade, os engenhos balsticos poderiam representar para o hemisfrio norte. Os cientistas to maram o lugar dos estrategistas".9 Aron explica que preferiu denominar de recursos ao conjun to de meios ao alcance das comunidades para assegurar a sua subsistncia, ao invs de economia, por abrir "um campo mais amplo, desde o solo e o subsolo at os alimentos e os produtos manufaturados." Acrescenta: "engloba, de certo modo, duas noes anteriormente estudadas: o espao e o nmero". Aqui a anlise centra-se nestas doutrinas: o liberalismo, o mercantilismo, a economia nacional (denominao que atribui aos chamados "desenvolvimentistas" que se ocuparam das econo mIas ento chamadas de subdesenvolvidas) e o socialismo. IvIas encara tais doutrinas do ponto de vista de suas implicaes nasl)

1dem, pg. 323

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relaes internacionais. O mercantilismo, por exemplo, interes sa-lhe na medida em que permitiu se formulasse a tese que iden tifica supremacia comercial com hegemonia poltica. Os libe rais concluem, logicamente - indica -, "que o comrcio , por sua natureza, contrrio guerra. O comrcio pacifica enquanto a rivalidade poltica inflama as paixes." A escola batizada de "economia nacional" renovou os ar gumentos mercantilistas a propsito do desenvolvimento. De seus seguidores resulta a preferncia pelo crescimento autrquico. Sua implicao no plano internacional a de que o fechamento das fronteiras poderia levar guerra. Seus defensores, admitindo tal possibilidade, avanam a idia de que, a longo prazo, pode advir um perodo de paz fundado no equilbrio das naes e das eco nomias nacionais. O socialismo (marxista-Ieninista) tambm faz depender da economia a paz e a guerra. ("a economia belicosa sob o regime capitalista e ser pacfica sob um regime socialis ta") . Depois de retirar as inferncias pertinentes das menciona das doutrinas, submete-as ao que se poderia chamar de "prova da histria". Nessa reviso, Aron no encontra evidncias de que razes econmicas possam explicar os conflitos blicos ou a sua ausncia. No caso da Unio Sovitica, recorda que o seu expansionismo no decorreu de uma necessidade econmica mas de poltica e ideologia. "Toda grande potncia ideocrtica im perialista - assinala em concluso - qualquer que seja seu regi me econmico - se considerarmos imperialismo o esforo para difundir uma idia e impor fora das fronteiras nacionais um modo determinado de governo e de organizao social, at mesmo com o emprego da fora. De qualquer forma, este comportamento parecer imperialista aos Estados que querem salvaguardar suas prprias instituies - ainda quando a potncia ideocrtica pre ferir normalmente a subverso invaso, evitando anexar os povos convertidos sua f. Os cruzados nunca foram vistos como mensageiros da paz, embora em nossos dias alguns deles adotem

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uma pomba branca como emblema."l No estudo do comportamento dos atores, Aron ir refutar de pronto a idia algo difundida de que existiriam naes que se definem para todo e sempre de modo idntico ("a Alemanha eter na'; "a Frana de todos os tempos"). Depois de passar em revis ta teses e crenas que mais lhe parecem mitos, comprova no haver entretanto indicaes mais precisas de que se possa acre ditar na existncia de "desenvolvimento fatal das civilizaes", de atavismos de origem racial ou coisas desse tipo. Iluses de tal ordem advm de "uma estranha forma de cegueira", capaz de "transformar o esquema da diplomacia de uma poca num modelo eternamente vlido." Em geral, as situaes conjunturais caracterizam-se pela enorme heterogeneidade dos Estados e dos tipos de combate. As organizaes militares, por sua vez, apre sentam grande diversidade. Depois deste percurso seria possvel extrair algo como "uma sntese aroniana", isto , uma idia geral de qual seria a sua pro posta de encaminhamento do estudo das relaes internacionais, seja de um perodo histrico seja de uma nao isolada ou de um grupo de naes, com o objetivo tanto de definir polticas como de formar especialistas? Creio que sim e atrevo-me a faz lo, ainda que correndo o risco de simplificar uma anlise rica e instigante. Pode-se afirmar, sem sombra de dvida, que seu ensinamento bsico consiste na advertncia de que as situaes conjunturais so sempre especficas. Analogias e aproximaes so vlidas e necessrias, desde que quem o faa haja exorciza do mitos e lendas. O benefcio que se pode extrair do amplo conhecimento da histria - e tambm das ilaes que as rela es internacionais proporcionaram - consiste em saber orien tar-se 11.0 cipoal de fatos e buscar o essencial. Seriam a este fim estinaas as avertncias a seguir resumias. 1. No verdade que Estados Nacionais plenamente10

lden1, pgs. 365/366.

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estruturados sejam pacficos, de modo necessrio. Inspirados pelo orgulho, podem ser imperialistas. 2. A economia moderna de mercado no se inclina obriga toriamente s conquistas. Tampouco uma economia moderna centralizada em si pacfica. 3. Os povos no permanecem os mesmos atravs da hist ria e nem os regimes so constantes. 4. A conduta diplomtico-estratgica instrumental, isto , acha-se ao servio de outra coisa, serve como instrumento, em tese aos objetivos de quem a patrocina. Ainda que inseridas neste contexto, as decises isoladas son1ente sero compreendi das tomando-se como referncia a conjuntura e a psico-sociolo gia de cada ator. 5. A conjuntura constituda pelas relaes de fora, ins critas num espao histrico determinado. 6. O ator coletivo pode s vezes ser entendido como se fosse um indivduo, que teria um comportamento previsvel e mais ou menos estvel. Mas cumpre levar em conta que pode ser instado a atender a mltiplas presses, sendo imprescindvel procurar conhec-las e desvend-las. 7. Em todas as circunstncias preciso identificar os obje tivos das naes, como vn1 o n1undo e o modo de ao que adotam. Esta pode dar-se tanto por deliberao prpria como decorrer de influncias mais ou menos fortes.

V

OU1RJ)S ASPEcros Rbl ~bl~N]l~S

Ainda na segunda parte, Aron posiciona-se acerca do que deno mina de "razes da guerra como instituio". Tem, inquestionavelmente, razes biolgicas e psicolgicas. Escreve: "O homem no agride seu semelhante por instinto, mas, apesar disto, sempre, em cada momento vtima e carrasco. A agresso fsica e a vontade de destruir no constituem a nica reao pos svel frustrao, mas uma das respostas possveis - talvez a re

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ao espontnea. Neste sentido, os filsofos no se equivocavam quando diziam que o homem naturalmente um perigo para ou tros homens". A sociabilidade, por sua vez, no atenua a agressividade individual n1as, ao contrrio, tende a increment la. Ainda que estudos, que menciona, possam sugerir a existn cia de tipos de sociabilidade que atenuariam a agressividade, parece a Aron, "supondo que a civilizao possa, em certas cir cunstncias, reduzir as oportunidades que provocam a agressividade, eliminar sua motivao, desqualificar suas cau sas; supondo que o homem que no luta por instinto ou por ne cessidade fisiolgica seja capaz de viver em paz com os seme lhantes, numa pequena comunidade, impossvel projetar no presente o no futuro da humanidade estas imagens ou sonhos de paz" Depois de examinar o que dizem otimistas e pessimistas acerca da possibilidade de eliminao do conflito blico, avana a seguinte hiptese: "O animal humano agressivo, mas no luta por instinto; a guerra uma expresso da agressividade hu mana, mas no necessria, embora tenha ocorrido constante mente desde que as sociedades se organizaram e se armaram. A natureza humana no pern1itir que o perigo da violncia seja afastado definitivamente; em todas as coletividades os desajustados violaro as leis e atacaro as pessoas. O desapare cimento dos conflitos entre indivduos e entre grupos contr rio sua natureza. Mas no est provado que os conflitos de vam manifestar-se sob a forma de guerra, tal como a conhecemos h milhares de anos - com o combate organizado e o uso de instrumentos de destruio cada vez mais eficazes". E, logo adiante, peremptrio: "A dificuldade em manter a paz est mais relacionada humanidade do homem do que sua animalidade. O rato que levou uma surra sujeita-se ao mais forte; e a resul tante hierarquia de domnio estvel; o lobo que se rende, ofe recendo a garganta ao adversrio, poupado. O homem o ni co ser capaz de preferir a revolta llumilhao e a verdade vida.

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Por isso a hierarquia dos senh.ores e dos escravos nunca poder ser estvel. No futuro os senhores no precisaro mais de escra vos e tero o poder de extermin-Ios."11 No Prefcio do livro que comentamos, do mesmo modo que nas "Memrias", Aron explica porque introduziu uma parte his trica, relativa a um perodo limitado e tambm as razes pelas quais, nas edies posteriores, no se preocupou em atualiz-la. Embora os dados constantes daquela anlise no possam ser considerados permanentes, permitiram muitas ilaes acerca da era atmica. Os Estados dominantes, apesar da hostilidade que nutriam entre si, tinham um interesse comum: no se destruir mutuamente. A meu ver, preserva grande valor como "estudo de caso", agora que a guerra fria passou histria e deve ser estudada com o necessrio distanciamento. Talvez fornea mui tas pis tas no sen tido de fixar-se as caracters ticas estveis (e possveis) de uma hegemonia internacional de carter bipolar. A ltima parte do livro pretende fixar os ensinamentos ex trados do estudo das relaes internacionais que poderiam contribuir para a paz. Nas ((Memrias"12 , destaca estes textos que conteriam o essencial: "O miolo das relaes internacionais so as relaes que chamamos de interestatais, as que colocam em conflito as unidades como tais. As relaes interestatais expres sam-se dentro de condutas especficas e mediante elas, condu tas de personagens que chamarei de dzplomata e soldado. Dois e apenas dois homens atuam plenamente e no como membros quaisquer mas como representantes das coletividades a que per tencem: o embaixador no exerccio de suas funes na unidade poltica em cujo nome fala; o soldado no campo de batalha da unidade poltica em cujo nome levar morte seu semelhante . ... O embaixador e o soldado vivem e simbolizam as relaes in ternacionais que, por ser interestatais apresentam um trao origi nal que as distingue de todas as outras relaes sociais; desenvol1J

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Idem, p. 466. Edio tada (traduo espanhola), pg. 438.

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vem-se sob a possibilidade da guerra ou, para expressar-se com maior preciso, as relaes entre estados se compem, por essn cia, da alternativa da guerra e da paz". E, mais: "Da definio das relaes internacionais nestes termos depreende-se uma conse qncia para mim essencial: o diplon1ata (entendido como res ponsvel pela atuao exterior de um Estado) no possui um fim imanente comparvel ao do jogador num esporte ou do ator eco nmico. Para quem governa um Estado, nada se compara maximizao da utilidade a que aponta o setor econmico e que supe os esquemas da teoria econmica. A teoria das relaes internacionais parte da pluralidade de centros autnomos de deciso, por conseguinte do risco de guerra, do qual se deduz a necessidade de calcular os meios." Num quadro de ameaa de guerra como se viveu durante a guerra fria, "para todos os ato res do jogo diplomtico a preveno dessa guerra torna-se um objetivo to imperioso como a defesa dos interesses meramente . ." naCIonaIS .

VI.

UAfA OBRA CIA'SSICA

((Paz e guerra entre as naes" foi comentado e amplamente deba tido e no apenas na Frana. Na Alemanha, o fez o conhecido jurista Carl Schmitt (1888/1985) e tambm outros estudiosos, tendo sido, naquele pas, comparado obra de Clausewitz. A propsito da traduo inglesa, em artigo no New York Times, Henry Inlico - tenha ou no conscincia dele - que ela resolve de unI certo nIodo: toda sociedade precisa satisfazer as necessidades dos seus nIem bros, e dispe para isto de recursos linlitados. A desproporo entre neces sidades de um lado. e bens e servios disponveis, de outro, nem sempre sentida conlO tal. Uma coletividade pode aceitar como normal um modo de vida que no a faa aspirar a mais do quej tenl: ser unIa coletividade intrinsecamente pobre. As sciedades nunca f(>ram to conscientes da sua pobreza conlO enl nossos dias, a despeito do crescimento prodigioso da riqueza - o que s aparentemente um paradoxo. De fato, as "necessidades" cresceram mais depressa do que os recursos, cuja limitao parece escandalosa a partir do nIomento em que a capacidade de produzir passa - equivocadamente por ilimitada. A econmica uma categoria fundamental do pensamento, uma di menso da existncia individual e coletiva, que no se confunde com a es cassez ou a pobreza (desproporo entre desejos ou "necessidades" e recur sos). A economia como problema pressupe a escassez ou a pobreza; a eco nomia como soluo implica em que os homens possam vencer a pobreza de diversas nIaneiras; que tenham a possibilfdade de escolher entre os vrios modos de utilizar os recursos existentes. Em outras palavras, pres supe a necessidade de escolher - a qual o prprio Robinson Crusoe, na sua ilha, tinha que enfrentar. Robinson era dono do seu tempo, e podia distribu-lo entre () trabalho e o lazer; entre o trabalho dirigido para pro duzir bens de consumo (recolher alimentos) e para investir (construir sua casa). O que verdadeiro com respeito ao indivduo neste caso ainda mais verdadeiro com relao coletividade. Como a fora de trabalho o recurso fundamental das sociedades humanas, a nlultiplicidade dos usos

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possveis dos recursos est na origem do processo econlllico. n1edida que a economia se torna n1ais complexa, as possibilidades de escolha se multiplicam, e os bens se tornanl cada vez nlais substituveis: o n1esn10 ob jeto pode ter vrias utilidades, e vrios objetos podell1 ter a n1esn1a utili dade. Pobreza e escol/uI definem a din1enso econnlica da vida hUll1ana; a pobreza o problen1~1 enfrentado pelas coletividades; tUlla certa escolha representa Ulna soluo adotada efetivalllente. ()s hOlllens que ignoran1 a pobreza porque ignoranl o desejo de aquisio no tn1 conscincia da di menso econmica; vivem conlO os seus ancestrais. () costun1e to forte que exclui os sonhos, a insatisfao, a vontade de progresso. Haver Ullla fase ps-econnlica, na qual a obrigao da escolha e do trabalho desa parecerojunto COlll a escassez. Trotsky escreveu que a abund:1nciaj{l era visvel no horizonte da histria, e que s os pequenos bur~ueses se recusa vall1 a crer neste futuro radioso, considerando a l11aldio do evangelho COll10 eterna. UIl1 perodo ps-econnlico perfeitalllente concebvel: a capacidade de prod ufl() cresceria de tal fornla que todos poderian1 consu nlir conf()rn1e a sua hlntasia, retirando do caldeirl0 sua justa parte, por respeito aos outros. ()sjogadores de futelx)1 queren1 levar a bola at o gol adversrio. En quanto atores econnlicos, os hon1ens des~jan1 f~lzer o ,,,elhoruso de recur sos que so insuficientes, utilizando-os de l11aneira a produzir aquilo que lhes der a sati~~/(ii{) lJUxiJIU1. ()s econolllistas reconstruran1 e elauoraran1 de diversos 1l10dos a lgica dessa escolha individual. A teoria n1arginalista , h(~je, a verslo n1ais corrente desta racionalizao do con1portllllento econlllico do indivduo. a partir da sua escala de preferncias. Elllbora a teoria percorra o itinerrio que vai das escolhas individuais ao equilbrio global, parece-Ille prefervel - do ponto de vista lgico, con10 tllllbn1 do ponto de vista filosfico - partir da coletividade. De f~ltO. as caractersticas especficas da realidade econlllica s poden1 ser vis tas"no cOI~junto social. As escalas individuais de preferncia no diferen1 fundalllentaln1ente dentro de unla sociedade dada, porque todos os indi vduos participanllllais ou Illenos de unl sisten1a con1un1 de valores. (:on tudo. as atividades destinadas n1axinl/al0 das satishles individ uais serian1 n1al definidas se a n10eda no trouxesse a possibilidade de unla Ille dida rigorosa, universaln1ente reconhecvel. ()s negros da costa afriLana agian1 racionalnlente quando trocavan1 o 111arfin1 por quinquilharias, Illas s enquanto essas n1ercadorias pertencillll a n1ercados diferentes e no tinhan1 seu preo definido en1 dinheiro. A quantificao nlonet{lria perlnite reconhecer as igualdades cont beis da econonlia total. Esss igualdades - do !ablea u fisiocr{ltico aos estu

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dos contemporneos de contabilidade social- no explicam as alteraes dentro do sistema econmico, mas fornecem dados a partir dos quais a cincia econmica procura identificar variveis primrias e secundrias, determinantes e determinadas. Ao mesmo tempo., impe-se ao observa dor a solidariedade recproca dessas variveis, a interdependncia dos ele mentos da economia. Modificar um preo , indiretamente, modificar to dos os preos. Reduzir ou aumentar o investimento, diminuir ou aumen tar a taxa de juros, agir sobre o produto nacional e sobre a sua distri buio. Todas as teorias econmicas, sejam micro ou macroscpicas, de inspira o socialista ou liberal, acentuam a interdependncia das variveis econ micas. A teoria do equilbrio, no estilo de Walras ou de Pareto, reconstri o conjunto da economia a partir das decises individuais, definindo um ponto de equilbrio que seria tambm o ponto de maximizao da produ o e das satisfaes (dada uma certa distribuio de renda). A teoria de Keynes e as outras teorias macroscpicas focalizam diretamente a unidade total do sistema e Se esforam por determinar as variveis principais, sobre as quais preciso agir para evitar o subemprego, aumentar ao mximo o produto nacional etc. O fim da atividade econmica, primeira vista, pode ser assim defi nido: a maximizao da satisfao para o indivduo que escolhe racional nlente; a maximizao dos recursos monetrios, quando a moeda serve como intermedirio universal entre os bens e servios. Mas esta definio deixa lugar a algumas incertezas: a partir de que momento, por exemplo, o indivduo passa a preferir o lazer, desprezando o aumento da sua renda? Esta incerteza ou indeterminao se torna essencial, quando se considera a coletividade. O "problema econmico" se impe a uma coletividade: mas ela que vai escolher uma soluo determinada, um certo modo de organizar a produo, as trocas e a distribuio de renda. Esta soluo implica ao mesmo tempo a cooperao e a competio entre os indivduos. Nem a coletividade, tomad~ em conjunto, nem os atores econmicos se encon tram jamais em situaes que imponham como racional uma s deciso. Maximizar o produto nacional ou reduzir as desigualdades; maximi zar o crescimento ou manter um nvel elevado de consumo; maximizar a cooperao imposta autoritariamente pelsse a ~ist1ncia entre as linhas, il11posta pelo nvel tcni(~o das arnlas disponveis) pernlanecia a prova suprenla, cOlllparvel ao pa~al11entoenl dinheiro a que levanl necessarialllente todas as operaes a ('rr as efetivalllente n1(>bilizadas, as nlatrias-pril11as transf(>rnladas enl ca nhes e em munio, os cidados enviados ao campo de batalha. "No so o carvo, o enxofre, o salitre, o cobre, e o zinco destinados fabricao de explosivos e de canhes que slo necessrios, l11as as arlnas prontas para o US(), e seus efeitos.":! Podenlos chanlar de./IJlffl pO/(~lIfifll o cOI~junto dos recursos nlateriais, hUlnanos e Inorais de que cada unidade dispe /(~Orif(/IIU'II/('; e de.liJf(fI f('fll a parte desses recursos efetivalllente utilizada para a condulo da polti(~a externa, durante a g-uerra ou enl telllpos de paz. l\;a ~uerra, a./()f(fI n'fl! se aproxinla da./IJl"a ,,/i!i/ar (senl que os dois conceitos possanl ser confundi dos inteiranlente, porque o curso das operaes deterlninado enl parte por modalidades no-militares de luta). Em tempos de paz, a fora real distin~ue-se da f(>ra l11ilitar, porque as divises do exrcito, as frotas na vais e os esquadres areos enl existncia, l11as que por (Iualquer l11otivo ntO Sito enlpregados, constituenl Ulll dos instrulllcntos a servio da pol tica externa. ~:Iltre a f()ra potencial e a f(>ra real intervnl a IlIo1JiliZJI{"tiO. A f(>ra que pxle ser elllpregada pelas "rias unidades polticas, rivais entre si, prop>rcional a seu po/rllrifll d(~ /lIo1JiIiZlI{"f/O - o qual depende, p)r sua vez, de nUlllerosas circunst"lncias que pxlenl ser reduzidas s noes abstratas de (fI/X/fidflt!(, e de l'OIl/(/t!(~. As condies de capacidade, econnlica ou ad ministrativa, e de resoluo coletiva, manifestadas pelos chefes e sustentadas pelas nlassas, nto slo constantes atravs da histria, sento vuianl de p)(~a para p>ea. () poder dos governantes tenl a 1l1eSnla natureza da p>tncia das uni dades p>lticas? () vnculo entre as duas noes - o /)()d(~f, dentro da unidade p>ltica, e a jJO/jillfifl dessa nlesnll unidade poltica - facihnente perceptveP; a unidade poltica se Illanifesta p>r op>silo; ela se torna o que tornanprma de vio lncia. Desses fatos incontestveis se passa facilmente interpretao "rea list", de que a sociologia de Pareto unl exemplo. Segundo essa interpre tao, a luta pelo poder seria, em si, uma rivalidade de potncia, tendo conlO atores as minorias ativas. A legalizao do poder no alteraria a sig nificao do fenmeno: as classes dirigentes se combateriam como o fa zenl as unidades polticas, e a classe vitoriosa exerceria sua potncia do nlesnlO nlrar os governos,4. Considerada COlnoUlll

sistetna particular. no interior do todo social.

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de comprdr o apoio da administrado ou da inlprensa, de suscitar devo es desinteressadas, de transfrmar a opinio das elites ou das 1l1aSsas? No h uma resposta genrica que se possa dar a essa pergunta. () que se pode dizer que seria ingnuo prra das naes; os recursos financeiros nada significavanl para os conquistadores Inong-{>is e valianl benl pouco para Alexandre. A lista deve ser completa, que implica que os vrios elementos se janl expressos por conceitos que cubranl a diversidade concreta dos fent> nlenos, que varianl de poca para poca. A sig-nificao nlilitar de unla situao geogr{tfica pode nlodificar-se conl o desenvolvinlento das tcni cas de transporte e de conlbate; nlas a influncia da situao geogrfica sobre as possibilidades de ao das unidades polticas constante. Finahnente, a classificao deve pernlitir cOlllpreender fJO)" quP os f lor{~s d{~ potncia lIarull di} sfru/o para sculo e fJor qU{~ a IIIPr/I do fJotrnrl (}ssenrialulI?nlf apfoxinuLtilla. Esta ltinla observao ao nlesnlO tenl po evi dente e paradoxal. Pareceria nluitas vezes que os tericos dispenl de unla balana infalvel para pesar exatalnente a potncia das unidades polticas. Se isto fsse possvel, pornl, as g-uerras no ocorrerianl, porque seus re sultados poderianl ser previstos C0l11 certeza. ()u, pelo nlenos, s a loucura hUlnana poderia explic-las. EI11 A Ilha dos PilllfIS, Anatole France diz que no h{l guerra no nlar porque no h dvida sobre a hierarquia das frotas. Mas como todos os exrcitos se consideram o nlais forte de todos, s a prova do conlbate pernte estabelecer sua hierarquia genuna. Retornenlos a Clausewitz. Ningunl Illais do que esse terico racio nalista acentuou a inlportncia da sorte na guerra: "A guerra o donlnio da sorte. Nenhunla outra esfera da atividade hunlana deixa nlargenl nlaior a essa intrusa; nenhunla nlantnl unl contato to pernlanente conl o acaso, sob todos os aspectos: ela acentua a incerteza, elll todas as circuns tncias, e entrava o curso dos acontecimentos 9." "Na guerra, a diversidade e a delinlitao incerta de todas as relaes fazem conl que nunlerosos fa tores devam ser levados em considerao. A maior parte desses fatores s podenl ser avaliados probabilisticanlente. Bonaparte disse, conl justia, que 1l1ltitas decises que deveol ser tomadas pelo responsvel pelas opera es blicas constituelll problenlas matenlticos dignos de um Newton ou de um Euler lO." E por finl: "i\ grande incerteza de todos os dados constitui unla difi culdade particular da guerra, pois toda ao blica se efetua nunla espcie de crepscuio que d s coisas nluitas vezes Ulll aspecto nebuloso ou lunar, unla dinlenso exagerada e grotesca. Na ausncia de unla sabedoria obje tiva, preciso ento confiar no talento, talvez na sorte"." Recorrendo 9. Clausewitz. I. 3.

p.

H6.

10. Ibid.. I. 3. p. 101.

11. Ibid.. I I. 2. p. 133.

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guerra, a poltica consente em uma grande incerteza, ela "no cuida nluito das possibilidades finais, atendo-se s probabilidades inlediatas". Na ver dade, "nessejogo todos os governos sejulganl Inais hbeis e perspicazes do que os outros" I:!, nlas nem senlpre os acontecinlentos confirnlanl essa con fiana. Imagine-se que o terico da potncia possa elinlinar a incerteza da guerra e, somando o peso dos diversos elementos, anllncie previanlente o resultado do combate. Ora, a potncia, ou capacidade que tem unla coleti vidade de impor sua vontade a uma outra, no se confunde com a capaci dade militar. Porm, se o resultado das batalhas incerto, isto se deve a que a f()ra militar no susceptvel de unla nledida exata; e a potncia global o menos ainda. Proponho distinguirmos trs elementos fundanlentais: enl primeiro lugar, o espao (x:upado pelas unidades polticas; depois, os recursos l1UlfR nflis disponveis e o conhecimento que pernlite transf()rnl-Ios enl arnlas, o nrllRro de homens e a arte de transf()rm-Ios enl soldados (ou ainda, a qUIlU ti!Jde e a qUfllidade dos c01nbatentes e dos seus insl rUlllfU los ); por finl, a calxui dadR rIR lJ{o coletiva, que englob:! a organizao do exrcito, a disciplina dos combatentes, a qualidade do comando civil e nlilitar, na guerra e na paz, a solidariedade dos cidados. Esses trs elementos, na sua expresso abstra ta, cobrem o conjunto que devemos considerar, correspondendo propo sio seguinte: a potncia de unla coletividade depende do cenrio da sua ao e da sua capacidade de empregar os recursos materiais e hunlanos de que dispe. Meio, recursos, ao coletiva: tais so, evidentemente - em qual quer poca e quaisquer que s~jam as nlodalidades de competio entre as unidades polticas - os fatores deternlnantes da potncia. Esses trs elementos so igualmente vlidos na anlise da potncia enl todos os nveis, desde o escalo ttico das pequenas unidades at o nvel estratgico - onde se entrechocam exrcitos de nlilhes de honlens - e o nvel diplomtico, ao qual os Estados mantnl perene rivalidade. A potn cia de uma companhia francesa do exrcito regular, diante de uma com panhia do exrcito argelino de libertao nacional, depende do terreno, dos efetivos~ das armas, da disciplina e do conlando das duas tropas. No nvel superior da estratg-ia ou da poltica, a capacidade de organizar o exrcito, de mobilizar a populao civil e de treinar os soldados parece ter se integrado nas foras militares, pertencendo assim ao segundo ele mento: a conduta dos responsveis pela guerra, seu talento estrat~co e diplomtico; a resoluo do povo parece representar o terceiro etenlento. Esta classificao no prope afirmativas vlidas universalmente, mas12./bid.. VIII. 6, p. 704.

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ulna nlaneira de interpretar as tranSf()rnlaes histricas. S o prinleiro elemento escapa parcialnlente das vicissitudes das tcnicas de produo e de destruio. Certas situaes favorecem a potncia defensiva I::' isto , colocanl ohs tculos no caminho dos conquistadores: 1l1olltanhis, rios, desertos, as g-rdndes distncias. Freqentenlente o terreno que propicia unla proteo relativa coletividade reduz, pela mesnla razo, sua possihilidade de inter veno externa. ()s "pequenos Estados" 1 I consideralll as harreiras uaturais conlO um favor dos cus, porque no pretendelll deselnpenhar Ulll papel de primeira inlportncia e no se interessalll pela potncia efetiva. A po tncia defensiva (nlilitar) de unla coletividade funo das caractersticas do seu territrio. A Sua, por exemplo, deve ao relevo sua excepcional capacidade de defesa enl tempo de Kuerra; a Rssia deve s distncias a hoa sorte de nunca ter sido inteiranlente ocupada, desde que os duques de Moscou se libertaranl do jugo dos mongis. Nenl Napoleo nenl Hitler puder-anl vencer a resistncia do tzar e dos nl~jiques, do Estado e dos povos soviti cos. A perda de Moscou, enl 1812, no abateu a corag-enl de Alexandre; e Hitler no conseguiu chegar a Moscou. Enl 1941-1942 a Rssia fi salva pela KeoKrafia, pela modernizao insuficiente (enl especial a nlediocri dade do sistema de estradas) e pelas fbricas construdas nos Urais antes do conflito, ou transferidas para l. O Estado que tem grandes anlbies deve estar seg-uro das suas har reiras territoriais, embora se reserve a possibilidade de intervenes exter nas. At recentemente, as grandes distncias privavam Rssia, dos tzares e dos sovietes, de uma lx)a parte da sua capacidade ofensiva, ao nlesnlO tempo em que acrescentavam sua capacidade defensiva. Durante s culos, o territrio ingls - suficientemente afastado do continente para dificultar as invases - constitua unla base ideal para expedies longn quas, ou na Europa continental. Nem Veneza nem a Holanda possuanl unla base territorial to segura, e a Frana precisava distribuir seus recur sos entre o exrcito e a marinha, sendo particularnlente vulnervel, de vido relativa proximidade de Paris da fronteira aberta setentrional.13. H dois aspectos na potncia defensiva: enl tenlpo de ~uerra, ela se resunle ~l capaci dade de deter o Invasor; enl tempos de paz, depende dessa capaddade defensiva. nlas tambnl da coeso de sua unidade. 14. Evitanlos aquI a expresso corrente "pequenas potncias" para no introduzinllos unIa confuso no nosso vocabulrio. facil de enlender o LISO da palavra /Jolrllria para desiKnar OS prprios atores, enllug-ar da sua capacidade. (:01110 a rivalidade de potncia intrnseca vida internacional, podenl-se confundir os atores e sua caparidade de acio. estabelecendo-se unla hierarquia dos atores enl funo da sua capacidade.

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Nenhulll do trs elelllentos que citanlos - nenl l11esnlO o prillleiro, () espao - est{l inlune s influncias histricas. f: sel11pre verdade que unI terreno de acesso difcil aUlnenta a capacidade defensiva e dinlinui a capa cidade ofensiva. Valendo-se dos recursos que lhes d o relevo, as popula es da Arg-lia resistenl h(~e to bel11 ~l pacificao francesa COI110 resis tiaI11 ~l pacificao rOlnana h dezessete sculos. (:ontudo, dependendo da tcnica da g-uerra, a I n~laterra pode ser ,'u'ner\'el ou in\'ulnerc'l\'el: os es treitos que lig-anl o l11ar Negro ao Mediterrc"lneo constituenl unI centro de rotas estratg-icas ouunla li~ao intil entre dois l11ares ig-uahnente fecha dos (a terra e o ar oferecendo vias de conlunicalo alternati,'as). Com respeito aos dois outros elementos, as proposies mais genri cas teriam pouco ou nenhum interesse. Pode-se dizer que, em igualdade de condies, no terreno diplomtico como no campo de batalha, o n mero que decide; mas, como as condies nunca so as mesmas, esta afir mativa no quer dizer nada. Pode-se considerar significativa a ordem dos trs elementos: a eficcia das armas, a ao coletiva, o nmero de soldados. Uma desigualdade excessiva em termos de armamentos no pode ser compensada pela disciplina ou pelo nmero de soldados. Uma desigual dade muito grande em termos de organizao e de disciplina no pode ser compensada pelo nmero (princpio da superioridade dos romanos sobre os brbaros, dos exrcitos regulares frente s milcias e s multides revol tadas). Seria desejvel precisar a medida de desigualdade que pode ser compensada em cada caso, mas isto no possvel. Os povos que no dis pem de indstria encontraram, neste sculo, um mtodo de combate - a guerrilha, que lhes permite defender-se contra os povos equipados com to dos os instrumentos modernos. Ainda quando uma de duas unidades polticas que se chocam possui superioridade tcnica esmagadora, o enge nho e a resoluo podem dar mais fraca meios de oferecer uma resistn cia duradoura, levando-a at mesmo vitria. O estudo histrico ou sociolgico dos elementos que compem a fora global das unidades polticas comporta duas etapas principais. Em primei ro lugar, preciso estabelecer quais so os fatores da fora militar. Em cada poca, um determinado aparato de combate parece como o mais efi ciente, pela combinao de certas armas com certa organizao e uma quantidade suficiente de armas e de combatentes. O segundo tipo de anlise diz respeito s relaes entre a fora militar e a prpria coletividade. Examina a medida em que a superioridade em armas ou organizao manifesta uma superioridade tcnica e social (su pondo que estas possam ser determinadas objetivamente). Um exrcito sempre uma organizao social, uma expresso de toda a coletividade. O coeficiente de mobiliwo, isto , a proporo de homens em estado de com

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bate efetivamente mobilizados, depende da estrutura da sociedade, do nmero de cidados em relao aos no-cidados (caso s6 aos primeiros se d a honra de portar armas), do nmero de nobres - se se trata de uma sociedade onde a participao no combate proibida aos plebeus. Em todas as sociedades, e em todas as pocas, sempre houve um limite para a mobilizao; necessrio deixar entregues ao seu trabalho um certo nmero de homens, que possam produzir os recursos indispensveis vida da coletividade (o coeficiente terico de mobilizao aumenta se h uma superpopulao rural, e se a mesma colheita pode ser obtida com um nmero reduzido de trabalhadores). Mas o coeficiente efetivo raramente atingiu o coeficiente terico; a mobilizao efetiva determinada pelas cir cunstncias sociais, o modo tradicional de combate, o temor de dar armas a certos grupos da populao tidos como inferiores ou como virtualmente hostis. Na medida em que a organizao do exrcito e do modo de combate resultava do costume, fcil entender que a superioridade de um exr cito, ou de uma arma, se tenha prolongado por decnios, ou mesmo s culos. A minoria que detinha o monoplio das armas dentro do pas tinha condies de manter sua preponderncia quase que indefinidamente - a no ser que sofresse um processo de corrupo, isto , que perdesse sua consistncia e vontade. A unidade poltica que desenvolvesse uma combi nao eficiente das diversas armas (cavalaria pesada e ligeira, armas de choque e de lanamento, lana e armadura etc.) tinha uma boa possibili dade de manter esta superioridade por muito tempo. Era tentador atri buir virtil (isto , coragem ou valor) a grandeza dos povos imperiais, e superioridade das armas o carter de prova de uma superioridade total, de costumes e cultura. Sem entrar aqui num estudo pormenorizado, est claro que a propor cionalidade entre os recursos da coletividade e a fora militar torna-se mais rigorosa medida que a guerra se racionaliza, e que a mobilizao dos civis e dos meios de produo passa a ser considerada como normal e a ser praticada regularmente. Neste sculo desenvolveu-se a iluso de que ao medir os recursos dis ponveis seria possvel medir a fora militar e a prpria potncia. ver dade que, na era da mobilizao total, o aparelho militar no pode deixar de ter uma certa sintonia com a massa da coletividade. Mas a virtil de uma elite pode sempre fazer a balana deslocar-se para um lado ou para o ou tro; a qualidade limita de muitos modos o imprio da quantidade. A con quista de um vasto imprio por um lder que chefia um pequeno grupo de aventureiros pertence ao passadol:J. Hoje, esse grupo precisar, quando15. Contudo .. i neste sl\'ulo. Ibn Saud unificou as tribos ('trabes a g-olpes de espada.

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menos, comear pela conquista do seu prprio pas, para lhe servir de base. preciso ter gosto pela analogia histrica para aproximar a aventura de Gengis Khan e a do partido bolchevista com Lenin. Gengis Khan era, antes de mais nada, um gnio militar; Lenin, um gnio poltico. O primei ro reuniu um exrcito ao qual se imps como chefe, eliminando os rivais; o segundo era de incio um profeta desarmado, que adquiriu meios de coer o empregando meios de persuaso.

3. A potncia em tempos de paz e durante a g:uerraA potncia de uma unidade poltica em tempos de paz pode ser analisada a partir das mesmas categorias - meio geogrfico, recursos, capacidade de ao: contudo, enquanto a potncia em tempos de guerra depende so bretudo da fora militar e do seu emprego, a potncia em tempos de paz (isto , a capacidade de resistir vontade aLheia e de impor aos outros sua prpria vontade) depende tambm dos meios legtimos admissveis em cada poca pelo costume internacional. Em vez de considerar o aparelho militar, devemos considerar os meios no-violentos (ou os meios violentos tolerados em tempos de paz). Quanto capacidade de ao coletiva, ela se exprime, ofensivamente, pela arte de convencer ou de impor sem recurso fora e, defensivamente, pela arte de no se deixar enganar, aterrorizar, impressionar ou dividir. A diplomacia tradicional europia supunha haver, em princpio, uma vaga proporcionalidade entre a "potncia em tempo de paz" e a "potncia em tempo de guerra". As unidades polticas conhecidas como "grandes potncias" eram definidas, antes de mais nada, pelo volume de recursos sua disposio (territrio e populao), assim como pela sua fora militar. A Prssia e o Japo foram admitidos em p de igualdade nQ clube dos "Grandes" - respectivamente no sculo XVIII e no incio do sculo XX - porque tinham passado pela prova do campo de batalha. O status de grande potncia conferia certos direitos: nenhum assunto de importncia devia ser resolvido, dentro do sistema, sem que todas as grandes potncias fossem consultadas. Quando uma delas conseguia uma vantagem em qualquer parte do mundo, as outras faziam valer seus ttulos para obter uma compensao - fosseln scias ou rivais. O status de "grande potncia" era vantajoso na medida em que o inter cmbio pacfico e os acordos negociados tendiam a refletir as relaes de fora (supostas, e nem sempre reais). Os pequenos Estados cediam aos Es tados poderosos, por serem estes mais fortes. Isolada numa negociao multilateral, uma grande potncia inclinava-se diante da vontade combi nada da coalizo cujo potencial fosse superior ao seu. Fazia-se referncia

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fora, para concluir pacificamente um acordo, porque essa referncia parecia oferecer um critrio relativamente objetivo, substituindo a prova das armas; supunha-se que as pendncias deviam ser decididas previa mente pela relao de fora em questo. Progressivamente, e sobretudo aps a Segunda Grande Guerra, desapareceu este intercmbio policiado, este sbio maquiavelismo. Entre as duas guerras mundiais, os diplomatas cometeram tais erros - superestimando absurdamente a fora da Itlia e ignorando a fora da Rssia sovitica - que a noo de "grande potncia" se tornou suspeita. Os "Grandes" da Europa de ontem - a Gr-Bretanha e a Frana - que rem continuar sendo potncias de nvel mundial, pretenso que parece ratificada pelo lugar permanente que ocupam no Conselho de Segurana das Naes Unidas. Mas a situao real desses dois pases to incerta que a posio oficial de que desfrutam no acrescenta ao seu prestgio, nem tampouco lhes traz vantagens adicionais. As armas atmicas puseram em questo os conceitos tradicionais: as armas tornam-se menos utilizveis medida que se tornam mais mons truosas. A polidez e o cinismo da boa sociedade desertaram as chancela rias. A diplomacia - no sentido tradicional da palavra - ainda exerce uma certa funo entre pases aliados, mas quase nada mais tem a fazer no relacionamento entre adversrios, ou entre os blocos e os no-alinhados.. Nenhum Estado, grande ou pequeno,julga-se obrigado a ceder vontade de outro Estado mais forte, uma vez que este no tem condies de empre gar efetivamente sua fora. A ttica do desafio ("no ousars obrigar-me a fazer. o.que no quero") pertence ao quotidiano das relaes internacionais 16. Com efeito, os Estados praticam de forma permanente uma espcie de diplomacia total, que implica o uso de procedimentos econmicos, polticos, e psicolgicos; de meios violentos e semiviolentos. Para obrigar um Estado ou convenc-lo a ceder, pode-se recorrer presso econmica. Por deciso da Liga das Naes, foram decretadas sanes econmicas contra a Itlia: a proibio de comprar certos produ tos e de vender alguns outros. Este pseudobloqueio no foi eficaz, porque no foi bastante geral. A Itlia conseguiu encontrar um nmero de clien tes suficiente para obter o mnimo de divisas de que necessitava. A proibi o de vender-lhe mercadorias no foi estendida de modo a abranger cer tas matrias-primas senl as quais no poeria subsisiir. O bluqueiu CUIll u qual os pases socialistas tentaram liquidar a dissidncia iugoslava tarrlbm no foi efetivo, pois os pases ocidentais socorreram aquele Estado, cuja16. 1I1na t:ltica que conlporta alglllllas falhas. Elll.illlho de 19(jl. por t'xt'lllplo. BlIrg-lIiha a aplicou. IDas s para conseguir COI110 resultado 1I111a rt-plica violenta oas for dos governados de participar de unIa cOll1unidade da sua escolha - de UI1la con1unidade que lhes pertencesse. Levada a suas conseqncias lgicas, a prinleira idia implicava o de ';-Ip;-Ir~cinl~nt()da distin1l1adas selll sua participao). A alllbilo dos ~randes Estados nH>delar a conjuntura; a dos pequenos, adaptarelll-se a Ullla cOI~juntura que essencialmente no depende deles. f~ ulna oposilo Jl1uito silllples, que traduz opinies n1ais do que a realidade: a lllaneira COlllO os pequenos Estados (ulajJlrnn-,\p ~l cOI~juntura contrihui para dar frllla ;1 prpria con juntura.

2. Em alemo, Gestallung der Kraftverhiiltnisse; em francs, configuratioll du rapport de fr(fs.

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Raymond AronA distrihuio das fras, no call1po diplolll~'ttico. 11111(1 d(ls ((lI/S(/S que

deterlllinalll o agrupalllenlo dos Estados. NUll1 caso extren10. dois Esta dos que 11:1 tll1 llH>ti\'O de disputa podelll tornar-se llluttl~llllente hostis pela HEltalidade da POSi:IO". llois Estados dOlllillantes s~lo quase ine\'ita \'ehllellte inillligos (a no ser que s~jall1 estreit~llllente unidos). pela sin1 pIes ra/~10 de que s se n1antn1 o equilbrio quando cada UIll pertence a unI call1po diferente. Quando a ri\'alidade cria a ininli/ade. o esprito e as paixes encontranl os llleios dejustific~-Ia. 'r~llllbnfna guerra o furor do COlllbate nasce ~'IS \'eles da prpria luta e n~lo do que a llloti\'~l. 'rrata-se. naturaltllente. de un1 caso extren10..\s alian\'as n~-lO consti tuen1 un1 efeito n1ectlllico da rela\'~-lo de ft.>l\as. Silllplificando, pode-se di ler que algulnas pot.ncias entrall1 ell1 conf1ito por causa da di\'ergncia ou da contradi\~~10 dos seus interesses e rei\'indica\'es: outros Estados, grandes ou pequenos, unelll-se por interesse (esperall1 lllais da \'itria de Ull1 dos can1pos). por preferncia sentilllental (a sill1patia da poputl(~-IO inclina-se para Ull1 dos call1pos), ou pela busca do equilbrio. ;-\ (~r~-l Bretanha tinha outrora a Llllla de tOlllar posi(:~10 t.\'c!n,i.'ollltll/t por este t'tltill1o 1l1oti\'o. (2uase selllpre indiferente aos pOnllCn()re~ do Illapa da l-,uropa, seu nico ol~jeti\'o era illlpedir a hegen10llia ou o don1llio COll1 pleto de qualquer Estado isolado. Esta poltica pura de equilbrio era l gica. porque desde a (~uerra dos (:ell1 ;-\IlOS a (~r~1-1~retanha n~lo tinha all1 bi(es no continente: por outro lado, para sua seguran\'a e prosperidade. era \'ital que os pases cOlltinelltais n~10 se reunissen1 nUll1a coali/a(~-IO con tra ela. de 1l10do que a diploll1acia hrit~lnica n~-lO se podia dar ao luxo de cOllsidera\,es ideolgicas. Para ser ra/o~'l\'eL de\'ia parecer ao IlleSll10 tell1po honrada e cnica: clllllprir seus C()lllprOlllissos par4 cOln os aliados. durante as hostilidades, e n~-lO ter qualquer ali~lll(a penllanellte. Se a poltica dos pases continentais n~-IO parecia trIO distanciada da" cOlltingt:ncias idcolgicas ou afeti\'as quanto a poltica do Estado insular. ~l culpa 1l~-lO cabia aos estadistas. Illas sin1 ~'IS circullst~lllcias. ()s 1l1ollarcas eu ropeus disputa\'alll pro\'ncias e pra(as fortes. e as ill\'ases deixa\'~llll sell1 pre Illelllrias alllargas. l\lesn1o na ('poca das guerras dill~'lsticas. os sobera IlOS n~-IO Illuda\'~llll de alian(a (e de illill1igos) COll1 plena liherdade. llepois da ~llleXa(/lo da :\ls~'tcia-Lorena. por exenl pIo. nenl11lll1 g()\'tTnO franct-s. por Illais alltorit~rio que fosse. poderia ter cOllcordado con1 Ullla plella reconcilia(Jlo COlll a .\Ielllanha. ,\s alian(as e as hostilidades S-lO deternlinadas ~'lS ,'c/.es pela silllple~ rCla(~-l() dc fres \'t".n1 CI11 prill1ciro lug-ar. ()

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longo perodo de guerras ent re a Frannia era o pecado da Europa. A universalizalo da profissflO nlilitar talvez tenha tan1bn1 sugerido aos governantes que doravante a ~uerra deveria ter un1 sentido para aqueles que arriscarian1 a vida cOI11ba tendo. Este car{lter heterogneo do princpio de legitinlidade (con10.deveI11 ser designados os ~overnantes? A que t~stado devenl pertencer as populaes?) no contrariava o parentesco cultural profundo dos Illen1 bros da con1unidade europia, nen1 insuflava en1 cada unl dos Estados n1el11bros daquele sistel11a a vontade de dest ruir o regil11e dos outros. En1 ten1pos de paz, cada Estado considerava os assuntos internos das outras unidades do sisten1a con10 algo que no o interessava. Por liheralisl110, a Frana e a (~r-Bretanha daval11 asilo aos revoltlcion:lrios russos, n1as no lhes davan1 recursos ou arn1as para a organizao de f4rupos terroristas. (:ontudo, a partir de 191 fi ou 1917, parajustificar a deciso de continuar a guerra at a vitria absoluta, para convencer os soldados aliados de que estavan1 defendendo a liberdade e para dissociar o povo alel11o do seu regit11e poltico, a propaganda e a diplol11acia aliadas passaran1 a apresen tar o absolutisl110 con10 a causa da guerra e dos "cril11es" da Alen1anha, proclu11ando o direito de autodeternlinaflo dos povos (que levaria ~l desa f4ref4a-10 da ustria-Hungria) COI110 fundan1ento de un1a pazjusta~ recu saran1-se, por fin1, a negociar con1 os f40vernantes respons'lveis pela eclo SelO da grande I1H)rtandade. Sel11i-hon10f4neo en1 1914, o sisten1a euro peu se havia tornado irrenlediaveln1ente heterof4neo ell1 1917, COI110 conseqncia do furor (la luta e da necessidade que sentiall1 os ocidentais de justificar sua decislo de chef4ar a un1a vitria decisi\'a. Na Grcia tambm, s vsperas da Guerra do Peloponeso, as cidades estado eram relativamente homogneas: tinham combatido juntas os per sas, adoravam os mesmos deuses, celebravam as mesmas festas, participa vam dos mesmos jogos. Suas instituies econmicas e polticas perten ciam mesma famlia: eram variaes do mesmo tema. Quando explodiu a guerra de morte entre Atenas e Esparta, cada um dos campos em que se dividiu o mundo grego lembrou-se de que estava associado idia da de mocracia ou da aristocracia (ou oligarquia). O objetivo no era tanto en corajar o ardor dos combates como debilitar o adversrio e conseguir alia dos no interior do campo oposto. Esta heterogeneidade muitas vezes su ficiente para transformar a hostilidade entre Estados em inimizade passio nal. O senso da cultura comum desaparece, e os beligerantes s percebem o que os separa. Pode ser mesmo que a heterogeneidade mais terrvel

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(pelos seus efeitos sobre a paz, e a moderao na guerra) seja justamente a que se manifesta num fundo de comunidade. A heterogeneidade das cidades gregas no tempo da Guerra do Pelo poneso, ou a dos Estados europeus em 1917 e em 1939, era, apesar de tudo, menos incisiva do que a dessas cidades e do imprio persa, a das cida des e da Macednia, a dos reinos cristos e do imprio otomano; G.fortiori, a dos conquistadores espanhis e dos imprios inca e asteca, a dos conquista dores europeus e das tribos africanas. Em termos abstratos, esses exem plos nos sugerem trs situaes tpicas: 1) as unidades polticas pertencen tes a uma mesma regio cultural muitas vezes mantinham relaes regula res com outras unidades polticas, externas regio, reconhecidas clara mente como distintas. Em funo da sua idia do homem livre, os gregos olhavam com uma certa condescendncia os sditos dos imprios orien tais. O Isl separava os reinos cristos do imprio otomano sem que isto prejudicasse a aliana do Comandante dos Fiis com o rei da Frana; 2) os espanhis eram essencialmente diferentes dos incas e dos astecas. Os con quistadores levaram a melhor, a despeito da inferioridade numrica, gra as aos ressentimentos das tribos submetidas aos povos imperiais, e lalIl bm eficincia aterrorizadora das suas armas. Os conquistadores des truram essas civilizaes, que no queriam nem podiam compreender, sem ter a conscincia de que cometiam um crime; 3) o relacionamento en tre os europeus e os negros africanos talvez no seja substancialmente di ferente da relao entre espanhis e incas. Os antroplogos contempor neos nos recomendam no desprezar a "cultura" especfica daqueles que nossos antepassados consideravam conlO selvagens, agindo com cuidado e moderao ao estabelecer uma hierarquia de valores culturais. No que diz respeito crueldade, seria difcil estabelecer uma com parao entre as guerras envolvendo unidades polticas culturalmente aparentadas e heterogneas: as guerras feitas pelos conquistadores contra civilizaes que so incapazes de compreender ou as guerras entre povos civilizados e povos selvagens. Todos os conquistadores - mongis ou es panhis - mataram e pilharam. Os beligerantes no precisam ser estra nhos para se tratar com ferocidade; basta para isto a heterogeneidade poltica, muitas vezes criada ou pelo menos exacerbada pela prpria guer ra. A lula elllre ulliuaues ua IlleSllla civilizao s vezes ainda Inais furio sa, porque tem caractersticas de guerra civil e religiosa. A guerra entre Estados transforma-se em guerra civil quando cada unI dos campos que se defrontam est ligado a unla f~co dentro do outro campo; transforma se em guerra religiosa quando os indivduos associam-se a uma forma de terminada de Estado, nlais do que a um Estado concretamente; quando

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comprometem a paz civil reivindicando a livre escolha dos seus deuses ou da sua Igreja. Os sistemas internacionais que abrangem Estados aparentados e vizi nhos so ao mesmo tempo o palco de grandes guerras e o virtual espao de processos de unificao imperial. O campo diplomtico amplia-se me dida que as unidades polticas integram um nmero crescente de antigas unidades elementares. Depois da conquista macednica, as cidades gregas reunidas passaram a constituir uma unidade. Aps as conquistas de Ale xandre e do imprio romano, toda a bacia do Mediterrneo ficou subme tida s mesmas leis e mesma vontade. medida que o imprio progride, tende a desaparecer a distino entre parentesco de civilizao e participa o no Estado: o imprio est s voltas com os "brbaros", na sua periferia, e com populaes rebeldes, ou massas "no-civilizadas", no interior. Os combatentes de ontem tornam-se concidados. Retrospectivamente, a maior parte das guerras parecem guerras civis, porque colocam em oposio unidades polticas destinadas a fundir-se numa unidade de ordem superior. Antes do sculo XX, os japoneses s tinham tido guerras entre eles, e os chineses haviam combatido entre si e tambm contra os brbaros, mongis e manchus. Alis, no poderia ter sido diferente. Do mesmo modo que as pessoas, as coletividades esto em conflito com os vizinhos, que so outras coletividades, embora fsica e moralmente prximas. preciso que as unidades polticas sejam vastas para que o vizinho pertena a uma civilizao que o historiador, com uma perspectiva de sculos, possa considerar genuinamente diferente. Depois de 1945, o campo diplomtico estendeu-se at os confins do mundo, e o sistema diplomtico, a despeito de todas as diferenas inter nas, passou a tender homogeneidadejurdica, de que a Organizao das Naes Unidas uma manifestao.

3. Sociedade transnacional e sistema, internacionalDissemos que os sistemas internacionais englobam unidades que mantm um relacionamento diplomtico regular, relaes estas que se fazem acompanhar normalmente de laos entre os indivduos que participam das diferentes unidades. Os sistemas internacionais so o aspecto interestatal da sociedade qual pertencem as populaes submetidas a soberanias distintas. A so ciedade helnica, no sculo V antes da era crist, e a sociedade europia, no sculo atual, constituem realidades transnacionais.

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A sociedade transnacional manifesta-se pelo intercmbio comercial, pelos movimentos de pessoas, pelas crenas comuns, pelas organizaes que ultrapassam as fronteiras nacionais, pelas cerimnias e competies abertas aos membros de todas as unidades polticas. Ela tanto mais viva quanto maior a liberdade de comrcio, de movimentao e de comunica o; e quanto mais fortes forem as crenas comuns, mais numerosas sero as organizaes no-nacionais, mais solenes as cerimnias coletivas. fcil encontrar exemplos que ilustram a vitalidade da sociedade transnacional. Antes de 1914, o intercmbio econmico gozava, em toda a Europa, de grande liberdade, garantida pelo padro-ouro e pela conversi bilidade monetria mais do que pela legislao. Os partidos operrios agrupavam-se numa organizao internacional. A tradio grega dos jo gos olmpicos tinha sido retomada. A despeito da pluralidade das Igrejas crists, as crenas religiosas, morais e mesmo polticas eram fundamental mente anlogas em todos os pases. Um francs podia morar na Alema nha sem qualquer dificuldade, como um alemo podia preferir residir na Frana. Este exemplo - como o da sociedade helnica do sculo V antes de Cristo - ilustra a relativa autonomia da ordenl interestatal (da paz e da guerra) com relao ao contexto da sociedade transnacional. No basta que os indivduos se conheam e se freqentem, que troquem merca dorias e idias, para que reine a paz nas unidades polticas soberanas, em bora essa intercomunicao seja provavelmente indispensvel formao ulterior de uma comunidade internacional ou supranacional. O exemplo contrrio o da Europa e do mundo entre 1946 e 1953, e mesmo hoje - embora uma certa sociedade transnacional esteja em vias de se reconstituir, por cima da "Cortina de Ferro", depois de 1953. As tro cas comerciais entre pases comunistas e pases da Europa ocidental esta vam reduzidas a um mnimo e (pelo menos de um lado) tinham carter governamental. O "cidado sovitico" no tinha direito a comerciar com um "cidado capitalista", a no ser por intermdio da administrao pbli ca, e no podia comunicar-se com ele sem que isso despertasse suspeita. As comunicaes interindividuais estavam em sua maior parte proibidas, a no ser que fossem a expresso de comunicaes entre Estados: funcio nrios e diplomatas conversavam com seus colegas ocidentais no exerccio das suas funes. Essa ruptura totai a socieae [ransnacionai tinha um carter pa tolgico; hqje, a Unio Sovitica se faz representar em congressos cientfi cos e em competies esportivas; recebe turistas estrangeiros e permite to dos os anos que alguns milhares de cidados soviticos visitem os pases ocidentais. Os contatos pessoais com os ocidentais no so mais proibidos de modo radical: as esposas russas de aviadores ingleses tiveram permis

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so para se juntar aos maridos. O intercmbio comercial amplia-se gra dualmente. Contudo, duvidoso que esta restaurao da sociedade trans nacional tenha modificado o essencial: a heterogeneidade no que diz res peito ao princpio da legitimidade; a diferena na forma de organizao do Estado e da estrutura social, que permanece radical. A comunidade crist tem uma relevncia limitada, porque a f poltica prevalece sobre a f religiosa, e esta ltima considerada um assunto particular. Nenhuma organizao poltica, sindical ou ideolgica pode congregar cidados so viticos e ocidentais, a no ser que esteja a servio, aberto ou clandestino, da Unio Sovitica. A heterogeneidade do sistema interestatal divide de modo irremedivel a sociedade transnacional. Em todas as pocas a sociedade transnacional foi regida por costumes, convenes, ou por um direito especfico. As relaes que os cidados de um pas beligerante estavam autorizados a manter com os cidados do Es tado inimigo eram regidas mais pelo costume do que pela lei. Convenes intergovernamentais precisavam o estatuto dos cidados de cada pas que estivessem estabelecidos no territrio do outro. A legislao torna lcita ou ilcita a criao de movimentos transnacionais ou a participao em orga nizaes profissionais ou ideolgicas que pretendem agir num nvel su pranacional. Do ponto de vista sociolgico, estaria inclinado a denominar "direito internacional privado" o direito que regulamenta essa sociedade transna cional que acabamos de descrever - isto , a sociedade imperfeita, for mada por indivduos que pertencem a unidades polticas distintas e que mantm relaes recprocas enquanto pessoas privadas. Alguns juristas vinculam ao direito interno todo o direito internacional privado, ou parte dele, o que normal. As normas aplicveis aos estrangeiros e s relaes familiares ou comerciais entre nacionais e estrangeiros so parte inte grante do sistema de normas do Estado considerado. Ainda que tais nor mas derivem de um acordo entre Estados, isso no modifica em essncia a situao: os acordos sobre dupla tributao, por exemplo, garantem um tipo de tratamento recproco para os cidados de cada um dos pases sig natrios, ao mesmo tempo que protegem os contribuintes dos dois pases contra a sobreposio de taxas. As conseqncias dessas convenes entre Estados ocorrem dentro do sistema legal de cada um deles. Mas as proposies, proibies e obrigaes consignadas nos tratados entre Estados constituem o "direito internacional pblico". Nas duas se es precedentes, examinamos a configurao da relao de foras assim como a harrwgeneidade e heterogeneidade dos sistemas. A regulamentao das

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Raymond Aron

relaes internacionais se situa no ponto de encontro desses dois telnas. Em que medida as relaes entre os Estados, na paz e na guerra, esto su jeitas a um direito - no mesmo sentido em que o esto, e sempre o esti veram, as relaes entre os indivduos, na famlia e nos negcios 6 ? As relaes entre os Estados, como todas as outras relaes sociais, nunca foram puramente arbitrrias. Todas as civilizaes ditas superiores distinguiram entre os membros da tribo (da cidade ou do Estado) e os es trangeiros, bem como entre diversas categorias de estrangeiros. Os trata dos foram conhecidos desde a mais remota antiguidade, pelos egpcios e pelos hititas. Todas essas civilizaes tiveram um cdigo no-escrito que determinava o modo de tratar os embaixadores, os prisioneiros e at mesmo os guerreiros inimigos, durante o