Arthur Acosta Baldin - PUC-SP
Transcript of Arthur Acosta Baldin - PUC-SP
P t U v rs t S P u – PUCSP
Faculdade de Filosofia, Comunicac tr s rt s - FAFICLA
Pr r stu s P s-Graduados em Comunicac S t
Arthur Acosta Baldin
A deficiência, o corpo e a mídia: por uma comunicação com a
pessoa e não com a sua deficiência
Mestrado
2020
P t U v rs t S P u – PUCSP
Faculdade de Filosofia, Comunicac tr s rt s - FAFICLA
Pr r stu s P s-Graduados em Comunicac S t
Arthur Acosta Baldin
A deficiência, o corpo e a mídia: por uma comunicação com a
pessoa e não com a sua deficiência
Helena Katz.
Mestrado
2020
O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível
Superior (CAPES) – Código de Financiamento 001
This studt was financed in part by the Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) –
Finance Code 001.
Banca Examinadora
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Agradecimentos
Gostaria de agradecer aos meus pais, que proporcionaram os meios para que eu
pudesse desenvolver este trabalho em uma universidade privada. Agradecer à
professora Helena Katz, que me abriu as portas da academia para que eu realizasse
este projeto, sendo a minha orientadora e grande amiga, e agradecer muito à
professora Ana Laura Schlieman pela inestimável contribuição com a pesquisa, que
me permitiu entrar em contato com a situação da deficiência de forma mais
consistente, e também pela sua amizade.
Não posso esquecer de Welington Nogueira, fundador do Doutores de Alegria, que
me acompanha desde o início deste projeto. Foi ele quem sugeriu trazer a minha
questão de vida para este Mestrado e para o meu trabalho artístico.
Preciso, é claro, agradecer ao Nando Bolognesi, que, além de ser objeto
fundamental desta dissertação, foi indispensável na criação do monólogo no qual
trato da deficiência.
Gostaria de registrar meus agradecimentos à Associação Fernanda Bianchini e à
Mirante Cia de Artes. Através delas pude me tornar professor nesta Associação e
começar a desenvolver o ensino de teatro para pessoas com deficiência que
querem ser atores.
Em particular agradeço à própria Fernanda Bianchini, fundadora da Associação que
leva seu nome. E à Mariana Chiuso, fundadora da Cia Mirante de Artes, e ao
Alejandro Sorlino, professor de teatro, profissionais com quem trabalho na
Associação, e que lá representam o núcleo de teatro.
Agradecer às voluntárias Estela Guiutini, Beatriz Albuquerque e Julia Carone,
voluntárias na Associação, que foram e são peças fundamentais para seguir com
este trabalho por lá.
Agradeço ao jornal O São Paulo, à Rádio 9 de Julho, especificamente aos Padres
Roberto Michelino e Luiz Cláudio Braga, e aos jornalistas e produtores Naya
Fernandes, Jenniffer Silva e Fábio Augusto pelo apoio dado ao meu trabalho,
tornando-o visível para a sociedade.
Por fim, preciso agradecer à CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal
de Nível Superior) pelo bolsa de pesquisa que viabilizou a realização desta
Dissertação de Mestrado.
A coisa mais notável que fazemos com a linguagem é aprendê-la
(PINKER, 2008, apud KATZ, GREINER, 2012, p.3)
Sumário
Introdução ....................................................................... p. 10
Cap.1 – O corpo com deficiência .......................................... p. 14
Cap.2 - A re-estigmatização do corpo com deficiência.............. p. 32
Cap.3 - Corpos com deficiência fazendo arte .......................... p. 42
Pensando a continuidade desta investigação .......................... p. 54
Referências bibliográficas ................................................... p. 59
Resumo
Investigando o modo como a pessoa com deficiência é apresentada na mídia,
surgiu a hipótese de que o aumento da sua presença nos meios de comunicação
produz uma falsa percepção de que está em curso um apagamento de
preconceitos, quando o que ocorre é um sutil processo de re-estigmatização. Isso
se dá porque as referências midiáticas continuam fazendo da deficiência uma lente
a mediar as notícias publicadas sobre pessoas com deficiência. Mesmo quando se
trata do campo da arte, o que vem primeiro é a deficiência, não o trabalho artístico.
Assim, o objeto da pesquisa é o que aqui está sendo chamado de re-
st t z ç : u pr ss át qu pr uz u st „ s rç ‟
visibilidade pseudo-„ us v ‟ br -s qu t t „ us ‟ s rá
aqui questionado (Lapponi, 20012). O objetivo é o de expor a força e o alcance
desta ação midiática, que mantém velado o traço da re-estigmatização e seus
danos, e colocar em uma perspectiva crítica o uso do conceito de inclusão. O corpus
reúne referências midiáticas a três trabalhos artísticos, que se ligam de maneiras
distintas com a questão da deficiência. Dois deles são realizados por pessoas com
deficiências: o do ator e palhaço Nando Bolognesi, que tem esclerose múltipla, e o
trabalho que Bolognesi e eu realizamos (tive anóxia no parto). E o terceiro, é
desenvolvido por Fernanda Bianchini, que não possui deficiência e desenvolveu um
método de balé para cegos. A fundamentação teórica se apoia, sobretudo, na
Teoria Corpomídia (Katz e Greiner), nas pesquisas sobre deficiência na área da
Comunicação (Sousa, 2013; Sassaki, 2003; Skoralick, 2009; Bellini, 2007) e no
campo artístico (Cooper Albright, 1997; Benjamin, 2002). A metodologia reúne
revisão bibliográfica, pesquisa de campo e uma vivência com os artistas citados. A
urgência em possibilitar a comunicação do trabalho do deficiente e não a sua
deficiência tem na arte uma forte aliada para mudar a situação daqueles que não se
encaixam nos padrões de competência do corpo que continuam regulando o viver
em sociedade.
Palavras-chave: re-estigmatização; corpo e deficiência; corpomídia; Nando
Bolognesi; Fernanda Bianchini; Arthur Acosta Baldin.
Abstract
Investigating the way in which the person with disabilities is
presented in the media, the hypothesis arose that the increase in their presence in the media produces a false perception that there is
an erasing of prejudices, when what occurs is a subtle process of re-stigmatization. This is because media references continue to make
disability a lens to mediate published news about people with disabilities. Even when it comes to the field of art, what comes first is
deficiency, not artistic work. Thus, the object of the research is what
is being called here re-stigmatization: a media process that produces a 'disguised' stigma in pseudo-'inclusive 'visibility, remembering that
the understanding of' inclusion 'will be questioned here ( Lapponi, 20012). The objective is to expose the strength and scope of this
media action, which keeps the trait of re-stigmatization and its damages hidden, and to put the use of the concept of inclusion in a
critical perspective. The corpus gathers media references to three artistic works, which are linked in different ways with the issue of
disability. Two of them are performed by people with disabilities: that of the actor and clown Nando Bolognesi, who has multiple sclerosis,
and the work that Bolognesi and I did (I had anoxia during childbirth). And the third, is developed by Fernanda Bianchini, who
does not have a disability and developed a ballet method for the blind. The theoretical foundation is based, above all, on Corpomídia
Theory (Katz and Greiner), research on disability in the area of
Communication (Sousa, 2013; Sassaki, 2003; Skoralick, 2009; Bellini, 2007) and in the artistic field (Cooper Albright, 1997;
Benjamin, 2002). The methodology combines bibliographic review, field research and an experience with the mentioned artists. The
urgency of making it possible to communicate the work of the handicapped and not their handicap has in art a strong ally to change
the situation of those who do not fit the standards of competence of the body that continue to regulate living in society.
Key-words: re-stigmatization; body and disability; corpomedia; Nando Bolognesi; Fernanda Bianchini; Arthur Acosta Baldin
.
Introdução
Quase 24% da população brasileira é composta por pessoas que possuem algum tipo de deficiência. Segundo o último
Censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Brasil possui 45 milhões de Pessoas com Deficiência (PCDs). (ARAÚJO, 2017)
Que lugar a pessoa com deficiência ocupa nas artes e que tipo
de atenção os meios de comunicação dão ao seu processo criativo?
Há uma rarefação da produção bibliográfica em torno dessa
inquietação, que indica que esse tema não interessa aos estudiosos
da mídia, e tampouco aos do meio artístico. E, para além deste
silenciamento, há também um modo de apresentar o deficiente que
chamou a atenção e terminou por se tornar o objeto desta pesquisa,
que elegeu como corpus as referências midiáticas a três trabalhos
artísticos, aqui reunidos porque identificam diferentes modos de
atuação nesse campo.
1) Um dos artistas é Nando Bolognesi, ator e
palhaço, que montou uma peça de teatro (Se Fosse Fácil não Teria
Graça, 2013) para falar da sua vida e de sua relação com a doença
que tem: esclerose múltipla. Ele transforma a sua doença em
material artístico para, então, levar o seu espectador a uma reflexão
sobre o espaço que a pessoa com deficiência vem ocupando na
sociedade. 2) O outro trabalho é o de Fernanda
Bianchini. Fernanda não possui deficiência física, e criou uma
metodologia de ensino de balé para cegos, na qual usa também a
fisioterapia. Sendo a dança uma arte de tanta dependência da visão,
a importância da criação desse método pode, inclusive, irrigar, com
informações menos conhecidas, outros tipos de ensino do balé.
Se nós concordarmos que a arte da dança é aquela que formula, com o corpo, as suas
hipóteses especulativas sobre o mundo, estaremos
s us rt st s s “qu rt s ur ” em que estão os matemáticos que buscam o que
não pode ser encontrado com a visão. Mas, como podemos colocá-los lá, se justamente a dança tem na visualidade a sua própria condição de
existência? Seria uma contradição colocar os seus artistas nessa situação. Seria mesmo? Quem sabe,
possamos tentar desobedecer ao que parece evidente. (KATZ e GREINER, 2012, p.2)
3) E o terceiro trabalho é o que realizei com Nando Bolognesi,
(Tião, Meu Glorioso Café, 2018) que reúne dois tipos distintos de
deficiência, a minha e a dele.
Sobre a deficiência, os dados mudaram recentemente. Antes, o
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE (2010),
apontava serem cerca de 45 milhões os brasileiros com deficiência
(23,9% da população), dos quais apenas 403.255 trabalhava, ou
seja, somente uma minoria (6%). Além disso, Adriana Lotti, que
coordenava o Setor de Inserção no Mercado de Trabalho da Apae-DF,
explicou que a maior parte dos empregadores contratava somente
para cumprir a cota obrigatória da Lei nº 8213/1991, que estabelece
que empresas com 100 a 200 funcionários devem reservar 2%, e as
que têm mais de 1001, precisam garantir 5% de vagas para as PCD
(Agência Brasil, 2017).
Maria Teresa Pacheco Jensen, que em 2017 era
Secretária de Inspeção do Trabalho, no então existente Ministério do
Trabalho, informava que, caso as empresas cumprissem a lei, o
número de pessoas com deficiência que estaria empregada seria
maior, o que prova uma resistência, por parte das empresas, mesmo
sendo multadas por descumprirem esta lei (Verdélio, 2017).
Mas em 2018, e empregando a mesma base de dados do Censo
2010, os números mudaram drasticamente: o IBGE adotou a
proporção de 6,7%, contra os 23,9% anteriores, porque passou a
medir “ r u u s u s tr s p r
p rt p ç v s ”, seguindo o Grupo de Washington
(GW) de Estatísticas sobre Deficiência (vinculado à Comissão de
Estatística da ONU). Na margem de corte anterior, foram contadas as
pessoas que responderam ter alguma dificuldade em pelo menos um
dos quesitos. A nova proposta adotada é que sejam agrupadas
p s s p ss s qu tê “ u t u ” (M G r z P u
Conceição, 2018), abandonando o que foi praticado no Censo 2010, e
privilegiando o modelo biomédico de conceituação de pessoa com
deficiência.
Segundo cartilha do Ministério da Saúde1, pessoas com um
grau menor de deficiência chegam a 45.600 mil pontos, e as com
grau avançado alcançam 4.200 pontos, justificando tal mudança na
proporção anterior.
A proposta de mudar a forma de perguntar sobre a deficiência
veio do grupo GW. Antes, r : “v ê t u x r r
s us u s?” r é: “T u p r t
enxergar? (se utiliza óculos ou lente de contato, faça sua avaliação
qu s st v r ut z )” 2. E as dificuldades foram divididas em
quatro possibilidades: “ hu u ” “ u u ”
“ u t u ” “ s u u ”.
Seja qual seja a cifra mais aproximada, sabe-se que a maioria
das pessoas com deficiência permanece invisível para o mundo do
trabalho, sendo urgente e de extrema importância criar mais
possibilidades para que essa situação se modifique. É nessa direção
que aqui se pleiteia que as artes da cena podem contribuir com a
mudança que precisa acontecer, seja criando oportunidades de
trabalho no seu próprio campo, seja sensibilizando a sociedade para o
fato de que pessoas com deficiência são também artistas.
1 file:///C:/Users/User/Downloads/CINTHIA%20-
%20aPRESENTACAO%20MINISTERIO%20DA%20SAUDE.pdf 2 https://educacao.estadao.com.br/blogs/educacao-e-etc/com-nova-margem-de-corte-ibge-constata-
67-de-pessoas-com-deficiencia-no-brasil/?utm_source=estadao:whatsapp&utm_medium=link
Capítulo 1. O corpo com deficiência
O modelo social de incapacidade, em processo de
implementação, sugere que este não é, de todo, um atributo de um individuo, mas mais uma construção artificial do meio envolvente, largamente imposta pela atitude e pelas limitações do meio construído pelo homem. Consequentemente, qualquer processo de melhoramento e inclusão requer ação social, e é de responsabilidade coletiva
da sociedade que, em grande parte, pode empreender as mudanças de atitude no meio envolvente, necessárias à plena
participação em todas as áreas. (OMS International Classification of Functioning, Disability and Health (ICF ou ICIDH), maio de 2001, apud BELLINI, 2007, p. 54).
Divulgado pela Organização Mundial da Saúde - OMS, este
texto expõe a necessidade da sociedade realmente olhar para o
sujeito com deficiência, já que se trata de uma questão que extrapola
o âmbito individual e familiar. E, para que eles se tornem mesmo
visíveis, também é necessário que as questões que cercam as
pessoas com deficiência se tornem temas de pesquisa na
Universidade. Na instituição na qual produzo esta dissertação, a PUC-
SP, por exemplo, temos bedéis surdos, encarregados em ajudar
alunos, professores e funcionários no dia a dia do funcionamento do
campus. Vale salientar a relevância dessa atitude
institucional, uma vez que problemas auditivos tendem a implicar em
dificuldades na comunicação, e, no caso da função de bedel, por
exemplo, ser e fazer-se entendido é uma condição para a sua
realização. Ou seja, a presença de bedéis com deficiência auditiva
forçosamente reprograma a comunicação de todos os envolvidos,
surdos e não-surdos da PUC-SP, em um movimento que mexe com
os processos habituais que regulam a função de bedel. Vejamos o
que diz Bellini, de uma experiência semelhante:
Embora houvesse tido contato com textos científicos
sobre o assunto e assistido algumas aulas da pré-
alfabetização de deficientes visuais na instituição, no
segundo semestre de 1999, isso, de modo algum, havia
me preparado para o impacto de me ver rodeada por
estes corpos estranhos e deficientes, por quem tive
uma afinidade imediata. Foi um encontro singular, onde
me apresentei, falei do meu trabalho externo e dentro
da instituição. Nisso, surgiu uma pergunta de um dos
meninos, na época com oito anos: Profe, a senhora
também é cega? Hesitei e falei: Não, eu enxergo todos
vocês, mas da minha maneira. Vocês vão me ensinar
como vocês enxergam através das mãos, das formas e
dos cheiros. Vocês vão me mostrar como exploram o
ambiente com suas bengalas e com suas mãos, e nós
iremos descobrir muitas outras formas de conhecer o
mundo. Naquela hora, me dei conta do que eu havia
dito. Na verdade, eu viria a aprender muito com eles,
dali em diante. (BELLINI, 2007, p. 55)
Segundo a professora Ana Laura Schliemann, graduada em
Psicologia, a PUC-SP foi uma das Instituições de Ensino Superior
pioneiras na inclusão das pessoas com deficiência, pois relata que
teve uma colega com deficiência visual total que se formou em
Psicologia trinta anos atrás. E a PUC-SP também é responsável pela
DERDIC, instituição sem fins lucrativos que se dedica a tratar pessoas
com deficiência auditiva, priorizando famílias de baixa renda.
A DERDIC foi fundada em 1954, por famílias e pessoas
ligadas à comunidade surda. Em 1968, foi doada à Fundação São
Paulo, com o intuito de, por meio de pesquisas da própria PUC-SP,
ampliar o seu atendimento. De 1968 a 1972, a DERDIC iniciou uma
pesquisa no campo da pessoa com deficiência auditiva e, em 1972, se
comprometeu a investir na formação de professores para pessoas
com deficiência. Dois anos depois, alunos da PUC-SP foram
incorporados à DERDIC, trazendo, assim, um curso teórico-prático no
campo da pessoa com deficiência para a instituição. Em 2008, a
DERDIC torna-se unidade complementar da PUC-SP, mantendo um
vínculo acadêmico com a universidade.
Em países subdesenvolvidos, o número de
pessoas com algum tipo de deficiência que completaram o ensino
primário chama a atenção: 45% são meninos e 32%, meninas,
enquanto em países desenvolvidos, esse percentual sobe para 60%,
st s t çõ su s. r rt “ ONU s
P ss s D ê ”3.
Segundo estudos da OMS, de 2011, um bilhão de pessoas
vivem com alguma deficiência no mundo, isto é, uma a cada sete
pessoas possui algum tipo de limitação. 80% dessas pessoas vivem
em países desenvolvidos, diz a ONU. Segundo a UNICEF, 150 milhões
de crianças, com menos de dezoito anos, possuem algum tipo de
deficiência.
O corpo com deficiência e seus estigmas
O conceito de estigma, geralmente usado em referência a um
atributo depreciativo, remete a Goffman, considerado um pioneiro em
apresentar o conceito de estigma dentro de uma perspectiva social, é
um dos autores-referência no assunto, desde, quando publicou
Estigma – Notas sobre a manipulação da identidade
deteriorada (1975), ligando o estigma à aparência física e à
categorização das pessoas.
qu t str h stá ss r t p sur r evide ncias de que ele tem um tr but qu t r
r t utr s qu s tr u t r
qu pu ss s r u s té u
spé s s áv ... . ss x s
s rá- la criatura comum e total, reduzindo-a a
uma pessoa estragada e diminu . T r t r st é
st sp t qu s u t s ré t é u t r ... (GOFFMAN, 1975; p.2).
Os gregos criaram o termo estigma para identificar as marcas
que eram feitas nos corpos para evidenciar que aquele que a portava
era alguém que se diferenciava de forma negativa, e atu t
t r é us r s h t s t t r r de
estar ligado à uma marca no corpo, porém ligado a uma marca
3https://nacoesunidas.org/acao/pessoas-com-deficiencia/
existente, e não feita para separar aquele sujeito dos outros.
Pessoas com deficiência, que tendem a ser estigmatizadas,
estão agora mais presentes na moda (Ronaldo Fraga, 2017; Tommy
Hilfiger, 2017), em telenovelas (Páginas da Vida, em 2006, na TV
Globo, e O Outro Lado do Paraíso, também na TV Globo, entre
23/10/2017 e 11/05/2018), ou no Sambódromo4. Podem ser
encontrados em Reality Shows, como a cantora Giovanna Maíra, que
já participou do programa Qual é o Seu Talento, exibido no SBT5.
Seja na mídia, na moda, na arte ou na publicidade, os mais variados
tipos de corpo, caracterizados pela gordura, pobreza, velhice,
deficiências físicas, mentais etc, vêm ganhando mais visibilidade.
Todos estes diversos corpos serão lidos a partir da hipótese de que
vêm sendo re-estigmatizados pela maneira como a mídia os
apresenta (pela sua deficiência e não pelos fazeres nos quais se
profissionalizaram/especializaram).
Giovana Máira no Qual é o Seu Talento
4²A Escola de Samba Embaixadores da Alegria se distingue por levar, para os desfiles na Sapucaí,
deficientes físicos e mentais, seus parentes e amigos (http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/1053472-deficientes-abrem-desfile-das-escolas-campeas-no-rio-neste-sabado.shtml,25/02/2012,) 5³Giovanna Maira, cantora cega, já participou de programas de TV, dentre os quais o Reality Show Qual
é o Seu Talento, na 4° Temporada, em 11/07/2011, e também do programa Encontro Com Fátima, no dia 24/10/2014.
Juliana Calas, atriz em O Outro Lado do Paraíso (2018)
Na mídia, segundo Hoff (2016), o corpo com deficiência começa
a aparecer com mais regularidade em meados dos anos 2000. No
período de 2000-2015, ocupa o mesmo lugar do corpo em
conformidade com o padrão de beleza (HOFF, 2016ª, apud SILVA,
COVALESKI, 2018, p.279). Neste período, o corpo com deficiência
começa a ter mais visibilidade, mas essa visibilidade está inserida em
um estereótipo produzido em relação ao padrão de beleza e
normalidade difundido pela mídia. Tal padrão deixa de promover a
s ss b p ss p r r u “r -estigmatiz ç ”.
Considera-se, nesta pesquisa, discurso da diferença como aquele que configura um convite a estéticas não hegemônicas, ou seja, aos corpos diferentes, tal como a desmistificar estigmas e estereótipos. (SILVA,
COVALESKI, 2018, p. 277)
Apesar da valorização, é imprescindível ressaltar que
a diferença também pode ser discursivizada de modo a estimular estereótipos e preconceitos, sendo representada de modo engessado. (SILVA,
COVALESKI, 2018, p. 281)
Os corpos com deficiência, tal como sucede com alguns outros,
também são estigmatizados a partir de seus fenótipos, porque não se
adequam aos padrões consagrados como modelos a serem seguidos.
Como não cabem neles, passam a ser tratados como insuficientes,
precários, sendo colocados na situação de quem deve algo ao padrão
em vigência, por não atender ao que ele estabelece e consagra como
“ r ”. P ss s r s p seu tipo de deficiência, e não pelo
que são, pelo que fazem. Há que se lamentar que se continue
aceitando um cert t p s p h t „ r ‟
sem levar em conta que cada corpo desenvolve habilidades e
eficiência dentro do seu parâmetro de funcionamento.
Um exemplo de estigmatização é
o vídeo, postado por Luciano Hang, dono das lojas Havan, no dia 19
de dezembro de 2019, inauguração de uma de suas lojas, em
Chapecó. Nele, simplesmente, critica a obrigatoriedade de instalar a
acessibilidade em sua loja6, dizendo que o piso tátil, piso que faz com
que fala que aquilo só faz com que sua loja qu “ ”. E garante
que se uma pessoa com deficiência visual for em sua loja, terá
sempre alguém para ajudá-lo – ou seja, na sua loja, ele não precisa
ter nenhum direito à autonomia. No caso, a questão que se coloca é:
alguém com deficiência visual quer permanecer dependente de ajuda
ou quer que o estado e grandes empresários, como Luciano Hang,
por exemplo, promovam acessibilidade para que eles possam se
deslocar com autonomia? Outra questão, colocada por
Luciano Hang, é: “Qu t s h qu h ss s p s s
tát s?” Qu p r u t u ss levou em consideração a
reivindicação das pessoas com deficiência, só pensou no empresário
que está ganhando com a produção deste piso, e nos empresários
que, como ele, se sentem prejudicados, por serem obrigados a
comprá-lo. Para ele, o fato do piso permitir que pessoas com
deficiência visual se locomovam pelas cidades – pois mostra quando a
calçada termina e vira rua - não conta. No dia da
inauguração, em entrevista ao programa Balanço Geral, da TV ND+,
afiliada da TV Record, Luciano Hang7 criticou o piso tátil de novo,
dizendo que é algo que ninguém vê. O que Luciano não sabe é que
aquilo não é para ninguém ver, mas sim, para que quem não
consegue ver tenha a liberdade de andar e consumir dentro de seu 6 https://jovempan.com.br/programas/jornal-da-manha/governo-responde-criticas-de-luciano-hang-
sobre-acessibilidade.html 7 https://www.youtube.com/watch?v=D1rayPknQto
estabelecimento, como qualquer outra pessoa. Na mesma entrevista,
o prefeito de Chapecó, Luciano José Bulingnon, falou que aquela lei,
que o empresário tanto criticou, é uma lei federal, e que ele, como
prefeito, só tinha que garantir que a lei fosse aplicada. Percebe-se,
em ambos os casos, que tanto prefeito como empresário olham esta
questão como um problema burocrático, e não como uma solução
para que pessoas com deficiência visual tenham o direito de ter
autonomia para circular naquela e em qualquer outra loja.
No dia 20 de dezembro, Luciano postou um vídeo do
lançamento da sua loja, em Sumarezinho, no qual fala com Jelres
Freitas8, cadeirante e presidente da Frente da Pessoa com
Deficiência, da OAB, que elogia a atitude do empresário no vídeo da
loja em Chapecó. O mais curioso é que Luciano não trouxe um
deficiente visual, mas um cadeirante, que não usa o piso tátil e que
está atrelado a um órgão de poder, a OAB, para assim legitimar o seu
discurso.
A sinalização tátil e visual direcional no piso deve ser
instalada no sentido do deslocamento das pessoas,
quando da ausência ou descontinuidade de linha-guia
identificável, em ambientes internos ou externos, para
indicar caminhos preferenciais de circulação (ABNT/
NBR 9050/15, 5.4.6.4)
Nas regras da ABNT (Associação Brasileiras de Normas
Técnicas), o ponto 5.4.6.4 deixa bem claro a extrema necessidade de
ter piso tátil. Este parágrafo nos mostra o quão importante, para um
deficiente visual, é o uso do piso tátil e o quanto de independência
isso traz ao indivíduo.
Trago este vídeo, com o dono da Havan, para que
possamos pensar o alcance e os desserviços destas formas de
comunicação. Hoje, a consolidação do avanço das gravações
individuais privadas estimula qualquer um a ligar uma câmera, falar o
8 https://brasil.estadao.com.br/blogs/vencer-limites/luciano-hang-usa-cadeirante-para-reclamar-de-
piso-tatil-para-cegos/
que quer, e postar em uma plataforma, sem medir as consequências
do que fala, pois sabe que muito dificilmente será responsabilizado.
Este tipo de atitude, evidentemente, não fortalece a democracia,
intensifica a proliferação de fake news e o fortalecimento dos
preconceitos e dos estigmas. Apesar das declarações
lamentáveis do empresário Luciano Hang, há uma outra mídia
preocupada em dar mais visibilidade e alargar essas questões no
campo da pessoa com deficiência. Cito aqui o jornalista Joel Pinheiro
que, no dia 05 de dezembro de 2019 publicou um artigo, na revista
Exame, cujo título é: “Inclusão em Meio a Polarização9. Escrito em
comemoração ao Dia Mundial da Pessoa com Deficiência (3 de
dezembro), a partir de minha insistência, apresenta a relevância da
acessibilidade para a pessoa com deficiência, em nossa sociedade.
Nesta
época, fiz um esforço para que jornais de pequenos ou grande porte
publicassem algo com essa temática. Os únicos que acataram a
proposta foram Joel Pinheiro, a Rádio 9 de Julho e o jornal O São
Paulo, com o editorial chamado “A Minoria da Minoria”. Muitos dos
jornalistas e políticos com os quais insisti na importância da temática,
me ignoraram. Percebi que alguns têm medo de tocar no assunto por
causa dos empresários, para não se indispor com seus possíveis
patrocinadores.
Conversei pessoalmente com um jovem deputado federal do
PV, e supus que, na semana da pessoa com deficiência, ele iria
ajudar. Enviei um dossiê sobre o tema, mas a ajuda não aconteceu.
Depois, verifiquei que uma boa parte de seu eleitorado é composta
por grandes empresários, e que seu discurso pleiteia a
desburocratização, a diminuição de impostos e coloca o empresário
u r “ t h ”. , tal deputado não iria tocar no tema,
para não se indispor com quem o elegeu
9 https://exame.abril.com.br/blog/joel-pinheiro-da-fonseca/inclusao-em-meio-a-
polarizacao/https://exame.abril.com.br/blog/joel-pinheiro-da-fonseca/inclusao-em-meio-a-polarizacao/
Quando cito esse exemplo, a intenção não é a
de demonizar a classe empresária, mas apontar que muitos
empresários veem a política de cotas para deficientes como um
problema, e não um avanço na diminuição da desigualdade social que
caracteriza a sociedade brasileira. É importante salientar que há
empresas que respeitam a cota, sabem valorizá-la, contratando até
mais pessoas com deficiência do que o percentual que a lei exige.
Sempre esteve presente na nossa sociedade uma relação
t s tr qu é s r “ r ” “ r ” v ao estranhamento causado pelo contato com a diferença básica. E essas relações imbricam em regimes de verdade que permitiram o reconhecimento e o tratamento das pessoas com deficiência em determinados dispositivos de ordem política, econômica e cultural e, consequentemente, em
mecanismos de exclusão/ inclusão que possibilitaram o controle da população na/ pela história. (SILVA, 2012, p.141)
É importante apontar que o ato de estigmatizar o corpo com
deficiência está atrelado ao exercício de poder e de controle. A
produção de narrativa que o apresenta, geralmente, é negativa, pois
s b s p p r “ t h ”. Exemplo disso é a
PL 6.159/2019), criada pelo Ministro Paulo Guedes. No caso, Guedes
olha para a pessoa com deficiência como uma trava para a economia,
e para o empresário como um prejudicado, nos seus lucros, por essa
PL. A proposta enviada ao congresso pelo Ministro desobriga
empresas a contratar pessoas com deficiência para cargos de cota;
em troca, a empresa deve doar ao Estado até dois salários mínimos.
Trata-se de um projeto que deixa a pessoa com deficiência ainda
mais excluída e estigmatizada. Uma das medidas é permitir que
empresas substituam o funcionário PCD pelo funcionário aprendiz.
O governo, ao fazer este projeto, não
ouviu a Secretaria da Pessoa com Deficiência, e passou por cima do
lema da Pessoa com Deficiência, que é: Nada sobre nós, sem nós. O
Ministro da Economia atendeu apenas aos empresários, o que vai na
contramão do que esta pesquisa reivindica, que é o entendimento de
que um bom projeto de cotas sabe que elas são um grande desafio
para os empresários, e que esse desafio deve ser resolvido em
acordo com o governo; e que é indispensável ouvir as pessoas com
deficiêcia para atender às suas necessidades.
Para tratar do corpo, não basta o esforço de colar
conhecimentos buscados em disciplinas aqui e ali. Nem
trans nem interdisciplinaridade se mostram estratégias
competentes para a tarefa. Por isso, a proposta de
abolição da moldura da disciplina em favor da
indisciplina que caracteriza o corpo (Katz, 2004).
Alguns discursos se dizem e passam com o ato que os
pronunciou e outros são retomados constantemente.
(KATZ e GREINER, 2005)
É importante termos em mente que todo o corpo gera uma
imagem e essa imagem gera uma narrativa e essa narrativa pode ser
construída positiva ou negativamente. Por isso, é de extrema
importância que se volte os olhos para o modo como os meios de
comunicação constroem e disseminam as narrativas sobre os corpos
com deficiência. E, também, em como os trabalhos de artistas como
os citados nesta pesquisa têm o potencial de afastar a pessoa com
deficiência desse tipo de narrativa midiática.
Deficiência e artes
Pensando na contínua produção de estigmas, destacamos a
importância do trabalho artístico, por reconhecer nele a possibilidade
de quebrar essa cadeia de estigmas – uma possibilidade que
necessita ser transformada em prática cotidiana. Dentre os muitos
exemplos possíveis, fiquemos com o do palhaço, que é reconhecido
como um personagem transgressor. De certo modo, o artista com
deficiência também pode ser visto como aquele que transgride sua
própria limitação, sem aceitá-la como um impedimento para fazer a
sua arte.
Descobri que minhas limitações poderiam ser
grandes aliadas se encaradas como recurso
cômico. Constatação que, levada ao limite, mais
tarde, me conduziria à especialização na
linguagem do palhaço. (BOLOGNESI, 2014,
p.103)
A figura do palhaço remete à do bobo da corte. Segundo
Wellington Nogueira10 (2015) “O b b r t t su t
para falar as verdades que guilhotinavam a todos, menos a ele, afinal
t s r p s u b b ”.
Os artistas aqui trazidos, que representam tantos outros,
podem ser observados nesta mesma perspectiva, pois sua presença e
tu ç “ u h t ” t s s qu t t p r p rtâ
das questões que expõem, e continuam lhes dirigindo o mesmo tipo
de olhar que, equivocadamente, vê o bobo da corte como
insignificante. Quando se expressam artisticamente, criam discursos
que recusam a imagem que a sociedade constrói deles, o que dilata
ainda mais a necessidade de produção contínua das suas obras.
Por conta da operação perversa de estigmatizar e
re-estigmatizar da mídia e do mundo da empregabilidade, a arte
ganha relevância, como um ambiente mais propício para que esta
operação seja quebrada, e a pessoa com qualquer tipo de deficiência
seja vista como diferente e não através desta diferença. Essa
mudança tem mais relevância do que, a princípio, pode parecer,
porque, como se sabe, se todas as pessoas se diferenciam, umas das
outras, porque a pessoa com deficiência não pode ser apenas mais
uma dentre todas as diferentes? Lutar por essa transformação não é
tarefa pequena.
A curiosidade pelo bizarro, enquanto
forma de cultura visual, pode ser
104
Fundador do grupo Doutores da Alegria, que se dedica há trinta anos, desde 1991. Esse depoimento de Wellington Nogueira se deu em uma conversa ocorrida em Agosto de 2017, na cidade de São Paulo.
considerada uma das formas mais
inquietantes e intolerantes de tratamento
dos monstros no século XIX. Reservou-se
àqueles considerados monstros um
regime particular de visibilidade, segundo
o qual eram expostos em feiras, circos e
parques como forma de divertimento
familiar (SILVA, 2012, p.141)
Infelizmente, a comunicação do corpo com deficiência ainda
guarda resquícios do que acontecia em torno do Freak Show do
sé u XIX. N qu ép rp s “ squ s t s” r xp st s p r
fazer o público se divertir s su s „p u r s‟, e agora, eles
são apresentados para levar o público a sentir pena ou para valorizá-
los „h r s‟ qu conseguem „sup r r s su s u s‟. Esse
tipo de comunicação, de modo geral, tem audiência garantida.
Nota-se como o tratamento simbólico da
monstruosidade sobre o corpo anormal
ganha visibilidade nas práticas cotidianas
atuais. (SILVA, 2012, p.152)
Ao lançar um olhar arqueológico para a
historicidade do corpo com deficiência, é
possível acionar a monstruosidade do
corpo como um dispositivo
(não)discursivo do olhar que ultrapassa
seus limites temporais, e por meio de
suas práticas constituem a identidade do
sujeito com deficiência. (SILVA, 2012,
p.153)
Vale lembrar que todas as generalizações são imperfeitas e
deixam de fora o que nelas não cabe, e que é possível que existam
representações midiáticas que não re-estigmatizam, embora a
maioria permaneça perpetuando os estigmas. E aqui, a investigação é
sobre o fato das pessoas com deficiência serem apresentadas não
pelo que fazem, mas por serem deficientes fazendo o que fazem. E
mesmo quando o que fazem é arte, uma atividade capaz de provocar
reflexão, a tendência do tratamento midiático re-estigmatizador se
mantém, infelizmente.
O conceito de corpomídia (Katz e Greiner), apoiado na
relação de co-dependência entre corpo e ambiente, nos ajuda a
compreender a importância de irrigar a sociedade com outro tipo de
relação com o corpo com deficiência, para que os processos de re-
estigmatização se enfraqueçam.
Evidentemente, para tratar ações orgânicas, como
processos de comunicação, precisam ser arrebanhados
conceitos como informação, signo, mídia,
representação, entre outros. Numa espécie de coquetel
científico distantes dos usos metafóricos dessa
terminologia. E, com eles, pensar o corpo como sendo
um contínuo entre o mental, o carnal, o neuronal, o
carnal e o ambiental. Como pensar em corpo sem
ambiente se ambos são desenvolvidos em co-
dependência? (KATZ e GREINER, 2001)
A Teoria Corpomidia (Katz e Greiner) ajuda a compreender a
lógica que regula o tratamento midiático da pessoa com deficiência
porque propõe que o corpo deve ser pensado sempre em relação ao
ambiente, e vice-versa, em uma relação de co-dependência entre
ambos. Se os meios de comunicação divulgam um tipo de tratamento
do corpo deficiente, quem entra em contato com essa informação,
caso esse processo não seja estancado ou alterado, se habituará a
r rp t „ pr ‟ ss
informação. E, como fica habituado com a informação, tenderá a
reforçá-la também nas suas falas, ações, gestos, comportamentos.
Muitos cientistas que estudaram a visão e a percepção,
argumentaram que os seres vivos constroem um
modelo interno para perceber o mundo. No entanto,
pesquisadores como Alva Noë (Noe: 2004) explicam
que a visão nunca foi um processo através do qual o
cérebro constrói um modelo interno detalhado de
representação. Isso não significa que não exista
nenhum tipo de representação, mas que a própria
noção de representação precisa ser reconsiderada. Ele
dá o exemplo do turista que está em uma cidade
estranha e quer ir a um castelo. A primeira opção seria
comprar um mapa e seguir passo a passo as instruções
até chegar ao local desejado. A segunda possibilidade
seria aquela em que de onde se está, já é possível ver
o castelo. Neste caso, não há mapa, mas o turista
segue intuitivamente as pistas que descobre pelo
caminho até chegar ao castelo. A visão (e a percepção
em geral) seria mais como o segundo caso. Não existe
necessariamente um mapa, dado a priori, mas intuímos
como seguir as pistas. (KATZ e GREINER, 2012)
O conceito de corpomídia não vê o corpo como um recipiente no
qual as informações são depositadas e também não o apresenta
como um meio para comunicar algo apenas quando desejar, como se
controlasse o que vai expressar. No conceito de corpomídia o corpo
não é um emissor da informação que processou porque está o tempo
todo contando de si mesmo. Para sustentar essa hipótese, a teoria
recorre a várias disciplinas e as conjuga, em uma proposta de
indisciplinaridade.
Para tratar do corpo, não basta o esforço de colar
conhecimentos buscados em disciplinas aqui e ali. Nem trans nem interdisciplinaridade se mostram estratégias
competentes para a tarefa. Por isso, a proposta de abolição da moldura da disciplina em favor da indisciplina que caracteriza o corpo (KATZ, 2004, apud KATZ e GREINER, 2005, p.2)
A Teoria Corpomidia questiona a visão mais comum de corpo
que temos, que é a do corpo como suporte. Giovana Maira, por
exemplo, não é um corpo estragado por uma deficiência visual. Ela
não é um corpo que tem uma deficiência (duas instâncias: um corpo
e uma deficiência nele), Giovana é Giovana com a sua deficiência,
porque é nessa condição que percebe o mundo, que circula e atua
nele, em um fluxo de trocas permanente, que está sempre
modificando-a e também modificando tudo com o que entra em
contato. Ela e a deficiência estão todo o tempo mudando, e por isso,
ela não tem uma deficiência (duas instâncias: ela e a deficiência);
elas não são estáticas, não estão dadas, não ficam prontas e assim se
mantêm por todo o tempo. Todos os corpos se transformam e
transformam os ambientes.
As relações entre o corpo e o ambiente se dão por
processos coevolutivos que produzem uma rede de
pré-disposições perceptuais, motoras, de aprendizado
e emocionais. Embora corpo e ambiente estejam
envolvidos em fluxos permanentes de informação, há
uma taxa de preservação que garante a unidade e a
sobrevivência dos organismos e de cada ser vivo em
meio à transformação constante que caracteriza os
sistemas vivos. (KATZ, GREINER, p.7, 2005)
Como a Teoria Corpomidia não vê o corpo apenas como um
conteiner que armazena informação, mas como uma coleção de
informações que nunca fica pronta, porque está sempre se
t t b t rp „ té ‟ u
deficiência. Ele (a coleção de informações que ele é), enquanto um
organismo vivo, está sempre em transformação.
Voltando ao exemplo de Giovana Maira, quando ela
stá QST u t u ê SBT p r s r “u t r
” ss qu b t t r pr uz r u v
de focar na deficiência como definidora da pessoa. O que poderia se
tornar uma oportunidade em educar a audiência do programa, caso
explorasse a participação de Giovana de um outro modo, não ocorre.
Se assim fosse, o SBT estaria contribuindo para uma necessária e
urgente mudança de comportamento com relação ao mundo PCD, e
também favoreceria que um outro tipo de troca de informações
acontecesse com quem estivesse assistindo o programa. Se essa
mudança se tornasse habitual, ao longo do tempo, um outro cenário
passaria a existir, não somente para as pessoas com deficiência, mas
para toda a sociedade.
Trabalhando com o conceito de corpomidia, se torna
ainda mais evidente que a luta deve ser pela modificação do tipo de
informação que se troca. No caso da pessoa com deficiência, a
abordagem da sua deficiência não mais deve apagar a abordagem da
sua habilidade.
Em 1987, o americano Mark Johnson repropôs a relação entre corpo,
movimento e cognição. Mostrou que a cognição tem origem na
motricidade e explicou que a ideia de que existe um dentro, um fora
e um fluxo de movimento entre eles se apoia no conceito de corpo
como recipiente. Talvez 6 a popularização da proposta de corpo como
recipiente tenha a ver com um ações muito básicas como as de
ingerir e excretar, inspirar e expirar (que, evidentemente, dizem
respeito a algo que entra e a algo que sai). Curiosamente, a
comunicação tem a ver com esse movimento de entrar e sair de
situações, de si mesmo e do outro, e assim por diante. (KATZ,
GREINER, p.5, 2005)
Devemos estar alertas para o modo com que entramos em
contato com o corpo com deficiência, pois o contato promove mais do
que uma ligação técnica ou funcional, como nos explica Sodré
(2006).
É preciso, entretanto, a nosso modo de ver, deixar bem claro
que “ t t ” s r uz r x v ser entendido como uma configuração perceptiva e afetiva que recobre uma nova forma de conhecimento, em que a capacidade de codificar e descodificar predominam sobre os
puros e simples conteúdos (SODRÉ, 2006, p. 20).
Se os contatos envolvem afetos, ainda nos faltam acordos
capazes de viabilizar um tipo de comunicação que não se sustente no
sentimento de piedade com relação à pessoa com deficiência. E a
str s “ r s t s” as pessoas com
deficiência quando as apresenta através da sua deficiência e não dos
seus fazeres, porque assim os mantém apartados do tratamento dado
aos outros. Nesta questão dos acordos, vale lembrar do trabalho do
Teatro Cego, grupo fundado em 1999 por Paulo Palado e seu irmão
Luiz Mel, com a proposta da plateia assistir à peça no escuro, para
aproximá-la, no que diz respeito à visão, da condição de deficiência
visual do elenco. Este tipo de acordo entre palco e plateia, pelo tipo
de experiência sensível que promove, tem como objetivo despertar
para a necessidade de serem desenvolvidas formas de
relacionamento com os cegos também do lado de fora do teatro, ou
seja, na vida em sociedade.
É preciso ressignificar a diferença/deficiência e, para
tanto, há que se des- t v r subst t v „ r ç ‟
porque ser diferente não é ser melhor ou pior; a
diferença/deficiência simplesmente é (AMARAL, 1994,
apud RECHINELE, PORTO, 2008, p. 294).
pr p st “ s-adjetivar” subst t v “ r ç ‟ ( r
1994) é fundamental para que a pessoa com deficiência deixe de ser
apresentada pelo fenótipo que a caracteriza „diferent ‟ e passe
a ser identificada pela natureza do seu fazer. Lembrando que ela
ainda precisará enfrentar a “ t ur b z ” rt S v
Covaleski (2018).
No entanto, mesmo com as ressignificações, o corpo
diferente ainda é subjugado pela ditadura da beleza,
que determina a prevalência da bela aparência na
sociedade midiatizada. (SILVA, COVALESKI, 2018,
pp.276)
Cabe destacar ainda a s uss s br “P t s p r p ss s
ê u v rs ” pr v 11 v r r
2019, pela professora Ana Laura Schliemann, no Departamento de
Psicologia da PUC-SP. Nela, um professor descreveu a pessoa com
deficiência “u su t p r ”. p rt p
discussão, esse modo de enunciar me gerou inquietação, pois a
pessoa com deficiência que evita o vitimismo não o faz como
estratégia de poder. Não se trata de “ p r t ” s s
uma luta pelo direito de ser aceito. Pois é disso que se trata: do
direito de ser visto como um cidadão como qualquer outro que vive
no mesmo ambiente. Nesse sentido, a arte existe como um campo
de trabalho para o corpo com deficiência criar com a potência de
atingir as pessoas, a sociedade, o mundo. E, mesmo assim, quando a
mídia se refere aos trabalhos artísticos de pessoas com deficiência,
muitas vezes também pratica a re-estigmatização.
Os trabalhos artísticos que serão
apresentados mais adiante propõem uma relação diferenciada com o
seu espectador. Para ver a peça Se Fosse Fácil não Teria Graça,
de Nando Bolognesi, é necessário esperar o ator chegar, na cadeira
na qual ficará sentado durante a peça inteira; e no balé de Fernanda
Bianchini, a preocupação não é apenas com a beleza da dança, mas
em fazer pessoas com deficiência visual realizarem com excelência
essa dança e serem valorizadas na sua excelência e não pela
„sup r ç h r ‟ sua deficiência visual.
CAPÍTULO 2. A re-estigmatização do corpo com deficiência
A pessoa com deficiência permanece marginal nas discussões
políticas sobre as minorias, não ocupa o espaço que deveria no
mundo do trabalho, e tampouco na sociedade.
O estigma
A produção de estigmas tem presença permanente na história,
lembrando que aqui entendemos o estigma como uma valoração
social negativa. Voltemos à Goffman (1963):
Os gregos, que tinham bastante conhecimento de recursos
visuais, criaram o termo estigma para se referirem a sinais
corporais com os quais se procurava evidenciar alguma coisa
de extraordinário ou mau sobre o status moral de quem os
apresentava. Os sinais eram feitos com cortes ou fogo no
corpo e avisavam que o portador era um escravo, um
criminoso
ou traidor uma pessoa marcada, ritualmente poluída, que
devia
ser evitada; especialmente em lugares públicos. Mais tarde,
na Era Cristã, dois níveis de metáfora foram acrescentados
ao termo: o primeiro deles referia-se a sinais corporais de
graça divina que tomavam a forma de flores em erupção sobre
a pele; o segundo, uma alusão médica a essa alusão religiosa,
referia-se a sinais corporais de distúrbio físico.
Atualmente, o termo é amplamente usado de maneira um
tanto
semelhante ao sentido literal original, porém é mais aplicado
à própria desgraça do que à sua evidência corporal
(GOFFMAN, 1963, pp. 5)
Sabemos também que, embora as características sociais que se
tornam estigmatizadas variem através do tempo e das sociedades, as
deformidades físicas e certas características fenotípicas parecem ser
alvo permanente de processos diferenciados de estigmatização, em
diferentes culturas e épocas.
Da Grécia Antiga, nos chegam imagens de corpos fortes
para o combate, em proteção ao Estado. Eles se
tornam ponto de referência para o estudo da Educação
Física e também para os Jogos Olímpicos. Os esportes,
povoados pelos corpos saudáveis, fortes e perfeitos,
tornaram-se instrumento da classe que mantinha o
poder para mobilizar a sociedade. As amputações
originadas de ferimentos de guerra eram consideradas
honras de herói. Mas aos corpos diferentes, era
reservada a morte, o desprezo e o abandono.
(RECHINELE, PORTO, MOREIRA, 2008, p. 294-295).
Quanto ao universo greco-romano, sabe-se que as
pessoas desviantes/diferentes/deficientes tinham,
conforme o momento histórico e os valores vigentes,
seu destino selado de forma inexorável: ora eram
mortas, assim que percebidas como deficientes, ou
eram simplesmente abandonadas à sua sorte, numa
prática, então eufemisticamente chamada de
“ xp s ç ”. ( M R 1995 p. 43 pu R HIN
PORTO, MOREIRA, 2008, p. 294).
O processo de estigmatizar pune os sujeitos com deficiência, ao
longo da história da humanidade; se deu e continua a se dar das
mais variadas maneiras, e se manifesta seja com a eliminação
(morte) ou com a retirada do convívio social, do mundo do trabalho e
dos estudos. O estigma separa, transforma em um outro, que
passa a ser visto como o que não pertence (e o que o diferencia é o
que sustenta o estigma) e, sendo diferente, não pertencendo àquele
u t p ss s qu s r h „ r ‟ p s r
excluído.
Tenho 16 anos e não sei como agir. Gostaria muito que
a senhora me aconselhasse. Quando eu era criança.
não era muito ruim porque me acostumei com os
meninos do quarteirão que caçoavam de mim, mas
agora eu gostaria de ter namorados como as outras
meninas e sair nas noites de sábado, mas nenhum
rapaz sairá comigo porque nasci sem nariz - embora eu
dance bem, tenha. um tipo bonito e meu pai me
compre lindas roupas. Passo o dia inteiro sentada, me
olhando e chorando. Tenho um grande buraco no meio
do meu rosto que amedronta as pessoas e a mim
mesma, e não posso, portanto, culpar os rapazes por
não quererem sair comigo. Minha mãe me ama muito,
mas chora muito
quando olha para mim. (GOFFMAN, 1963, pp. 4 apud.
LONELYHERTS, 1962, pp. 14-15)
O relato acima mostra como o estigma é imposto à pessoa com
deficiência, fazendo com que ela, mesmo frequentando a sociedade,
seja socialmente excluída, ou seja, ela até pode estar na balada, mas
como ninguém a quer por lá, é ignorada e fica isolada, mesmo no
meio das outras pessoas.
Hoje, com uma presença crescente na mídia, poderíamos
supor que os estigmas desapareceram, mas a hipótese desta
pesquisa é a de que, infelizmente, não é isso que ocorre, e sim, o
contrário, pois o modo como a mídia lida com as pessoas com
deficiência não as desassocia do estigma, pois continua falando delas
através da sua deficiência, e isso não desparece nem quando se trata
do campo artístico.
A comunicação midiática não estimula a aceitação
do diferente sendo diferente porque não o trata do mesmo jeito como
lida com os outros corpos – e essa seria uma atitude fundamental
para que ocorresse uma comunicação sem estigma, uma vez que
estaria usando um mesmo critério para lidar com todos os tipos de
corpos existentes. No entanto, o corpo com deficiência, mesmo mais
presente nas mídias, continua sendo identificado pela sua deficiência,
em um processo que aqui se nomeia de re-estigmatização.
O re-estigma
Entre os gregos, o estigma se produzia a partir de alguma
característica estranha ao conjunto de traços aceitos como os de um
rp „ r ‟. H s t t r s p r bullying, vamos identificar
que sua ação se liga ao mesmo critério que sustenta o estigma, e que
promove a exclusão.
Quando a mídia apresenta uma pessoa com deficiência através
da sua deficiência, transformando a deficiência em uma forma de
nomear e identificar daquela pessoa, ao invés de colaborar para que
a pessoa com deficiência seja tratada da mesma maneira que a que
não tem deficiência, lhe dá visibilidade em uma operação que a re-
estigmatiza. A deficiência não é um defeito, mas uma dentre as
muitas características daquela pessoa. Quando dois artistas são
apresentados na mídia, um com e um sem deficiência, o que não tem
deficiência será apresentado através dos seus dotes artísticos, e o
que tem será apresentado pela sua deficiência. Esse é o processo
aqui chamado de re-estigmatização.
Se, na Grécia antiga, a deficiência era tratada
como um defeito, excluía a pessoa com deficiência da sociedade,
inclusive condenando-a à morte, apresentar uma pessoa pela sua
ê á s p r p rqu “ x h ” su
deficiência.
Utilizamos termos específicos de estigma como
aleijado, bastardo, retardado, em nosso
discurso diário como fonte de metáfora e
representação, de maneira característica, sem
pensar no seu significado original. (GOFFMAN,
1963, pp. 8)
É bom ressaltar o salto que há entre o tempo em que pessoas
com deficiência eram mortas e hoje, quando existe a paraolimpíadas
-evento no qual o corpo com deficiência pode mostrar a deficiência
como uma característica que não impede que ele se especialize em
uma habilidade esportiva. Além das cotas, temos outras leis como,
por exemplo, as que garantem um critério diferenciado no vestibular
e o passe livre no ônibus. Vale destacar que, em uma roda de
conversa do Movimento Mulheres do Brasil, em maio de 2019, uma
deficiente visual, que morava na Alemanha na ocasião, informou de
uma Lei local que fazia o estado pagar táxi para a pessoa com
deficiência ir ao seu trabalho.
No caso das empresas, também ocorre
a re-estigmatização, no mesmo sentido do praticado na mídia. As leis
existentes são de extrema importância para viabilizar a inserção da
pessoa com deficiência no mercado de trabalho, garantindo entre 1 e
5% de vagas (variando de acordo com o tamanho da empresa).
Todavia, o que ocorre é que, para os contratados nessa condição
(preenchimento da cota obrigatória), não existe plano de carreira, ou
seja, novamente, tal como sucede na mídia, a pessoa com deficiência
fica refém da sua deficiência, e não é tratada como os outros. Assim,
no ambiente empresarial onde isso ocorre, ela também é re-
estigmatizada. Trago aqui algumas experiências pessoais.
Muitas vezes, fui chamado para entrevistas sem saber para qual
cargo estava concorrendo; em outras, nem sabia o salário; e, em
grandes empresas, meu salário não chegaria sequer a um salário
mínimo. Felizmente, isso não ocorre sempre, pois existem empresas
e instituições que não preenchem apenas uma exigência legal. Vale
lembrar exemplos como os da PUC-SP, que emprega pessoas com
deficiência em diversas áreas, e o do Bradesco, que paga salários
justos para as vagas que oferece, como pude constatar quando,
alguns anos atrás, tentei uma vaga para escriturário.
Tais exemplos reiteram o
quão é importante a participação do Estado formulando leis, mas
também o quão importante é que as empresas e instituições, antes
de reclamarem que não encontram funcionários para preencher as
suas cotas, se questionem sobre as condições de trabalho que estão
oferecendo às pessoas com deficiência e porque não as empregam da
mesma forma como empregam as outras. É indispensável que
identifiquem que estão promovendo processos de re-estigmatização
que impedem a autonomia das pessoas com deficiência.
Quando a pessoa com
deficiência se destaca, a lógica midiática a celebra re-estigmatizando-
a. Alguns exemplos podem ser encontrados no modo como são
tratadas Giovanna Maira, Juliana Caldas e Mariana Torquato, dentre
outras. Antes de reconhecer o seu talento, a mídia reconhece a sua
deficiência.
O comportamento dos jurados no programa Qual é o Seu
Talento (QST), com relação à Giovanna Maira, serve como exemplo
do processo de re-estigmatização do corpo deficiente. Giovanna
perdeu a visão na infância, o que fez com que se aproximasse da
música. Hoje, ela é cantora.
Fala do jurado 1: “Giovanna, a pergunta é inevitável. Você é uma
pessoa que perdeu a visão ainda criança. Você se dedicou a música por que
razão?”
p s pr s t ç pr s t r x ss : “D t s
somos nós, que não conseguimos enxergar algo que está na nossa frente,
p s ss ”
F ur 3: “ u t p u s rr p u s
não ter te aplaudido pé”
F ur 3: “P r v ê t hu ê p r
mim você é perfeita, linda e maravilhosa, para mim deficiente é aquele que
t tu x r r u p su r ”.
F ur 1: “P r s u t t v ouro11
Para que o SBT pudesse ser visto como uma empresa que se
preocupa com a acessibilidade, Giovanna Maira deveria ser tratada
como este canal trata todos os seus outros artistas, mostrando as
pessoas com deficiência da mesma maneira como destaca as
singularidades artísticas de cada um dos que são lá apresentados.
Dentre os corpos diferentes, o corpo com
deficiência é um dos mais estigmatizados na
mídia, pois, historicamente, a deficiência foi
associada à monstruosidade, à feitiçaria, à
pobreza etc. (SILVA, COVALESKI, 2018, p.281)
11
Falas dos jurados do programa Qual é o Seu Talento, do dia 11/07/2011, dia em que Giovanna Máira se apresentou
Para Tatiane Hilgemberg (2015, p.282), contudo, no âmbito
publicitário, em relação à pessoa com deficiência, a publicidade
“ x r pr s t r ss s v u s ur s „b z rr s‟
„ t h s‟ p r r pr s t ç p ss t ”.
a pergunta que cabe é: será que essa postura com relação à pessoa
com deficiência se generalizou mesmo? Será que a sua relevância
social deixou de ser filtrada pela deficiência e passou a ser balizada
pelo que a pessoa faz? Ambos estão relacionados, bem o sabemos, e,
justamente por isso, a condição física não pode se sobrepor, mas
sim, ser o contexto no qual a habilidade será avaliada.
Para a autora Lucilene Silva (2006), o corpo com
deficiência é submetido ao silêncio na mídia, e
as poucas aparições existentes nos anúncios
publicitários veiculam representações do
deficiente como vítima ou como herói (SILVA,
COVALESKI, 2018, p.282)
P r t r su s “p t ss b ”
pois, na verdade, ela fomenta estereótipos, podemos nos deter, como
um exemplo, no programa Morning Show, da Rádio Jovem Pan, que
vai ao ar de segunda à sexta, das 10h às 11h30. Na sua bancada,
estão os jornalistas Caio Coppola, Paula Carvalho, Fernando Oliveira
(Fefito), e seu criador, José Luiz. Assistindo breves trechos do
programa, já é possível observar a presença dos estereótipos. Lá
estão a mulher independente e o homossexual, reunidos em uma
mesma bancada com um conservador, fazendo parecer que o que
importa é o diálogo entre as diferentes ideias. Todavia, tais
jornalistas não promovem o diálogo e, muito menos, trazem questões
relevantes ao mundo feminista, homossexual e conservador. Fazem
parecer ser um convívio entre diferentes, mas no sentido de “p r r
us v ” r , por exemplo, que o t “ us ”,
felizmente, já foi contestado, por conta da sua inadequação.
A artista Estela Lapponi publicou o
Manifesto Anti-Inclusão em 2012.
Manifesto Anti-Inclusão parte_1
A Inclusão propõe hierarquia de capacidades.
A Inclusão é incapaz de ver e enxergar. A Inclusão é incapaz de ouvir e escutar.
A Inclusão é simplesmente incapaz. A Inclusão pressupõe passividade.
A Inclusão não interage. A inclusão causa pena
A inclusão é unilateral A inclusão exclui
A inclusão isola
Manifesto Anti-Inclusão parte_2 colaboração de Lenira Rengel
Arte é conhecimento Arte é habilidade
Arte é construção Arte é diálogo
Arte é investigação Arte é Ação
Arte é troca Arte é liberdade
Arte é criação Arte é expressão
Arte tem de toda pessoa A inclusão quer te normatizar
A inclusão quer te excepcionalizar A inclusão quer te paralizar
A inclusão quer te desconsiderar
A inclusão quer te desincorporar A inclusão quer te ignorar
A inclusão quer te especificar A inclusão quer te deixar só!
Arte e Inclusão estão na contra mão!
O significado das palavras vão além de sua semântica Trazem em seu traçado gráfico e sonoro pesos e levezas historicas e
arraigadas às mais diversas sociopoliticoculturas O que quero propor aqui é que R-E-P-E-N-S-E-M-O-S
Sobre o significado e a significância que carregam as palavras Arte
Inclusiva.
Diderot, no século XVIII, teve uma iniciativa em outra direção,
que vale ser registrada. Quem sabe, possa inspirar outro tipo de
consideração sobre o corpo com deficiência.
Quando publicou a Carta sobre os Cegos,
endereçada àqueles que enxergam, em 1749,
Diderot (1713-1784) ficou alguns dias preso na
cadeia de Vincennes. Ponderava que se o cego
combina as sensações daquilo que toca, trabalha
muito mais com a abstração do que os que
enxergam, circunstância que talvez o fizesse se
equivocar menos no uso dessa habilidade. Ou
seja, contrariando que o abstrato depende do
concreto, ponderava que o ato de ver atrapalha
um pouco o lidar com o abstrato. (KATZ e
GREINER, 2012, p.2)
CAPÍTULO 3 – Corpos com deficiência fazendo arte
É com esse entendimento que trataremos do corpo deficiente
nas artes cênicas.
Nando Bolognesi possui um monólogo, que apresenta
sentado em uma cadeira, no qual conta, de uma forma bem-
humorada, a sua história de vida. Em entrevista ao jornalista Dirceu
Alves Jr., do canal da revista Veja SP no You Tube, no dia 07 de julho
de 2017, N r t qu “ p t h r r u té t h r s
qu s b s stá h r u r ”. N st r ç s
identifica que não há controle sobre as trocas que acontecem entre
corpo e ambiente, mesmo quando existe um texto escrito para
determinada finalidade. Nos espetáculos do Ballet Fernanda
Bianchinni, o fluxo de trocas de informação se dá de uma forma
diferente porque são outros corpos em outros ambientes. Como
envolvem bailarinos e bailarinas com deficiência visual, a
comunicação se difere. Os dançarinos precisam se comunicar
verbalmente quando estão dançando (o que não é usual neste tipo de
espetáculo), e na coxia alguém precisa ficar estalando os dedos, para
que os deficientes visuais tenham referência espacial. Esse conjunto
de características troca informação também com o público que
assiste, e vice-versa. E como a Associação pratica o que chama de
„I us s v ss s‟ r ú t s ç
deficientes, o que proporciona outro tipo de troca.
Um dia, fui a um workshop na Associação. Lá, me
vendaram os olhos e Gisele, uma das bailarinas, me mostrou como
eles aprendem a dançar. Ela andou comigo pelo espaço, fez uma
pose e me mandou imita-la. Na hora, me perguntei como isso poderia
ocorrer, se ambos não podíamos usar a visão. Então, ela disse:
“P ss v ê v s b r qu é p s ”. F z ss
logo fui tentando mostrar a forma que o meu tato me descrevia. E
t ss : “ r v u p ss r v ê p r v r s stá
rt ”. rr u u s p t s e continuou com a aula.
É o momento de voltarmos à
Carta aos Cegos, de Diderot, apresentada na p.14, para refletirmos
sobre a importância de lidar com a deficiência em um contexto que
não valorize apenas o que se perde, mas, sobretudo, o que se
expande. Nos dois exemplos
trazidos, se identifica a importância de atentar para o fluxo de troca
de informação que vai desenhando corpos e ambientes, e isso se
refere tanto ao artista que está em cena, ao público, ao que acontece
na sala de aula, tanto para professor como para o aluno, e a todos os
ambientes nos quais os corpos circulam. É preciso se manter atento
para não pensar o corpo como aquilo que envelopa as informações
que ficam escondidas no seu interior, pois a coleção de informações
que somos nós a cada instante de nossas vidas está sempre sendo
contada, queiramos ou não. O corpo é mídia de si mesmo.
O corpo não é um meio por onde a informação simplesmente passa,
pois toda informação que chega entra em negociação com as que já
estão. O corpo é o resultado desses cruzamentos, e não um lugar
onde as informações são apenas abrigadas. É com esta noção de
mídia de si mesmo que o corpomídia lida, e não com a ideia de mídia
pensada como veículo de transmissão. A mídia à qual o corpomídia se
refere diz respeito ao processo evolutivo de selecionar informações
que vão constituindo o corpo. A informação se transmite em processo
de contaminação. (KATZ, GREINER, p.7, 2005)
Ballet Fernanda Bianchini
Fernanda Bianchini criou a Fundação Ballet Cego Fernanda
Bianchini em 1995, e já formou muitos bailarinos e professores de
balé, dentre os quais destaca-se Geysa Pereira. Ela nasceu no sertão
de Pernambuco e, aos oito anos, ficou cega. Sonhava ser bailarina,
mas seu sonho se apagou com o que lhe aconteceu. Depois de alguns
anos, entrou em contato com a Fundação Fernanda Bianchini e sua
vida mudou. Hoje, não é só bailarina, mas também professora.
É importante ressaltar que casos como o de Geysa são raros, e
confirmam que o seu percurso não altera a dificuldade quase
impeditiva que se mantém para a maioria. São luzes que se
acendem, promovem uma reflexão, mas logo se apagam, e tudo
volta ao lugar comum. Geysa evidencia como a arte foi importante
p r r s su s u s: “ rt h v z
que eu não me tornasse uma pessoa revoltada”. P r ç
veio para dar um sentido para a sua dificuldade, pois não precisamos
apenas de grandes artistas, mas sim de pessoas felizes, e é nesta
perspectiva que entram a arte e a dança em sua vida.
Fernanda Bianchini é bailarina e
fisioterapeuta. Em 1995, a convite da Instituição Padre Chico, foi
ensinar balé para meninas cegas. Começou com 10 meninas e, desde
então, dedica-se a mostrar que pessoas cegas podem realizar
movimentos tão difíceis como os do balé. A partir de então, graduou-
se em Fisioterapia e, posteriormente, criou a Fundação Fernanda
Bianchini, que tem como objetivo ensinar balé para pessoas com
deficiência, com foco na cegueira. Em uma
palestra no Youtube (19/05/2017), destaca que “v r z b rt
su s u s” s s bus r v t b x ut
de acordo com as normas do balé. Hoje, mais de 1.000 bailarinos e
bailarinas já passaram pela sua formação. Sua Fundação tornou-
se uma referência no mundo e o método que desenvolveu em seu
mestrado, na Faculdade Mackenzie, foi patenteado e é utilizado no
mundo inteiro, colaborando com PCDs (Pessoas com Deficiência) que
se interessam por arte e, principalmente, com a dança. Lá, acolhe
cegos, pessoas com outras deficiências, e também quem não possui
ê h r qu r z „ us s v ss s‟; 60%
das vagas são destinadas para deficientes visuais, 30% para outros
tipos de deficiência, e 10% para quem não possui deficiência.
Além de balé, a Fundação ensina Dança do Ventre, Teatro,
Sincronismo e Expressão, Sapateado e Dança de Salão.
A verdadeira inclusão é quando a gente se
coloca no lugar do outro e aprende suas
limitações, suas dificuldades (BIANCHINI, 2016,
p. 2)
„ us s v ss s‟ t xtr p rtâ .
Segundo Mariana Torquato12, a pessoa com deficiência é a
exclusão da exclusão porque, em todas as discussões sobre
grupos minoritários, fala-se do papel da mulher, do negro, dos
LGBTQI+s, da população periférica, mas, infelizmente, a
realidade PCD ainda não é trazida em igual medida para este
tipo de discussão. E se a pessoa com deficiência é excluída e
marginalizada a este ponto, sendo mantida na periferia de
todas as pautas, pode-se identificar que t v „ us
s v ss s‟ t r vâ s r tr s r r . \
O mais instigante, neste projeto, é que ele foca na arte,
principalmente nas artes do palco. Se Bertolt Brecht (1898-
1956), dramaturgo alemão, falou em romper com a quarta
parede, no teatro do século XX13, por que não usar as artes do
palco para romper esta espessa parede entre o PCD e a
sociedade?
Para comunicar a importância da persistência, Fernanda
B h p r s su s u s qu “u b r na tem que
h r p r s str s s qu s x r u ”. s
balé através do toque. A bailarina aprende a dançar sendo
tocada e tocando o corpo da professora, para que possa realizar
os movimentos. Em relação aos saltos, primeiro aprende o
movimento deitada no chão. E quanto ao equilíbrio, treina com
a técnica do copinho com água na cabeça.
126
Mariana Torquato é uma pessoa que possui uma deficiência física, ela não possui o braço esquerdo. Ela é criadora do canal no Youtube, Vai Uma Mãozinha Ai, o maior canal no Youtube que trata sobre questões de pessoas com deficiência. 137
Quarta parede é um conceito que há no teatro. A quarta parede é onde o público assiste a peça passivamente na plateia. Bertolt Brecht propõe que o ator quebre com a quarta parede e se relacione diretamente com o seu público.
Até a Fundação ser o que é
hoje, Fernanda conta ter recebido muito sim, e também muito
não. Relata que os primeiros a desmotivá-la foram seus
professores, dizendo que ela não seria boa para esse trabalho,
e que ensinar balé para cegos não daria certo, pela visão ter
um papel tão central no aprendizado da dança. Hoje, estes
mesmos professores admiram e aplaudem o seu trabalho.
Alguns até já foram fazer seu curso, para conhecer o seu
método.
Na primeira aula, ainda no Instituto Padre Chico, Fernanda,
esperando encontrar meninas arrumadas no jeito
convencionado para aprender balé, se deparou com meninas
com calça jeans e cabelo desarrumado. Com a ajuda de seu
pai, comprou malhas de balé para todas as alunas, e a primeira
aula foi dedicada a ensinar não os primeiros passos, mas como
pôr a roupa e fazer o coque.
Em todos os festivais nos quais tentava inscrever suas
bailarinas, recebia a negativa, com a justificativa de que elas
eram cegas. Depois de dez nãos, as inscreveu como Ballet
Fernanda Bianchini e, segundo diz, na época, não imaginava
que essa companhia viria a existir algum dia. Neste primeiro
festival, elas foram extremamente aplaudidas e, a partir de
então, começaram a ter vários convites para se apresentar em
aberturas de festivais, chegando, inclusive, a abrir as
paraolimpíadas de Londres, em 2012.
Em 2019, junto com a cia da qual aço parte, a Mirante Cia de
Arte, pude desenvolver um trabalho de teatro dentro da Associação
Fernanda Bianchini. Apoiado pela cia e, sobretudo, pela colega de cia
Mariana Chiuso, o trabalho contou também com a ajuda das atrizes
Stela Giutini, Beatriz Albuquerque, Júlia Barone e, com as filmagens
de José Victor Baldin.
As aulas foram dadas para crianças com diversos tipos de
deficiência e sem deficiência. Lá pude me conhecer como
professor/diretor, já que nos outros trabalhos que realizo sou apenas
auxiliar. Esta autonomia me trouxe muitos ensinamentos, e logo
aprendi que seria necessário, além de ser professor ou diretor, ser
também produtor, empreendedor, captador de recursos, figurinista e
cenógrafo.
A proposta foi a de montar uma peça de teatro com as
crianças. O texto - A Grande Festa - foi escrito por Mariana Chiuso,
e partiu de questões que apareceram em sala de aula. O tema da
peça foi a amizade.
Trabalhando na Associação, percebi a maturidade dos jovens
que participavam da aula e não possuíam deficiência, o que
demonstrou a necessidade “inclusão às avessas”. Assinalo o
comprometimento de Rafaela, se responsabilizando com a lista de
presença. Percebi também ser indispensável divulgar que um
processo de criação com pessoas com deficiência não difere de um
processo de criação com não deficientes. É apenas preciso que
alguém diga: “v s z r t tr ?”. E, evidentemente, atender às
especificidades daqueles corpos, como, por exemplo, para subir com
os cadeirantes no elevador. Penso que, no teatro, o mais
interessante é fazer um personagem que tire do lugar mais cômodo,
mas que seja uma via de mão dupla, isto é, o desafio não pode
chegar a constranger. Um cadeirante não precisa fazer apenas o
papel de cadeirante.
Nando Bolognesi
Nando Bolognesi é ator e palhaço, e foi diagnosticado com
Esclerose Múltipla, em 1990. Na época, tinha acabado de concluir a
graduação em História, na PUC-SP, e Economia, na USP. Estava
fazendo um intercâmbio na Europa e, no meio da viagem, descobriu a
sua doença, que é degenerativa, progressiva, com potencial
incapacitante e incurável.
Notei que estava completamente distraído com a vida,
quando a esclerose múltipla desviou a minha trajetória,
levando a trilhar um caminho que nunca pareceu ser o
meu. Ainda hoje a doença é estrangeira. Lá onde não
nomeamos os pensamentos, em pequenos flagrantes
cotidianos, como quando me sinto incomodado, por não
ajudar a minha companheira a descarregar o carro,
deparo com a doença pela primeira vez, todos os dias.
(BOLOGNESI, p.78, 2014)
Após a descoberta da doença, foi para a EAD, Escola de Artes
Dramáticas, da USP, e tornou-se palhaço. Trabalhou quatro anos com
o grupo Doutores da Alegria, ficou dez anos no elenco do grupo
Jogando no Quintal e depois, fundou o Palhaços Frenéticos, dupla de
palhaços que atuou em hospitais psiquiátricos. Trabalhou também
com grandes diretores de teatro, como Celso Frateschi, Elias
Andreatto, José Rubens Siqueira, William Pereira e Cristiane Paoli-
Quito. Bolognesi passou em um Concurso Público para
trabalhar como fiscal de Imposto de Renda, mas suas condições
físicas o impediram de ser aprovado na perícia médica, o que nos
leva a questionar até onde as leis são justas, quando prometem
inclusão e praticam exclusão. No programa Provocações
(15/04/2015), ele fala algo que contribui para se refletir sobre a
u qu t s r p ss s t s: “Às v z s
eu preciso de ajuda para chegar num determinado lugar, mas em
outr s s p ss s qu r u r s qu u pr s ”.
Foi atrelado ao
descobrimento de sua doença que Bolognesi escolheu fazer teatro,
arte que já lhe havia despertado o interesse na viagem de
intercâmbio na Europa. Descobriu a arte do palhaço a partir de uma
rt t ç st ur : “ p h ç t qu t r s pr
u pr b ”. P r b u qu s qu stõ s p h ç v h
encontro com as limitações com as quais passara a conviver. E a
grande pergunta que se colocou foi: como transformar um problema
em uma solução? Ele encontrou a resposta na figura do palhaço,
p rqu rp b t á z p rt p h ç : “T p h ç s qu
r s p st ç s p r br r s r s”
(NOGUEIRA, entrevista, arquivo pessoal, 2017). Afinal, o erro e o
defeito, entre outros, são constituintes do palhaço. É necessário
esclarecer que as debilidades do corpo de Bolognesi se tornam
importantes para a sua atuação no palco.
Desde a estreia, no dia 01 de Agosto de 2013, fiz inúmeras pr s t çõ s. r “ s h ”. pr qu posso ajudar as pessoas contando a minha história, recolocando- utr “ r pr x ”. ss não é exatamente o milagre da cura que tanto procurei?
BOLOGNESI, p.218, 2014)
Esta reflexão é de extrema importância para que se perceba
como a arte pode reposicionar o corpo debilitado para si mesmo e
para aqueles com quem ele se relaciona. Para o sujeito debilitado,
trata-se, sobretudo, da possibilidade de se entender como alguém
que pode fazer algo relevante no mundo, contribuindo para a sua
transformação.
Espetáculo Se Fosse Fácil, Não Teria Graça
Material de divulgação do espetáculo Se Fosse Fácil, Não Teria Graça
Com o avanço da doença, surgiu o medo de precisar se afastar
dos palcos, e ele começou a trabalhar em uma peça na qual fala de
sua própria vida: Se Fosse Fácil, Não Teria Graça, e ela foi
produzida juntamente com sua autobiografia, que tem como título
Um Palhaço na Boca do Vulcão. Neste projeto, sem a persona do
palhaço, e sentado em uma cadeira, conta a sua história de vida,
demonstrando como uma doença que instaura uma situação crítica
para o corpo consegue, através da dificuldade que produz, estimular
o trabalho do artista.
Durante os séculos XIX e XX, os chamados freak shows, na
Europa e Estados Unidos, apresentavam corpos monstruosos ao
público como forma de entretenimento e informação. Isso era
permitido a partir do entendimento da época, de que corpos com
alguma particularidade não usual eram aberrações da natureza e
não teriam autorização para a vida em sociedade. O corpo que
está em questão nesta pesquisa- o monstro, o estigma – é
despojado da própria dignidade: não tem direito de ir e vir, não
pode viver em qualquer espaço e grupo, não tem permissão para
falar. Este monstro é constituído a partir de um discurso sobre a
monstruosidade, não sendo um corpo monstruoso a priori, sem
que construções sociais o tenham entendido desta forma
(SOUZA,2013, p. 11)
Trabalhos como o de Nando Bolognesi atuam na direção
contrária, desmanchando a associação dos corpos com outras
particularidades que as do padrão consagrado como normal ao
conceito de monstro, sem direito de circulação livre pela sociedade.
Eles colaboram para a construção de uma empatia distante da
compaixão e da caridade, indispensável para que a sua criação
artística fique fora da lente da deficiência e passe a ser lida na
especificidade do que propõe – tal como deve suceder com qualquer
outra obra artística. O que Bolognesi apresenta impacta na vida de
outras pessoas.
Espetáculo Se Fosse Fácil, Não Teria Graça
Material de divulgação do espetáculo do Nando
Nando Bolognesi e Arthur
Um outro tipo de trabalho é o que reúne dois corpos debilitados
em cena. Refiro-me ao processo artístico que desenvolvo com o
artista Nando Bolognesi. Através de Wellinton Nogueira*, iniciei um
processo teatral autobiográfico, no qual conto a minha experiência no
teatro. Para iniciar este processo, comecei a escrever cartas sobre a
minha própria vida, e elas trouxeram as questões das quais precisei
tratar. No primeiro dia de ensaio, levei estas cartas: 1) a do meu
nascimento; 2) a da minha relação com o café; 3) a vez em que me
deu pânico no teatro.
Eu preciso de minhas memórias. Elas são meus documentos. Eu as vigio. São minha privacidade e
tenho um ciúme intenso delas. (BOURGEOIS 1998, apud. SALLES, 2017, p.67)
Um outro fato nos ajuda a pensar nas demandas específicas de
um corpo debilitado, historicamente desconsideradas pela arquitetura
dos ambientes. O lugar que arranjamos para ensaiar, um atelier nas
proximidades da Av. Dr. Arnaldo, na zona oeste da cidade de São
Paulo, tinha, na sua entrada, uma escada com 14 degraus. Como
Bolognesi possui dificuldade para se locomover, produzidas pela
Esclerose Múltipla, eu precisava ajudá-lo a subir a escada. Assim,
desde o momento em que chegávamos e conseguíamos entrar no
espaço de ensaio, já estávamos, cada um cumprindo com a sua
função, construindo um discurso no qual acreditamos, um discurso
que não era só de um de nós, mas comum aos dois. Saliento aqui
que creio que Nando está neste projeto comigo porque acredita na
construção desse tipo de discurso.
Deduz-se ss qu t r “ u ” é particularmente apto a designar o princípio político da coobrigação para todos os que estejam engajados
numa mesma atividade (DARDOT e LAVAL, 2017, p.25)
Nando e eu começamos a pensar o espetáculo a partir dessas
cartas, que relatam diferentes episódios da minha vida, sem uma
ligação entre eles. A conexão entre todos os elementos, não presente
na escrita, seria buscada na construção das cenas.
A partir dessa decisão, iniciamos o processo de criação pela
carta do café. Na minha família, principalmente minha mãe, meu pai,
eu e Nilda, a profissional que trabalha conosco, temos muito apreço
por café. Equilibrar esta bebida na mão, ou ir tomar café na frente
dos amigos, sempre foi um problema para mim, por conta das
exigências motoras envolvidas nessas ações com uma bebida quente,
que pedem equilíbrio e concentração para não deixá-la cair.
Tião, Meu Glorioso Café, no Espaço Cultural Alberico Rodrigues, em 23 de maio de 2019
Começamos a montagem em torno dessa carta e, a partir dela,
surgiram ideias diferentes e desafiadoras para alguém que, como eu,
tem dificuldade com equilíbrio. Uma delas seria fazer café e oferecer
para a plateia, um processo que traz todo um desafio para as minhas
dificuldades motoras, e que ainda se soma ao nervoso que uma
apresentação ao vivo desencadeia no ator.
Apresentação do episódio do Nascimento na Faculdade IBMEC, em 30 de Outubro de 2019
A re-estigmatização midiática dos artistas com deficiência
Matérias jornalísticas recentes sobre a Fundação Fernanda
Bianchini ajudam a demonstrar a operação midiática de re-
estigmatização. Todas anunciam a Associação Ballet de Cegos e
nunca a Associação Fernanda Bianchini, como é possível conferir nos
seguintes links:
http://g1.globo.com/sc/santa-catarina/videos/v/grupo-de-bailarinos-
cegos-participa-de-aulas-na-escola-do-bolshoi-em-joinville/7966684/
http://g1.globo.com/sc/santa-catarina/jornal-do-
almoco/videos/t/edicoes/v/bailarinos-cegos-de-sao-paulo-visitam-
escola-do-bolshoi-no-brasil/7965952/
Por outro lado, se contrapondo, Cris Santos, do Fileira Vip,
apresenta Nando Bolognesi através do seu trabalho artístico e não
através da sua deficiência. Em entrevista publicada no dia 24 de abril
de 2019, no YouTube (colocar o link), Cris apresenta, em primeiro
lugar, o trabalho artístico de Nando Bolognesi, e depois, a sua
deficiência. Essa forma de apresentá-lo diverge do modo como
Antônio Abujamra, no programa Provocações, de 15 de abril de
2015, fala primeiro na esclerose, e depois, no ator e palhaço Nando
Bolognesi.14
O caso do nadador André Brasil também vale ser destacado,
por indicar outro tipo de situação. Depois de participar de três
paraolimpíadas, cinco mundiais e três parapan, foi considerado
inelegível para o esporte adaptado. André fazia parte da categoria
S10, mas suas conquistas fizeram com que a sua deficiência deixasse
de ser reconhecida, e assim, ele não pode mais competir.15
Sobre Giovanna Maira, vale conferir no link:
https://g1.globo.com/sp/sorocaba-jundiai/noticia/2018/07/28/cantora-
lirica-giovanna-maira-se-apresenta-no-teatro-do-sesi-sorocaba.ghtml
Pensando a continuidade desta investigação
14
https://www.youtube.com/watch?v=LYK9g3BRQXM https://www.youtube.com/watch?v=LYK9g3BRQXM 15
https://esportes.estadao.com.br/noticias/geral,andre-brasil-vive-drama-ao-ficar-inelegivel-na-natacao-paralimpica,70002826441
Durante a pesquisa, pude olhar para o deficiente de alguns
pontos de vistas diferentes: a partir das artes, da mídia, do estigma e
das lutas por políticas públicas.
Foi possível perceber que tanto a mídia „tr ‟ (TVs e
jornais), como as redes sociais, ainda tendem a manter a
estigmatização da deficiência, em um processo aqui nomeado de re-
estigmatização, pois cria a falsa impressão de que o estigma foi
suprimido apenas porque fala-se mais da pessoa com deficiência. No
entanto, é preciso reconhecer que ambas estão em um processo de
amadurecimento, sem ignorar que esta constitui uma questão a ser
melhor trabalhada.
Na mídia „tr ‟, é possível verificar, como o deficiente era
apresentado há alguns anos, e como sucede hoje. Nas redes sociais,
u sp ç “s ” no qual todos podem opinar da forma que bem
entendem, não é possível dizer do mesmo modo, dada a
impossibilidade de explorar todo esse amplo ambiente. O exemplo de
Luciano Hang, citado na página 14, demonstra a diferença entre
poder declarar o que se quer e participar de programas ou
reportagens conduzidos por profissionais do jornalismo. A sua
posição, muito provavelmente, não ocuparia aquele espaço, sem que
fosse para discutir que a sua atitude pode vir a ser considerada um
crime por preconceito. A dissertação me fez perceber que a grande
mídia avançou, nestas questões, e que ainda há muito que avançar.
Nas artes, foi possível dar visibilidade para quem busca tirar o
estigma da pessoa com deficiência, como se identifica no trabalho de
artistas como Nando Bolognesi, Estela Lapponi, e o da Associação
Fernanda Bianchini.
No entanto, dando aula na Associação Fernanda Bianchini e
entrando em contato com a bibliografia de grandes teóricos do teatro,
descobre-se que não há um método específico para a formação de
um artista que possui uma deficiência. Há teóricos que se preocupam
com a formação da criança, como Viola Spolim e Augusto Boal, e
teóricos que se preocupam com a formação do artista como
Constantin Stanislavsky, Eugênio Barba e Antonin Artaud, mas, sem
a preocupação em desenvolver metodologias específicas para a
pessoa com deficiência que quer ser artista.
Sei que não é a falta de um método que vai impossibilitar um
deficiente de se tornar artista. Durante a pesquisa para esta
dissertação, nos deparamos com grandes artistas com deficiência que
não necessitaram de um método específico para se tornarem atores.
Contudo, nas aulas da associação, percebi que todos os exercícios
propostos pelos teóricos citados acima, tiveram que ser adaptados
para uma turma com diversos tipos de deficiência.
Essa questão é de extrema importância para a continuação do
que aqui se iniciou. Há uma necessidade urgente de promover
pesquisas com foco na adaptação dos grandes teóricos em função da
necessidade de serem desenvolvidos diversos métodos de formação
para as pessoas e suas distintas deficiências que pretendem ser
artistas do palco. Evidentemente, essas outras metodologias deverão
partir do entendimento de corpo proposto pela Teoria Corpomidia
(Katz e Greiner), para que as singularidades e particularidades
possam ser contempladas.
A importância da criação desses diversos métodos pode ser
avaliada pela contribuição que foi a ação de Fernanda Bianchini Assad
com o método de balé para pessoas com deficiência visual que
desenvolveu. Ele permitiu que várias bailarinas e bailarinos
tornassem possível algo que, para um cego, a priori, não seria:
dançar. É apoiada nessa transformação que sublinho aqui a urgência
em produzir tantas outras metodologias para contemplar outras
formas de deficiência, de modo que mais artistas, independente de
condição da sua deficiência, possam povoar todos os palcos do
mundo.
Referências bibliográficas
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Peças de teatro