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    universidade hoje

    Na presente sriL dirigida a todos os ssVjdant5 m

    situao-EfiSel, cons eq nc ia de dis cri min a es ranStas

    ou recentes, Uniberto Ecc ex p e qi/e ss er-tende do-

    tst i. o fn e sCJHei o :sna organizar o temoo de

    trabalho, como conduzir uma VvBStjgao t^ografica.

    como-organizar o meteria selecconasP e, fnalmsrrte.

    cone dispor a redaco do trabalho. E sugere c.ue sb

    aproveite a - o c a s o da tese para nacupy-v -v'-:d

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    E D I T O R I A L H p H E S e W A

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    C O M O S E F A Z

    U M A T E S EE M C I N C I A S H U M A N A S

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    Umberto Eco

    C O M O S E F A Z

    U M A T E S EE M C I N C I A S H U M A N A S

    P r e f c i o d e

    H a m i l t o n C o s t a

    T r a d u o d e A n a F a l c o B a s t o s e L u s L e i t o

    E D I T O R I A L 3 P R E S E N A

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    Tiiuta orijfinit .Vi h'&Una 'cf/JJ' /UI'0AUIIF: (tttArtri>if>Yf1gtil 1977 hy rasa Hditricc V sciitit Rfimpisni & Palmeiras. 59Queluz dc aiw2730-132BARCARESAEiua: inofpresienea.pl

    N D I C E

    PKEFCIO A 2.' J-Ol^O PORTUG UESA 11

    INTRODUO 23

    . O QUE UMA TESE E PARA QUE SERVE 271.1. Por que se deve fazer uma Lese c o que . .. _ .. .. 271.2. A quem inlcrcsss esle livro _ 30T.3. De que modo uma teseserve tambm para epni-4 da licencia

    tura 31

    IA Quatro regras bvias 33

    H. A ESCOL HA DO TKM 35

    !L1 Tsse nionogrlui nu te pnoi-itimea? 3511.2. Tis hijlirci ou lese terica?..ILJ. Teimai anLijfus ou lemas contcmpc-Liteo;?.. 42HA Qu tinto icmpo r preciso para fazer uma tese'/ 4311,5, neeciBTit} iaher lnguas estfangeirafiV 47

    Ho. Tcc "cientfica ou tese poltica'.' , 51II. 7. Como evicar dei\ar-te explorar pelo orit-nlsulor 66

    IH. A PK(X:iJRA DO MATE RIAL 69

    [11.1. A aLev>ibilidju3c ds fooles ..... 69III. 2. A inveligu4io bibli ogr fica 77

    IV. O PLANO DE TRAB ALH O E A hLAB{)R A(;O DH FICHAS 125tV.1,0 iuJice como hiptese de trabalbo 125IV. 2.Fichas e apontamentos 132

    7

    http://prekenca.pl/http://prekenca.pl/
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    V. A RF.DAC AO 161V. l A quem nos, dirigimos,,,, - 161V.2. Como fala , 163V.3. As citu cs - - .... ... .. 171VA As cotas de rodap r ... ... ... ... ... ............ 182VJ . Adxr teneiai. raioeiras. costumes . 194V. 6, O orgulho cientfico 198

    VI, A RF.DACAO DEFINITIVA 702VI, I. Cri [rios grf icos 202V].2. A bibliografia final 222VI, 3. Os apnd ices ,., - 225VI. 4. ndice 227

    VIt. CONCL USES 233

    BIBLIOGRAFIA SELEC TTVA 237

    NDICE DE QUADROS

    QUADRO iResumo das regras para a citao bibl iogrfica 101

    QUADRO 2Exemplo de fich* bibliogrfica 103

    QUADRO 3Obras gerais sobre Ramicc Italiano idemi ficadas atravs di>exame de trf eternemos de consulta _ 111

    QUADRO4Obras particulares sobre tratadistas italianos do sculo ,\vu iden-tfictidai lrv> do exame de trs elementos dc consulta 112

    QUADRO 5Fichas de dl.io .., I3H

    QUADRO 6Ficha de ligao 141)

    QUADRO 7.14Fichnsdclcittiru , 144-156

    Ol.JADRO 15

    jteuipln de uulise u.uilirrsjada de LLFTI mesmo lentoQUADRO 10

    Esimplo di urna pgina com o istenta cicao-itota 1N7

    QUADRO 17Exemplado bibliografia standc rdc orrc ipondente 13 &

    Ql ADRO 18A morna pgina do quadro 16 reformulada com o si*lcma autor--dala - 192

    QUADRO 19Exemplo de bibliografia correspondente com o sistema autor-

    193

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    QUADRO WComo rrfiTiLucrar alfabeto no latinos ; 212

    QUADRO 21Abreviaturas mai usuais para ijliliiinr eni rola ou no texto 216

    QUADRO 22Modelos de ndice ,. 229

    10

    P R E F C I O 2 a E D I O P O R T U G U E S A

    A publicao em portugus deste livro de Uniberto Eco permite ver o conjunto de problemas que a metodologia da investigao actua! levanta e faz compreender a importncia das suastendncias no avano da cincia e na conservao do saber.

    Encarada luz das suas mutaes tericas, ou estudada na suacomplexa estruturao, ou-, finalmente, na sistematizao dos seusmodos de operar, essa reflexo. um contributo importante parareformular muitas ati tudes acomodadas do fazer a cincia, que secompraz.em na eternizao do j feito-

    A criao cientfica uma actividade e uma instituio. Comoactividade. designa o processo de investigao que leva o investigador a produzir a obra cientfica. Como instituio, uma estrutura constituda por trs elementos: a sujeito, o objecto e o meio.

    Ao longo dos tempos, estes aspectos foram evoluindo, designandoa associao ou a dissociao quer dos mesmos, quer de algumasdas suas panes, diversos movimentos dti investigao cientfica.

    Caso nos a tenhamos exclusivamente evoluo que se processou

    nas cincias humanos, e a reslringirmo-ns ao nosso sculo, podemos distinguir trs movimentos importantes: um que se polarizouem torno do sujeito da Investigao, outro que gira em torno doobjecto iitvestgado e finalmente um terceiro que pretende manteruni justo equilbrio no processo da criao cientfica entre o sujeioe o seu objecto. Todos eles revelam preocupaes tericas diferentes, mas convergem na inquietao comum de tomar possvel a cincia atravs da elaborao e aperfeioamento dos mtodos.

    Existetn, com efeito, trs movimentos distintos na evoluo dametodologia da investigao, O primeiro, que tem como teorizado-

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    res ertjlfanges, Ghellinck e Guinou1 , sohrevtiloriza o papel dosujeito na estrutura da criao cientfica em detrimento da metodologia da investigao. A questo fundamental ti>rna-se. assim,ia da existncia de um clima espiritual que preexiste e determinaa criao a que o sujeito deve aspirar. Dai que o decisim seja estaaspiraro manifestada sob a forma de vocao intelectual, uma vezque dela e do esforo que eia pode virtualmente despender na conquista de um rampa de trabalho, onde a cultura geral fecunda aespecialidade, na construo dum tempo interior ao abrigo dosas$olWS das preocupaes dispersivas, de que depetufc O revelaodo talento e do gnio, nos momentos de plenitude duma vida consagrada ao trabalho cientfico. O talento do investigador e o seu naturalintuichniswo fazem relegar os mtodos de trabalho para um plano

    menor, secundrio e reduzido, pois. para alm das superiores capacidades intelectuais, ele pode dispor de vrios meios ptticos (desdeos seminrios prticos ai ao convvio esmeradamente seleccionado).que ensinam a trabalhar ensinando como se fazem (t$ coisas.

    Neste contexto, a obra surgia, como a obra-prima medieval naSUO perfeio magistral, a coroar um longo percurso, no qual estavam envolvidas muitas horas de trabalho de investigao essencial,que s uma instituio de tipo tradicional poderia patrocinar, umavez que ela exige agentes humanos altamente qualificados e condies objectivas de estudo extremamente complexificadas.

    Por ser o sujeito da investigao indispensdvel para o desenvolvimento da cincia, no menor a importncia do seu objecto.O conhecimento das condies da sua existncia e dos tnodoa dasua abordagem tanto asseguram boa ptirte d(t Sita acessibilidade,coma detenninam as regras da sua reconstruo terica.

    Ora j nos ambientes cientficos atrs descritos a obra deGhelllnck chamara a ateno para a importncia decisiva da ela

    borao de certos trabalhos prticos (rec.ensfies crticas} que fornecessem ao esiudante um conjunto de regras prtticas de trabalho,anunciando desta forma o fim dum itnprexsionlsmo responsvel portantas verdades apressadas e pouco amadureci das. Mas foram, semdvida, as Directives pour Ia confectjon d"uni niunograpte scien-

    ' AnronirjO Dalini-io Sertillangcs. A iiu imclectual. Fjtptrito. -QIHVJ. mlo-Coimbra, Armniu Amado Fd. Sue.. 1957: J. de tihellinck, ijti exercimpra-

    tiifnf* An SJminaire'- tn tholoi?, - c.).. "aris. De>cle du Urouwcr ct Cie..194SeJean Ciuitlori, Le tmi-aiiintetlectaei, conseilsttatifui ttudimtfteeax quicrivtnt. Paris, cd, Momaijie. 1951.

    12

    lifiqtie de Femand Vati Sieetsherghen2 que inauguraram 0 segundomovimento da metodologia da investigao sob o gno do objecto.

    Com efeito, a obra de Van Steenberghen centra-se exclusivamente no estudo analtico e sistemtico da composio duma monografia cientifica no mbito da filosofia medieval. Destinando-se aservir de iniciao investigao de um objecto delimitado, descreve os passtts essenciais que permitem, no contexto da investigao,descobrir a verdade e enuncia as regras fundamentais que ajudam,no contexto du exposio, a transmitir as descobertas,

    A metodologia da investigao de Van Steenbergitett vontrape--se por dois modos concepo anterior. Em primeiro lugar, pelaimportncia que confere ao objecto da pesquisa num duplo sentido,o da sua dependncia duma esfera cientfica particular e o da Indis-

    pensahilhiade de mtodos para o apreender e expor teoricamente. Em segundo lugar, pela concepo de investigador que comporta, pois trata-Se de um especialista em formao que deve aperechar--se com uma ferramenta intelectual os modos de operar pararesolver problemas inscritos num territrio c onere iam ente definidoa desbravar planificada e met/dicamene.

    da reduo e unilaieraliztio desta fase metodolgica quevivem os Slyle Manuais and Cuide americanos-. Preocupados emresolver os vrios tipos de trabalho cientfico e encarando-os de uma

    forma meramente atomisia. os autores americanos deram-lhesuma soluo quase receirurio de todos os elementos que entramna composio duma monografia determinada. Enira-se, assim, num

    perodo em que SC perde de vista a metodologia geralJ para mergulhar num atomixmo de metodologia especializada. Todavia, algutmtsdestas obras tiveram o mrito de, pela suo profunda especializao, resolver e uniformizar alguns problemas intrincados tvferentes bibliografia, tipologia da fichagem ou ao estilo grfica,

    dando forma de dicionrio s frmulas encontradas.Se verdade que da delimitao da metodologia iniciao

    cientifica decorreram aspectos importantes e at decisivas para o

    13." ed.. [.iHivun/Pans, ed. Bcstncc Ns eiacn. 1961.1 vrilliarn Oilcs Cnnunbcll. Stcphcn Vaughan Bailou. FtttmandSlytt.Thexri.

    Reporto.Trrmpapem,5,* cd., Rosioo, HooentonMirrlin Compuiv. 1979.^Wood Gruy et ai, t finorian's Hanaooot: AKey to thc StMity ttndWrtiingof

    Hittvty. Bnslim. Hmighlon Miffliji CompaHy. 1964 c Dcmar Irvins. Writingabmntmaic: A nyU honkforKepnrt< anA Times. Scartlc, Livcttiiy ofWashington Press.

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    progresso du cincia, dos seus excessos saram algumas desvantagens que se circunscrevem no empobrecimento da teorizao gera!e .especial. No h metodologia de investigao como fim em si.divorciada da metodologia especial e geral.

    E com isto passamos naturalmente ao terceiro movimento dametodologia da investigao, que visa equilibrar os elementos sttb-

    jectivos e obfeclivos no processo da criao e da investigao cientificas. Autores conto Asti Vera, Armando Zubiz.arreia e ngelo

    Domingos Salvador5 visam nas suas propostas tericas reavaliar aestrutura e o processo da criao cientfica insialando- no coraoda criao cultural, a fim de, harmonizando a teoria com a. prtica, o estudo com a investigao, criarem os pressupostos do trabalho cientfico numa concepo novo da formao universitria

    que deve processar-se como um todo contnuo e progressivo, poisa estudar, a escrever ou a investigar s se aprende no exercciodessas tarefas6.

    Entre as sries de Textos em que se revelaram os trs movimentosda metodologia da investigao, tomadas globalmente, h no sevoluo, como mudana de terreno e preocupaes novas. Trouxemos

    para primeiro plano os aspectos de mudana que constituem as linhasde fora das actuais tendncias. Todavia, agora, importa determo--nos mais atentamente no ltimo desses movimentos, para lhe determinarmos a estrutura comum e as correntes particulares.

    Pode afirmar-se que a estrutura comum da actttal metodologiada investigao assenta em dois princpios gerais: o da unidadeindissocivel da metodologia da investigao com a metodologiageral e o da globalidade do processo de formao cientfica. Ambosos princpios assentam na reviso dos fundamentos da criao cientfica segundo uma ptica total izante.

    O princpio da unidade da metodologia da investigao com a

    metodologia geral afirma a dependncia tanto no ponto de partidacomo no ponto de chegada da investigao em relao cincia,enquanto instncia terica, ncleo essencial que detennina a convenincia dos actos daquela (descrio, classificao, etc.) s leis

    Asti Vcrg, Metodokigiti de In invesligacitt,Madri. cd. Cincct. 1973: ArmandoF. Zuhi/dm:ii= Cr-, /JI averbara dei trabaio intelectual (conw esftuiiar y corno itnvs-r HP-j, Buri ti . Ftjniif FdbitjiLivu Intta/amdicano, 1969 c ngelo Domingos Salvador.Mtndnx tcnica?: de. pesquisa bibliogrfica. Eteborfio e rtlptrio de eSTlid&Scicnlficn. 2.* ed.. Ptirlo Al cure, Li y. Sulina Ed., 1971.

    * Armando F. Zubiiirrsa G.. tip. cii-, p. VTJ.

    do pensamento. Exprime a constame preocupao de definir a validade dos mtodos de investigao, .em relao aos pressupostoscientficos especiais e gerais.

    O princpio da globalidade do processo da formao cientficaconfirma a continuidade entre o mtodo de ensino e o mtodo dainvestigao, postulando uma formao acadmica faseada lgico--cronologicamene, de forma a promover no estudante as indispensveis competncias invesigativas.

    Sobre este segundo princpio, assumido na sua forma concretade relao da formao geral com a especializao,- no seio datotalidade do ensino superior, se dividem as opinies, podendo distingui r-se duas posies particulares que se opem. Para Armando

    Zubizarrem. deve ser privilegiada a formao geral, que abrange

    as formas tradicionais de estudo (exame, apontamentos), bemcomo as formas actuais mais diversificadas (resumo de livros, resenha crtica, comunicado cientifico, resumo de assuntos, ensaio) queimplicam um trabalho pessoal, mas sob a ptica recapitnlativa,deixando para sega fido plano a especializao. Este tipo de prioridade assenta na concepo de formao universitria progressiva, em que sendo a meta fatal o trabalho mono grfico, no deixade. o mediatizar por metas mediai as. estando ele presente em formas menos complexas desde o inicio at ao fim da formao. ngelo

    Domingos Salvador, pelo contrrio, privilegia a especializaoreduzindo todas as formas medlath.adas do trabalho cientfico, atrsenunciadas, dpiice categoria, de estudos recapulativos e estudos originais, acumulando-as no final da foimao geral e no decursoda especializao.

    Em resumo, evoluo da metodologia da investigao impsa unidade da formao geral com a especializao, a sntese dosaber estudar com o saber investigar, admitindo fnnulas de do-

    seatnento vrio. Forjou, assim, um meio o ensino universitrio apto a fazer progredir a cincia sem atraioar a t:onser\'ao e atransmisso do saber.

    Criada esta base. indispensvel para o regular desenvolvimentoda cincia, vejamos ento como se organiza a actual metodologia dainvestigao.

    A metodologia da investigao estrutitra-se em dois momentosdiferenciados e interdependentes. O primeiro o da descoberta daverdade, que agrupa todos os actos intelectuais indispensveis

    formulao e resoluo do problema estudado, enquanto o segundo

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    diz respeito transmisso d verdade descoberta, com iodos osproblemas que o sistema da composio levanta. Ambos-os momentosimplicam no s operaes cognitivas especificas, como designamuma ordem cronolgica de abordagens que lhes garante a validadecientfica.

    Dois so os contextos em que se desdobra o primeiro momento dainvestigao o contexto da descoberta e o contexto da justificao.

    O contexto da descoberta c o caminho que. se. inicia com a formulao do. problema e se encerra com a investigao das solues. Abre-se, assim, com a arte de pr problemas, que requer umlongo convvio com os obfecos e campos tericos das disciplinasque professamos, pois ela a intuio aclimatada no territrio dosmodos de ver o semellutnte nas diferenas. Desenvolve-se depois

    atravs dos vrias operaes que se renem sob a designao dainvestigao das solues e que agrupam a leiiura e a tcnicade registo. A leitura, que durante muito tempo havia passado des

    percebida, lomou-se, com as investigaes recentes, o lugar privilegiado da investigao das solues. evidente que se ela seencontra na base da apreenso do material bibliogrfico, exige, emconseqncia, uma competncia diversificada e aprofundada, e conrdiciona todas as operaes intelectuais ulleriores. Sem uma leituraadequada c rigorosa, no se .encontram reunidos os pressupostos doregisto, que caminha para uma purificao e padronizao indis

    pensveis formao de um clima de objectividade e seriedadeintelectual num pas de reduzida tradio cientfica. h' finalmente,realiza-se como um programa que (em como limite a percia de.formular problemas e a competncia de acumular solues, resultadode adequado e progressivo adestramento, ao nvel dos estudos reca-

    pituta.t ivos, que foi atravs de estratgias calculadas e judieio-samente distribudas sobre o tempo da foimao gerai reduzindoos fadores da incerteza que pairavam sobre a compreenso dos problemas, as formas de ler e as tcnicas de legislar.

    Recolhidos os dados, importa apreciar a sua validade. E com istoentramos no contexto da justificao, que define dois lipos de tare

    fas opostas. H que evitar as falcias que se fazem passar porexplicaes eis em que consiste a perseguio ao en-o. E lemosde apurar, classificar, justificar e provar os dados, os fados, asafirmaes de tal modo que os que forem retidos sejam aquelesque atravessaram positivamente estes filtros tgico-racionais. Todasestas capacidades intelectuais exigem uma longa maturao e uma

    formao lgica e.filosfica profunda para permitiro estudante

    distinguir na tessitura do discurso da argumentao onde o nveldo discurso polemico acaba para dar lugar ao nvel do discursoig ico-cientfico,

    A expresso, segundo momento da metodoiogia da investigao,w esforo de sntese, dialdtca da idia com os meios da representao. Eoi Othon Moucyr Garcia quem insistiu nesta caracterstica especfica da transmisso da verdade, chamando a ateno

    pra o fado de o acto de escrever no poder realizar-se sem o concurso do acto de pensar.

    Essa mterriependncio obriga a percorrer um longo caminhou, iniciado por um texto-base. aperfeioado atravs das revises,termina num texto definitivo onde a adequao entre o contedo

    e afortna se encontram-pelo menos ao nvel satisfatrio. E uma eoutro designam um campo terico de abordagens sobre os itigre-dientes fundamentais da exposio.

    Na verdade, 0 problema essencial da redaco cientfica consiste em ailcquur ao quadro, que resulta da unificao terica dadescoberta da verdade, .uma expresso lingstica coerente que

    permita transmitir a vetdade de uma forma inteligvel, importa primeiramente resolver, no plano do pensamento, o problema da multiplicidade dos fados atravs duma rigorosa imificao do contedo,,de tal.forma que as generalizaes cientficas subsumam os dadosconcretos: Depois de criada a estrutura de contedo, urge encontrar a forma coerente e adequada entre os vrios meios de expresso

    pela determinao do mbito semntico da palavra e pela respec-.tya subordinao monossemia.

    Na encruzilhada do encontro da palavra com a idia surge e cimen-la-se a unidade expressiva da linguagem cientfica. Unidade queregula a funo do seu uso, determina as suas caractersticas gerais,

    estabelece a condio indispensvel do seu exerccio. A linguagemcientfica Informativa, pois o seu uso destina-a a iransmiiir a verdade. Por fora desse uso ela deve tornar-se objectivada. precisa edesambiguizada; preferindo o sentido denotativo, deve determin-lo tio mbito da extenso e da compreenso. A clareza acondio da sua existncia, pois permite traduzira complexidadedas relaes causais nos seus diversos nveis. A linguagem cientfica, em suma. tendo por objecto a verdade inteligvel, deve criaros mecanismos c dispositivos lingsticos capazes de transmitircom a mxima inteigtbilidade.

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    Para realizar as objeciivos atrs descritos, a redaco cient fica possui um sistema de composio que abrange trs campos distintos e de progressivo complexlficao: o da constelao das idias,

    o da estruturao das seqncias e o do estilo cientfico.

    O'campo da constelao das idias define as operaes tendentes determinao do sentido das palavras em si e no contexto em queso usadas e insero da. palavra em unidades Lingsticas maisvastas: Implica o desenvolvimento do capacidade analtica atravsda escolha da palavra apropriada para o conceito objectivo, obrigando a uma constante depurao das palavras provenientes dehorizontes vocabulares diferentes (desde o lxico comum at aolxico cientfico especializado) afim de a decantar da ambigidadeem que um uso imprprio a envolveu. Alm disso, o processo da

    insero da palavra em unidades como a frase, ou o pargrafo exigeoperaes analticas e sintticas bastante desenvolvidas para, semcomprometer o seu sentido enotativo inicialmente isolado forado contexto, a tornar um veculo apto expresso das clivagens do

    pensamento quer nas suas idias essenciais, principais e secundrias, quer nas relaes de sucesso, paralelismo e oposit adentro do desenvolvimento de cada pargrafo.

    Interessa realar, particularmente, a importncia do pargrafocomo unidade significativa de expresso e lanar as linhas gerais dasua definio. De acordo, com Othon Moacyr Garcia, o pargrafo uma Unidade de composio constituda por um ou mais de.um

    perodo, em que se desenvolve ou se explana determinada idela central, a que geralmente se agregam outras, secundrias mas intimamenterelacionadas pelo'sentido7. Torna-se, pois. a forma de expresso deuma capacidade excepcional para cingir uma ieia ou um raciocniaa uma unidade facilmente amilisvel. A sua composio admite, viade regra, trs partes: um tpico frasai, em que se expressa a idiageral; um desenvolvimento no qual se desdobram e especificam asidias enunciadas: e uma concluso em que se reafirma o sentido geral.

    Por suo-vez, o campo da estruturao das seqncias comportaas normas gerais que permitem tanto oienar as idias longitudinalmente num esquema quer geral, quer particular (o captulo),seguindo o dispositivo orientador dos lugares estratgicos do textofintroduo, desenvolvimento e concluso), como regular as rel-

    ' 1 C I I M

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    O discurso cientfico, por isso, exprime a luta peia expressocoerente e adequada da verdade inteligvel, tendncia virtual doencontro da palavra com a idia, na encruzilhada do rigor.

    Aclaradas as linhas de fora da actual metodologia da Investigao pela convergncia da dplice ptica evolutiva e sistemticaem que foram esquemoticamente tratadas, importa indagar qual o lugar que presente obra de Ijmheito Eco vem- ocupar.

    Embora elaborada num contexto muito concreto e visando darresposta necessidade deformao de professores na Itlia dops-- guerra, essa obra teve o mrito de se tornar o manual dos modosde operar da investigao, sistematiz.undo-os e c!arificando-os nassuas formas fundamentais.

    Essa inovao poder veriftcar-se em especial no que toca tcr

    nica de registo e, em menor-grau, ao levantamento bibliogrfico, peia que nos limitaremos a comentar algumas das suas caractersticas que se destinam a onentar os leitores do obra.

    Na abordagem do levantamento bibliogrfico usa-se a estratgia de expor primeiro teoricamente o assunto, para depois o exem

    plificar praticamente, a fim de ensinar aos estudantes coma se usam,com eficcia, os documentos impressos. Numa primeira parte ipp. 69-100) esclarecem-se as noes fundamentais da biblioteconomia (comose organiza efinciona a biblioteca} e da bibliografia (a descrioe classificao dos livros edos impressos), para, em seguida, ensinar como se elabora mna bibliografia, utilizando num tempo mnimoesse meio e esses documentos; enquanto na segunda parte (pp. 100--.124). se retoma o problema concreto da elaborao de uma bibliografia sobre o. conceito de metfora na tratadstica banxica italianana biblioteca de Alexandria para mostrar todos os passos concretos a dar quando se te?n de elaborar um trabalho deste gnero.O encadeamento lgico das tarefas, a exemplaridade dos processos, a racionalizao dos tempos tomam, de facto, o levantamentobibliogrfico, descrito pelo autor, uma prtica investlgativa a seguir

    por todos os que aspiram a reunir com segurana e objectividade(aterile-se no papel do controlo cruzado da bibliografia), os materiais para resolverem os problemas que se propem estudar.

    Quanto tcnico de registo, a obra em apreo no s reala anecessidade de disciplinar o trabalho da'investigao como tambm prope uma tipologia de ftchagem operatria e eficaz. Disciplinaque se materializa na unificao do processo geral da confecodas-fichas, que exige u?n adestramento na recolha das idias, pelo

    desenvolvimento da anlise, do resumo e da sntese, mas que secompleta pela diversificao dos tipos de fichas (fichas de leitura,

    fichas temticas, fichas de autor, fichas de citao, fichas de trabalho), que permitem cingir de tnais perto a pluridimensionalidadeem que se expressa a documentao. E embora todos estes recursos tcnicos venham exemplificados, privilegia-se um deles, a fichade leitura que pretende ser unia espcie de registo global, no qualse fiaidem as tcnicas analticas americanas ficha bibliogrfica,

    ficha de resumo e ficha de citao , com as tcnicas europiastradicionais, em particular o apontamento. Essa tcnica teriauma dupla finalidade de controlar as microlelturas atravs da suainsero na macroleituru, funcionando, assim, como critrio de veri

    ficao dos dados recolhidos quanto aos contextos de que foram

    isolados, mas no privados. Adverte, desta maneira, o autor paraos perigos da mitologia da ficha, chamando a ateno, sobretudoao nvel da justificao e da expresso, para os limites do seu uso'e;as miragens a que pode dar origem.

    Partindo das preocupaes da actual metodologia da investigao, as solues positivas de Eco, ao nvel do registo, prolongam aeficcia das at ento usadas e superam-nos na operatoriedade, poisembora elas tenham, h muito, entrevisto aquelas formas concretas,

    jamais lhe deram corpo real com tanta lucidez e igual racionalidade.

    Sendo assim, podemos concluir que a actual metodologia dainvestigao, consagrando a unidade do saber investigar com osaber estudar, promove a uniformizao das tcnicas de trabalhode molde a desimpedir o caminho da criao cientifica da pesadaherana que o intuicionismo e a improvisao impuseram prticacientfica portuguesa. Mas para que esses caminhos fratifiquem; imperioso reformular as condies objectivas e os meios institucionais que enquadram a produo cientfica, sem o que prolonga

    remos a utopia da renovao da vida num reino cudaveroso*. A presente edio foi atentamente revista sobretudo no que res

    peita aO vocabulrio tcnico da especialidade e disposio dasvozes (primeira pessoa do singular e primeira e segunda pessoasdo plural) no interior do texto, a fim de lhe conferir o Indispensvel rigor e restituir a caracterizao sintctca originaL

    Alm disso, juntou-se-lhe uma bibliografia selectiva. que visa prolongar a utilidade e eficcia do prprio texto.

    HimiLTi Costa

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    I N T R O D U O

    L Houve tempo em que a universidade era uma. universidade deescol- A ela s tinham acesso os filhos dos diplomados. Salvo rarasexcepes, quem estudava tinha todo o tempo sua disposio. A uni-versidaile era concebida para ser freqentada tranqilamente, reservando um certo tempo para o estudo e outro para os sos divertimentosgol.iardesc.os ou pana activldade em organismos representativos-

    As lies eram conferncias prestigiosas; depois, os estudantes

    mais interessados retiravam-se com os professores e assistentes emlongos seminrios de dez ou quinze pessoas no mximo.

    Ainda hoje, em muitas universidades americanas, um curso nuncaultrapassa os dez ou vinte estudantes (que pagam bem caro e tmo direito de usar* o professor tanto quanto quiserem para discutircom ele}. Numa universidade como Oxford, h um professor orientador, que se ocupa da tese de investigao de um grupo reduzidssimo de estudantes (pode suceder que te.nlui a seu cargo apenasum ou dois por ano) e acompanha diariamente o seu trabalho.

    Se a situao actual em Itlia fosse semelhante, no haverianecessidade de escrever este livro ainda que alguns conselhosnele expressos pudessem sen?ir lambem ao estudante ideal* atrssugerido.

    Mas a universidade italiana hoje uma universidade de massas, A ela chegam estudantes de todas as classes, provenientes detodos os tipos de escola secundria, podendo mesmo Inscrever-seem filosofia ou em li teraturas clssicas vindos de um instituto

    tcnico onde nunca tiveram grego nem latim, E se verdade queo latim de pouco serve para muitos tipos de acyidae, de grandeutilidade para quem fizer filosofia cm letras.

    23

    http://gol.iardesc.os/http://gol.iardesc.os/
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    Certos cursas tm milhares de inscritos. Destes, o professorconhece, tnelhor ou pior, uma trinteua que acompanha as aulas commaior freqncia e, com a ajuda dos seus colaboradores (bolsei ws,contratados, agregados ao professorado), consegue fazer trabalharcom uma cena. assiduidade uma centena. Entre estes, h muitos quecresceram numa famlia abastada e culta, em contado com umambiente cultura.i vivo, que podem permitir-se viagens de estudo.Vo os festivais artsticos e teatrais e visitam poises estrangeiros.

    Depois h tis muros. Estudantes que provavelmente trabalham e passam todo o dia no registo civil de uma pequena cidade de dezmil habitantes onde s existem papelarias. !-.'studantes que, desiludidos da universidade, escolheram a adividade poltica e pretendem outro tipo de formao, mas que. mais tarde ou mais cedo.

    tero de submeter-se obrigao da tese. Estudantes muito pobresque. te mio de escolher um exame, calculam o preo das vrios tex-tos obrigatrios e dizem que este um exame de doze mil liras,optando entre dois opcionais por aquele que custa menos. Estudantesque por vezes vm aula e tm difculdae em encontrar um lugarnuma sala apinhada; e no fim queriam falar com o professor, mash uma fila de trinta pessoas e tm de ir apanhar o comboio, poisno podem ficar num hotel. Estudantes a quem nunca ningum dissecomo procurar um livro na biblioteca e em que biblioteca: freqentemente nem sequer sabem que poderiam encontrar esses livros nabiblioteca da cidade onde vivem, ou ignoram como se arranja umcarto para emprstimo:

    Os.conselhos deste livro seriem particularmente para estes. Sotambm teis para o estudante da escola secundria que se prepara

    para a universidade e quer compreender como.funciona a alquimiada tese.

    A todos eles a obra pretende sugerir pelo menos duas coisas:

    Pode fazer-se uma tese digna mesmo que se esteja numa situao difcil., conseqncia de discnmhiaes remotas ou recentes;

    Pode aproveitar-se a ocasio da tese (mesmose o restodo curso.universitrio foi decepcionante ou frustrante) para recuperar o sentido positivo e progressivo do estudo,, no entendidocomo recolha de noes, mas como .elaborao crtica de utnoexperincia, como. aquisio de uma competncia (fora paraa vida futura) para identificar os problemas, encar-los commtodo e expo-los segundo certas tcnicas de comunicao.

    2. Dito isto, esclarece-se que a obra no pretende explicar comose faz investigao cientfi.ca nem constitui uma discusso te-

    rit:o-cftlca sobre o valor do estudo. 'Traia-se apenas de tuna sriede consideraes sobre como conseguir apresentar a um jri umobjecto- fsico, prescrito pela lei, e composto de um certo nmerode'pginas dactUografadas, que se supe ler qualquer relao com

    a disciplina da licenciatura e que no mergulhe o orientador numesiulo de dolorosa estupefac.o.

    claro que o liviv no poder dizer-vos a que devem escreverna tese, Isso tarefa vossa. Ele dir-vos-: (1) o que se entende portese; (2.1 como escolher o lema e organizar o tempo de trabalho;(3) como conduzir uma investigao bibliogrfica; (4) como organizar o material scleccionado; (5) como dispor fisicamente a redac-

    o do trabalho. E a parte mais precisa justamente a lt ima, que pode parecer a menos importante, porque a nica para a qualexistem regras bastante precisas.

    3. O tipo de lese a que se faz referncia neste livro . que seefectua nas faculdades de esttulos humansticos. Dado que a minhaexperincia se relaciona com as faculdades de letras e filosofa,- natural que a maior parte dos exemplos se refira a temas que seestudam naquelas faculdades. Todavia, dentro dos limites que estelivro se pretpe. os critrios que aconselho adaptam-se igualmentes teses normais de cincias polticas, magistrio (*} e jurisprudncia. Se se tratar de teses histricas ou de seoria geral, e noexperimentais e aplicadas, o modelo dever servir igualmente paraarqiiitectura, economia, comrcio e para algumas faculdades cientficas. Mas nestes casos necessrio alguma prudncia.

    4. Quando este livro jbr a imprimir, estar em discusso a reforma

    universitria (**), E fala-se de. dois ou trs nveis de graduaoitiversitri. Podemos perguntar-nos se esta reformo alterar radicalmente o prprio conceito, de tese.

    Ora, se tivermos vrios nveis de ttulo universitrio e se o modelo for o utilizado na maioria dos pases estrangeiros, verificar-se-

    (*) Ersteem Itlia a Faculdade do Magistrio que confet uni titulo universitrio em letras, pedagogia ou lnguas estrangeiras para o ensino nas C S U I H Kmedias.(NT)

    **) Bem entendido, o aumr refere-se a edio italiana. f/VO

    http://refere-.se/http://refere-.se/
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    uma situao semelhante descrita no primeiro captulo (LI). Isio, teremos teses de licenciatura (ou de primeira nvel) e teses dedoutoramento (ou de segundo nvel).

    Os conselhos que damos neste livro dizem respeito a ambas e,no caso de existirem diferenas entre ama e outra, elas sero clarificadas.

    Deste modo, pensamos que tudo o que se diz nas pginas que seseguem se aplica igualmente no mbito da reforma e, sobretudo, nombito de uma longa transio para a concretizao de uma eventual reforma.

    J, Cesare Segre leu o texto dactilografado e deu-me algumassugestes. Dada que tomei muitas em considerao, mas, lelaiiva-

    me.nte a outras, obstinei-me nas minhas posies, ele no res ponsvel pelo produto final. Evidentemente, agradeo-lhe de todoo corao.

    6. Uma ltima advertncia. O discurso que se segue diz obviamente respeito a estudantes de ambos os sexos (studenti e siuden-tesse) (*), bem como a professores e a professoras. Dado que nalngua italiana no existem expresses neutras vlidas para atnbosos sexos (os americanos utilizam cada vez mais o termo peison,mas seria ridculo dizer na pessoa estudante- (la persona studente)ou a .pessoa candidata (Ia persoaa candidata), limito-me a falarsempre de estudante, candidato, professor e orientador, sem que esteH.vf> gratnatical encerre uma discriminao sexista*.

    '(*) Evidentemente, a ressalva no vlida em portugus para o tenuo estudante, nue um AulisLnLivy comum de dois gneros. (NI)

    1 PpdCEo pergiiErtar-me por que motivo ilo utilizei sempre a cSTudr.le, pm-fcn.inra, dc. A explicao reside no facto de ter tribal Itatl na base dc recordieiese experincias pessoais, tendo-me asm identificado melhor.

    T . O Q U E U M A T E S E PR A Q U E S E R V E

    Li , Por que se deve fazer uma tese e u que ?

    Uma lese 6um trabalho dactilografado, de grandeza mdia, varivel entre as cem e as quatrocentas pginas, em qtie o estudante trataum problema respeitante rea de estudos em que se quer formar.Segundo a lei italiana, ela indi spe ns vel. Ap s ter terminado todosos exames obrigatrios, o estudante aprescnLa a tese perante um jrique ouve a info rmao do orientador (o professor com quem se faz.a tese) e do ou dos arguentes, os quais levantam objeces ao candidato; da nasce uma discusso na quaf tomam parte os outros membros do jri. Das palavras dos dois arguentes, que abonam sobrea qualidade (ou os defeitos) do trabalho escrito, e capacidade que ocandidato demonstra na defesa das opinies expressas por escrito,nasce o parecer do jri. Calculando ainda a mdia gerai das notasobtidas nos exames, o jri atribui uma nota tese. que pode ir dummnimo de sessenta e seis a(c um mximo de cento e dez, louvor emeno honrosa. Esta pelo menos a regra seguida na quase totali

    dade das faculdades dc estudos humansticos.Uma vez descritas as caractersticas externas do texto e o

    ritual em que se insere, no se disse ainda muito sobre a naturezadu. tese. Em primeiro lugar, por que motivo as universidades itahVnas exigem, como condio de licenciatura, uma tese?

    Repare-se que este critrio no seguido na maior parte das universidades estrangeiras. Nalgumas existem vrios nveis de grausacadmicos que podem ser obtidos sem tese; noutras existe utn primeiro nvel, correspondente grasso modo nossa licenciatura, queno d direito ao ttul o de doutor- e que pode ser obtido quer com

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    LI simples srie de exames, quer com um trabalho escrito cie pretenses mais modestas; n ou Ira a existem diversos n vei s de doutoramentoque exigem trabalhos de diferente complexi dade... Porem, geralmente,a tese propriamente dita reservada a uma espcie de superlicen-ciatura, o doutoramento, ao qual se propem apenas aqueles quequerem aperfei oa r-se e especializar-se como investigadores cientficos. Este tipo de doutoramento tem vrios nomes, mas indic-Io--emos daqui cm diante por uma sigla anglo-saxnica de uso quaseinternacional. PhD (que significa Phtosophy Dootto; Doutor emFilosofia, mas que designa todos os tipos de doutores em matriashumansticas, desde o socilogo at ao professor de grego; nas matrias n o human st ica s so utilizadas outras siglas, como, por exemplo.MD , Medicine Doctor).

    Por sua vez, ao PhD contrape-se algo muito afim nossa licenciatura e que indicaremos doravante por licenciatura.

    A licenciatura, nas suas vrias fornias. destina-se ao exercci o daprofisso: pelo contrrio, o PhD destina-se actividade acadmica,o que quer dizer que quem obtm um PhD segue quase sempre acarreira universitria.

    Nas universidades deste tipo, a tese sempre de PhD, tese dedoutoramento, e consumi um Lrabalho original de investigao, como qual o candidato deve demonstrar ser um estudioso eipaz de fazerprogredir a disciplina a que se dedica, E efectivmente no se faz,como a nossa tese de licenciatura, aos vinte e dois anos. mas numaidade mais avanada, por vezes mesmo aos quarenta ou cinqentaanos (ainda que. obviamente haja PhD muito jovens). Porqu tantotempo? Porque se rata precisamente de investigao originaL emque necessrio saber com segurana aquilo que disseram sobre omesmo assunto outros estudiosos, mas cm que preei.so sobretudodescobrir qualquer coisa que os outros ainda no tenham dito.Quando C laia de descoberta, especialmente no domnio dos estudos butnanjsticos, no estamos a pensar em inventos revo luci on rio scomo a descoberta da diviso do tomo, a teoria da relatividadeou um medicamento que cure o c;uicro: podem ser descobertas modestas, sendo ta mb m considerado um resultado cientfico- um novomodo de ler e compreender um texto clssico, a caracterizao deum manuscrito que lana uma nova luz sobre a biografia de umaufor, uma reorganizao e uma releitura de estudos anteriorescondueentes ao amadurecimento e sstematizao das idias que seencontravam dispersas noutros textos. Km todo o caso, o estudioso

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    .deve produzir um trabalho que, em teoria, os outros estudiosos donmio no deveriam ignorar, porque diz algo de novo ef. 11.6.1.).

    A tese italiana ser do mesmo tipo? No necessariamente,Bfectivmente, dado que na mai or parte dos CELSOS 6elaborada entreos vinte e dois e os vinte e quatro anos, enquanto ainda se fa/^m os-.'.xames uni versi tri os, n o pode representar a con clus o dc um longoe reflectido trabalho, a prova de um amadurecimento completo.No entanto, sucede que h teses tle licenciatura (feitas por estudantes particularmente dotados) que so verdadeiras teses de PhD eoutras que no atingem esse nvel. Nem a universidade o pretendea todo o custo: pode haver uma boa tese que no seja tese de investigao, mas tese de compilao.

    Numa lese de compilao, o estudante demonstra simplesmente

    .ter examinado criticamente a maior parte da literatura existente:(ou seja. os rrabaihos publicados sobre o assunto) e ter sido capazde exp-la de modo claro, procurando relacionar os vrios pontos devista, oferecendo assim uma inteligente pano rm ica , provavelmentetil do ponto dc vista informativo mesmo para um especialista doramo, que, sobre aquele problema particular, jamais tenha efectuadoestudos aprofundados.

    Eis T pois, uma primeira advertncia: pode fazer-se wna tese decompilao ou uma tese de Investigao; uma tese de Licenciatura

    :ou uma tese de PhD.Um a tese de invest iga o sempre mais lon ga, fatigante e absor

    vente: uma tese de com pi la o pode igualmente ser longa e fatigante(existem trabalhos de compilao que levaram anos e anos) mas,geralmente, pode ser feita em menos tempo e com menor risco.

    Tambm no se pretende dizer que quem faz uma lese de compil ao tenha fechado o caminho da inves ti gao: a compi la o podeconstituir um acto de seriedade por parle do jove m investigador que.

    antes de comear propriamente a investigao, pretende esclareceralgumas idias documentando-se bem.

    Em contrapartida, C A S tem cseS que pretendem ser de investigao e que, pelo contrrio, so feitas pressa; so ms teses queirritam quem as l e que de modo nenhum servem quem as fez.

    Assim, a escolha entre tese dc compilao e tese de investigao est. tigada maturidade c capacidade de trabalho do candidato. Muitas vey.es infelizniente est tam bm liga da a factoreseconmicos. uma vez que um estudanie-trabalhador ter com certeza menos tempo, menos energia e freq ent emen te menos dinheiro

    http://vey.es/http://vey.es/
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    paria se dedicar a longas in vest iga es (que muitas vezes impl icama aquisio de livros raros e dispendiosos, viagens a centros ou bibliotecas estrangeiros e assim por diante).

    Infelizmente, no podemos dar neste livro conselhos de ordemeconmica. At h pouco tempo, no mundo inteiro, investigar erapriv ilgio dos estudantes ricos. Ta mbm no se pode dizer que hojeem dia a simples existncia de bolsas de estudo, bolsas de viageme subsdios para estadias em universidades estrangeiras resolva aquesto a contento de todos. O ideal o de uma sociedade mais

    justa em que estudar seja um trabalho pago pelo Estado, em queSeja pago quem quer que tenha uma verdadeira vocao para o estudoe em que no seja necessrio ter a todo o custo o canudo paraconseguir emprego, obter uma promoo ou passar frente dos

    outros num concurso.Mas o ensino superior italiano, e a sociedade que ele reflecte,

    por agora aquilo que ; s nos resta fazer votos para que os estudantes de todas as classes possam frequent-lo sem se sujeitarem asacrifcios angustiantes, e passar a explicar de quantas maneiras sepode fazer utna tese digna, calculando o tempo e as energias disponveis e tambm a vocao de cada um.

    1,2, A quem interessa este livro

    Nestas condies, devemos pensar que h muitos estudantes obrigados a fazer uma tese, para poderem licenciar-se pressa e alcanarprovavelmente o estatuto que tinham em vista quanto se inscreveram na universidade. Alguns destes estudantes chegam a ter quarenta anos. Bstes pretendero, pois, instrues sobre como fazeruma tese num ms, de modo a poderem ter uma nota qualquer e

    deixar a universidade. Devemos dizer sem rebuo que este li vro no para eles. Se estas so as suas necessidades, se so vtimas deum;t legislao paradoxal qtre os obriga a diplomar-se para resolver dolorosas questes econmicas, prefervel optarem por uniadas seguintes vias: (1) investir um montante razovel para encomendar a tese a algum; (2) copiar uma tese j feita alguns anosantes noutra universidade (no convm copiar uma obra j publicada, mesmo numa lngua estrangeira, dado que o docente, se estiver minimamente informado, j dever saber da sua exis tn cia ; mascopiar em Milo uma tese feita na Catam a oferece razoveis pos-

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    sibilidades de xito ; naturalmente, necessr io informar-se primeirose o orientador da lese, antes de ensinarem Milo, no ter ensinadona Catnia; e, por isso mesmo, copiar uma tese implica um inteligente trabalho de investigao).

    Evidentemente, os dois conselhos que acabtnos de dar so ilegais. Seria o mesnto que dizer se te apresentares ferido no postode socorros e o mdico no quiser examinar-te, aponta-lhe uma faca garganta. Em ambos os casos, trata-se de actos de desespero.O nosso conselho foi dado a ttulo paradoxal, para reforar o factode este livro no pretender resolver graves problemas de estruturasocial e de. ordenamento jur dico existente.

    Este livro dirige-se, portanto, queles que (mesmo sem seremmilionrios nem terem sua disposio dez anos para se diploma

    rem aps terem viajado por todo o mundo) tm uma razovel possibilidade de dedicar algumas horas por dia ao estudo e querem preparar uma tese que lhes d t am bm uma certa sat isfa o int electuale lhes sirva depois da licenciatura. E que, portanto, fixados os li mi tes, mesmo modestos, do seu piojecto, queiram fazer um trabalhosr io . At uma recolha de cromos pode fazer-se de um modo srio :basta fixar o tema da recolha, os critrios de catalogao e os limites histricos da recolha. Se se decide no remontar alm de 1960,ptimo, porque desde 196U at hoje existem todos os cromos. Haversempre uma diferena entre esta recolha e o Museu do L U V T C , mas prefervel, em vez de um museu pouco srio, fazer uma recolhasria de cromos de jogadores de futebol dc 1960 a 1970-

    Este critrio igualmente vlido para uma tese de licenciatura.

    1-3, De que mudo uma teseserve tambm para depoisda licenciatura

    H duas maneiras de fazer uma tese que sirva ta mb m para depoisda licenciatura, A primeira fazer da tese o incio de uma investigao mais ampla que prosseguir nos anos seguintes se. evidentemente, houver a oportunidade e a vontade para tal;

    Mas existe ainda uma segunda maneira, segundo a qual um direc-tor de um organismo de turismo loca l s er ajudado na sua profis sopelo facto de ter elaborado uma tese sobre Do Ferino a Lucia aosProtnessi Sposi*. Efect ivm ente , fazer uma tese signi fica: (1) escolher um tema preciso; (2) recolher documentos sobre esse lema;

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    C3) pr em ordemesses documentos: (4) reexaminar o tema emprimeira mio, luz dos documentos recolhidos; (5) dar rima formaorgnica a todas as reflexes precedentes; 6l proceder de modo quequem l perceba o que se quer dizer e fique cm condies, se fornecessrio, de voltar aos mesmos documentos para retomar o temapor sua conta.

    Fazer uma tese significa, pois. aprender a por ordem nas prprias idias e a ordenar dados: uma experincia de trabalhometdico; quer dizer, construir um objecto que, em princpio,sirva tambm para outros. E deste modo no imporia tanto o temada tesa quanto a experincia de trabalha que ela comporia, Quemsoube documentar-se sobre a dupla redaeao do romance dc Manzoni.saber depois tambm recolher com mtodo os dados que lhe ser

    viro para o ryrganismo turstico. Quem escreve j publicou umadezena de livros vobre temas diversos, mas se conseguiu fazer osltimos nove porque aproveitou sobre tudo a experincia do primeiro, que era umareeluborao dalesedc licenciatura. Sem aqueleprimeiro trabalho, no teria aprendido a fazer os outros. F. ijintonos aspectos positivos como nos negativos, os outros refl ceiemainda o modo como se fez o primeiro. Com o lempo tornamo-nosprovavelmente mais maduros, conhecemos mais as coisas, mas amaneim como trabalhamos nas coisas que sabemos depender sempre do modo como estudmos iaiciEtl mente mui ias coisas que nosabamos.

    Em ltima anlise, fazer uniu tese como exercitar a memria. Temos uma boa memria em velhos quando a mantivemos emexerccio desde muito jovens. F. no importa se cia se exercitouaprendendo de cor a composio dc iodas as equipas da Primeiraivislo, as poesias de Carducci ou a srie de imperadores romanos de Augusto a Pmulo Augusto. Bem entendido, j que se exer

    cita a memria, mais vale aprender coisas que nos interessam ouque venham a servir-nos; mas. por ve .es, mesmo aprender coisasinteis constitui uma boa ginstica. H, assim, embora seja melhorfazer uma lese sobre um tema que nos uiirade, o tema secundrio relativamente ao mtodo de trabalho e ttexperincia que delese tira.

    E isto tambm porque, se se trabalhar bem, no h nenhumtema que seja verdadeiramente estpido: a trabalhar bem tiram-se concluses teis mesmo de um ema aparentemente remoto

    ouperifrico. Marx no fez a tese sobre economia poltica, mas

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    sohre dois filsofos pregos como Epicuro e Demenlo. E na o setratou de um acidente. Marx foi talvez capaz de analisar os problemas da histria o da economia com a energia terica quesabemos precisamente porque aprendeu a reflectir sobre os seusfilsofos gregos. Pcranic tantos estudantes que comeam comuma teseambiciosssima sobre Marx e aeab.im na seco de pessoal das grandes empresas capitalistas, necessrio rever os conceitos que se. tm sobre a utilidade, a aetualidade e o interessedos temas das teses.

    1.+. Quatro regras bvias

    H casos era que o candidato faz a tese sobre um tema impostopelo docente. Tais casos devem eviiar-se.

    Mo estamos a referir-nos. evidentemente, aos casos em que ocandidalo pede conselho ao docente, mas sim queles em que aculpa do professor {ver 11,7,, Como evitar deixar-se explorar peloorientador) ou queles em que a culpa do candidato, desinteressado dc tudo e disposto a alinhavar qualquer coisa para i*e despachar depressa.

    Ocupar-nos-emos, pelo contrrio, dos casos em que se pressupea existncia de um candidato movido por um interesse qualquer ede um docente disposto a interpretar as suas exigncias.

    Nestes casos. a reinas para a escolha do tema sio quatro:

    li Que o tema corresponda aos interesses do candidato (queresteja relacionado com o tipo de exames feitos, com assuas leitura1., com o >eu mundo poltico, cultural ou religioso):

    2) Que as fontes a que recorre sejam acessveis, o que quer dizerque estejam ao alcance material tio candidato:

    3) Que as fontes a que recorre sejam manttsedveis, O que querdizer que estejam ao alcance cultural do candidato;

    4) Que o quadm metodolgico da investigao esteja ao alcanceda experincia do candidato.

    Expressas desta maneira, estas quatro regras parecem banais eresumir-se na norma seguinte: quem quer fazer uma tese deve fazeruma tese que seja capa/ dc fazer. Pois bem, mesmo assim, c h

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    casos de teses drama tieam ente falhadas justam ente porque no sesoube pr o problema inicial nestes termos to bvios 1.

    Os capt ulos que se seguem tentaro fornecer algumas sugestespara que a tese a fazer seja uma tese que se saiba e possa fazer.

    1 PijiicrHTTinf: ucrcccntar unia quima rsera: ujue I pmresstir seja Q indicado.EfeLlihumLTiii:, h e ndidatos que, por ntzes de S J J L [JJU de pre uie*.. ( J E J C K E Dla^r ainva diceni rta matria A uma tese que. nu veinkile. da mai B: Odocente inceita ipur snip;-:ri a, vaidade ou dcsiten;ol e depois j)3o esi em umdi-es de acompanhar u teae.

    II. A ES CO LH A DO T E MA

    .1. Tese monogrfca ou tese panormica?

    A primeira tentao do estudante fazer uma tese que fale demuitas coisas. Se ele se interessa por literatura, o seu primeiro

    pulso fazer uma tese do gnero A literatura hoje, tendo de restringir o tema, querer escolher A literatura italiana desde o ps-guerra at aos anos 60.

    Estas teses so perigosssimas. Trata-se dc temas que fazem tre-er estudiosos bem mais maduros. Para um estudante de vinte anos,

    'um desafio impossvel. Ou far uma resenha montona de nomes ed. opinies correntes, ou dar sua obra um cari/. original e serSempre acusado de omisses imperdoveis. O. grande critico co ntemporneo ianfranco Conttni publicou em 1957 uma fatteraturahaliana-Ottoceuto-Novecento Sansoni Accadcmia). Pois bem, se setratasse de uma tese de licenciatura, teria ficado reprovado, apesardas suas 4-72 pginas. Com efeito, teria sido atribudo a negligenciaou ignorncia o facto de no ter citado alguns nomes que a maioria

    ds pessoas consideram muito importantes, ou de ter dedicado captulosinteiros a autores ditos menores e breves notas de rodap a autoresconsiderados maiores. Evidentemente, tratando-se de um estudiosocuja preparao histrica e agudeza crtica so bem conhecidas, iodaa gente compreendeu que estas excluses e des pro pores eram voluntrias, c que uma ausncia era criticamente muito mais eloqente doque uma pgina demolidora. Mas se a mesma graa for feita por umestudante de vinte'e dois anos, quem garante que por detrs do silncio no est muira asteia e que as omisses substituem pginascrti cas escritas noutro lado o u que o autor saberia escrever'?

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    Em Leses deste gnero, o estudante acaba geralmente por acusaros membros do jri de no o terem compreendido, mas estes nopodiam compreend-io e. portanto, uma tesedemasiadopanormicaconstitui sempre um acto de orgulho. No que o orgulho intelectual numa tese seja de rejeitar a priori. Pode mesmo dizei-se queDante era um mau poeta: mas preciso diz-lo aps pelo menos trezentas paginas de uilise detalhada dostextos dantescos. Estas demonstraes, numa tesepanormica, no podem fazer-se. Eis porque seriaento melhor que o estudante, em vez de A literatura italiana desdeops-guerra at aos anos 60, escolhesse um ttulo mais modesto.

    B posso dizer j qual seria o ideal: no Os wmauces de Fenogiio,mas As diversas redaces de *U partigiano Johnuy. Enfadonho?F. possvel, mas corno desafio mais interessante.

    Sobretudo, se se pensar bem, trata-se de um acto de asteia. Comuma tese panormica sobre a literatura de quatro dcadas, o estudante expe-se a toda* as eontestaes possveis. Como pode resistir o orientador ou o simples membro do jri tentao de fazersaber que conhece um autor menor que o estudante no citou? fastaque qualquer memjro do jri, consultando o ndice, aponte trs omisses, e o estudante ser alvo de uma rajada dc acusaes que faroque a suatese parea uma lista de desaparecidos. Se, pelo contrrio,o estudante trabalhou seriamente num tema muilo preciso, consegue dominar um material desconhecido para a maior parle dos membros do jri. No estou a sugerir utn truquezito dc dois vintns: serum truque, masno de dois vintns, pois exige esforo. Sucede simplesmente que o candidato se apresenta como .Perito diante deuma platia menos perita do que ele. e , j q u e teveo trabalho dc setomar perito, justo que goze as vantagens dessa situao.

    Entre os dois e.xIremos datesepanormica sobre quarenta anos deliteratura c tia teserigidamentemonogrfca sobre as variantes de um

    texto curto, h mui ms estdios intermdios. Podero assim aponlar--se temas comoA neovanguarda literria dos anos 60, ouA imagensdas Langhe em Pave.se e Fenogiio, ou ainda Afinidades e diferenasentre trs escritores ^fantsticos?-: Savinio, Buizati e Landolfi.

    Passando s faculdades cientficas, num livro com o mesmo temaque nos propomos d-se um conselho aplicvel a codas as matrias:

    O temaGeologia, por exemplo, demasiado vasto. A Vuleanutogia,como ramo da geologia, tainda demasiado tatu. Os vulces na Mxicnpuderia ser desenvolvido num exerccio bom mas um tanto superficial. Uma

    itao subeqaeme daria origem a uni estudo dc maior valor:A Instado Papocatepetl(que foi escalado provavelmente por um dos conquis-ores de Corte; em 1519, e que s em 1702 leve uma erupo violenta).

    Ijm tema mais limitado, que dir. respeito a um menor numero de anos. seriaO nvscinjenta e a morte aparente da Fctricutin (dc 20 dc Fevereiro de T943

    dc Maro de J952)!^

    Eu aconselharia o ltimo tema. Com a condio de que, nessamra, o candidato diga tudo o que h a dizer sobre aquele amaldi

    oado vulco.H agnm tempo veio ter eotmgo utn estudante que queria fazer

    a tese sobre O smbolo no pensamento contemporneo. Era uma teseimpossvel. Pelo menos, eu no sabia o que queria dizer smbolo;efec vmente, trata-se de um termo que muda de significado segundoos autores e, por vezes, em dois autores diferentes quer dizer duascoisas absolutamente opostas. Repare-se que por smbolo os lgicos formais ou os matemticos entendem expresses sem significado que ocupam um lugar definido com uma funo precisa numdado clculo formalizado (como os a e os b ou os x e os y das frmulas algbricas). enquanto outros autores entendem uma formarepleta de significados ambguos, como sucede nas imagens queocorrem nos sonhos, que podem referir-se a uma rvore, a um rgosexual, ao desejo de crescimento e assim por diante. Como fazerento uma tesecom este ttulo'.' Seria necessrio analisar todas asacepes do s mbolo em toda a cultura contempornea, catalog-lasl modo a evidenciar as semelhanas e as diferenas, ver se subja

    cente s diferenas h um conceito unitrio fundamental que aparea em todos os autores e todas as teorias, se as diferenas notornam enfim incompatveis entre si as teorias em questo. Pois bem.uma obra destas nenhum filsofo, lingista ou psicanalista contemporneo conseguiu ainda realiz-la de uma maneira satisfatria.

    Como poderia consegui-lo um estudioso novato que, mesmo precoce, no tem atrs de si mais de seisou seteanos de leituras adultas? Poderia tambm fazer uma dissertao inteligentemente parcial,mas cairamos de novo na histria da literatura italiana de Contini.Ou poderia propor uma teoria pessoal do smbolo, pondo de partetudo quanto haviam dito os outros autores: mas at que ponto esta

    A'CW.Ccxiper E..J, Robins,The Tena Paper A Manual an(t bioilel. Staniord.StanforJ tlnivemly Prey., V*

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    escolha seria discutvel di-lo-emos no pargrafo 11.2. Com o estudante cm questo discutiu-se um pouco. Teria podido fazer-se umalese sobre o smbolo em Freud e Jung, no considerando todas asoutras acepes, e confrontando apenas as destes dois amores. Masdescobriu-se que o estudante no sabia alemo (c falaremos sobre oproblema do conhecimento das lnguas no pargrafo 11.5). Deetdiu--se ento que ele se debruaria sobre o lema 0 eonceito de smboloem Pelrce, Frye e Jung, A tese teria examinado as diferenas entretrs conceitos homnimos em Ires autores diferentes, um filsofo,um critico e um psiclogo; leria mostrado como em muitas anlisesem que so considerados estes trs autores se cometem muitos equvocos, uma vez que se atribui a um o significado que usado poroutro. S no final, a ttulo de concluso hipottica, o candidato teria

    procurado extrair um resultado para mostrar se existiam analogias,e quais, enlre aqueles conceitos homnimos : aludindo ainda aos outrosautores de quem tinha conhecimento mas de quem, por explcita limitao do tema, no queria nem podia oeupar-se. Ningum teria podidodizer-lhe que no tinha considerado o autor K, porque a tese era sobreX t Y c Z , nem que tinha citado o autor J apenas em traduo, porqueter-se-ia tratado de uma referncia marginal, em concluso, e a tesepretendia estudar por extenso e no original apenas os trs autores referidos no tfmlo.

    Eis como uma tese panormica, sem se tornar rigorosamentemonogrilca, se reduzia a um meio termo, aceitvel por lodos.

    Por outro lado. sem dvida o termo monogrfieo' pode ter umaacepo mais vasta do que a que udzmos aqui. Uma monografia otratatarnento de um s tema e eomo tal ope-se a uma histria de, aum manual, a uma enciclopdia. Pelo que um tema como 0 tema domundo s avessas nos escritores medievais lambem monogrfico.Anasam-s e mui I os escritores, mas apenas do ponto de vista de um tema

    especfico (ou seja, da hipt ese ima ginria, proposta a ttulo de exemplo, de paradoxo ou de fbula, de que os peixes voem no ar, as avesnadem na gua, etc.). Se se fizesse bem este trabalho, obter-se-ia umaptima monografia. Contudo, para o fazer bem, preciso ter presentetodos os escritores que trataram o tema, especialmente os menoies, aqueles de quem ningum se lembra. Assim, esta tese classificada comomonogrfico-panormica e muito difcil: exige uma infinidade de lei atras. Se se quisesse mesmo faz-la. seria preciso restringir o seu campo.O rema do mundo sa\,essas nos poetas carougias. O campo restringe-se, sabendo-se o que se tem de dominar e o que se deve pr de parte.

    Evidentemente, mais excitante fazer a tese panormica, pois.~m do mais. parece fastidioso ocuparmo-nos durante utn. dois ouis anos sempre do mesmo autor. Mas repare-se que fazer uma tese

    "gorosamente monogrfca no significa de modo nenhum perder deista o contexto. Fazer uma tese sobre a narrativa de Eenoglio signi-ca ter presente u realismo italiano, ler tambm Pavese ou Vitorini,

    tiem como analisar os escritores americanos que Fenogho lia e traduzia. S inserindo um autor num contexto o compreendemos e explicamos. Todavia, uma coisa utilizar o panorama como fundo, e outrafazer um quadro panormico. Uma coisa c pintar o retraio de um cavalheiro sobre um fundo dc campo com um rio, e outra pintar campos,

    les e rios. Tem de-mudar a lcmca, tem de mudar, em termos fotogrficos, a focagem. Parndo de ura s autor, o contexto pode ser

    tambm ura pouco desfocado, incompleto ou de segunda mo.Para concluir, recordemos este princpio fundamental: quanto

    mais se restringe o campo, melhor se trabalha e com maior segurana. Uma tese monogrfca c preferivel a uma lese panommica. melhor que a tese se assemelhe mais a um ensaio do que a uma

    TTTL2. Tese histrica ou tese terica?

    Esta alternativa s tem sentido para celtas matrias. Efectivantente.em matrias como histria da matemtica, filologia romnica ou histria da literatura alem, uma tese s pode ser histrica. E em matrias como compos io a rquitect nica. fs ica do reactor nuclear ouanatomia comparada, geral mente s se fazem teses tericas ou experimentais. Mas h outras ma tria s, como filosofia terica, sociologia, antropologia cultural, esttica, filosofia do direito, pedagogia

    . du direito internacional, em que se podem fazer teses de dois tipos.Uma tese terica uma tese que se prope encarar um problema

    abstracto que pode j ter sido ou no objecto de outras reflexes: analureza da vontade humana, o conceito de liberdade, a noo defuno social, a existncia de Deus. o cdigo gentico. Enumeradosassim, estes temas fazem imediatamente sorrir, pois pensamos naqueles tipos de abordagem a que Ciramsci chamava noes brevessobre o universo. E, no' entanto, insignes pensadores se debruaram sobre esles temas. -Vias, ct>m poucas exeepes. fizeram-no naconcluso de um trabalho dc meditao de vrias dcadas.

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    Nas m o s de um esludaute com uma experiuncia eientf ica necessariamente' limi tada, estes temas podem dar origem a duas so lu es.A primeira (que d ainda a menos trgica) leva a fazer a tese definida (no pargr afo anterior) como pa no rm ica . Trata-se o conceitodc funo social, mas numa srie de autores. E a este respeito aplicam-se as observaes j feitas. A segunda soluo mais preocupante,dado que o candidato presume poder resolver, em poucas pginas, oproblema de Deus e da definio de liberdade. A minha experinciadiz-me que os estudantes que escolheram temas do gnero quasesempre fizeram teses muito curtas, sem grande organizao interna,mais semelhantes a um poema lrico do que a um estudo cientfico.E, geralmente, quando se objecta ao candidato que a exposio demasiado personalizada, genrica, informal, sem comprovaes his-

    toriograficas nem citaes, ele responde que no se compreendeu que'a sua tese muito mais inteligente do que muitos outros exercciosde banal compilao. Pode dar-se o caso de ser verdade, mas, maisuma vez. a experincia ensina que geralmente esta resposta dadapor um candidato com as idias confusas, sem humildade cientficanem capacidade com uni cativa. O que se deve entender por humildade cientfica (que no uma virtude para fracos mas. pelo contrrio, uma virtude das pessoas orgulhosas) ver-sc- no pargrafoTV.2:4. F; certo que no se pode excluir quc:o candidato sja um gnioque, apenas com vinte e dois anos T tenha cotupreendido tudo, e evidente que estou a admitir esta hip tes e sem sombra dc ironia. Ma sa realidade que. quando sobre a crosta terrestre aparece um gniode tal qualidade, a humanidade leva muito tempo a aperceber-se disso,e a sua obra lida e digerida durante um certo nm ero de artns anlcsque se apreenda a sua grandeza. Co mo se pode pretender que - um

    jri que est a examinar, no uma, mas muitas teses, apreenda dcchofre a grandeza deste corredor solitrio?

    Mas ponhamos a hiptese de o estudante estar consciente de tercompreendido um problema importante; dado que nada nasce donada, ele ter elaborado os seus pensamentos sob a influnciade outro autor qualquer. Transformou ento a sua tese. de tericaem histonojrrfca, ou seja. no tratou o problema do ser. a noode liberdade ou o conceito de aco social, mas desenvolveutemas como -o- problema do ser no jovem Heidegger, a noo deliberdade em Kan ou o eoneeiio de aco social em Par sons. Setem idias originais, elas emergiro no confronto com as idias' doautor tratado: podem dizer-se muitas coisas novas sobre a liberdade

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    estudando o modo como outra pessoa falou da liberdade. E se sequiser, a que In que devia ser a sua tese terica torna-se o captulofinal da sua tese historiogrfica. O resultado ser que todos podero verificar aquilo que diz. dado que (referidos a um pensador anterior) os conceitos que pe em jogo sero publicamente verificveis. difcil movermo-Jios no vago e estabelecer uma exposio ab ini-lib. Precisamos de encontrar um ponto de apoio, especialmente paraproblemas to vagos como a noo de ser ou de liberdade. Mesmoquando se gnio, e especialmente quando se gnio, no significa uma humilhao partir-se de outro autor, Com efeito, partir deum autor anterior no significa prestar-lhe culto, ador-lo ou reproduzir sem crtica as suas afirm aes ; pode tam bm.p arti r-se de uttiautor para demonstrar os seus erros e os seus limites. Mas tem-se

    unt ponto de apoio. Os homens medievais, que tinham um respeitoexagerado pela autoridade dos autores antigos, diziam que os modernos, embora ao seu lado fossem '(anes, apoiando-se neles torna-vm-se anes s costas de gigantes e. deste modo, viam mais almdo que os seus predeeessores,

    Todas estas obse rvae s no. sao vlidas para as matria s apli cadas e experimentais. Se se apresentar uma tese em psicologia, aalternativa no entre O problema da percepo em Piagete O problema da percepo {ainda que um imprudente pudesse querer proporum tema to genericamente perigoso). A alternativa tese historiogrfica antes a lese experimental: A percepo das cores numgrupo de crianas deficientes. Aqui o discurso muda, dado que setem direito a encarar dc forma experimental uma questo, contantoque se- siga um mtodo de investigao e se possa trabalhar emcondies razoveis, no que respeita a laboratrios e com a devidaassistncia. Mas-um bom investigador experimental no comea aconsolar as rcaees dos seus pacientes sem antes ter feito pelo

    menos um trabalho panormico (exame dos estudos anlogos j realizados), pois de outro modo arriscar-se-ia a descobrir o chapu dcchuva, a demonstrar qualquer coisa que j havia sido amplamentedemonstrada, ou a aplicar mtodos que j se tinham revelado errneos (se bem que possa ser objecto de investigao o novo controlode um mtodo que no tenha ainda dado resultados satisfatrios).Portanto, uma tese de caracter experimental nau pode ser feita emcasa. nem o mtodo pode ser inventado. Mais uma \cs. se deve partir do princpio de que, se se um ano inteligente, melhor subirftbs ombros de um gigante qualquer, mesmo se for de almra modesta:

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    ou mesmo de outro anuo. Depois lemos sempre tempo para trabalhar sozinhos.

    11,3. Temas antigos ou tomas contemporneo s?

    F.nearar esta quesro pode parecer querer voltar amiga quereede,\ anciens et des modemes... E. de facto, para mui Ias disci plinasa questo no se pe {se bem que uma tese de histria da Ji lera [uralatina possa trai ar i.n bem de Horcio como da situao dos estudos boracianos no ltimo vinlnioj. Inversamente, lgico que T senos licenciamos em histria da literatura italiana contempornea,no haja alternativa.

    Todavia, no raro o caso de um estudante que, perante o conselho do professor dc literatura ilaliana para se licenciar sobre umpetrarquista quinheutista ou sobre um rcade, prefira temas comoPavese, Bassani. Sanguineti. Muitas vezes.a escolha nasce de umavoca o a utn ti ca e difcil contestada. Outras vezes nasce da falsaidia de que um autor contemporneo mais fcil e mais agradvel.

    Digamo s desde j que o autor con tem po rn eo sempre mais dift-cd- certo que geralmente a bibliografia mais reduzida, os textosso de mais fcil acesso, a primei ra docum ent a o pode ser consul tada a beira-mar, com um bom romance nas mos, em vez de fechadonuma bibliot eca. Mas . ou queremos fazei1 uma tese remendada, repetindo simplesmente o que disseram outros crticos e ento no hmais nada a dizer (e, se quisermos, podemos fa/er uma tese aindamais remendada sobre um petrarquista do sculo YVt), ou queremosdizer algo de novo. c enlo apercebemo-nos de que sobre o autorantigo existem pelo menos chaves interpretativas seguras s quaisnos podemos referir, enquanto para o autor moderno as opinies so

    ainda vagas e discordantes, a nossa capacidade crtica falseada pelafalta de perspectiva, e tudo se toma demasiado difcil.

    indubilvel que o autor antigo impe uma leitura mais fati-gante, uma pesquisa bibliogrfica mais atenta (mas os ttulos estomenos dispersos e existem repertrios bibliogrficos j complelos);mas se sc entende a tese como ocasio para aprender a fa?.er umainvestigao, o autor antigo pe mais problemas de preparao.

    Se, alm disso, o estudante se sentir inclinado para a critica contempo rnea, a tese pode ser a lt ima o casi o de abordar a literamrado passado, para exercitar o seu gosto e capacidade de leitura. Assim.

    seria bom aproveitar esta oporlunidatle. Muitos dos grandes escritorescontempo rneo s, mesmo de vanguarda, no fizeram teses sobre Montale

    Pound. mas sobre Dantc ou Fosco lo. claro que no existem regrasrecisas: um hom investigador pode conduzir uma anlis e histr ica outils tiea sobre um autor con tem por neo com a mesma profundidadepreciso fologica com que. trabalha sobre um antigo.-.Alm disso, o problema varia de disciplina para disciplina. Emosofia talvez ponha tnais problemas uma tese sobre Ilusserl do

    que uma tese sobre Descartes e a rel ao entre fci lid ade e tegi -" ilidade inverte-se: l-se. melhor Pascal do que Camap.

    Deste modo, o n ico con selho que verdadeiramente poderei darp seguinte: trabalitai sobre um contemporneo como se fosse umantigo e sobre um antigo como se fosse um contemporneo. Ser-

    -vos- mais agradvel e fareis um trabalho mais srio.

    L4. Ouanto tempo preciso para Fazer uma tese?

    Digam o-lo desde logo: no mais de trs anos, nem menos de seismeses. No mais de trs anos, porque se em trs anos de trabalhono se conseguiu circunscrever o tema e encontrar a documentaonecessria, isso s pode significar trs coisas:

    1) escolheu-se uma tese errada, superior s nossas foras;2) -se um eterno descontente que quer dizer tudo, e continua

    -se a trabalhar na tese durante, vinte anos enquanto um estudioso hbil deve ser capaz de fixar a si mesmo limites, mesmomodestos, e produzir algo de definitivo dentro desses limit es:

    3) teve incio a neurose da tese, ela abandonada, retomada, sentimo-nos falhados, entramos num estado de depresso, . u i i l i -zamos a tese como libi de muitas cobardias, nunca viremosa licenciar-nos.

    No menos de seis meses, porque mestno que se queira fazer oequivalente a um bom artigo de revista, que no tenha mais de sessenta pginas, entre o estudo da organizao do trabalho, a procuradc bibliografia, a elaborao de fichas e a redaco do texto passam facilmente seis meses. claro que um estudioso mais maduroescreve um ensaio em menos tempo: mas tem atrs de si anos e anosde leituras, de fichas e de apontamentos, que o estudante ao invsdeve fazer a partir do zero.

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    Quando se fala de seis meses ou trs anos, pensa-se, evidentemente, no no tempo da redaco definitiva, que pode levar ummsou quinze dias, consoante o mtodo com que se trabalhou: pensa--sc no lapso de tempo que medeia entre a formao da primeira idiada lese e a entrega final do trabalho. Assim, pode haver um estudante que trabalha efectivamente na lese apenas durante um ano masaproveitando as idias e as leituras que. sem saber aonde chegaria,linha acumulado nus dois anos precedentes.

    O ideal, na minha opinio, escolhar a rsr{u o respectivo orientador) mais ou wenos nojinal do segundo ano da universidade.Nesta altura esta-sej familiarizado comas vrias matrias, conhecendo-se o contedo, a dificuldade e a situao dtis disciplinas emque ainda no se fez exame, Uma escolha tio tempestiva no

    nem comprometedora nem irremedivel. Tem-se ainda lodo um anopura compreender que ;:. :dd;i era e::;:d mi I.M U i i in ,I . u orientador ou mesmo a disciplina. Repare-se que mesmo que se passe" i n uno LI trabalharnuma tese de BfeiatQiq pega para depoisse veri-icat que se prefere uma tese ;m histria contempornea, isso nofoi de modo nenhum tempo perdido: pelo menos aprendeu-c a formar uma bibliografia preliminar, como pr umtexto em ficha, comoelaborar umsumrio. Recorde-se o que dissemos no pargrafo 1.?.:uma lese serve sobretudo para aprender a coordenar as ide ias, independente mente do seu tema.

    Escolhendo assim a tese por alturasdo fim do segundo ano, ic"m--se trs veres para dedicar investigao e, na medida do possvel,a viagens de estudo: podem escolher-se os programas de exames

    perspeeilvando-os para a tese. claro que se se fizer uma tese depsicologia experimental, difcil perspectivar nesse sentido umexumede literatura latina: mascommuitas outras matrias decaracter filosfico e sociolgico pode chegar-se a acordo com o docente

    sobre alguns textos, talvez em substituio dos obrigatrios, quefaam inserir a matria doexameno mbito do nosso interesse dominante. Quando isto possvel sem especiosa violeutuo ou truqueFpueris,um docente inteligente prefere sempre que um estudante prepare umexame motivado e orientado, e no umexame ao acaso,forcado, preparado sem paixo, s para ultrapassar um escolho queno se pivic eliminar.

    Escolher a tese no fim do segundo ano significa ter tempo atOutubro do quarto ano para a licenciatura dentro dos limites ideais,com dois anos completos disposio.

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    Nada impede que se escolha a tese antes disso. Nada impede queisso acontea depois, se se aceitar a idia dc entrar j no perodoposterior ao curso. Tudo desaconselha a escolha-Ia demasiado tarde.

    At porque uma boa tese deve ser discutida passo a passo como orientador, na medida do possvel. E isto no tanto para mitificar o docente, mas porque escrever uma tese como escrever umlivro, um C K C T C C O de comunicao que pressupe a existnciade um publico e o orientador a nica amostra de pblico competente de que (.1 estudante dispe no decurso do seu trabalho. Umatese feili a ltima horaobriga o orientador a percorrei' rapidamenteos diversos captulos ou mesmo o trabalho j feito. Se for este ocaso, c se o orientador no ficar satisfeito com o resultado, atacaro candidato perante o jri, com resultados desagradveis, mesmo

    para si prprio, que nunca deveria apresentar-se com umatesequeo lhe agrade: uma derrota tambm para ele. Se pensar que oeandidato no consegue engrenar no trabalho, deve dizer-IS10 antes.aconselhando-Li a fazer uma outra tese ou a esperar um pouco mais.Se depois o candidato, no obstante estes conselhos, insistir em queo orientador no tem ra/o ou que para ele o factor tempo fundamental, enfrentar igualmente o risco de uma discusso tempestuosa, mas ao menos f-lo- mm plena conscincia da situao.

    De todas estas obsenaes st deduz que a tese de seis meses,embora se admita como mal menor, no representa o ideal (a menosque. como se disse, o tema escolhido nos ltimos seis meses permita aproveitar experincias efeetuadas nos anos anteriores).

    Todavia, pode haver casos dc necessidade em que seja preciso resolver tudo emseismeses.Trata-se ento dc encontrarum lema que possaser abordado de modo digno e srio naquele perodo de tempo. Naogostaria que todaesta exposio fossetomada num sentido demasiadocomercial^. como se estivssemos a vender leses dc seis meses v

    teses de trs anos, a preos diversos e para iodos os tipos dc cliente.Mas a verdade que pode havertambm uma boatesedeseismeses.

    Os requisitos da tese de seis meses so os seguintes:

    1) o tema deve ser circunscrito;2) o lema deve ser tanto quanto possvel contemporneo, para

    no ler dc se procurar uma bibliografia que remonte aos gregos: ou ento deve ser um tema marginal, sobre o qual setenha escrito muito pouco:

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    3} Os documentos de todos K; tipos devem encontrar-se. disponveis numLI rea restrita e poderem ser fcil mente consultados.

    Vamos dar alguns exemplos. Se escolher como tema A igreja deSanta Maria do Castelo de Alexandria, posso esperar encontrar tudoo que me sirva para reconstituir a sua histr ia e as vicis situdes dos sen*restamos na biblioteca municipal de Alexandria e nos arquivos dacidade. Di go po sso esperar porque estou a formular uma hiptese-cme colo co nas condi es de um estudante que procura uma tese de seismeses, Mas terei de infonnar-me sobre isso antes de arrancar com oprojecto, para verificar se a minha hip tese vli da. Al m disso, tereide ser um estudante que reside na provncia de Alexandra: se residoem Caltanissclla. tive uma pssima idia. Alm disso, existe um mas.

    Sc alguns documentos fossem aces svei s, mas se se ata ss em de manuscritos medievais jamais publicados, teria de saber alguma coisa de paleo-grafia, ou seja, de dominar uma tcnica de leitura e decifrao de manuscritos. E eis que este tema, que parecia to fcil, se torna difcil.Se, pelo contrri o, verif ico que est tudo publicado, pelo menos desdeo sculo XTX paia c, movimento-me em terreno seguro.

    .Outro exemplo. Raffacfe La Capria um escritor contemporneo que s escreveu trs roniance.s c um livro de ensaios. Foram todos publicados pelo mesmo editor, Bompi an i. Imaginemos uma tesecom o ttulo A sorte de Rajfaelle JI Capria na crtica italiana contempornea. Como de uma maneira geral os editores tm nos seusarquivos os recortes de imprensa de todos os-ensaios crticos e artigos publicados sobre os seus autores, com uma srie de visitas sede da editora em Milo posso es pesar por em fichas a quase totalidade dos textos que me interessam. Alm disso, o autor es L vivoe posso escrever-lhe ou ir ent revi st -lo , colhendo outras indi ca esbibli ogrfi cas e, quase de certeza, fot ocpi as de textos que me inte

    ressam. Natural mente, um dado ensaio cr tic o reme ter- me- paraoutros autores a que 1 .a Capria comptirado ou contraposto . O campoalarga-se um pouco, mas de um modo razovel. E, depois, se escolhi La Capria porque j tenho algum interesse pela literatura italiana contempornea, de outro modo a deciso teria sido tomadacinicamente, a frio. e ao mesmo tempo imprudentemente.

    Outra tese de seis meses: A interpretao da Segunda Guerra Mundial nos manuais de Histria para as escolas secundrias doltimo qinqnio, talvez um pouco complicado detectar todosos manuais de Histri a em. circula o, mas as editoras escoltues no

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    so tantas como isso. Uma vez na posse dos textos ou das suas fotocpias, v-se que estes assuntos ocupam poucas pginas e o trabalhode compara o pode ser feito, e bem, em pouco tempo. Evidentemente,no se pode avaliar a forma como um manual fala da Segunda GuerraMundial sc no compararmos este tratamento espec fico com o quadrohistrico geral que esse manual oferece: e. portanto, tetn de rabalhar--se um pouco em profundidade. Tambm no se pode comear semler admitido como parmetro uma meia dzia de histrias acreditadas da Segunda Guerra Mund ial . E claro que se eli min ss emo s todasestas fortttas de controlo critico, a tese poderit fazer-se no em seismeses mas numa semana, e ento, no seria uma tese de licenciatura,mas um artigo de jornal, talvez arguto e brilhante, mas incapaz dedocumentar a capacidade de invest iga o do candidato.

    Se se quiser fazer a tese de seis meses, mas trabalhando nelauma hora por dia, ent o intil continuar a falar. Voltemos aos conselhos dados tio pargrafo 1.2: copiem uma tese qualquer e pronto.

    U.S. necessrio saber lnguas estrangeiras?

    Este pargrafo no se dirige queles que preparam uma lese numalngua ou literatura estrangeira. , de facto, desejvel que estesconheam a lngua sobre a qual vo apresentar, a tese. Ou melhor,seria desejvel que. se se apresentasse uma tese sobre um autor francs,'esta fosse escrita em francs. o que se fa7. em muitas universidades estrangeiras, e justo.

    Mas ponhamos o problema daqueles que fa^em uma tese em filosofia, em sociologia, em jurisprudncia, em cincias polticas, emhistria ou em cincias naturais. Suj^ge sempre a necessidade de lerum livro escrito numa lngua estrangeira mesmo se. a tese for sobre

    histria italiana, seja ela sobre Dante ou sobre o Renascimento, dadoque ilustres especialis tas de Dante e do Re nasci menco escreveramem ingls ou alemo.

    Habitualmente, nestes casos aproveita-se a oportunidade da tese paraComear a ler numa lngut que no se conhece. Motivados pelo temae:c'orn um pequeno esforo, comea-se a compreender qualquer coisa.Muitas vezes uma lngua aprende-se assim. Geralmente depois no seconsegue fal-l a, mas pode-se l-la, melhor que nada.

    Se sobre nm dado tema existe s um livro em a lem o e no se sabeesta lngua, pode resolver-se o problema pedindo a algum para ler Os

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    cap tulo s considerados mais importantes; haver o pudor de no ba sardemasiado o abalho naquele livra mas, pelo menos, poder-se- legi-Eimamente Integr-lo na bibliografia, uma vez que foi consultado.

    Mas todos estes prablemas so secundrios. O problema principal o seguinte: precisa de escolher uma tese que no implique oconliecimento de lnguas que no sei ou que no estou disposto aaprender E por vc/es escolhemos uma tese sem saber os riscos queiremos correr. Entretanto, analisemos alguns casos imprescindveis:

    1) No se pode fazer tuna tese sobre \nn autor estrangeiro seeste autor no for lido no original. A coisa parece evidente se se tra-lar de um poeta, mas muitos pensam que para uma tese sobre Kant.sobre Freud ou sobre Adam Smith esta precauo no necessria.

    Pelo cont rri o, -o por duas raz es; antes dc mais, nem sempre estotraduzidas todas as obras daquele autor e, por vez.es, a. ignornciadc um texto menor pode comprometer a compreenso do seu pensamento ou da sua formao intelectual; em segundo lugar, dado umautor, a maior parte da literatura sobre ele est geraltnetite na lngua em que escreveu, e.se o autor est traduzido, nem sempre oest o os seus in trpretes ; l malmente, nem sempre as tradu es reproduzem fielmente o pensamento do autor, enquanto fazer uma tesesignif ica justamente redeseobrir o seu pensamento orig ina l precisamente onde o falsearam as tradues ou divulgaes de vrios gneros: fazer uma tese significa ir alm das frmulas difundidas pelosmanuais escolares, do tipo Foscolo clssico e Leopardi romntico ou Plat o idealista e Aris ttel es realista^ ou, ainda, Pas cal pelo corao e Descartes pela razo**.

    2) No se pode fazer uma tese sobre um tema se as obras maisimportantes sobre ele esto escritas numa lngua que no conhe

    cemos. TJm estudante que soubesse optimamente o alemo e nosoubesse francs, no poderia na prtica fuzer uma tese sobreNietzsche. que, no ent;into, escreveu em alemo; c islo porque de hdez anos para c algumas das mais importantes anlises de Niely.seheforam escritas em trances. O mesmo se pode dizer para Freud: seriadifcil reler o mestre vienense sem (cr em conta o que nele leramos revisio nista s americanos e os estrutura listas franceses.

    31 No se pode fazer uma tese sobre um autor ou sobre um temalendo apenas as obras escritas nas lnguas que conhecemos. Quem

    nos diz que a obra decisiva no est escrita na nica lngua que noconhecemos? certo que esta ordem de consideraes pode conduzir neurose, e necessrio proceder com bom senso, H regras de

    ouestidade cientfica segundo as quais lcito, se sobre um autorngls t iver sido escrito algo em jap on s , observar que se conhece, axistncia desse estudo mas que no se pode l-lo. Esta licena degnorai> abarca geralmente as lnguas no ocidentais e as lnguas

    eslavas, de modo que h estudos extremameufe srios sobre Marxque admitem no ter tido conhecimento das obras em russo. Masnestes casos o estudioso srio pode sempre saber (e mostrar saber)o que disseram em sntese aquelas obras, dado que se podem encontrar reecnses ou extractos com resumos. Geralmente as revistas cientficas soviticas, blgaras, checas, eslovacas, israelitas, etc. fornecem

    em rodap resumos dos artigos em ingls ou francs. Mas se se trabalhar sobre um autor francs, pode ser lcito no saber russo, mas indisp ensvel ler pelo menos ingl s para contornar o obst culo.

    Assim, antes de estabelecer o tema de uma tese, necessrio tera prudncia de dar uma vista de olhos pela bibliografia existente pariter. a certeza de que no h dificuldades lingsticas significativas,

    Certos casos so a priori evidentes. impossvel apresentar umatese cm filologia grega sem saber alemo, dado que nesta lnguaexistem muitos estudos importantes na matria.

    Em qualquer caso, a tese serve para obter umas noes lermi-nolgtcas gerais sobre todas as lnguas ocidentais, uma vez que.mesmo que no se lei a russo, neces sr io estar pelo menos em condies de reconhecer os caracteres cirlicos e perceber se um livrocitado trata de arte ou de eihcia. Ler o cirlico aprende-se num seroe basta confrontar alguns ttulos para compreender que iskussfvo significa arte e nauha significa cincia. preciso uao nos deixarmosaterrorizar: a tese deve ser entendida como uma ocasio nica parafazermos um exerccio que nos servir pela vida fora.

    Todas estas obs erva es no t m em conta o facto de que a melhorcoisa a fazer, se se quiser abordar uma bibliogra fia estrangeira, irpassar algum tempo no pas em questo: mas isto uma soluocar. e aqui procuramos dar conselhos que sirvam tambm para osestudantes que no tm estas possibilidades.

    Mas admitamos uma ltima hiptese, a mais conciliadora,.Suponhamos, que i um estudante que se interessa pelo problemada percepo visual aplicada temtica das artes. Este estudanteno sabe lnguas estrangeiras e no tem tempo para as aprender

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  • 8/3/2019 Umberto_Eco_como Se Faz Uma Tese

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    lou Icm bloqueio- psicolgica^ i-.: pc>>oa< cuc qy-criCLmi o nreconuma semana e outras que em dcs. anos no conseguem falar razoavelmente o francs), Alm disso, tem de apresentar, por molhoseconmicos, uma tese em seis meses. Todavia, est sinceramenteinteressado no seu lema, quer terminar a universidade para Iraba-lhar, mas depois leneiona retomar o tema escolhido e aprofund-locom mais. calma. Temos lambem de pensar nele.

    Bom, este estudante pode encarar um tema do tipo Os pioblemasda. percepo visual nas suas relaes com s artes figurativas emalguns autores contemporneos. Sem oportuno traar, antes de mais,um quadro da problemtica psicolgica no tema, e sobre isto existeuma srie de obras traduzidas em italiano, desde o Occhio e cervellode Gregory at aos textos muiores da psicologia- tia forma e da psi

    cologi a transaccioual. Etti seguida, pode focar-se a t emti ca de trsautores, digamo