Inferno - O Mundo Em Guerra 1939-1945 - Max Hastings

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Copyright Max Hastings, 2011 Capa: Fuzileiros navais americanos durante o combate em Iwo Jima. W. Eugene Smith/Time Life Pictures/Getty Images TTULO ORIGINAL All Hell Let Loose DESIGN DE CAPA Jason Booher ADAPTAO DE CAPA Julio Moreira PREPARAO Elisa Nogueira Leonardo Alves REVISO Clara Diament REVISO TCNICA Joubert Brizida REVISO DE EPUB Juliana Latini GERAO DE EPUB Intrnseca E-ISBN 978-85-8057-270-4 Edio digital: 2012 Todos os direitos reservados Editora Intrnseca Ltda. Rua Marqus de So Vicente, 99/3o andar 22451-041 Gvea Rio de Janeiro RJ Tel./Fax: (21) 3206-7400 www.intrinseca.com.br

PARA MICHAEL SISSONS, por trinta anos um magnfico agente, conselheiro e amigo

SumrioIntroduo A Polnia trada Nenhuma paz, pouca guerra Blitzkriegs no oeste1 NORUEGA 2 A QUEDA DA FRANA

1 2 3 4 5

Gr-Bretanha sozinha O Mediterrneo1 APOSTAS DE MUSSOLINI 2 UMA TRAGDIA GREGA 3 TEMPESTADES DE AREIA

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Barbarossa Moscou salva, Leningrado faminta Amrica preparada para o combate A temporada de triunfos do Japo1 ESPERO QUE PONHAM ESSES BAIXINHOS PARA CORRER 2 A ROTA BRANCA DA BIRMNIA

Mudanas na sorte1 BATAAN 2 O MAR DE CORAL E MIDWAY 3 GUADALCANAL E NOVA GUIN

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Os britnicos no mar1 O ATLNTICO 2 COMBOIOS RTICOS 3 A PROVAO DA PEDESTAL

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A fornalha: a Rssia em 1942 Viver com a guerra1 GUERREIROS 2 LINHA DE FRENTE DOMSTICA 3 O LUGAR DA MULHER

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Expulsos da frica O urso se vira: a Rssia em 1943 Imprios divididos1 LIBERDADE DE QUEM? 2 A HORA MENOS BELA

Frentes asiticas1 CHINA 2 ATAQUES NA SELVA E PULOS DE ILHA EM ILHA

Itlia: grandes esperanas, frutos amargos1 SICLIA 2 A ESTRADA PARA ROMA 3 IUGOSLVIA

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Guerra no cu1 BOMBARDEIROS 2 ALVOS

20 21 22 23 24

Vtimas1 SENHORES E ESCRAVOS 2 MATAR JUDEUS

A Europa se torna um campo de batalha Japo: desafiando o destino Alemanha sitiada A queda do Terceiro Reich1 BUDAPESTE: NO OLHO DO FURACO 2 EISENHOWER AVANA PARA O ELBA 3 BERLIM: A LTIMA BATALHA

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Japo prostrado Vencedores e vencidos Caderno de fotos Agradecimentos Lista de imagens Lista de mapas Notas e referncias Bibliografia

IntroduoEste livro trata, principalmente, de experincias humanas. Homens e mulheres de dezenas de pases lutaram em busca de palavras para descrever o que lhes aconteceu durante a Segunda Guerra Mundial, que transcendeu tudo o que conheciam. Muitos recorreram a um clich: Um verdadeiro inferno. Por ser essa frase um lugar-comum nas descries das testemunhas oculares de batalhas, ataques areos, massacres e afundamentos de navios, as geraes posteriores se sentem tentadas a trat-la como uma trivialidade. Ainda assim, num sentido importante, essas palavras capturam a essncia do que signi cou a luta para centenas de milhes de pessoas, arrancadas de suas existncias pac cas e ordeiras para enfrentar provaes que, em muitos casos, duraram anos e que, para ao menos sessenta milhes de pessoas, levaram morte. Cerca de 27 mil pessoas morreram diariamente entre setembro de 1939 e agosto de 1945 em consequncia do con ito global. Alguns sobreviventes descobriram que seu comportamento durante a luta definiu, pelo resto da vida, sua posio na sociedade, para o bem ou para o mal. Guerreiros bem-sucedidos preservaram um brilho que permitiu a alguns progredir no governo ou nos negcios. Em sentido inverso, num bar em Londres, trinta anos depois do Dia da Vitria, um veterano da Guarda murmurava sobre um destacado estadista conservador: No mau sujeito, Smith. Pena que fugiu na guerra. Uma holandesa descobriu, enquanto crescia nos anos 1950, que seus pais classi cavam cada vizinho de acordo com seu comportamento durante a ocupao alem da Holanda. Soldados de infantaria britnicos e americanos horrorizaram-se com as experincias vividas na campanha de 1944 e 1945 no noroeste da Europa, que se estendeu por onze meses, mas russos e alemes combateram entre si, por quase quatro anos, em condies bem piores e sofrendo baixas* muito mais numerosas. Alguns pases que desempenharam um papel militar apenas marginal perderam muito mais gente do que os Aliados Ocidentais: as atribulaes da China nas mos dos japoneses entre 1937 e 1945 custaram pelo menos quinze milhes de vidas; na Iugoslvia, onde a guerra civil se sobreps ocupao pelo Eixo, o nmero de mortos ultrapassou um milho. Muitas pessoas testemunharam espetculos comparveis concepo de inferno dos pintores renascentistas, para onde eram relegados os condenados: seres humanos despedaados em fragmentos de carne e osso, cidades incineradas por bombas e reduzidas a entulho, comunidades organizadas desfeitas em partculas humanas dispersas. Quase tudo o que os povos civilizados consideram garantido em tempos de paz foi posto de lado, especialmente a expectativa de receber proteo contra a violncia. impossvel detalhar num nico volume a vastido da guerra, o maior evento da histria humana. Embora eu tenha descrito seus aspectos em oito ttulos, sendo os mais signi cativos Bomber Command, Overlord, Armageddon, Nemesis e Finest Years , esforcei-me para evitar a repetio de casos ou a anlise de grandes questes. Por exemplo, depois de dedicar um captulo inteiro de Nemesis ao lanamento das bombas atmicas em Hiroshima e Nagasaki em 1945, parece improdutivo revisitar meus prprios argumentos. Este livro oferece uma estrutura cronolgica e procura estabelecer e re etir sobre a viso geral, o contexto dos acontecimentos:

o leitor deve adquirir uma ampla percepo do que aconteceu ao mundo entre 1939 e 1945, mas o objetivo principal iluminar o que o con ito signi cou para uma multido de pessoas comuns de muitas sociedades, participantes tanto ativos quanto passivos embora a distino quase sempre seja pouco clara. Por exemplo, uma mulher de Hamburgo que apoiava Hitler ardorosamente, mas morreu nos incndios gerados pelos bombardeios dos Aliados em julho de 1943, foi cmplice da responsabilidade nazista pela guerra ou vtima inocente de uma atrocidade? Na busca pela histria humana, sempre que possvel sem perder a coerncia, minha narrativa omite identi caes de unidades e detalhes sobre manobras em campos de batalha. Tentei criar um retrato global: a narrativa estratgica ressalta aspectos do con ito que no examinei em outras ocasies e sobre os quais parece haver mais a dizer sobre a ndia, por exemplo em detrimento de outros, j explorados exaustivamente, como Pearl Harbor e a batalha da Normandia. O genocdio de judeus tornou-se o objetivo mais coerente da ideologia nazista. Em Armageddon, escrevi sobre as a ies dos prisioneiros em campos de concentrao e aqui, ao contrrio, tratei a evoluo do Holocausto a partir de uma perspectiva nazista. A concepo ocidental moderna de que a guerra foi travada por causa dos judeus to generalizada que se deve enfatizar que no foi esse o caso. Embora Hitler e seus seguidores preferissem atribuir aos judeus a culpa pelos problemas da Europa e pelas injustias sofridas pelo Terceiro Reich, a luta da Alemanha contra os Aliados era sobre poder e dominao hemisfrica. Os apuros do povo judeu sob a ocupao nazista pareciam assunto relativamente menor no entendimento de Churchill e de Roosevelt e, o que menos surpreendente, de Stalin. Cerca de um stimo de todas as vtimas fatais do nazismo e quase um dcimo de todos os mortos na guerra eram judeus, mas, naquele momento, essa perseguio era vista pelos Aliados meramente como um fragmento dos danos colaterais causados por Hitler, que como os russos ainda veem o Holocausto. A limitada ateno dada pelos Aliados s di culdades dos judeus durante a guerra foi uma fonte de frustrao e de revolta para outros judeus bem informados e motivo de grande indignao desde ento. Porm, importante reconhecer que entre 1939 e 1945 os pases aliados viram a luta principalmente em termos da ameaa que o Eixo impunha aos seus interesses, apesar de Churchill definir esses interesses em termos generosos e nobres. Uma entre as mais importantes verdades sobre a guerra, a rigor sobre todos os assuntos humanos, que as pessoas somente podem interpretar o que lhes acontece no contexto de suas prprias circunstncias. O fato de que, objetiva e estatisticamente, o sofrimento de alguns indivduos foi menos terrvel do que o de outros, em variadas partes do mundo, no importava aos envolvidos. A um soldado britnico ou americano que enfrentava uma barragem de morteiro, com camaradas morrendo sua volta, pareceria monstruoso demonstrar que as baixas russas eram muitas vezes maiores. Seria um insulto convidar um francs faminto, ou mesmo uma dona de casa inglesa cansada da monotonia das raes, a considerar que na sitiada Leningrado pessoas famintas comiam umas s outras e que, na Bengala Ocidental, pais vendiam lhas. Poucas pessoas que suportaram a blitz da Luwae em 1940 e 1941 em Londres se sentiriam confortadas ao saber que alemes e japoneses enfrentariam perdas muito piores in igidas pelos bombardeios aliados, junto com uma devastao sem paralelo na histria. o

dever e o privilgio de historiadores mostrar um relativismo aos eventos que no se pode esperar de contemporneos. Quase todos os participantes da guerra sofreram em algum grau: a escala variada e a natureza diversa de suas experincias so temas deste livro, mas o fato de as aflies de outras pessoas serem piores pouco fazia para promover o estoicismo pessoal. Alguns aspectos da experincia de guerra foram quase universais: o medo, a dor e o recrutamento de jovens obrigados a suportar vidas absolutamente distantes daquelas que escolheriam, em geral pegando em armas e, nos piores casos, como escravos. A exploso de casos de prostituio foi um trgico fenmeno global, que merece seu prprio livro. O con ito provocou muitas migraes em massa. Algumas eram ordeiras: metade da populao da GrBretanha mudou-se durante a guerra, e muitos americanos aceitaram empregos em lugares desconhecidos. Em outras partes, porm, milhes de pessoas foram arrancadas de suas comunidades em circunstncias espantosas e enfrentaram provaes que, com frequncia, as levaram morte. uma poca estranha, 1 escreveu uma annima berlinense, em 22 de abril de 1945, num dos melhores dirios escritos durante a guerra, a histria vivida em primeira mo, a matria-prima de histrias ainda no contadas e de canes ainda no cantadas. Mas, vista de perto, a histria muito mais incmoda nada alm de fardos e medos. Amanh sairei procura de urtigas e um pouco de carvo. A natureza da experincia no campo de batalha variava de pas para pas, de fora armada para fora armada. Dentro dos exrcitos, os fuzileiros viveram riscos e di culdades muito maiores que as de milhes de soldados das unidades de apoio. As foras armadas americanas sofreram uma proporo geral de baixas de apenas cinco para cada mil soldados alistados; a ampla maioria daqueles que serviram no enfrentou perigos maiores do que os civis de vida comum. Enquanto dezessete mil feridos americanos perderam membros, cem mil operrios sofreram amputaes em decorrncia de acidentes industriais nos Estados Unidos durante os anos de guerra. Homens que se viam no campo de batalha enquanto seus pases batiam em retirada sofreram mais do que aqueles que serviram em tempos de vitria; guerreiros aliados que somente participaram de combates em 1944 e 1945 tinham uma perspectiva de sobrevivncia muito melhor do que, digamos, tripulantes de avies ou de submarinos que comearam a participar de operaes mais cedo, quando sua causa ia mal. Minha histria enfatiza opinies e experincias vistas a partir dos degraus mais baixos, as vozes da gente comum, no de pessoas mais importantes; escrevi extensamente sobre os chefes militares de 1939-1945 em outras publicaes. Dirios e cartas contemporneos registram o que as pessoas zeram ou o que se fez a elas, mas geralmente dizem pouco sobre o que pensavam; o que mais interessante, mas tambm mais evasivo. A explicao bvia que muitos guerreiros eram jovens e imaturos: viviam extremos de agitao, terror ou di culdades, mas apenas uma pequena minoria tinha energia emocional para re etir, pois estavam absorvidos por seu ambiente fsico, por suas necessidades e desejos mais imediatos. Era fundamental que somente um nmero n mo de lderes e comandantes nacionais soubesse muito sobre o que se passava alm de seu campo de viso. Os civis viviam numa espessa nvoa de propaganda e incertezas, um pouco menos densa na Gr-Bretanha e nos Estados Unidos do que na Alemanha ou na Rssia. Os combatentes na linha de frente avaliavam seu xito ou fracasso na guerra contando o nmero de baixas e observando se

andavam para a frente ou para trs. Esses indicadores, porm, nem sempre eram adequados: o batalho do soldado Eric Diller passou dezessete dias isolado do principal exrcito americano durante a campanha de Leyte, nas Filipinas, mas s percebeu a gravidade da situao quando ela lhe foi explicada pelo comandante de sua companhia depois da guerra.2 Mesmo quem tinha acesso privilegiado a segredos era con nado a fragmentos de conhecimento de um vasto quebra-cabea. Roy Jenkins, por exemplo, que se tornaria um estadista britnico, decifrava mensagens alems em Bletchley Park. Ele e seus colegas conheciam a importncia e a urgncia do trabalho que executavam, mas, ao contrrio da impresso dada por lmes sensacionalistas sobre Bletchley, nada sabiam sobre o signi cado ou o impacto de sua contribuio. Essas restries eram maiores, o que no surpreendente, do outro lado: em janeiro de 1942, Hitler convenceu-se de que muita gente sabia demais em Berlim e decretou que mesmo funcionrios do Abwehr receberiam apenas as informaes necessrias ao desempenho de suas funes e proibiu que ouvissem as transmisses radiofnicas inimigas, desvantagem considervel para um servio de inteligncia.3 Fascina-me a complexa interao de lealdades e de simpatias mundo afora. Na GrBretanha e nos Estados Unidos, a certeza de que os pais e avs combateram a boa guerra est to entranhada que muitas vezes esquecemos que povos de muitos pases adotaram atitudes mais ambguas: sditos coloniais e principalmente os quatrocentos milhes de habitantes da ndia viam pouco mrito na derrota do Eixo se continuassem a sofrer o domnio britnico. Muitos franceses lutaram vigorosamente contra os Aliados. Na Iugoslvia, faces rivais estavam muito mais empenhadas em travar uma guerra civil do que em defender os interesses dos Aliados ou do Eixo. Grandes nmeros de sditos de Stalin aproveitaram a oportunidade oferecida pela ocupao alem para enfrentar o odiado regime de Moscou. Nada disso abala a certeza de que a causa aliada merecia triunfar, mas tais fatos enfatizam que Churchill e Roosevelt nem sempre eram a voz da razo. Talvez seja til explicar como este livro foi escrito. Comecei com a releitura de A World at Arms, de Gerhard Weinberg, e de Total War , de Peter Calvocoressi, Guy Wint e John Pritchard, provavelmente as duas melhores histrias da guerra em volume nico. Em seguida, compus o esqueleto da narrativa, sequenciando os acontecimentos mais importantes, e estendi sobre ele a carne de pequenas histrias e de minhas re exes. Quando terminei o rascunho, reli outros notveis relatos recentes sobre o con ito: Why the Allies Won, de Richard Overy, Theres a War to be Won , de Allan Millett e Williamson Murray, e Moral Combat, de Michael Burleigh, e revi meus comentrios e concluses luz de suas anlises. Sempre que possvel, escolhi historietas relativamente obscuras em detrimento de lembranas pessoais merecidamente celebradas omitindo, por exemplo, coisas como e Last Enemy, de Richard Hillary, e Quartered Safe out Here, de George Macdonald Fraser. A Dra. Lyuba Vinogradova, que pesquisou meu material russo na ltima dcada, mais uma vez identi cou e traduziu narrativas, dirios e cartas pessoais para esta obra. Serena Sissons traduziu milhares de palavras de memrias e dirios italianos, porque o povo de Mussolini me parece pouco representado na maioria das narrativas anglo-saxnicas. Explorei relatos poloneses inditos nos arquivos do Imperial War Museum e no Instituto Sikorski em Londres. Mais uma vez, agradeo Dra. Tami Biddle, da Escola Superior de Guerra do Exrcito dos Estados

Unidos, em Carlisle, Pensilvnia, por interpretaes e documentos resultantes de suas pesquisas, que generosamente compartilhou comigo. Vrios amigos, em especial o professor Sir Michael Howard, o Dr. Williamson Murray e Don Berry, me concederam a gentileza de ler o rascunho e fazer correes, sugestes e comentrios valiosos. O decano dos historiadores navais britnicos, professor Nicholas Rodger, da All Souls College, em Oxford, leu o captulo sobre a experincia britnica no mar, para o bem do texto nal. Richard Frank, destacado especialista na histria do Pac co americano, identi cou um alarmante catlogo de erros escandalosos em meu rascunho, pelo que sou profundamente grato. Nenhum deles, obviamente, responsvel, de alguma forma, por meus julgamentos e erros. A mais alta aspirao de qualquer escritor, mais de 65 anos depois do m da guerra, oferecer uma viso pessoal, mais do que um relato abrangente, dessa que foi a maior e mais terrvel de todas as experincias humanas e que jamais deixa de inspirar em seus estudiosos mais modernos uma humildade e gratido por termos sido poupados de qualquer coisa parecida. Em 1920, quando o coronel Charles Court Repington, correspondente militar do Daily Telegraph , publicou um best-seller sobre o con ito recente, consideraram sinistro e de mau gosto que tenha escolhido como ttulo A Primeira Guerra Mundial, pois presumia a existncia de outras. Chamar este livro de A ltima guerra mundial pode ser um desa o providncia, mas certo, pelo menos, que nunca mais milhes de homens armados iro se enfrentar em campos de batalha europeus como em 1939-1945. Os con itos do futuro sero bastante diferentes, e talvez eu no esteja sendo precipitadamente otimista ao sugerir que sero menos terrveis.MAX HASTINGS

Chilton Foliat, Berkshire, e Kamogi, Qunia Junho de 2011*Neste livro, a palavra baixa usada em seu sentido tcnico militar, signi cando homem morto, desaparecido, ferido ou prisioneiro. Na maioria dos combates terrestres e em quase todos os teatros de guerra, aproximadamente trs homens eram feridos para cada morto.

1 A Polnia tradaEmbora Adolf Hitler estivesse decidido a ir guerra, sua invaso Polnia, em 1939, no era mais contundente para desencadear um con ito global do que fora o assassinato do arquiduque Francisco Ferdinando, da ustria, em 1914. A Gr-Bretanha e a Frana no tinham vontade ou recursos para cumprir com e ccia as garantias de segurana que haviam dado aos poloneses. A declarao de guerra dos dois pases Alemanha foi um gesto que mesmo os antinazistas mais arraigados consideraram tolo, por futilidade. Para todos os beligerantes, exceto os poloneses, a luta comeou lentamente: somente no terceiro ano a morte e a destruio globais atingiram a vastido que seria mantida at 1945. At mesmo o Reich de Hitler era, no incio, mal equipado para gerar a intensidade de violncia exigida por um con ito mortal entre os pases mais poderosos do mundo. No vero de 1939, E o vento levou, o romance de Margaret Mitchell sobre o velho Sul norteamericano, desfrutou de uma onda de popularidade na Polnia. De alguma forma, eu o considerei proftico, 1 escreveu um de seus leitores poloneses, Rula Langer. Poucos compatriotas duvidavam que um con ito com a Alemanha fosse iminente, pois Hitler deixara claro seu compromisso com a conquista. O povo polons, ferozmente nacionalista, respondeu ameaa nazista com o mesmo esprito dos jovens da Confederao, fadados morte, em 1861. Como muitos de ns, eu acreditava em nais felizes, 2 contou um jovem piloto de caa. Queramos lutar, aquilo nos animava, e queramos que fosse rpido. No acreditvamos que algo ruim pudesse realmente acontecer. Quando o tenente de artilharia Jan Karski recebeu a ordem de mobilizao, em 24 de agosto, sua irm o aconselhou a no levar roupas demais. Voc no est indo para a Sibria,3 disse ela. Teremos voc de volta dentro de um ms. Os poloneses manifestavam sua propenso fantasia. Havia uma exuberncia nas conversas de caf e de bar em Varsvia, com suas belezas barrocas e seus 25 teatros que levaram os cidados a proclamarem-na a Paris da Europa Oriental. Um reprter do New York Times escreveu, ao visitar a capital polonesa: Ouvindo as pessoas falarem, pode-se pensar que a Polnia, e no a Alemanha, era o grande colosso industrial. 4 O ministro do Exterior de Mussolini, seu genro, o conde Galeazzo Ciano, advertiu o embaixador polons em Roma de que, se resistisse s demandas territoriais de Hitler, seu pas combateria sozinho e rapidamente se transformaria num monte de runas. 5 O embaixador no discordou, mas disse, vagamente, que algum sucesso eventual (...) poderia dar Polnia mais fora. Na Gr-Bretanha, os jornais de lorde Beaverbrook denunciaram como provocativa a atitude desa adora de Varsvia diante das ameaas de Hitler. A nao polonesa de trinta milhes de habitantes, incluindo quase um milho de etnia alem, cinco milhes de ucranianos e trs milhes de judeus, manteve suas fronteiras estabelecidas pelo Tratado de Versalhes por um perodo de apenas vinte anos. Entre 1919 e 1921, a Polnia lutou contra os bolcheviques para rea rmar sua independncia em relao persistente hegemonia russa. Em 1939, o pas era governado por uma junta militar, embora o

historiador Norman Davies tenha a rmado que: Se houve tempos difceis e injustia na Polnia, no houve fome ou assassinatos em massa, como na Rssia, nem se recorreu aos mtodos bestiais do fascismo ou do stalinismo. 6 A pior manifestao do nacionalismo polons era o antissemitismo, exemplificado por cotas para o ingresso de judeus nas universidades. Aos olhos de Berlim e de Moscou, o estado polons devia sua existncia apenas fora maior dos Aliados em 1919 e no tinha legitimidade. Em um protocolo secreto do Pacto NaziSovitico, assinado em 23 de agosto de 1939, Hitler e Stalin concordaram com a partio e dissoluo da Polnia. Apesar de verem a Rssia como inimiga histrica, os poloneses ignoravam as intenes soviticas imediatas para o pas e estavam determinados, em vez disso, a frustrar os propsitos da Alemanha. Sabiam que o mal equipado exrcito polons seria incapaz de derrotar a Wehrmacht; todas as suas esperanas repousavam numa ofensiva anglo-francesa a oeste, que dividiria as foras da Alemanha. Em vista da irremedivel situao militar da Polnia,7 escreveu seu embaixador em Londres, o conde Edward Raczyski, minha maior preocupao tem sido garantir que no sejamos envolvidos na guerra contra a Alemanha sem receber ajuda imediata de nossos aliados. Em maro de 1939, os governos britnico e francs deram garantias, formalizadas em tratados subsequentes, de que lutariam caso houvesse agresso alem contra a Polnia. Se o pior acontecesse, a Frana prometeu cpula militar em Varsvia que seu exrcito atacaria a linha Siegfried de Hitler em at treze dias depois da mobilizao. A Gr-Bretanha prometeu uma ofensiva imediata com avies de bombardeio contra a Alemanha. As garantias oferecidas pelas potncias re etiam cinismo, pois nenhuma delas tinha a menor inteno de cumpri-las: destinavam-se a deter Hitler mais do que a fornecer assistncia militar verdadeira Polnia. Eram gestos sem substncia, mas os poloneses preferiram acreditar. Embora Stalin no fosse cobeligerante de Hitler, o acordo entre Moscou e Berlim o tornava cobene cirio das agresses nazistas. De 23 de agosto em diante, o mundo viu a Alemanha e a Unio Sovitica agirem de comum acordo, faces gmeas do totalitarismo. Pela maneira como a luta global terminou em 1945, com a Rssia ao lado dos Aliados, alguns historiadores aceitaram a classi cao que a Unio Sovitica fez de si mesma, depois da guerra, como potncia neutra at 1941. um engano. Embora Stalin temesse Hitler e soubesse que um dia teria de lutar contra ele, tomou, em 1939, a deciso histrica de consentir com a agresso alem em troca do apoio nazista ao seu programa de ampliao territorial. Quaisquer que fossem as desculpas dadas posteriormente pelo lder sovitico, e apesar de seus exrcitos nunca terem lutado em parceria com a Wehrmacht, o Pacto Nazi-Sovitico estabeleceu uma colaborao que persistiu at Hitler revelar seus verdadeiros objetivos com a operao Barbarossa. O pacto de no agresso de Moscou, junto ao Tratado de Amizade, Cooperao e Demarcao, de 28 de setembro, comprometeu os dois principais tiranos do mundo a endossarem as ambies um do outro e renegarem hostilidades recprocas em favor de engrandecimento em outros lugares. Stalin aquiescia s polticas expansionistas de Hitler a oeste e deu importante ajuda material Alemanha petrleo, milho e produtos minerais. Os nazistas, mesmo com a falta de sinceridade, concederam rdea solta, no leste, aos soviticos, cujos objetivos incluam a Finlndia Oriental e os pases blticos, alm de um grande pedao da carcaa da Polnia.

Hitler queria que a Segunda Guerra Mundial comeasse em 26 de agosto, apenas trs dias depois da assinatura do Pacto Nazi-Sovitico. Mas, em 25 de agosto, enquanto ordenava que a mobilizao prosseguisse, ele adiou a invaso Polnia: cou chocado ao descobrir que Mussolini no estava disposto a lutar imediatamente ao seu lado e que comunicaes diplomticas sugeriam que a Gr-Bretanha e a Frana tinham a inteno de honrar as garantias oferecidas a Varsvia. Trs milhes de homens, quatrocentos mil cavalos e duzentos mil veculos, alm de cinco mil trens, avanavam rumo fronteira polonesa enquanto uma ltima lufada de propostas fteis ocorria entre Berlim, Londres e Paris. Finalmente, em 30 de agosto, Hitler ordenou o ataque. s 20h da noite seguinte, a cortina se abriu para o primeiro, e apropriadamente srdido, ato do con ito. Sturmbannfhrer Alfred Naujocks, do Sicherheitsdienst (servio de segurana alemo), comandou um grupo vestido em uniformes poloneses, que inclua uma dzia de criminosos condenados desdenhosamente chamados de Konserwen latas , num assalto simulado estao de rdio alem em Gleiwitz, na Alta Silsia. Tiros foram disparados, slogans patriticos poloneses foram transmitidos pelas ondas de rdio, e, ento, os agressores se retiraram. Soldados das SS metralharam os latas, cujos corpos ensanguentados foram exibidos a correspondentes estrangeiros como prova da agresso polonesa. s 2 horas de 1 de setembro, o Primeiro Regimento Montado da Wehrmacht foi um dos grupos despertados em seus bivaques pelo toque de clarim algumas unidades alems, e muitas polonesas, seguiram a cavalo para a batalha. Os esquadres selaram, montaram e puseram-se em marcha at a linha de partida, ao lado de barulhentas colunas de blindados, caminhes e canhes. A ordem fora dada: Retirar as coifas dos canhes! Carregar! Usar travas de segurana! s 4h40, os grandes canhes do velho couraado alemo Schleswig-Holstein, ancorado no porto de Danzig para uma visita de estreitamento de laos, abriram fogo contra o forte polons de Westerplatte. Uma hora depois, soldados alemes demoliram postes na fronteira ocidental, abrindo caminho para que as lideranas da fora de invaso adentrassem a Polnia. Um dos comandantes, o general Heinz Guderian, logo se viu passando pela propriedade ancestral de sua famlia em Chelmno, onde nascera quando o lugar era parte da Alemanha pr-Versalhes. Entre seus soldados, o tenente Wilhelm Pruller, de 23 anos, expressou a euforia que se alastrava pelo exrcito: um maravilhoso sentimento, agora, ser alemo (...) Atravessamos a fronteira. Deutschland, Deutschland ber alles! A Wehrmacht alem est marchando! Se olharmos para trs ou para a frente, esquerda ou direita, a Wehrmacht motorizada est em toda parte!8 Os Aliados Ocidentais, encorajados por saberem que a Polnia se gabava de ter o quarto maior exrcito da Europa, previam que a luta duraria alguns meses. Os defensores posicionaram 1,3 milho de homens contra 1,5 milho de alemes, com 37 divises em cada lado. Mas a Wehrmacht era muito mais bem equipada, contando com 3.600 veculos blindados, contra 750 dos poloneses, e 1.929 avies modernos, contra novecentos obsoletos. O exrcito polons posicionava-se progressivamente desde maro, mas evitara a plena mobilizao em ateno aos apelos anglo-franceses para que no provocasse Hitler. Com isso, os defensores foram surpreendidos em 1 de setembro. Um diplomata polons escreveu a respeito da atitude de seu povo: Eles estavam unidos no desejo de resistir, mas sem uma ideia clara sobre o tipo de

resistncia que deviam oferecer, alm de muita conversa mole sobre se apresentarem voluntariamente como torpedos humanos.9 Ephrahim Bleichman, um judeu de dezesseis anos que vivia em Kamionka, foi, com milhares de moradores locais, convocado praa da cidade para ouvir o prefeito. Cantamos um hino polons declarando que a Polnia ainda no estava perdida e outro prometendo que nenhum alemo nos cuspiria no rosto. 10 Piotr Tarczyski, de 26 anos, funcionrio administrativo de uma fbrica, esteve doente por algumas semanas antes de ser recrutado. Mas, quando informou ao o cial comandante de sua bateria de artilharia que tinha problemas de sade, o coronel respondeu com um enrgico discurso patritico e me disse que tinha certeza de que eu, quando me visse na sela, me sentiria muito melhor. 11 Era tal a escassez de equipamentos que o regimento no pde dar uma arma individual a Tarczyski, mas ele recebeu um bem de distribuio restrita, um grande cavalo chamado Wojak Guerreiro. Um instrutor da fora area, Witold Urbanowitz, simulava uma batalha area com um aluno, no cu de Dblin, quando viu, estupefato, buracos surgirem nas asas do avio. Aterrissando s pressas, encontrou um colega o cial que corria pelo campo e exclamava: Voc est vivo, Witold? No est ferido? 12 Urbanowitz exigiu uma explicao: O que est acontecendo? O camarada respondeu: Voc deveria ir igreja e acender uma vela. Voc foi atacado por um Messerschmitt! A vulnerabilidade das defesas polonesas era bvia em toda parte. O piloto de caa Franciszek Kornicki13 recebeu ordem para decolar duas vezes, em 1 e 2 de setembro. Na primeira vez, perseguiu um avio alemo que se distanciou com facilidade; na segunda ocasio, quando seus canhes emperraram, ele tentou consert-los, virou o avio sobre o prprio eixo e atacou novamente. Quando a aeronave se inclinou quase verticalmente, as velas dos cintos que o seguravam na cabine cederam, ele caiu no cu e se viu fazendo uma constrangedora descida de paraquedas. s 17 horas, perto da aldeia de Krojanty, cavaleiros poloneses da Uhlan receberam ordem para contra-atacar e cobrir a retirada da infantaria vizinha. Enquanto se alinhavam e desembainhavam os sabres, o ajudante de ordens capito Godlewski sugeriu que avanassem a p. Meu jovem, respondeu, irritado, o comandante do regimento, coronel Mastalerz, sei muito bem o que cumprir uma ordem impossvel. Curvados sobre o pescoo dos cavalos, 250 homens avanaram rapidamente por um campo aberto. Soldados alemes de infantaria saram do caminho sua frente, mas alm deles havia veculos blindados, cujas metralhadoras destruram os uhlans. Dezenas de cavalos arrebentaram-se no cho, enquanto outros disparavam sem cavaleiros. Dentro de minutos, metade dos atacantes estava morta, incluindo o coronel Mastalerz. Os sobreviventes bateram em retirada desordenadamente. O alto-comando da Frana tinha insistido que os poloneses concentrassem suas foras atrs de trs grandes rios no centro do pas, mas o governo de Varsvia achou mais importante defender os 1.440 quilmetros de fronteira com a Alemanha, em boa parte porque a maior parte da indstria polonesa se localizava a oeste; com isso, algumas divises caram responsveis por fronts de 29 quilmetros, quando suas foras cerca de quinze mil homens mal davam conta de cinco ou seis quilmetros. O ataque alemo de trs pontas norte, sul e oeste penetrou profundamente no pas em face da resistncia ine ciente, isolando bolses de defensores. Avies da Luwae apoiaram os tanques Panzer e lanaram ataques areos

arrasadores sobre Varsvia, Lodz, Dblin e Sandomierz. Soldados e civis poloneses foram metralhados e bombardeados com imparcialidade brutal, ainda que algumas vtimas demorassem a reconhecer a gravidade da ameaa. Depois da primeira onda de ataques, Virgilia, americana casada com o prncipe polons Paul Sapieha, disse famlia, para tranquiliz-la: Vejam, essas bombas no so to ruins. Seu latido pior do que a mordida. Quando duas bombas caram no parque da imponente casa da famlia Smorczewski, em Tarnogra, na noite de 1 de setembro, as crianas da casa, Ralph e Mark, foram arrancados da cama pela me e apressados para se esconder na mata com outros jovens refugiados. Quando nos recuperamos do choque inicial, 14 escreveu Ralph, posteriormente, olhamos uns para os outros e tivemos um ataque de riso. Que cena estranha formvamos: um bando heterogneo de jovens, alguns de pijama, outros com casacos por cima das roupas ntimas, parados ao acaso debaixo das rvores, brincando com mscaras de gs. Decidimos voltar para casa. Logo, porm, as risadas cessaram: o povo da Polnia foi obrigado a reconhecer o poder devastador da Luwae. Fui acordado pelo gemido das sirenes e pelo barulho das exploses,15 escreveu o diplomata Adam Kruczkiewicz, em Varsvia. Vi avies alemes voando a altitudes incrivelmente baixas e jogando bombas vontade. Havia tiros intermitentes de metralhadora disparados do topo de alguns edifcios, mas nenhum piloto polons (...) A cidade estava impressionada com a quase total ausncia de defesa antiarea. Todos se sentiam amargamente decepcionados. A cidade de Lutsk certa manh, cedo, foi alvo de uma dzia de bombas alems, que mataram dezenas de pessoas, na maioria crianas a caminho da escola. Vtimas impotentes chamaram o cu sem nuvens daqueles dias de setembro de a maldio da Polnia. O piloto B. J. Solak escreveu: O cheiro de queimado e um vu marrom de fumaa encheram todo o ar em volta de nossa cidade. 16 Depois de esconder seu avio desarmado debaixo de rvores, Solak dirigia para casa quando viu um campons na estrada, puxando um cavalo cujas ancas eram uma manta de sangue congelado. Sua cabea tocava a poeira com as narinas, e a cada passo ele estremecia de dor. O jovem aviador perguntou ao campons aonde ele levava o animal ferido, vtima de um Stuka, avio de bombardeio em picada. Para a clnica veterinria da cidade. Mas faltam seis quilmetros e meio! Um dar de ombros: Eu s tenho este cavalo. Mil tragdias maiores se desenrolaram. Enquanto a bateria de artilharia do tenente Piotr Tarczyski avanava, chacoalhando, para o campo de batalha, avies Stuka se lanavam sobre ela; todos saltaram de suas selas e se jogaram no cho. Algumas bombas foram lanadas, homens e cavalos caram. Ento, os avies sumiram, a bateria se refez e retomou a marcha. Vimos duas mulheres, uma de meia-idade e a outra apenas uma menina, carregando uma escada de mo. Nela, estendia-se um homem ferido, ainda vivo e segurando com fora o abdome. Quando passaram por ns, vi que os intestinos dele se arrastavam no cho. 17 Wadysaw Anders havia lutado com os russos na Primeira Guerra Mundial, sob o general czarista de nome extico Khan de Nakhitchevan. Agora, no comando de uma brigada de cavalaria polonesa, Anders viu uma professora conduzir um grupo de alunos para o abrigo proporcionado pela mata. De repente, ouviu-se o rudo de um avio. O piloto voou em crculos, descendo a uma altura de cinquenta metros. Enquanto jogava suas bombas e disparava

suas metralhadoras, as crianas se espalharam como pardais. O avio desapareceu com a mesma rapidez com que surgiu, mas no campo caram algumas trouxas de roupas coloridas, amarrotadas e sem vida. A natureza da nova guerra j estava clara.18 George lzak, de treze anos, estava num trem com um grupo de crianas que voltava de um acampamento de vero para sua cidade, Lodz. Subitamente, houve exploses e gritos, e o trem parou. O lder do grupo ordenou aos berros que os meninos sassem depressa e corressem para uma oresta prxima. Chocados e aterrorizados, eles permaneceram deitados por meia hora at que o bombardeio cessasse. Ao se levantarem, viram, poucas centenas de metros adiante, um trem de tropas em chamas, que fora o alvo dos alemes. Alguns meninos romperam em lgrimas diante da viso de homens ensanguentados; a primeira tentativa de reembarque no trem foi frustrada pelo retorno das metralhadoras da Luwae. Finalmente, continuaram viagem em vages perfurados por balas. Ao chegar em casa, George encontrou a me soluando ao lado do rdio: ela ouvira a notcia da aproximao dos alemes. O piloto Franciszek Kornicki visitou um camarada num hospital de Lodz: Era um lugar terrvel, cheio de homens feridos e moribundos, deitados por toda parte, em camas e no cho, em quartos e em corredores, alguns gemendo em agonia, outros em silncio, com os olhos fechados ou arregalados, esperando. 19 O general Adrian Carton de Wiart, chefe da misso militar britnica na Polnia, escreveu, amargurado: Vi o rosto da guerra mudar despojado de glria, no mais o soldado saindo para a batalha, mas mulheres e crianas sendo sepultados por ela.20 No domingo, 3 de setembro, a Gr-Bretanha e a Frana declararam guerra Alemanha, em cumprimento s garantias dadas Polnia. A aliana de Stalin com Hitler levou muitos comunistas europeus, obedientes a Moscou, a se distanciarem da posio de seus pases contra os nazistas. Denncias de sindicalistas contra o que tachavam de guerra imperialista in uenciaram atitudes em muitas fbricas, estaleiros e minas de carvo na Frana e na GrBretanha. Apareceram pichaes nas ruas: Parem a guerra: o trabalhador paga. No guerra capitalista. Um membro do Parlamento, Aneurin Bevan, do Partido Trabalhista Independente, porta-bandeira da esquerda, preveniu-se convocando uma luta em duas frentes: contra Hitler e contra o capitalismo britnico. Os protocolos secretos do Pacto Nazi-Sovitico, delineando as ambies territoriais das duas partes, permaneceram desconhecidos nas capitais ocidentais at que os arquivos alemes foram capturados em 1945. Mas, em setembro de 1939, muitos cidados das democracias viam a Rssia e a Alemanha como inimigos. O alter ego ccional do romancista Evelyn Waugh, Guy Crouchback, adotou uma viso partilhada por muitos conservadores europeus: o acordo de Stalin com Hitler, notcia que abalou polticos e jovens poetas de uma dzia de capitais, trouxe paz profunda a um corao ingls (...) O inimigo nalmente estava vista, imenso e odioso, todos os disfarces descartados. Era a Idade Moderna em p de guerra. 21 Alguns polticos queriam separar Rssia e Alemanha e buscar o apoio de Stalin para derrotar o mal maior que

era Hitler. At junho de 1941, porm, essa perspectiva parecia remota: as duas ditaduras eram vistas como inimigas comuns das democracias. Hitler no contava com a declarao de guerra anglo-francesa. A condescendncia dos dois pases quando ele anexou a Tchecoslovquia, em 1938, juntamente com a impossibilidade de socorro militar direto Polnia, indicava uma falta tanto de vontade quanto de recursos para desa -lo. O Fhrer rapidamente se recuperou do choque inicial, mas alguns aclitos caram perturbados. Gring, comandante em chefe da Luwae, com os nervos muito abalados, teve uma exploso de raiva ao telefone, falando com o ministro do Exterior da Alemanha, Ribbentrop: Agora voc conseguiu a porra da guerra que queria! Voc o nico culpado! Hitler se esforara para forjar uma sociedade de guerreiros alemes comprometidos com a glria marcial, obtendo notvel xito entre os jovens. Mas os mais velhos mostravam bem menos entusiasmo em 1939 do que em 1914, por recordarem dos horrores do con ito anterior e da derrota. Esta guerra tem uma irrealidade fantasmagrica, 22 escreveu o conde Helmuth von Moltke, o cial de inteligncia da Abwehr, mas adversrio implacvel de Hitler. O povo no a apoia (...) Est aptico. como uma danse macabre executada por desconhecidos. O correspondente americano da CBS, William Shirer, informou, da capital de Hitler, em 3 de setembro: No h entusiasmo aqui (...) Nada de hurras, nada de aplausos loucos, nada de jogar ores (...) O povo alemo que vemos esta noite muito mais soturno do que o que vimos ontem noite ou no dia anterior. 23 Enquanto passava por Stettin com sua unidade do exrcito a caminho da fronteira polonesa, Alexander Stahlberg ecoou as palavras de Shirer: Nada do bravo estado de esprito de agosto de 1914, nada de aplausos, nada de ores. 24 O escritor austraco Stefan Zweig tinha uma explicao pronta: As pessoas no sentiam o mesmo porque o mundo em 1939 no era to puerilmente ingnuo e crdulo como em 1914 (...) Essa f quase religiosa na honestidade ou pelo menos na capacidade de nosso governo desapareceu em toda a Europa.25 Mas muitos alemes tinham sentimentos como os de Fritz Muehlebach, um funcionrio do Partido Nazista: Vi a interferncia da Inglaterra e da Frana (...) como nada mais do que uma formalidade (...) Assim que se dessem conta da absoluta inutilidade da resistncia polonesa e da vasta superioridade armamentcia alem, comeariam a ver que sempre tivemos razo e que no fazia sentido se intrometer (...) Foi apenas como resultado de algo que no era da conta deles que a guerra comeou. Se a Polnia estivesse sozinha, no h dvida de que teria cedido tranquilamente.26 Os pases aliados esperavam que o simples gesto de declarar guerra mostraria o blefe de Hitler, precipitando sua derrubada por seu povo e um acordo de paz sem um catastr co choque de armas na Europa Ocidental. O egosmo dominou a reao da Gr-Bretanha e da Frana tragdia que se desenrolava na Polnia. O comandante em chefe da Frana, general Maurice Gamelin, dissera, em julho, ao seu colega britnico: Temos todo o interesse em que o con ito comece no leste, generalizando-se apenas aos poucos. Dessa maneira, podemos aproveitar o tempo de que precisamos para mobilizar a totalidade das foras franco-britnicas. Um membro conservador do Parlamento, Cuthbert Headlam, escreveu com petulncia em seu dirio, em 2 de setembro, que os poloneses so os nicos culpados pelo que lhes acontece agora.27

Na Gr-Bretanha, em 3 de setembro, o alarme de ataque areo, que soou minutos depois do anncio de guerra do primeiro-ministro Neville Chamberlain, feito pelo rdio, provocou emoes desencontradas. Minha me cou muito abalada, 28 escreveu o estudante londrino J. R. Frier, de dezenove anos. Vrias mulheres desmaiaram nas redondezas, e muitas correram para a rua imediatamente. Alguns comentrios: No v para o abrigo antes de escutar os tiros de canho; Os bales ainda nem foram soltos; O canalha deve ter despachado seus avies antes do prazo. Depois do sinal de que o perigo passara, em poucos minutos todos estavam na porta de casa, falando rapidamente uns com os outros, com vozes nervosas. Mais conversas sobre Hitler e revolues na Alemanha (...) A coisa mais peculiar experimentada hoje foi o desejo de que algo acontecesse ver avies chegando e as defesas em ao. No quero ver bombas caindo e pessoas mortas, mas, de alguma forma, como estamos em guerra, quero que ela se anime e comece. Nesse ritmo, s Deus sabe quanto tempo vai durar. A impacincia sobre a provvel durao da luta mostrou-se um sentimento popular permanente. Em colnias africanas remotas, rapazes fugiram para o mato ao ouvir a notcia de que uma guerra havia comeado: temiam que os governantes britnicos repetissem a prtica da Primeira Guerra Mundial, recrutando-os para o trabalho compulsrio como viria, de fato, a acontecer. Um queniano chamado Josiah Mariuki registrou um boato sinistro de que Hitler vinha matar todos ns, e muitas pessoas, com medo, desceram para os rios e cavaram buracos nas margens para se esconderem das tropas. 29 Os lderes das foras armadas da Gr-Bretanha reconheciam seu despreparo para a batalha, mas alguns jovens soldados pro ssionais eram ingnuos o su ciente para se animarem com a perspectiva de lutas e promoes. O efeito era de regozijo e de animao,30 escreveu John Lewis, pertencente ao Regimento Cameronians. Hitler era uma gura ridcula, e os cinenoticirios Path, que mostravam soldados alemes marchando em passos de ganso, provocavam hilaridade (...) Eles eram muito bons para bombardear, em avies, aldeias espanholas indefesas, mas isso era tudo. A maioria de seus tanques era feita de papelo, para enganar. Vencemos uma Alemanha muito mais poderosa vinte anos antes. ramos o maior imprio do mundo. Poucas pessoas eram to lcidas quanto o tenente David Fraser, do Regimento de Guardas Granadeiros, que observou pungentemente: A atitude mental dos britnicos diante das hostilidades distinguia-se por suas falhas bsicas frouxido de raciocnio e falsas convices (...) O povo das democracias precisa acreditar que o bem se ope ao mal da o esprito das cruzadas. Tudo isso, junto com as tentativas de despertar vigorosas paixes morais e ideolgicas, tende a ir contra aquele frio conceito de guerra como [uma] extenso da poltica de nido por Clausewitz, um exerccio com objetivos finitos e alcanveis.31 Muitos aviadores britnicos previam seu destino provvel. O o cial-piloto Donald Davis escreveu: Era um maravilhoso dia de outono quando passei de carro por Wittenham Clumps e Chiltern Hills, que eu conhecia to bem, e me lembro de ter pensado que provavelmente estaria morto em trs semanas. Parei para olhar o cenrio e re etir por alguns minutos. [Conclu que], se me visse diante das mesmas decises, eu ainda assim teria optado por voar e ingressar na RAF, se pudesse. 32 Para a gerao de Davis, em todo o mundo, o privilgio de ter acesso ao cu cumpria uma viso romntica suprema, a qual muitos jovens estavam satisfeitos em pagar pondo em risco a prpria vida.

Em Westminster, com condescendncia monumental, um ministro do governo disse ao embaixador polons: Como vocs tm sorte! Quem poderia pensar, seis meses atrs, que teriam a Gr-Bretanha ao seu lado, como aliada?33 Na Polnia, a notcia da declarao de guerra da Gr-Bretanha e da Frana provocou uma onda de esperana, estimulada pela retrica extravagante dos novos Aliados. Os moradores de Varsvia abraavam-se nas ruas, danavam, choravam, buzinavam. Uma multido reuniu-se em frente embaixada britnica na avenida Ujadowskie, vibrando, cantando, estropiando uma verso de God Save the King. O embaixador, Sir Howard Kennard, gritou, da sacada: Viva a Polnia! Lutaremos lado a lado contra a agresso e a injustia! As cenas tumultuosas foram repetidas na embaixada da Frana, onde uma multido cantou a Marselhesa. Em Varsvia, naquela noite, um boletim do governo anunciou triunfalmente: Unidades da cavalaria polonesa penetraram as linhas blindadas alems e esto agora na Prssia Oriental. Em toda a Europa, inimigos do nazismo agarravam-se a breves devaneios. Mihail Sebastian era um escritor romeno e judeu de 31 anos. Em 4 de setembro, depois de ouvir notcias sobre a declarao de guerra da Gr-Bretanha e da Frana, cou ingenuamente espantado por os pases no terem atacado de imediato pelo oeste. Ainda esto esperando alguma coisa? possvel (como dizem alguns) que Hitler venha a cair imediatamente e ser substitudo por um governo militar, que ento buscar a paz? Haver mudanas radicais na Itlia? O que far a Rssia? O que acontece com o Eixo, sobre o qual h um silncio repentino em Roma e em Berlim? Mil perguntas que nos deixam sem flego. 34 Em meio ao prprio tumulto mental, Sebastian buscava alvio lendo, primeiro, Dostoivski, depois omas de Quincey, em ingls. Em 7 de setembro, dez divises francesas seguiram com cautela para o Sarre alemo. Aps avanarem oito quilmetros, pararam: isso representou o limite da demonstrao armada em apoio Polnia. Gamelin esperava que os poloneses pudessem conter a Wehrmacht de Hitler at que o programa de rearmamento francs estivesse mais avanado. Aos poucos, o povo polons compreendeu que estava sozinho em sua agonia. Stefan Starzyski, antigo soldado da Legio de Pisudski, era o entusistico prefeito de Varsvia desde 1934, famoso por transformar a cidade se utilizando da impressionante exuberncia das ores de vero. Agora, Starzyski falava diariamente ao povo pelo rdio, denunciando a barbrie nazista com emoo apaixonada. Recrutou equipes de salvamento, convocou milhares de voluntrios para cavar trincheiras e consolou vtimas de bombas alems, que, em pouco tempo, se contavam aos milhares. Muitos moradores fugiram para o leste; os ricos trocando carros, para os quais no havia combustvel, por carroas e bicicletas. O judeu Ephrahim Bleichman viu longas colunas de refugiados de sua gente se arrastarem miseravelmente pela estrada que saa de Varsvia. Em sua inocncia, no percebeu o perigo particular que corriam: apesar do notrio antissemitismo da Polnia, nunca passei por nada mais severo do que xingamentos.35 O cansao entre os homens e os cavalos logo se tornou a grande ameaa para o precipitado avano alemo. Um cabo de cavalaria, Hornes, viu-se s voltas com seu cavalo Herzog, sempre a tropear. Gritei para o comandante da seo: Herzog j deu o que tinha de dar! Mal falei e o pobre animal caiu de joelhos. Cavalgamos setenta quilmetros no primeiro dia e sessenta quilmetros no segundo dia. Alm disso, tnhamos viajado pelas montanhas com a patrulha da

vanguarda a galope (...) Signi ca que percorremos quase duzentos quilmetros em trs dias, sem um descanso decente! A noite cara havia muito tempo e continuvamos cavalgando.36 Os horrores da Blitzkrieg aumentavam: enquanto a rdio Varsvia tocava Polonaise Militaire, de Chopin, o bombardeio alemo sobre a capital era acompanhado pelo fogo de milhares de canhes, que disparavam trinta mil granadas por dia e transformavam seus edifcios magnficos em entulho. O adorvel outono polons est chegando,37 escreveu o piloto de caa Mirosaw Feri em seu dirio, recuando a seguir diante da ironia. Dane-se a sua beleza. Um manto de fumaa e poeira cinzenta estendeu-se sobre a capital; o castelo real, a pera, o teatro nacional, a catedral e dezenas de edifcios pblicos, alm de milhares de casas, foram reduzidos a runas. Corpos insepultos e covas improvisadas espalhavam-se por toda parte nos bulevares e parques; o fornecimento de alimentos, gua e eletricidade foi cortado; com quase todas as janelas quebradas, estilhaos de vidro cobriam as caladas. Em 7 de setembro, a cidade e seus 120 mil defensores foram cercados enquanto o exrcito polons recuava para leste. O chefe do estado-maior, marechal Edward Rydz-migy, fugira de Varsvia com o restante do governo no segundo dia de guerra. O sistema de suprimento e de comunicao do exrcito entrou em colapso. Cracvia caiu, quase sem resistncia, em 6 de setembro; Gdynia caiu em seguida, no dia 13, apesar de sua base naval resistir por mais uma semana. Um contra-ataque, em 10 de setembro, por oito divises polonesas, atravs do rio Bzura, a oeste de Varsvia, interrompeu brevemente a ofensiva alem e fez 1.500 prisioneiros. Kurt Meyer, da Diviso SS Liebstandarte, reconheceu, com um misto de admirao e condescendncia: Os poloneses atacam com enorme tenacidade, provando repetidas vezes que realmente sabem morrer. Ao contrrio do que diz a lenda, apenas em duas ocasies os cavaleiros poloneses lutaram contra tanques alemes. Um desses episdios ocorreu na noite de 11 de setembro, quando um esquadro se lanou a todo galope na aldeia de Kauszyn, fortemente armada pelos alemes. Dos 85 cavaleiros que atacaram, apenas 33 se reagruparam depois. Os invasores empregavam sua prpria cavalaria para reconhecimento e mobilidade, mais do que para atacar. A unidade do cabo Hornes avanava em coluna enquanto dois homens cavalgavam frente: Eles galopavam de uma colina para a outra e acenavam para as tropas. Como precauo adicional, cavaleiros solitrios foram despachados conosco no alto das colinas. De repente, vimos contornos novos e desconhecidos emergirem da densa nuvem de poeira: cavalos pequenos e geis, balanando a cabea, cavalgados por uhlans poloneses com seus uniformes cqui e lanas compridas, com uma extremidade apoiada no couro do estribo e a outra, no ombro. As pontas brilhantes oscilavam para cima e para baixo, em sintonia com os cascos dos cavalos. No mesmo momento, nossas metralhadoras abriram fogo.38 A Wehrmacht era muito mais bem armada e blindada do que seus inimigos. A Polnia era um pas pobre, com apenas poucos milhares de caminhes militares e civis; seu oramento nacional era menor do que o da cidade de Berlim. Em vista da m qualidade e do pequeno nmero de avies poloneses, em comparao com a Luwae, notvel que a campanha tenha custado Alemanha 560 aeronaves. A bateria de artilharia do tenente Piotr Tarczyski viu-se sob intenso fogo a 1,6 quilmetro do rio Warta. Observador avanado, ele descobriu que seus telefones estavam mudos; os instaladores enviados para investigar o problema no retornaram. Sem ter solicitado o disparo de uma nica salva, ele foi cercado pela infantaria alem, que o

tomou como prisioneiro. Como muitos homens em sua situao, tentou adular os captores: S comparo minha situao com algum que se v de repente diante de estranhos poderosos, dos quais depende totalmente. Sei que deveria sentir vergonha de mim mesmo. 39 Quando foi levado para o cativeiro, passou por vrios soldados poloneses mortos; instintivamente, ele ergueu a mo para saudar cada um. No meio da fria popular contra os invasores, houve cenas de violncia coletiva que no conferiram honra alguma causa polonesa. Prises em massa de descendentes de alemes supostamente quintas-colunas foram realizadas no comeo de setembro. Em Bydgoszcz, no Domingo Sangrento, 3 de setembro, mil civis alemes foram massacrados sob a alegao de terem disparado contra tropas polonesas. Alguns historiadores alemes modernos a rmam que at treze mil poloneses de origem germnica foram mortos durante a campanha, a maioria inocente; o nmero real , quase certamente, bem menor, mas as mortes serviram como pretexto para atrocidades horrendas e sistmicas cometidas pelos nazistas contra os poloneses, sobretudo os judeus, iniciadas dias depois da invaso. Hitler disse aos seus generais, em Obersalzberg: Gengis Khan, por vontade prpria e despreocupada, mandou matar milhes de mulheres e de homens. A histria o v apenas como um grande estadista (...) Mandei minhas unidades da Diviso SS Totenkopf (Cabea da Morte) para o leste com ordem de matar sem piedade homens, mulheres e crianas de raa ou lngua polonesa. Somente assim conquistaremos o Lebensraum de que precisamos. Quando a Wehrmacht entrou em Lodz, George lzak cou perplexo ao ver que algumas mulheres atiravam ores para os soldados e lhes ofereciam doces e cigarros. Criancinhas gritavam Heil Hitler! . lzak escreveu, admirado: Meninos com quem convivi na escola acenavam bandeiras com a sustica. 40 Embora os civis que davam as boas-vindas fossem cidados poloneses, eram descendentes de alemes e agora se gabavam de suas origens. Goebbels lanou uma estridente campanha de propaganda para convencer seu povo da justia daquela causa. Em 2 de setembro, o jornal nazista Vlkischer Beobachter anunciou a invaso com uma manchete de duas linhas: O Fhrer proclama a luta pelos direitos e pela segurana da Alemanha. Em 6 de setembro, a manchete do jornal Lokal-Anzeiger a rmava: Terrvel bestialidade dos poloneses Pilotos alemes atingidos Colunas da Cruz Vermelha chacinadas Enfermeiras assassinadas. Poucos dias depois, o Deutsche Allgemeine Zeitung publicava a surpreendente manchete Poloneses bombardeiam Varsvia. A reportagem que se seguia declarava: A artilharia polonesa de todos os calibres abriu fogo na parte leste de Varsvia contra nossas tropas na parte oeste da cidade. A agncia de notcias alem denunciou a resistncia polonesa como absurda e insana. A maioria dos jovens alemes, formados pelo sistema de educao nazista, aceitava, sem hesitar, a verso dos fatos dada pelos lderes. O avano dos exrcitos tornou-se uma marcha irresistvel para a vitria, 41 escreveu um aprendiz de piloto da Luwae, de vinte anos. Cenas de emoo profunda acontecem durante a libertao dos aterrorizados moradores alemes do Corredor Polons. Terrveis atrocidades, crimes contra as leis da humanidade, so reveladas por nossos exrcitos. Perto de Bromberg e orn, foram descobertas sepulturas coletivas contendo os corpos de milhares de alemes massacrados pelos comunistas poloneses.

Em 17 de setembro, data em que os poloneses esperavam o incio da ofensiva prometida pelos franceses na Frente Ocidental, o que se viu foi a Unio Sovitica de agrar sua brutal investida, destinada a assegurar a parte de Stalin no butim de Hitler. Stefan Kurylak era um polons ucraniano de treze anos, morador de uma aldeia sossegada perto da fronteira russa. Soldados poloneses em retirada comearam a passar pela poeirenta rua principal, a p ou a cavalo, alguns gritando, com urgncia: Corram, corram para salvar suas vidas, minha gente. Escondam-se onde puderem, pois eles no tm piedade. Depressa. Os russos esto chegando!42 Em seguida, o adolescente viu uma coluna de tanques soviticos passar estrepitosamente pela aldeia: uma criana que demorou a sair do caminho, aterrorizada e confusa, foi abatida a tiros com displicncia. Kurylak escondeu-se no depsito de batatas da famlia. Vyacheslav Molotov, ministro do Exterior de Stalin, disse ao embaixador polons em Moscou que, como a repblica polonesa j no existia, o Exrcito Vermelho interviera para proteger cidados russos na Bielorrssia e na Ucrnia ocidentais. Embora Hitler houvesse concordado com a anexao da Polnia Oriental por Stalin, os alemes foram surpreendidos pela interveno sovitica. Os poloneses tambm. Quando o Exrcito Vermelho atingiu sua retaguarda, escreveu o marechal Rydz-migy amargamente, a resistncia somente poderia se transformar numa demonstrao armada contra uma nova partio da Polnia. O altocomando da Wehrmacht, ansioso por evitar choques acidentais com os russos, decretou uma fronteira nos rios San, Vstula e Narew; onde haviam avanado alm dessa linha, suas foras agora recuavam. Hitler esperava que a interveno de Stalin levasse os Aliados a declarar guerra contra os russos, e houve em Londres, de fato, debates rpidos sobre se o compromisso da Gr-Bretanha com a Polnia exigia o combate contra um novo inimigo. No Gabinete de Guerra, apenas Churchill e o ministro da Guerra, Leslie Hore-Belisha, insistiram numa preparao para essa eventualidade. O embaixador britnico em Moscou, Sir William Seeds, telegrafou: No vejo qual seria, para ns, a vantagem da guerra contra a Unio Sovitica, embora me agradasse pessoalmente declar-la contra Molotov. Para o alvio do primeiro-ministro Neville Chamberlain, o Foreign Oce declarou que as garantias do governo Polnia cobriam somente a agresso alem. Uma furiosa retrica britnica foi de agrada contra Stalin, mas no se pensou em lutar contra ele; os franceses tambm se limitaram a manifestaes de repdio. Em alguns dias, ao custo de apenas quatro mil baixas, os russos invadiram duzentos mil quilmetros quadrados de territrio, incluindo as cidades de Lww e Wilno. Stalin adquiriu suserania sobre cinco milhes de poloneses, 4,5 milhes de descendentes de ucranianos, um milho de bielorrussos e um milho de judeus. Em Varsvia, pessoas famintas ainda se agarravam esperana de ajuda vinda do Ocidente. Um guarda de abrigos antiareos con denciou a um conhecido: Sabe como so os ingleses. Custam a tomar uma deciso, mas agora esto mesmo vindo. 43 Milhes de poloneses caram inicialmente atnitos, depois cada vez mais furiosos, com a passividade dos supostos amigos. Um o cial de cavalaria escreveu: O que estaria acontecendo no Ocidente, pensvamos, e quando os franceses e os britnicos comeariam sua ofensiva? No conseguamos entender por

que nossos aliados demoravam tanto para vir em nosso socorro. 44 Em 20 de setembro, o embaixador da Polnia em Londres dirigiu-se, pelo rdio, ao seu povo: Compatriotas! Saibam que vosso sacrifcio no intil e que seu signi cado e sua eloquncia so profundamente sentidos aqui (...) As hostes de nossos aliados j esto se preparando (...) O dia vir em que os estandartes vitoriosos (...) retornaro das terras estrangeiras para a Polnia. 45 Mas, mesmo enquanto falava, o conde Raczyski tinha conscincia, como escreveu posteriormente, de que suas palavras eram pouco mais do que fico potica. Onde estavam as hostes aliadas? Em Paris, o embaixador polons Juliusz ukasiewicz trocou palavras duras com o ministro do Exterior da Frana, Georges Bonnet. No est certo! O senhor sabe que no est certo!, 46 disse ele. Um tratado um tratado e precisa ser respeitado! O senhor percebe que cada hora de atraso no ataque Alemanha signi ca (...) a morte de milhares de homens, mulheres e crianas poloneses? Bonnet deu de ombros: Ento o senhor quer que as mulheres e as crianas de Paris sejam massacradas? A correspondente americana Janet Flanner escreveu, em Paris: Parece, na verdade, que ainda h esforos para conter esta guerra, para prevenir que comece para valer esforos feitos, talvez com insegurana, por lderes do governo que relutam em entrar para a histria como os primeiros a ordenar tiros incendirios ou liderar iniciativas embasadas no re exo geral do estado de esprito corajoso, porm confuso, de vrias camadas da populao. Esta deve ser a primeira guerra em que milhes de pessoas em ambos os lados continuam pensando que poderia ser evitada mesmo depois de oficialmente declarada.47

Os franceses no estavam dispostos a lanar uma grande ofensiva contra a linha Siegfried, como insistia Winston Churchill, menos ainda a provocar uma retaliao bombardeando a Alemanha. O governo britnico, da mesma forma, negou-se a ordenar que a RAF atacasse alvos terrestres alemes. Um membro conservador do Parlamento, Leo Amery, escreveu desdenhosamente sobre o primeiro-ministro Neville Chamberlain: Por abominar a guerra com paixo, ele estava decidido a promov-la o mnimo possvel. 48 O Times publicava editoriais que, para os leitores poloneses, pareciam zombar de sua a io: Na agonia de sua terra martirizada, talvez seja de alguma forma um consolo para os poloneses saber que contam com a simpatia, e mesmo com a reverncia, no apenas de seus aliados na Europa Ocidental, mas de todos os povos civilizados do mundo. Algumas vezes, argumenta-se que em meados de setembro de 1939, com a maior parte do exrcito alemo concentrada na Polnia, os Aliados tiveram uma oportunidade ideal para lanar uma ofensiva na Frente Ocidental. Mas a Frana estava ainda menos preparada psicolgica do que militarmente para uma iniciativa dessa natureza, e a pequena fora expedicionria da Gr-Bretanha, ainda em trnsito para o continente, pouco poderia contribuir. Os alemes provavelmente teriam repelido qualquer ataque sem grande prejuzo para suas operaes no leste, e a inrcia dos governos francs e britnico re etia o estado de esprito de seus cidados. Uma secretria de Glasgow, chamada Pam Ashford, escreveu em seu dirio, em 7 de setembro: Praticamente todos acham que a guerra acabar em trs meses (...) Muitos sustentam que, quando a Polnia for esmagada, no haver muito sentido em continuar.49 Os poloneses deveriam ter previsto a passividade de seus aliados, mas seu cinismo era inacreditvel. Um historiador moderno, Andrzej Suchcitz, escreveu: O governo polons e as autoridades militares foram enganados e trados pelos Aliados Ocidentais. No havia inteno de dar Polnia qualquer apoio militar efetivo. Enquanto Varsvia encarava sua runa, Stefan Starzyski declarava, numa transmisso radiofnica: O destino nos con ou a obrigao de defender a honra da Polnia. Um poeta polons louvaria a atitude desa adora do prefeito em termos sentimentais:E ele, quando a cidade era apenas uma massa crua e vermelha, Disse: No me entrego. Que as casas queimem! Que minhas orgulhosas realizaes virem p sob os bombardeios. E que importa que um tmulo surja dos meus sonhos? Para voc, que um dia talvez venha aqui, lembrar Que algumas coisas so mais preciosas do que o mais belo muro da cidade.50

No m da terceira semana de campanha, a resistncia polonesa foi superada. A capital s no foi ocupada porque os alemes queriam destru-la antes de reivindicarem as runas; hora aps hora, dia aps dia, o bombardeio impiedoso continuava. Uma enfermeira, Jadwiga Sosnkowska, descreveu cenas em seu hospital, nos arredores de Varsvia, em 25 de setembro:A procisso de feridos vindos da cidade era uma in ndvel marcha da morte. As luzes se apagaram, e todos ns, mdicos e enfermeiras, tivemos de andar com velas nas mos. Como a sala de operao e o posto de primeiros

socorros tinham sido destrudos, o trabalho era feito nas salas de aula, em mesas comuns, de pinho, e devido falta de gua no havia como esterilizar os instrumentos, que tiveram de ser limpos com lcool (...) Enquanto seres humanos arrasados eram estirados na mesa, o cirurgio tentava inutilmente salvar as vidas que lhe escorregavam pelas mos (...) Era uma tragdia aps a outra. Em um desses casos, a vtima era uma menina de dezesseis anos. Tinha cabelos dourados lindssimos, o rosto delicado como uma or, e seus lindos olhos azuis, cor de sa ra, estavam cheios de lgrimas. As duas pernas, at os joelhos, foram reduzidas a uma massa sangrenta, onde era impossvel distinguir osso e carne; ambas tiveram de ser amputadas acima dos joelhos. Antes que o cirurgio comeasse, debrucei-me sobre aquela menina inocente para beijar a testa plida, passar as mos impotentes em seus cabelos dourados. Ela morreu, serena, no decorrer da manh, como uma flor arrancada por uma mo impiedosa.51

Soldados pro ssionais raramente podem ceder ao sentimentalismo quando falam sobre os horrores da guerra, mas a posteridade deve repudiar a satisfao dos generais da Alemanha em relao ao carter de seu lder nacional e aventura assassina em que se tornaram cmplices. Erich von Manstein considerado por muitos como o melhor general alemo na guerra; posteriormente, ele se orgulhava ao alegar ter feito sua parte como o cial e cavalheiro. No entanto, seus escritos durante a campanha polonesa e depois dela revelam a insensibilidade caracterstica de sua casta. Ele deleitou-se com a invaso: uma grande deciso do Fhrer, tendo em vista a atitude das potncias ocidentais at agora. Sua proposta para resolver a questo polonesa foi to corts que a Inglaterra e a Frana se realmente quisessem a paz deveriam ter obrigado a Polnia a aceitar. Pouco aps o incio da campanha, Manstein visitou um grande-comando que liderara anteriormente: Foi emocionante ver a equipe to feliz quando apareci de repente (...) Cranz [seu sucessor] me disse que era um prazer comandar uma diviso to bem treinada na guerra. Em carta sua mulher, Manstein descreveu sua rotina pessoal durante a campanha, em que servia como chefe do estado-maior de Rundstedt no Grupo de Exrcitos do Sul: Acordo s 6h30, mergulho na gua [para nadar], no gabinete s 7 horas. Relatrios matinais, caf, depois trabalho ou viagens com R[undstedt]. Ao meio-dia, cozinhas de campanha aqui. Depois, uma pausa de meia hora. noite, depois do jantar junto com o ciais do estado-maior, como no almoo, os relatrios da noite chegam. E assim continua at 23h30. 52 agrante o contraste entre a serenidade do quartel-general do exrcito e a vasta tragdia humana que suas operaes haviam desencadeado. Manstein assinou uma ordem para que as foras alems que cercavam Varsvia atirassem contra quaisquer refugiados que tentassem fugir: considerava-se que seria mais fcil forar um desfecho da campanha e evitar uma batalha nas ruas se os habitantes no pudessem escapar do bombardeio da capital. No entanto, ele era um homem to melindroso que s vezes deixava a sala onde Rundstedt estava por repulsa linguagem obscena do chefe. Em 25 de setembro, ele se deleitou com uma visita congratulatria de Hitler, escrevendo para a mulher: Foi bom ver como os soldados se alegram, em toda parte, quando o Fhrer passa num carro.53 Em 1939, o corpo de o ciais da Wehrmacht j demonstrava a falncia moral que caracterizaria sua conduta at 1945. Um o cial da cavalaria polonesa, Klemens Rudnicki, descreveu os apuros de seu regimento e de suas amadas montarias em Varsvia, em 27 de setembro, a ltima noite antes que a cidade se rendesse: Chamas vermelhas, vivas, iluminavam nossos cavalos, que estavam quietos, imveis, perto dos muros do parque azienki, como esqueletos selados. Alguns estavam mortos; outros sangravam, expondo ferimentos enormes. Cenzor, o cavalo de Kowalski, ainda estava

vivo, mas jazia com as tripas para fora. No fazia muito tempo havia conquistado a Copa Desa o do exrcito, em Tarnopol. Fora nosso orgulho. Um tiro no ouvido acabou com seu sofrimento. No dia seguinte, provavelmente, algum que precisasse aliviar a fome cortaria um pedao de seu lombo. Varsvia capitulou em 28 de setembro. O pequeno capito Krysk, do terceiro esquadro de Rudnicki, declarou, emocionado, que rejeitava a ordem de rendio: Pela manh, atacaremos os alemes para preservar a tradio regimental de que o 9 [Regimento] de Lanceiros jamais se rende. Rudnicki o dissuadiu; juntos, os o ciais esconderam os estandartes do regimento na igreja de Santo Antnio, na rua Senatorska, o nico prdio ainda intacto entre hectares de entulho. Rudnicki re etiu, com pesar, que o exrcito polons deveria ter se posicionado em profundidade para uma ao defensiva mais demorada, em vez de se desdobrar em uma fraca linha de vanguarda que certamente seria rompida. Isso, porm, estaria em desacordo com nossa aspirao natural e com nossas tradies militares e esperanas de nos tornarmos uma grande potncia. Em 29 de setembro, o exrcito Modlin, ao norte de Varsvia, rendeu-se aos alemes, que tomaram trinta mil prisioneiros. A resistncia organizada diminuiu gradualmente; a pennsula de Hel caiu em 1 de outubro; o ltimo confronto registrado ocorreu em Kock, ao norte de Lublin, no dia 5. Centenas de milhares de homens caram nas mos dos alemes, enquanto muitos outros faziam o possvel para fugir. O jovem piloto B. J. Solak emocionou-se ao encontrar um coronel-aviador sentado debaixo de uma rvore, com lgrimas escorrendo pelo rosto. Feliks Lachman foi um dos muitos poloneses cujos pensamentos se voltaram para a leitura recente de E o vento levou. Fugindo de casa, pensou: Por mais arrasada que estivesse a propriedade Tara, Scarlett OHara atravessou o fogo e a gua para chegar ao lugar a que ela sabia pertencer. Ns tnhamos deixado, de uma vez e para sempre, homens e coisas que formavam o ambiente social, intelectual e emocional de nossas vidas. Andvamos no vcuo, a esmo. Depois de um ataque areo na cidade de Krzemieniec, Adam Kruczkiewicz viu, na rua, um velho judeu numa crise de histeria em cima do corpo da mulher (...) proferindo uma en ada de xingamentos e blasfmias e gritando: No existe Deus! Hitler e as bombas so os nicos deuses! No existe graa ou piedade no mundo! Poucas unidades de cavalaria polonesas conseguiram fugir para a Hungria, onde depuseram suas armas. No quartel do 3 Regimento Hngaro de Hussardos, fugitivos cansados comoviamse com a acolhida dos o ciais da unidade, encabeados pelo idoso coronel Von Pongratsch, em uniforme cerimonial. Poucos dias depois, quando os poloneses saram para enfrentar a internao, o barbudo veterano abraou cada um antes de se despedir. Essas cortesias ao estilo do Velho Mundo eram bem-vindas, porque haviam sido banidas do universo impiedoso em que a maioria dos poloneses agora habitava. O general Wadysaw Anders conduziu sua unidade, exausta e desfalcada, para o leste, a m de escapar dos alemes. Os homens cantavam enquanto incitavam os cavalos emaciados no meio de uma multido de refugiados e militares retardatrios. Ento, encontraram o Exrcito Vermelho, e Anders mandou um o cial de ligao ao quartel-general local dos soviticos para suplicar a passagem para a fronteira hngara. O polons foi despojado de tudo o que tinha e ameaado de execuo. Canhes russos puseram-se a bombardear as posies polonesas.

Anders ordenou aos seus homens que se dividissem em pequenos grupos e tentassem chegar Hungria. Ele, gravemente ferido, foi capturado, assim como muitos outros. Um o cial russo disse-lhe, cheio de si: Agora somos bons amigos dos alemes. Juntos combateremos o capitalismo internacional. A Polnia era uma ferramenta da Inglaterra e, por isso, teve de perecer. Regina Lempicka estava entre centenas de milhares de poloneses arbitrariamente presos pelos russos nos meses que se seguiram e, depois, despachados para o Cazaquisto. Sua av e sua sobrinha, uma beb, morreram por inanio durante o exlio, enquanto o irmo, soldado, foi morto a tiros. A experincia da famlia nas mos dos russos, como ela escreveu, tornou-se um sonho horripilante. Enquanto um grupo de soldados poloneses passava por uma ponte na fronteira, conduzido pelo Exrcito Vermelho, um prisioneiro disse, desoladamente: Entramos na Rssia. Jamais voltaremos. Tadeusz ukowski escreveu: A partir daquele instante, o mundo inteiro pareceu mudar: cu, solo e pessoas diferentes. Uma sensao esquisita, como se uma rachadura dentro de ns se rompesse, como se a vida nos deixasse e, de repente, desabssemos no interior de uma caverna escura, uma passagem subterrnea escura como breu. Uma mulher disse, com desprezo, a um soldado a caminho do gulag: Vocs, poloneses, senhores fascistas! Aqui, na Rssia, aprendero a trabalhar. Aqui sero fortes o su ciente para trabalhar, mas fracos demais para oprimir os pobres! Cerca de 1,5 milho de poloneses, na maioria civis expulsos de suas casas na parte oriental do pas con scada nos meses seguintes, padeceram as provaes do cativeiro e da fome em mos soviticas, que custaria a vida de 350 mil pessoas. Muitas dessas famlias eram formadas apenas por mulheres, porque os homens foram sumariamente eliminados. Em 5 de maro de 1940, o chefe de segurana da Unio Sovitica, Lavrenti Beria, enviou um memorando de quatro pginas a Stalin propondo a eliminao de altos o ciais poloneses e de outros por ele de nidos como lderes daquela sociedade. Aqueles detidos em campos soviticos, insistia Beria, deveriam ser sujeitados ao uso da mais alta forma de castigo: morte por fuzilamento. Stalin e outros membros do Politburo aprovaram formalmente a recomendao para decapitar a Polnia. Nas semanas que se seguiram, pelo menos 25 mil poloneses foram assassinados por algozes do NKVD em vrias prises soviticas, cada um com uma nica bala na nuca. Os corpos foram queimados em valas comuns nas orestas dos arredores de Katyn, a oeste de Smolensk, em Minsk e em outros lugares; o maior de todos foi descoberto pelos alegres nazistas em 1943. Alegaes posteriores de que os crimes de guerra realizados pelos Aliados depois de 1945 representavam a justia dos vitoriosos foram bastante reforadas pelo fato de que nenhum russo foi julgado pelos acontecimentos em Katyn. Em outubro de 1939, um polons interrogado pelo NKVD perguntou, amargamente: Como possvel que a Unio Sovitica, um estado progressista e democrtico, seja amiga de uma Alemanha nazista, reacionria? Seu inquisidor respondeu friamente: Voc est enganado. Nossa poltica atual consiste em sermos neutros durante a luta entre a Inglaterra e a Alemanha. Que eles derramem seu sangue nosso poder aumentar. Quando estiverem totalmente exaustos, surgiremos como a parte forte, revigorada e decisiva no ltimo estgio da guerra. Parece uma descrio justa das aspiraes de Stalin. Hitler, em visita a Varsvia, em 5 de outubro, apontou para as runas e disse aos correspondentes estrangeiros que o acompanhavam: Senhores, como puderam ver com seus

prprios olhos, foi uma loucura criminosa tentar defender esta cidade (...) Eu s gostaria que certos estadistas de outros pases, que parecem querer transformar toda a Europa numa segunda Varsvia, tivessem a oportunidade de ver, como os senhores, o signi cado real da guerra. O prefeito de Varsvia, Starzyski, foi transferido para Dachau, onde foi assassinado quatro anos depois. O exrcito polons havia perdido setenta mil homens e deixara 140 mil feridos, alm de incontveis milhares de civis mortos. As baixas do exrcito alemo somaram dezesseis mil mortos e trinta mil feridos. Cerca de setecentos mil soldados poloneses tornaramse prisioneiros de Hitler. Um governo polons no exlio, no eleito, foi estabelecido em Londres. O chefe britnico do estado-maior imperial, general Sir Edmund Ironside, encontrou-se com Adrian Carton de Wiart quando esse o cial retornava de Varsvia, repreendendo-o: Bem, seus poloneses no zeram muita coisa. Essa a rmao re etia a frustrao das esperanas britnicas e francesas de que o exrcito polons in igisse danos su cientes Wehrmacht para aliviar a necessidade de resistncia dos Aliados Ocidentais. Carton de Wiart respondeu: Vejamos o que outros faro, Sir. Um nmero notvel de poloneses decidiu aceitar o exlio, a separao de tudo o que conheciam e amavam, para permanecerem na luta contra Hitler. Cerca de 150 mil poloneses deslocaram-se para o oeste, em geral aps odisseias memorveis. Foi, de longe, o maior xodo voluntrio de qualquer um dos pases que a Alemanha ocuparia e re etia a paixo com que seus cidados persistiam na luta. Exilados, em fuga para o Ocidente, caram impressionados com o calor humano que receberam na Itlia fascista, onde uma multido gritava: Bravo, Polonia! Antes de deixar o aerdromo de sua terra, o instrutor de voo Witold Urbanowitz deu um rdio e suas camisas de seda mulher que fazia a limpeza dos alojamentos, seu traje de gala para o carregador e partiu de nibus com seus cadetes pela estrada para a Romnia; quase um ano depois, nos controles de um Hurricane, ele se tornou um dos grandes ases da RAF. Cerca de trinta mil poloneses, um tero deles pilotos e equipes de terra da fora area, chegaram Inglaterra em 1940, e muitos outros viriam. Um homem segurava uma hlice de madeira, smbolo ao qual se agarrara teimosamente ao longo de uma viagem de 4.800 quilmetros. Muitos outros ingressaram no exrcito britnico no Oriente Mdio, aps sua tardia libertao do cativeiro stalinista. Esses homens dariam uma contribuio muito mais notvel ao esforo de guerra dos Aliados do que a Gr-Bretanha dera a eles. A Polnia tornou-se o nico pas ocupado por Hitler onde no houve colaborao entre conquistadores e conquistados. Os nazistas classi caram os poloneses como escravos e receberam, em troca, um dio implacvel. Quando a princesa Paul Sapieha atravessava a fronteira em busca de segurana precria, entre uma leva de refugiados, sua lha pequena perguntou-lhe: Haver bombas na Romnia? A princesa respondeu: No haver mais bombas. Aqui no h guerra. Vamos para um lugar com muito sol, onde as crianas podem brincar em qualquer lugar. A menina insistiu: Mas quando voltaremos para a casa e para o papai? Sua me no pde responder. Di cilmente se encontraria na Europa, em pouco tempo, um canto que oferecesse refgio seguro para crianas ou adultos. Hitler se empenhara em conquistar a Polnia, mas, como era comum, no tinha um plano claro sobre o que fazer em seguida. Apenas quando cou evidente que Stalin saudava a extino daquele pas, o governante alemo decidiu anexar a Polnia Ocidental. Antes da

guerra, os nazistas chamavam a Polnia desdenhosamente de Saisonstaat, estado temporrio. Agora, ela deixava de ser estado em qualquer sentido: Hitler tornara-se o senhor das terras que continham quinze milhes de poloneses, dois milhes de judeus, dois milhes de habitantes de outras minorias e um milho de descendentes de alemes. Entre suas principais caractersticas estava um dio re exo a todos que se opunham sua vontade. Isso logo se manifestou contra os poloneses e especialmente, claro, contra os judeus da Polnia. Um dia, em Lodz, logo aps o incio da ocupao, Szmulek Goldberg voltava do trabalho quando encontrou caos nas ruas. Pessoas corriam desabaladas para todos os lados. Algum parou e me segurou pela manga. Esconda-se! Esconda-se!, gritava. Os alemes esto capturando judeus mo armada e levando-os em caminhes. Ele viu caminhes passarem, carregados de cativos, numa primeira demonstrao sria dos desgnios de Hitler para aquele povo. Nas primeiras semanas de conquista da Polnia, milhares de cidados judeus foram assassinados. Na Gr-Bretanha, uma me chamada Tilly Rice, que fora evacuada com os lhos de Londres para um porto de pesca no norte da Cornualha, escreveu, em 7 de outubro, quando a campanha polonesa terminou: Na casa em que moro, toda a histria foi recebida em estupefato silncio (...) A guerra ainda prossegue, mas como algo distante, com repercusses ocasionais na vida geral da comunidade (...) Minhas prprias reaes situao se tornam cada dia mais indiferentes. A Gr-Bretanha e a Frana haviam declarado guerra Alemanha para salvar a Polnia. A Polnia j no existia, e representantes poloneses foram expulsos do Supremo Conselho de Guerra Aliado, onde foram tidos como supr uos. Muitos polticos e cidados britnicos e franceses exigiam respostas: com que objetivo se persistia na guerra? Como poderia ser travada com e ccia? O embaixador dos Estados Unidos em Londres, Joseph Kennedy, perguntou a seu colega polons, dando de ombros: Em que parte deste planeta os Aliados podem lutar contra os alemes e vencer? Embora Kennedy fosse um anglfobo insolente, apaziguador e derrotista, sua pergunta era vlida, e os governos aliados no tinham uma boa resposta. Depois da queda da Polnia, o mundo aguardava, perplexo, o que aconteceria a seguir. Uma vez que a Frana e a Gr-Bretanha no tinham estmago para tomar a iniciativa, o curso da guerra dependia dos caprichos de Adolf Hitler.

2 Nenhuma paz, pouca guerraEm novembro de 1939, o comit noruegus do Nobel anunciou que, com grande parte da Europa em guerra, decidira no conceder o prmio da Paz naquele ano. Apesar disso, aos olhos de muitos britnicos e franceses, o colapso da Polnia condenava futilidade a luta qual seus governos os obrigaram. O exrcito francs, com um pequeno contingente britnico em sua posio tradicional, no flanco esquerdo, combateu foras alems na fronteira oriental da Frana, mas os Aliados no tinham apetite para operaes ofensivas, pelo menos enquanto no estivessem mais bem armados. A campanha polonesa havia demonstrado a e ccia da Wehrmacht e da Luwae, embora ainda no seu poder total. O general lorde Gort, comandante da Fora Expedicionria Britnica, cou horrorizado com as condies de algumas unidades do Exrcito Territorial que chegaram, em outubro, para se juntar s suas cinco divises mal equipadas. Ele disse que no acreditava que fosse possvel ver algo como aquilo no exrcito britnico: Os homens no tinham facas, garfos ou canecas. Os deslocamentos das tropas dos Aliados foram severamente prejudicados pela neutralidade belga. Entendia-se que Hitler, se atacasse no oeste, repetiria a estratgia da Alemanha em 1914, avanando atravs da Blgica, mas o rei Leopoldo no quis dar um pretexto para a invaso admitindo a presena de tropas anglo-francesas. Em consequncia, os exrcitos aliados da ala esquerda passaram a maior parte do glido inverno de 1939 construindo defesas na fronteira da Frana, que tinham a inteno de abandonar, em troca de um avano para a Blgica no momento em que os alemes atacassem. Os britnicos, que s recentemente haviam adotado o alistamento militar, no dispunham de grandes contingentes de homens treinados que se comparassem aos efetivos de quase todos os pases continentais. A tradio antimilitarista da Gr-Bretanha era motivo de orgulho para seu povo, mas, em consequncia, o pas declarou guerra contra a maior potncia da Europa quando s poderia contribuir com limitados reforos terrestres e areos para os exrcitos franceses posicionados contra a Alemanha. Qualquer iniciativa por terra dependia da vontade do governo de Paris: a Frana comeara o rearmamento antes da Gr-Bretanha, mas ainda aguardava a entrega de grandes encomendas de tanques e de avies. Os Aliados eram fracos demais para provocar um enfrentamento com a Wehrmacht ou iniciar um ataque areo efetivo contra a Alemanha, mesmo que quisessem. Durante o inverno de 1939, a RAF realizou apenas ataques inconstantes e luz do dia contra navios de guerra alemes, com pesadas baixas e nenhum resultado proveitoso. O bom senso deveria ter dito aos governos aliados que era improvvel que Hitler esperasse para atacar a oeste at que eles estivessem devidamente equipados para desa -lo. Porm, por teimosia, convenceram-se de que o tempo estava a seu favor. Eles queriam usar sua fora naval para impor um bloqueio contra o Reich. Gamelin falava em lanar uma grande ofensiva terrestre em 1941 ou 1942. Ambos os governos agarravam-se esperana de que o exrcito e o povo alemes tomariam juzo e reconheceriam a impossibilidade de manter uma luta

prolongada. Na Polnia, mantinha-se o pensamento panglossiano dos Aliados, de que o impulso temerrio de aquisio territorial de Hitler alcanara seu ltimo triunfo: os nazistas seriam derrubados pelos alemes sensatos e, depois, um entendimento com o regime sucessor seria buscado. Os Aliados formalizaram seu processo de tomada de decises por meio de um Supremo Conselho de Guerra, como o estabelecido no ltimo ano do con ito europeu anterior. Estabeleceu-se que os britnicos e os franceses dividiriam os custos do esforo de guerra base de 60:40, propores que re etiam o tamanho relativo de suas economias. A poltica e o plano de ao da Frana eram profundamente in uenciados pelo medo em relao s esquerdas, provveis ferramentas de Stalin no futuro. Em outubro de 1939, 35 deputados comunistas foram detidos em nome da segurana nacional. Em maro do ano seguinte, 27 deles foram julgados, e a maioria foi condenada, recebendo sentenas de at cinco anos de priso. Alm disso, cerca de 3.400 militantes comunistas foram presos e mais de trs mil refugiados comunistas estrangeiros foram confinados. Um dos erros dos Aliados na preparao de sua estratgia, admitindo-se que houvesse uma, foi se concentrarem no fortalecimento das foras armadas enquanto davam pouca ateno ao moral; ministros ignoraram a in uncia corrosiva da inatividade no sentimento pblico. Na cabea de muitos franceses e britnicos, o esforo de guerra parecia no ter objetivo: seus pases comprometeram-se a lutar, mas no iam luta. Os franceses eram profundamente sensveis presso econmica imposta pela necessidade de sustentar 2,7 milhes de homens armados. Exaltavam aos britnicos as virtudes da ao em quase toda parte, salvo na Frente Ocidental. Atentos ao fato de que a Frana contou 1,3 milho de mortos na Primeira Guerra Mundial, evitava-se provocar outro banho de sangue em seu territrio. Mas suas propostas para operaes marginais por exemplo, uma frente balcnica em Salnica, para prevenir uma agresso alem na regio no tiveram apoio em Londres. Os britnicos temiam que essa medida apenas provocasse os italianos a se juntarem Alemanha. Ministros sequer falavam publicamente em criar uma frente antifascista, por receio de ofender Benito Mussolini. Incapazes de de nir objetivos militares convincentes, muitos polticos britnicos e franceses desejavam uma paz arranjada com Hitler, desde que ele aceitasse ter alguma moderao em suas ambies territoriais, para manter as aparncias; seus povos reconheciam o fato, cunhando as frases Guerra de Mentira e Guerra Enfadonha. A organizao de pesquisa social Mass Observation falou de um forte sentimento no pas de que no vale a pena prosseguir com a maldita guerra (...) Suspeitamos que Hitler ganhou o primeiro round noticioso desta guerra. Foi capaz de oferecer ao seu povo uma tremenda histria de sucesso: a Polnia. difcil superestimar o impacto de meses de passividade no esprito das foras francesas. Em novembro de 1939, o comandante britnico Alan Brooke descreveu suas sensaes ao testemunhar um des le do IX Exrcito francs: Raramente vi tanto desmazelo (...) homens com a barba por fazer, cavalos malcuidados, completa ausncia de orgulho de si mesmos ou de suas unidades. O que mais me chocou, porm, foi a expresso no rosto dos homens, expresso de contrariedade e de insubordinao (...) No pude deixar de me perguntar se os franceses ainda so uma nao forte o su ciente para novamente cumprirem seu papel e levarem essa guerra at o m. Milhares de poloneses exilados que se somaram s foras francesas notavam,

com desnimo, as atitudes equvocas mostradas por seus aliados: o piloto Franciszek Kornicki escreveu que tanto os comunistas como os fascistas franceses trabalhavam contra ns, e Lyon estava repleta dos primeiros. Um dia, algum fazia um gesto amistoso, mas, no dia seguinte, outra pessoa nos xingava. Um soldado francs, o escritor Jean-Paul Sartre, escreveu em seu dirio, em 26 de novembro: Todos os homens (...) estavam ansiosos para ir, no incio, mas agora morrem de tdio. Outro soldado, Georges Sadoul, escreveu, em 13 de dezembro: Os dias passam, in ndveis e vazios, sem qualquer ocupao (...) Os o ciais, na maioria reservistas, no pensam de forma diferente dos homens (...) Sente-se que esto cansados da guerra, dizem e repetem que gostariam de ir para casa. Em 20 de fevereiro de 1940, Sartre observou: A mquina de guerra est em ponto morto (...) Ainda ontem um sargento me dizia, com um brilho de insana esperana nos olhos: Acho que tudo ser arranjado, a Inglaterra vai recuar. Os britnicos estavam igualmente perplexos. Jack Classon, jovem vendedor de Everton, Lancashire, escreveu a um amigo no exrcito: A guerra no parece avanar, no ? Lemos uma coisa no jornal pela manh que desmentida no dia seguinte, e isso est acabando com os negcios. Voc pode culpar pela minha depresso as cortinas pretas que escurecem a loja e as janelas azuladas que nos tam quando subimos a escada (...) O cinema Curzon teve como convidado, h mais ou menos uma semana, Henry Croudson, o organista (...) algumas pessoas gostam mais do que dos lmes, e seu nmero mais popular no momento Well Hang Out the Washing On the Siegfried Line [Vamos estender a roupa na linha Siegfried]. A plateia enlouquece quando ele toca essa. Um milho e meio de mulheres e de crianas britnicas, evacuadas das cidades sob a ameaa de bombardeios alemes, sentiam a agonia da saudade de casa num ambiente rural no familiar. Uma delas, Derek Lambert, de nove anos e original de Muswell Hill, em Londres, contou posteriormente: Ocupvamos camas estranhas e nos deitvamos com os punhos cerrados. Os dedos dos ps tocavam em bolsas de gua quente, e as mos, em sacos de seda com lavanda antiga dentro dos travesseiros. Uma coruja piava, asas roavam a janela. Lembrava-me dos rudos londrinos de trens e de motos distantes, os galhos se quebrando, o co do vizinho, o zumbido do rdio, o gemido no quinto andar e o pigarro das dez e meia; lembrava-me do papel de parede familiar