Heidegger e a Teologia - John D Caputo

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  • 8/15/2019 Heidegger e a Teologia - John D Caputo

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    HEIDEGGER E A TEOLOGIA

     p o r Joh n   D.  Capu to

    Tradu~ao  de   J .   C.

     Mar~alo   pensamento   d e   Heid    . , ..   _    .   .   egger    esteve   d e   InlCIO pr of undamente

    ligad o   aos   pi o blemas   r eliglOsos e   teol6oicos   Rece t   t t'   d . .   . b .   n emen   e, a par Ir    as

     pesq Ulsas ~   InvestIg~90es   hi~t6ricas   de Hugo   Ott, a pr endemos os  d etalhes

    da ed uca9ao e cna9ao   InJc~alsde Heid egger   na Igr e ja Cat6lica.   Heid egger 

    nasceu nas fazendas catolicas   e conser vador as   d o sui,   na Alemanha

    Central, e   seu pai er a   urn sacr istao   da   Igr e ja   d e St.   Martin q ue   ficava a

    uns   cInq iienta   metros   d o outr o   lado   d e   urn belo e p equeno   patio da   casa

    de   Heidegger .   A   sua   familia er a   inabalavelmente f iel   a   igreja na

    controver sia   que seguiu ao pr  imeir o Concf lio   Vaticano   q uand o   os

    cat61icos "liberais"   r e jeitaram   a   proclama9ao   d a   infalibilid ade papal.   0

     jovem Heid egger ,   brilhante e pio,   foi marcad o   d e inf cio   pelo   sacerd 6cio

    cat6lico. Atraves   d e uma ser ie de   bolsas   d e   estud o   fundada pela igr e ja,

    inclusive uma   direcionad a aos   estud antes   que procuravam f azer 

    d outorad o em Tomas de   Aquino,   0 pobr e   mas talentoso jovem ascend eu

    dessas   lavoUl-as   rurais par a a   eminencia   de uma car  r eir a em uma

    universid ad e   alema.   Hugo   Ott   desco briu que   as   primeiras publica90es   d e

    Heidegger apareceram   em 1910-12   no   Der    Ak ad emiker, uma   r evista

    cat61ica   ultr a-conservad ora que   seguia a   linha   d o   Pa pa   Pio   X.   L a .,   numa

    ser ie   d e criticas   literarias,   0 jovem   Heid egger , aind a   no   inf cio   de   seus

    vinte anos,   falou   contr a   0   per igo   d o "Modernismo"   para   a   sabed or ia

    eter na da tr ad i9ao cat6lica. Heid egger    cita   com aprova9ao   0   dito do

    "grand e (Josef Von)   Garr es" :   "Cave pr of undamente   e   voce   vai   se

    descobr ir   em   solo cat6Iico".

    For 9ad o   a interr omper    seus estud os   par a   0   sacerd 6cio cat6lico

     por razoes   de   saud e,   Heid egger voltou-se primeir amente par a a

    matematica   e para as ciencias   naturais e entao   par a a f ilosofia, onde   er a

    a ber tamente identif icad o   com   a   conf issao cat6lica. Sua   pr imeir a   posi9ao

    de ensino foi   como   su bstituto tem porario   na Cad eir a   d e Filosofia Cat61ica

    em Frei bur g   e seu primeir o ser io   d esa pontamento   pr ofissional   foi

    d esvi ncular -se   d o car go permanente   desta cad eira   em 1916.

    Os   pr imeir os   inter esses f ilos6ficos   e teol6gicos   d e Heidegger 

    naqueles   dias estavam   centrad os   numa   nova   e pr omissora apr o pria9ao d a

    f ilosof ia escolastica   med ieval   a   luz   de   suas   pesquisas nos   fundamentos d a

    mod ern a   16gica   e na   r efuta9ao   de Husser !   ao   psicologismo.   Como

    f il6sofo,   Heidegger r e jeitava   0   psicologismo - a   tentativa   d e encontr ar 

    16gica e matematica   na composi9ao   psicol6gica   d a   mente   humana -   como

    Per s pectiva Filos6fica -   V ol.   II   - n° 26 -  julho-d ezembr o/2006    111

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     H eid egger    e  a T eologia por John D. Caputo

    uma for  ma de em~irismo e   r elat~vismo,   mesmo   q uand o   e le er a

    teologlcamente   contr ano ao   modermsmo como   f orma de relativismo

    hist6r ico   que ameaqava   minar a   eterna verd ade teol6gica. Heidegger    viu

    uma continuid ad e entr e as   "investigaq6es   16gicas"   d e Husser !,   q ue

    coJocavam   a   l6gica e a   matemiitica   no   fund amento da   pura

    fenomenologia,   e   a   tr ad iqao escotista   da   "gramatica especulativa"   no

    f inal d a Idad  e   Media.   De acor  d o com esta   tr adiq ao,   q ue era

     prof und a   mente anti-r elativista e anti-psicologista, as for  mas   da gramiitica

    e   d a   Jinguagem   (modus significandi)   sao   funq6es   d e   ur n ref lexo   pur o,

    formas   univer sais de pensamento   (modus   int elligend i) ,   q ue sao   r eflex6es,

    elas   mesmas,   d o ser mesmo   (modus   essend i).

    Mas Heid egger tambem   viu um   outr o   lad o   na   tr adiqao   medieval, pod emos d izer 0 Jad o "vivo" em   oposiqao ao   lad o   l6gico e   logocentr ico,

    q ue e   encontr ad o   na   vid a   religiosa que animava 0   que ele chamou,

    seguindo Dilthey, a "ex periencia   d e vid a"   medieval   ( Lebenserfahr ung).

     N6s   devemos   en tender - Heidegger insistia no p6s-escrito   d e sua

    dissertaqao   d e   ha bilitaqao   - que   a   abstr aqao e   dificuldad e   d as teorias   d os

    fil6sofos e te610gos   medievais   procediam de uma   concr eta ex periencia de

    vid a,   que tais   teorias   davam uma   ex pressao conceituaJ par a   a   "relaqao   d a

    alma com   Deus" como   a que   e   experienciad a   na vid a   medieval.   Par a

    ganhar aces so aquela dimensao da tradiq ao   medieval,   Heidegger diz   que

    devemos   escutar   a  teologia moral   e 0 misticismo medieval,   em particular 

    a do Mestre Eck hart.   Portanto,   e a   noqao   mfstica de que   a alma   pertence

    completamente a Deus,   que   e   constitufd a   por um   tipo   d e   transcend encia

     para Deus,   que vemos   enormemente   escrita   na   correspond encia   da noqao

    metaff sico-conceitual d e   que   0 intelecto tem uma harmonia   inter na com   e

     pertencente(convenient ia)   ao   ser .   Esta noqao   q ue pens a   0 " per tencer "

    (gehOrt )   ao ser e uma noqao   que   Heidegger ira   sempr e   manter ,   d e   umaforma   ou d e outr a,   como   parte   d e suas   pr 6 pr ias vis6es posterior es.

    Ao   invocar    0   significad o vivo   do misticismo   med ieval

    Heide~ger faz   sua primeira tentativa de uma "destruiqao"   d a tradiqao   ~

    que nao quer dlzer mveJar   ou destruir mas antes   r omper    a su perf f cie

    conceltual da tr adlqao   metaff sica   par a   r estaurar    ou   reaver suas   r afzes

    vivas e experiencias   vivificantes. Este e um gesto   que  Heidegger   r e petiria

    sempre e   sempre   em   sua vid a,   tanto   que a f amosa   "des(cons)tr uqao" da

    metaff sica   ou   a "hist6ria da ontologia"   em   S er   e   T empo   deve sempre ser 

    entend ld a como f und amental   mente   " positiva" e nao negativa.

    Em 1919,   aos   trintaanosd e'ld d '- d .,.,   a e,   na ocaSlao   0 batlsmo   d e seu

    Primelr o   fIlho,   Heldegger r ompeu com   a "e' cato'"   E d .   l'   Ica. screven   0   para

    Engelbert Krebs, 0  Jovem   padr e   que   havia casad o   Martin e   Elfrid e   em1917 e q ue tena felto 0 batlsmo,   Heid egger   disse:

    Insights   epistemol6gicos,   estendid os   tanto quanto   a   teoria doconhecimento   hist6r ico,   f izer am   0   sistema   do catolicismo pr oblematico e  inaceitavel para mim - mas nao a  cristandade e a

    metaffsica (  a ultima,  e   claro, entend ida em novo sentido").(Carta

    extraf da d e Heid egger and Aquinas d e John D,

     Caputo)

    Esta e a primeira   "virada"   no pensamento   d e   Heidegger e sua

    importancia   nao pode ser   bastante enfatizada.   Da vir ada do catolicismo

     par a 0   pr otestantismo,   os   interesses filosOficos   d o jovem pensad or 

    mudaram d as   quest6es   d e   16gica para as de hist6ria, da   pur a

    fenomenologia (husser!iana)   par a 0 que ele chamou d e   "her meneutica   d a,

    facticidad e" (i.e.,   a  v id a concreta) e d a   teologia dogmiitica para a teologia

    d o   No vo Testamento. Ele centrou   sua atenqao nao par a te610gos

    escolasticos como Aquino, Scottus e   Suar ez   mas   par a Pascal, Lutero e

    Kierk egaard que   0 levar am d e volta a Agostinho e Paulo.   Entre 1919   e

    1922,   Heid egger    -   que se   id entif icou   em 1912 par a Kar !   Lowith   como

    ur n te610go   cristao -   empreend eu u rn in tensivo estud o   d a "experiencia

    factual de   vid a"   das comunid ades   d o Novo Testamento (em par ticular    a

    exper iencia   d eles   d e   tempo)   n um esf or qo par a   r estaur ar    a autentica

    ex periencia cr ista.   0mod elo   d e Heid egger    em   seu pr o jeto foi a  cr f tica de

    Luter o a Ar  ist6teles e a escolastica aristotelica   med ieval.   Lutero, como

    f oi   a pontado recentemente por    urn histor iador , usava ate mesmo a

    ex pressao   "d estruiqao"   para descrever seu pro jeto de restaur ar    uma

    autentica cristand ade escr itural   sobre 0 alicerce conceitual   da teologia

    med ieval.   Nao e exager o   dizer   que a tentativa   de Heid egger de formular 

    uma   "hermeneutica d a facticidad e" ou 0 que   n6s podemos chamar   em   Ser 

    e T empo   d e   uma "analf tica existencial",   q ue marcaria os  traqos   distintivos

    da   "vida factual" - do Dasein - foi   ins pirada pela   crftica   de Lutero a

    teologia   metaf fsica medieval e na   crftica de Kierkegaard da cristandad e

    es peculativa   hegeliana.   0   r egistro dessas investigaq 6es esta agora

    dis ponf vel   e aumentam com a dis ponibilid ad e   no   Gesamt ausgabe   das

     palestr as   iniciais em Freiburg.   0   mais   interessante desses ~ursos-

     palestr as, cu ja publicaqao ter n   sido prometid a   para urn futuro pr oximo,

    sao   as   palestras   de Heid egger sobre   Santo   Agostinho,   nas   quais

    1] 2   Perspeetiva Filosofica -   V ol.   [J -   n°  26 -   julho-d e zembro /2006    Per s pect iva   F iloso f ica   - Vol.   [J -   n°  26  -  ju lho-dezembr o/2006 ] 13

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     H eid egger e a T  eologia   por John D. Caputo

    Heidegger tenta   r estaurar a exper iencia crista do tempo   q ue esta

    escondid a   sobre as   su perestr utur as   d a   metaf f sica neo platanica   nos

    escr itos   d e Agostinho.

    o   pr ot6tipo   mais   pr6ximo   da   "destruir ;ao da   hist6ria daontologia" em   S er   e Tempo,   e que   mais   tarde foi   chamada de  "superar ;ao

    d a   metaf f sica", foi   essencialmente este   pr o jeto de 1919 em q ue Heidegger 

     pro pas-se restaur ar    as categor ias or  iginais   d a vid a   factual   cr ista. Ao

    mesmo   tempo,   Heid egger tambem   empr eend eu urn projeto   par alelo

    voltad o   para Ar ist6teles.   Ao contr ario   de Luter o, 0 jovem   f il6sofo nao

    estava   pr e parad o   par a admitir que   Deus   havia enviado Arist6teles   par a   0

    mund o " como   uma   pr aga   so br e   n6s devid o aos nossos   pecados". Ao

    contr ario, Heidegger    pr ocur ou r omper    0 sistema   d e   Arist6teles d os

    conceitos   metaf f sicos,   q ue foi   0   lad o   d e Arist6teles   que   a   teologia

    medieval havia se   a pr o pr iad o,   para d esco brir    suas   fontes   na   "vid a

    factual".   Arist6teles   possufa uma enorme sensibilid ade fenomenol6gica

    no   mund o antigo,   Heidegger pensou, e a tarefa   d a   interpr etar;ao   de

    Arist6teles que ele tinha elaborad o   para restaurar as ex periencias   d a vida

    -   as estruturas factuais da existencia grega e aristotelica   -   tomaram   a

    forma conceitual da fi losofia aristotelica. A interpretar ;ao de Heidegger 

    sobre Arist6teles   naquele tempo foi tao rica   e inovad or a   que ins pir ou uma

    gerar;ao de estudiosos aristotelicos   e f oi dir etamente res ponsavel pela

    indicar;ao que Heid egger recebeu de   Mar  burgo onde   ele comer;ou   a

    ensinar em 1923 em estrita cola bor ar;ao com   0 gr and e te610go protestante

    d o  Novo   Testamento   Rud olph Bultmann.

    o   tr a balho   que eventual mente Jevou   ao aparecimento   de   Ser   eT empo   -   tra balho inteiramente ligad o   a questoes teo16gicas   -   consistia de

    uma   dupla   r estaur ar ;ao:   Arist6teles de ur n l ad  o   e   a vid a   no   Novo

    Testamento   d o outr o.   Parece-me q ue   Heid egger pensou que essas   duas

    tarefas er am uma s6,   que 0   r esgate   d esconstrutivo   d as categorias   da vid a

    factual   alcanr;ariam   os   mesmos resultados se fossem uma   questao d e

    restaur ar os gregos ou   a vid a cr ista   inicial,   se   lessemos a Etica   a

     Nicamaco   d e Arist6teles ou   0   Novo   Testamento. Par a as   categorias da

    vid a   factual   -   as categorias   d e cuidad o e existencia,   preocupar ;ao e

    instrumentalid ade,   tempor alidad e e   histor icid ad e - saG 0   que sao,   ond e

    quer    que elas sejam d esco bertas. Este e   urn   tipo   peculiar d e a-

    histor icismo em   Heidegger    neste ponto,   da mesma f orma como seu   a pego

    a fenomenologia como ciencia   universal e para 0 ideal   de Husser ! d as

    estrutur as   univer sais   d a vid a-mund o q ue   seriam os   mesmos,   nao

    impor tand o ond e eles se r ealizassem.   A   r ealizar;ao de   Ser   e   T empo -   d e

    f ato   uma r ealizar ;ao   tanto   dos   husserlianos q uanta   d os   neo-kantianos - foi

    "formalizar "   essas estr utur as factuais,   d and o-lhes   uma conceitualizar ;ao

    f or mal-ontol6gica   que poder ia ser    ontologicamente   neutr a   par a sua

    instantaneldad e concreta.   Isto e 0   que jaz   pOI' tras   da famosa distinr ;ao

    entre existenclal,e eXlstenciario, ou 0 "ontoI6gico" e "antico",   que   SaGtao

    centrais   na analItlca eXlstenci~\.   0objetivo   de Heidegger f oi colocar   as

    estr uturas   a priOri   d a   Vida eXlstencial,   da existencia do Dasein,   sem ver 

    se tais estr utur as   er am de   fato   atual   -   isto e,   como uma materia

    existenciar ia - gr ega ou  crista.

    A   r ealizar;ao   d e   Ser   e   Tempo   f oi manter   a   analftica existencial

    livr e   d e   urn   "ideal   existenciar io", concr eto,   de urn modo factual de ser -

    como a vid a grega ou   cr ista.   Nao   ha   neste ponto nenhuma sugestao nos

    escr itos   d e   Heid egger d e   que a existencia grega   foi mais   ou menos

    " primor dial"   d o   que   a   existencia   crista.   Ao contnlrio, ambas

    representavam   "id eais existenciarios"   d a   qual   a   analftica   existencial prescind e,   d a   qual   a analf tica existencial repr  esentava a f ormalizar;ao

    ontol6gica.Pr ecisamente   pOI'   S er    e   T empo   ter    em parte   lanr ;ado uma

    tentativa   de formalizar    as estr uturas   d a   f acticid ad e   d a vid a crista   que este

    f oi   saud ad o   com   grande entusiasmo   pelos   te610gos pr otestantes como

    Bultmann (com quem em parte   havia   trabalhad o).   Quando os te610gos

    cristaos olharam dentr o   das paginas de   S er e T empo,   eles descobriram-se

    a si mesmos encar ando sua pr 6 pria imagem - f or malizada, ontologizada,

    ou   como Bultmann diz,   desmitologizada.   0 que   Ser   e   T em po   havia

    desco berto,   diz Bultmann,   f oi a   estrutur a   de uma existencia religiosa e

    cr ista,   mas sem a visao de mund  o antico-mftica que era uma

    caracterfstica idiossincratica   d as cosmologias do primeiro seculo. A

    tarefa de desmitologizar a cristandade,   para Bultmann, surgiu para isolar 

    a estrutur a   univer sal-existencial da existencia religiosa em gera\.   A

    desmitologizar ;ao classifica   as   estruturas   existenciais como   cuid ad o,decisao,   tempor alid ad e   e   autencidad e em f ace   da morte d  e   mltoS

    cosmol6gicos   como   urn   ceu   "acima",   urn inferno "a baixo" e a terr a entre

    eles,   mitos so br e os   mensageir os celestiais   que gr assavam   entr e essas

    regioes.   Do   pr 6 pr io   Jesus "hist6r ico" e so bre   quem   ele   n~ .verd ade

     pensava que n6s   nao sa bf amos   nad a.   Das   comumd ad es   hlstoncas   q~e

    foram f  ormadas logo a p6s sua   morte e   que   d er am um~   f ormu~ar ;ao

    mitol6gica as suas   mem6r ias coletivas   d e Jesus e q ue contem   a essenCla

    da   mensaaem   cr ista,   a verdade salvador a.   A taref a   d a teologla, ar mad a

    agor a co;   a analftica existencial de Heidegger ,   e desmitologizar    e

    desconstruir os Evangelhos cananicos para   r estaurar seu   kerygma ,.   a

    mensagem   crista   d a vid a-existencial, a conversao existencial   (met anola)

    d e   transf or mar    autenticamente em   face   d e   nossa   f initude e culpa,   uma

    tar ef a   que encar a cad a ser humano.

    Per s pe;tiva Filosofica--   Vo L II - n°  26 - julho-d ezembr o/2006 114 Pers pectiva   F ilosofica   -   Vol.   II -   n° 26 -   julho-d ezembr o/2006 

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     Heidegger e a Teologia por   J ohn   D.   Caputo

    "Quand o   BUltman~   "aplicou"   Ser   e   Tempo   a   teologia crista,   ele

    estava   des-formahzando a analftica existencial e   articuland o-a em

    termos   de uma historicidad e   especffica, urn ideal existenciario,   nominal

    uma cf lstand ad e   h~st6rica:   A   r azao desta desformalizac;ao f  uncionar ta~

     bem fO! qu~ a anahtlca eXlstenclal emer giu em primeira instancia   d e   uma

    f ormahzac;ao da vIda factual   crista.   Bultmann estava   revertend o

    enormemente   0 processo que levou ao aparecimento   d e   Ser e T empo.

    Acr edlto   que   0 mesmo pode   ser dito   de Paul   Tillich   _   tambem um coleoa

    de Heidegger em Marburgo   - para quem a atrac;ao teol6gica inicial   lev~u

    aos temas em Ser e Tempo que er am original mente   d eduzidos de umaanalise   do  Novo  Testamento,

    Heidegger direciona   suas   opinioes na   relac;ao entre a ciencia

    fenomenol6gica universal   e a   teologia em suas   ultimas   palestras emMarburgo,   "Fenomenologia   e  teologia",   Filosofia,   como a ciencia d o   ser 

    mesmo,   difere "absolutamente"   d a   teologia,   que e uma ciencia "ontica"

    deA

    uma ,;egiao p~,rticular do ser ,   e nao do   ser   universal.   Teologia   e uma

    ClenCla poSltlva ,porque se relaclOna com   0 positivo,   entidade positiva

    (a posltum) ,   funclOnando mais como a qufmica do que a filosofia.   0

     posit um   da teologia crista e a "Iuz crfstica",   na qual Heidegger quer d izer 

    o mod o   factual de existir como urn crente   cr istao, de existir na hist6ria

    que e soerguida pela Cr uz,   pelo Crucificado,   pelo Cristo na cruz.   (Essas

    formulac;oes   refletem 0 interesse de Heidegger - no infcio de seus vinte

    anos - pela teologia da cruz de Lutero).   A teologia e 0 tr a balho de trazer   0

    renascimento existencial que vem pela fe de maneira   conceitual.   A

    teologia e   uma ciencia da fe, do existir pleno de fe, do existir  

    hls~o.f1camente como cristao.   Isso nao torna a fe mais faci!,   porem mais

    dlflCJl, pois nao da   a   fe urn terreno racional mas mostra aquilo que a

    teologia nao pode fazer .A teologia e fundamentada pela fe e a fe nao precisa da filosofia,

    mas   a teologla, como   ciencia positiva, precisa, A   "cruz" e   0   " pecado"

     podem ser vlvldos apenas na fe, mas   eles s6 podem ser conceitualizados

    apenas c,om a aJuda da filosofia,   A fe e renascimento d  o pecad o,   mas   0

     pecado e uma, determmac;ao   ontico-existenciaria da  estr utura ontol6gica

    da culpa que e trabalhada ~m   S er    e   T empo.   0conceito cr istao de   pecado

    depende de uma elucld ac;ao   adequad a   do   conceito de cul pa   d    "   '_ t   d d   "( I"   , a precns   an a e onto OglCOuniversal). Esta  d e pendencia   nao '   bl

    d    "d d    -"   d    e  ur n pro   emae . e u~~o a   c~I~~, ~as ant~s ~e r ece ber   direc;ao e a juda   conceitual   _ 

    ou   amda   co-dlr ec;ao e   correrao   -   d a ontologl'a   0   't I"'A   .,. ,   •   concel   0 teo OglCO

    de   pecad o   emer ge d a ex penencla   d a f e mas alcanra   fi   'I' ' . ,.   orma   conceltua

    a pen~s_  com a aJud a   da, f ilosofia.   , Ninguem   nega,   acha   Heidegger , a

    0 poslc;ao   mor tal   entr e   f e e   fJlosof ia   d a visao paulina, De   f ato, e esta

    dis puta,   esta gr ande toliee   d e que   filosofia e fe pareee t t'. A."'" .   m es ar para a ou  ra,

    que se mantem   lor te.   Je e  a   mlmlga da fIlosof ia ex'   t '"   d ' ". ,   ,   ISenelana,   mas eve

    se aSSOCiarao  Inlmigo se q Uiser  assumlr sua for ma cone 't   I   I"el   ua teo oglea.

    I 16   Per s pectiva Filos6fica   - V ol.   II -   n"  26 -  julho-d e zembrol2006 

    "Fenomenologia   e Teologia"   foi 0 adeus de Heid egger    a   teologia

    cr ista como   questao de preocupac;ao   explf cita e pessoal.   A p6s retor nar   de

    Frei bur go como   sucessor d e   Husser! em 1928, seu pensamento deslizou

     para outra   mudanc;a fund amental,   uma   mudanc;a que uma vez mais estava

    ligad a a  uma   atitude teol6gica,   Estes foram os dias negros d a vid a   e d os

    trabalhos   d e  Heidegger .   Culminaram com seu infernal endossamento   ao Nacional Socialismo e   seus   ardorosos esforc;os para   nazifiear    a

    univer sidad e   alema. Ele tornou-se urn leitor entusiastico de   Nietzsche,

    enq uanto Kierk egaard ,   L utero e Ar ist6teles ficavam par a tras.

    Profundamente influenciad o   pelo bizarro trabalho de Ernst JUnger, seu

     pensamento tornou-se excessivamente voluntarioso e her6ico,

    encontrando-se muito distante do pr6prio   S er e T  empo.   Ele falava de urn

    niilismo   transgressor ,   com 0 qual ele queria assinalar os inoportunos

    efeitos da modernidade e das instituic;oes democraticas moderno-liberal,

    tod as vistas como uma sofisticac;ao burguesa e urn amor ao conforto que

    ele   identif icava simples mente com a   "teor ia do valor". Em oposic;ao a

    este "mori bundo semblante   d a cultura", Heidegger argumentava sobre 0

    amor ao perigo, a necessidade   d e ex por-se ao a bismo do ser, a aventurar -

    se   alem dos limites da superf f cie do ser  .   0   q ue por si s6 dari a a

    grandiosidade e forc;a ao "espfrito alemao" - toda a   noc;ao de "Dasein"   e

    das   estruturas   a priori   tinham sido agora estreitadas para urn modoalemao especffico de ser .   Tal d ureza de espfrito deveria manter afastado   0

    Ocidente da "fronteira et cetera"   do consumismo amer icano, por urn lad o,

    e   do comunismo russo, por outro. Tudo isso atingiu um cume filos6fico

     pr imeiro na   famosa "Carta   a   Reitoria"   de 1933 e entao no curso palestr a

    de   1935,   Uma IntrodUl;iio   a   M etaf£ sica.

    Este fatal desenvolvimento no pensamento de Heidegger esta

    intimamente ligado a uma   mudanc;a   d e   atitude teol6gica. Se ele havia

    comec;ado como urn   cat6lico   ultr a-conservador ,   e s e a p6s   1917 ele

    tornou-se profundamente envolvido num dialogo   com   a   teologia

    hist6rico-liber al pr  otestante,   ap6s   1 928 ele estava pr  ofund amente

    antagonizado com a   cr istand ad e em   ger al e c om   0   catolicismo d e

    Freiburgo em particular,   e   comec;ava   a   d ar as indicac;oes   de tornar-se

     pessoalmente   ateu. Sua conduta   pessoal   em   Freibur go   passou a   ser   d e

    hostilidade par a com a cr istand ade.   Ele nao aceitava   estud antes   jesuftas

    Perspe~tiv~Filos6  fic~=   Vol.  Ii':'~o26   = julho:dezembroI2006    117

  • 8/15/2019 Heidegger e a Teologia - John D Caputo

    5/9

     Heidegger e a Te%gia   por John   D. Caputo

    que vinharri   a Freiburgo como seus estud antes   de graduac,;ao, e ele   tratava

    outr os estud antes cat6licos - como Max   Muller    - extremamente   mal.

    Quand o suas   disser tac,;oes eram   a pr esentad as   - sobre   a dir ec,;aode  Martin

    Honeck er que presidia a   Cadeir a de   Filosof ia Cat6lica -   Heidegger 

    tr atava-os   com distancia e   ate mesmo com  d esd em. (De pois de   1945 ele

    af ir mou isso aos   seus estud antes).   Quando Honeck er faleceu

    ines perad amente em 1941,   Heidegger aboliu tal cad eir a,   a mesma   que   ele

    havia aspirad o ur n q uarto   d e seculo antes.

    Seu   trabalho filos6f ico,   sempre   "metod ologicamente"   ateu,

     perd e sua neutr alid ad e ontol6gica   e torna-se   hostil   a   cristandade.   Se ele

     pensou,   a   partir    d e   1928,   que   tanto a existencia   gr ega   q uanto a crista,

    tomadas   .em sua   concretude hist6rica,   exemplificavam   as estruturas

    universais   d a existencia   f actual,   sua posic,;aod urante   a decad a   d e trinta foi

    a de que   a cristand ade era   uma qued a   decadente   d a experiencia

     primord ial grega. Por   "grego"   ele   queria   dizer os   pr imeiros gregos,   e

    tomava Platao e Arist6teles para representar    0 comec,;odo esquecimento

    metaf fsico do ser .   A hostilidade que   havia invadido a descric,;ao de

    Heid egger da relac,;aoentre   0questionamento f ilos6fico e a fe crista, entre

    seu   atef smo   metod ol6gico e ainda   mais   0  atef smo agressivo, pode ser 

    visto c1ar amente no seguinte contr aste:   em 1922,   ele escreveu:

    co~sequencias de tal passo. Ele ira apenas estar apto a  agir  'comose .  (Uma [ntrodur ;aoa   Metaf isica)

     No f inal d o, texto,   Heid egger    ataca  urn tr a balho   intitulado 0   Que

    e   0 H omem?   do teologo CrIstao Theod or e   Haeck er , cu ja   leitur a   recente

    em Freibur go   havla sldo f erozmente   pr otestad a   pelos estud antes   nazistas.

    Se urn homem acredita nas proposir;6esd o dogma cat6lico, isso euma q uestao pessoal; n6s nao iremos d iscutir  isso aqui. Mas comon6s  pod emos   levar  a serio urn homem q ue escreve   "0 Que e   0

    Homem?" na ca pa d e seu livro embor a ele  nao inquir a,   pois eleesta relutante e inca paz d e inquirir?...POI'que eu falo de tais irrelevanciasem conexao com a exegese d odictum d e   Parmenid es? Por  si mesmo, este tipo d e gar atuja e semimportancia   e   insignif icante.   0 que nao e sem importancia e a

     paralisia   d e   tod a   paixao   pelo   questionamento que ter n   estad o

    conosco. (Ibid em)

    A questionabilidade nao e   r eligiosa,   mas   antes   pod e conduzir   a

    uma   situac,;ao d e   d ecisao r eligiosa.   Eu nao me com portor eligiosamente ao filosof ar , mesmo se  como fil6sofo eu possa ser ur n homem r eligioso. "Mas aqui esta a arte": filosofar e assim ser 

    genuinamente r eligioso,   isto   e,   tomar factualmente suamundanid ade,   a   tar efa   hist6r ica no f  ilosofar, em   ac,;aoe   num

    mund o em ac,;ao,nao na id eologia e f antasia r eligiosas.Filosof ia, em sua radical questiona bilid ad e auto-imposta, deve ser em princi pio a-teistica. (Gesamtausga be, Vol 61)

    Heidegger agora claramente mantem   que   ha   uma contr adic,;ao

    existencial   (se   nao   16gica) entr e   0 q uestionamento f ilos6fico rad ical   e a fe

    religiosa. 0 cr ente   nao   tem paixao - ou   a   honestidad e   -   par a entr ar no

    a bismo da q  uestionabilidade d  o   ser .   Na visao   que ele toma   nesta epoca,

    faz   tambem d a fe da cristandade uma for c,;a contr a-r evolucionaria do

     ponto   de   vista da   "renovac,;ao"   do Nacional Socialismo.   Ao f r onsti pf cio

    do   q uestionamento,   0  crente ira sem pr e colocar um t ipo   d e q ualid ade

    "como se"   fraudulenta. A d esonestid ad e do tr a balho   d e escritor es cr istaos

    nao   dever ia ser mencionad a   no   mesmo f6lego como a   grandiosidad e   d os

     pensad or es gregos como   Par menides.

    Ir onicamente,   e em   testemunho ao   pod er d o seu pensamentocomo oposto   a   limitac,;ao e per versidad e   d o   homem,   Heid egger estava

     para exercer uma enorme   inf luencia   na teologia crista precisamente

    d urante esta epoca. Vma   serie de luminares cat6licos ouviu   essas

     palestras   dur ante a decada d  e   trinta,   incluindo,   em adic,;ao a Muller ,

    Gustav Siewerth,   Johannes Lotz,   e, acima de todos, Kall   Rahner ,   todos

    aqueles q ue eram jesuitas   alemas.   Rahner desdobrou a pro blemati ca do

    questionamento em direc,;ao a o "Tomismo tr  anscendental" trazido

     primeiramente pelo jesuita   belga   Marechal.   Ele tomou esse

    q uestionamento,   bem   como a a bertur a   radical de pensar    0   ser ,

    re presentando   0 dinamismo ou momenta   d a   mente   para Deus.   Ele tratava

    a pr e-apreensao d o ser pelo entendimento   como uma   pre-compreensao   de

    Deus   d esde q ue Deus   seja   0  ser que e   interrogado em todos   os   nossOS

     pensamentos e ac,;oes. No   seu   segund o   trabalho principal,   H ear ers of t  he

    o   truque   e   manter-se na "questiona bilidad e" radical,   isto e,   aha bilid ade de tr azer   questoes radicais enquanto respondendo ao   a pelo da

    f e. 0   questionamento   filos6fico nao e e nao   pode torna-se fe  sem   cessar 

    d e ser q uestionamento,   mas   0 crente pode   a brac,;ar sua  fe aberta   e   livre   d a

    id eologia   d ogmiitica a penas sustentand o a vid a   do questionamento.   Mas

    em   U ma   lnt r odw;[io   a   M et afisica ,   lemos:

    Alguem para q uem a  Bf  blia e uma verd ad e e r evelac,;aod ivina tem

    a resposta par a a  per gunta "Por que ha ser es e nao  0 nad a" mesmoantes   d esta ser f eita...   Quem   a br ac,;atal   f e   pode   d e uma   forma

     partici par d a   r es posta   a   nossa questao mas   nao pode r ealmenteq uestionar   sem cessar d e ser um cr  ente e   tomar todas   as

    Perspectiva Filos6jica - Vol.   I I - n° 26 -  julho-de zemb ro /2 00 6 1 19118    Per s pectiva   F ilos6  jica - Vol.   II - n°  26 -  julho-de zembro/2006 

  • 8/15/2019 Heidegger e a Teologia - John D Caputo

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     H eicf egg! ,.   e   a   Teologia  por John D.  C aputo

    Word,   R ahner    apr o pr ia-se d a   tematica de   f alar e   ouvir ,   chamar e   ser 

    chamado,   que a s r eflexoes   d e   Heid egger t inh am   come

  • 8/15/2019 Heidegger e a Teologia - John D Caputo

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     Heidegger e a  T eologio- por J ohn D.  Caputo

    "vontad e" foi   tomada num   sensa ger  al   que   nao q uer dizer    a penas

    escolhend o e q uer endo em d eterminado sensa,   mas a pensamento

    conceito au   "representacional"   tod o, q ue vai para a essencia   d a   filosofia

    ocidental   e da tr  adic;ao   cientffica. Os acentos her oicos   d o   poder oso

    "contlito" entre   ser    e humanidad e -   a   polemos   de Heniclito   q ue

    Heid egger    gostava   d e   tr ad uzir    d ur ante   a metad e   da d ecada d e   tr inta   par 

    Kampf 2-   desa parecera. Em   vez de   vontade,   Heid egger f alava   de   "d eixar 

    ser", usand o   neste momenta a palavra   Gelassenheit    3,   uma   das   mais

    velhas   e venerad as partes   d o   voca bular io   d os   mfsticos   d o   Reno,   em

    especial d e Mestr e Eckhart.   Ser   nao e algo   que   0   pensamento   humano

     possa conce ber    ou   "a pod er ar-se"   (be-gr ei f en ,   con-caper e)   mas algo   q ue

    ao   pensamento   pod e ser a penas "garantid o". Os   pensamentos vem   ate

    nos; nos   nao os   pensamos   (Poesia ,   Linguagem ,   Pensamento).   Pensar eum d om   ou   uma gr ac;a,   um   evento que nos toma,   uma   dir ec;ao visitad a

     por nos.   A func;ao d o ser d o   homem nao e,  c ontudo, ex primir passividade

    mas coo per ar    com   e permanecer    "aberto"   para   0   advento   d o ser  .   0

    tr a balho   que   0 homem pod e fazer nao   e q uer er   mas   nao q uerer, preparar   a

    c1areir a   e abertura em que   0   ser possa vir .   Isso   nao e   quietismo,   mas

    ascetismo,   0 diff cil   trabalho d  e   uma   es pecie   de po br eza   de   espf r ito. Um

    debate comec;ou que continua ate agor a so bre   0 lugar d a   "ac;ao"  e etica   no

     pensamento   de Heidegger,   um   d e bate que repete a   disputa   na   literatur a

    c1assica   sobre   0   misticismo e a   ac;ao etica,   q ue por   si mesmo retor na a

    estoria bf  blica   d e   Maria e   Marta e a   dis puta   medieval   so br e os   mer itos

    r elativos da   vita act iva   e da   vita contem plativa.

    M ais uma vez,   uma mudanc;a f undamental no pensar de

    Heidegger    toma   lugar e de   novo com   declarad o tom r eligioso. 0

    estr idente antagonismo   d a cristand ad e d urante a guerr a -   ele   mesmo urn

     protestante e ar  d ente catolico   -   adquiriu um ar mf stico.   Com   sua ultima

    virad a,   Heid egger    estava, como ele   mesmo   disse,   r etornando para   seu

     princf  pio teologico. Ele foi,   nos d izemos,   muito interessad o   no

    misticismo   med ieval, tanto   que   na   juventud e   tinha pretendido escr ever 

    um livr o sa bre   Mestr e Eck hart.   Ele tambem havia anunciad o um curso   d e

     palestras sobre a   misticismo med ieval   par a 1919,   mas os prepar ativos

     para   0   curso foram aparentemente interr ompid os   pela   Primeir a   Guer r a

    Mundial   eo curso nunca f oi  dado.

    As relac;?es   d e Heidegger    no pas-guerra com os   teologos'

     protestantes   e catoiIcos reverteram-se   dramaticamente. Nos   julaamentos

    d e d esnazificac;ao que   ocorr eram log o a pos a guerr a,   um Heidegger 

     pressionad o (ele eventual mente sofreu um cola pso menor ) voltou-se

     pnmelr amente   par a a aJud a   d e seu   conselheir o e velho amigo Conrad 

    Gro ber ,   0 Ar ce blspo   d e Fr ei bur go, q  ue   havia angar iad o completo respeito

     par se  p oslClonar   contr a as   nazistas durante a  auerra   ( alga que Heid eaaer .   b   bO

    d if icilmente a pr ovana naqueles anos ).

    Todavia isso   nao   quer   dizer q ue a   pensamento   d e   Heid egger 

    houvesse   se voltad o   para a   f e   d e sua   juventude. A   dimensao   mfstica   d e

    seu pensamento e estritamente   uma   questao   estrutur al,   um   assunto   d e

    certa   pr o por cionalidade: a relac;ao   d e   " pensar "   par a "ser " e

    estrutur almente   d ada como   uma relac;ao d a alma   com Deus   no misticismo

    religioso. Pensar   direciona-se par a   0 ser ,   nao   par a   Deus.   Ser   nao e Deus

    ma s a evento   d a manifestac;ao,   a   acontecimento   d a verd ade do   ser ,   a

    vinda que passa   d a   historia d  as   manifestac;6es do ser par   e pocas -   dos primeir os g regos   a   vontade de poder .   Ser q uer   d izer muito mais do q ue

    aquilo   que   nos   podemos   d e q ualquer maneir a chamar historia,   mas   com

    duas   importantes   d iferenc;as:   (I)   histor ia e c ompr eendid a como   uma

    historia da ver d ade ou manifestac;ao das v ar ias formas   que   0   ser toma

     pelas er as (como   eidos   em  P latao, como espfr ito em Hegel,   como   vontad e

    d e   pod er na mod ernid ad e   r ecente),   uma o posic;ao   a   historia   polftica,

    militar ,   social ou   econ6mica;   (II) a   histor ia   nao e a   historia   humana   mas

    a penas   pertencente ao ser  ,   d esd o brand o-se so b a   "iniciati   va"   d o ad vento

    d o   ser   e d a   r etir ada   d o   pensamento.

    o   status   d e Deus   no   ultimo   Heid egger    e , mf  stica ereligiosamente,   muito   d e batid o.   Heid egger f al a d e Deus   (e dos   d euses)

    mas e u m Deus   que,   d o ponto d e vista jud aico-cristao,   tem muito   d e sua

    so berania atr elad a   a   historia e   torna-se   uma f unc;ao   d a   historia d  o ser .

    Dessa forma, a e poca   d os enviados   d os   d e uses,   a  era d o Sagr ado,   passou

    e   nos agor a es per amos   um novo   deus,   um novo   e   impr edicavel   enviad od a   grac;a Sagrad a q ue aparece para ser a func;ao d o enviad o   d o ser ,   nao   d a

    vontade   d e Deus. Heidegger ,   neste ponto,   id entifica a ultima era   d o

    Sagr ad o como   0 tempo   d a religiao   d os gr egos,   d o Velho Testamento e  d o

    minister io   d e Jesus, indicand o   um tipo   d e   historicismo so bre as v arios

    mod os   pelos q uais   0  Sagrado pode manifestar -se au   tomar varias for mas

    historicas,   nenhuma d as quais e a bsoluta. Contud o,   Heidegger demonstra

    nestes escritos uma decidida prefer encia pelos   primeiros gregos,   pela

    ex periencia grega de ser como   physis   e   alheteia   e   pela ex periencia   d os

    "deuses"   como   parte do "Quadruplo". 0 Quadruplo   - terra e ceu,   mor tais

    e  deuses   -   e   uma pr ofund a conce pc;ao   de Holder lin que Heidegger deriva

    d e   suas   leituras desse poeta sa bre   0  mund o grego. Entao   0  deus   q ue

    emerge   nos   ultimos escr itos   de Heid egger    e   um d eus   pr of und amente

     poetico,   uma   ex periencia poetic a d  o   mundo como algo sagr ad o ou2  Com bate,   ac;ao, luta.

    3  Serenidad e, calma.

    122   Per s pectiva F ilos6  f ica -   Vol.ll-n" 26   -  julho-d e zembr o/2006    Pers pectiva Filos6  f ica -   Vol.ll-n" 26 -  julho-d e zembr o/2006    123

  • 8/15/2019 Heidegger e a Teologia - John D Caputo

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     H eid egger e a T  eologia   par John   D.   Caputo

    merecedor    d e reverencia.   Este deus e   muito   mais   pagao-poetico e   muito

    menos jud aico-cristao ,  urn Deus etico-r eligioso. Ele   nao tern nad a a vel'

    com   0 Deus a q uem Jesus chama   abba   ou   com a religiao da cruz   que

    Heid egger    encontrou   em Luter o.   De   f ato, os   ultimos escritos   de

    Heid egger suger em mais   urn tipo   d e   Budismo,   urn   ti po medltatlvo   e

    r ever enciad o   mund o silencioso,   mais   d o   que   d o jud aico ou cr istao.

    Compr eensivelmente,   os te610gos   cristaos ter n mostr ad o   urn

    nota vel inter esse   no   que   f oi nutrid o   pelos   ultimos   escr itos de  Heid egger .

    Estes escritos sao  mar cad os - s e   bem que genericamente   -   pelo   discur so

     pr ofundamente   religioso   d e   Heid egger    so bre d ar    e   r ece ber , grac;a   e

     bond ad e,   salvac;ao e   perigo,   discur so e   r es posta,   pobr eza   e  abertur a,   flm

    d os   tempos   e novo comec;o,   misterio e retratac;ao e pOI'novas tematicas   d averd ad e   divina em Deus. Uma   nova onda de te610gos   pr otestantes p6s-

    Bultmann   emer giu   e seguiu   alem d a   "teologia existencial"   de Bultmann   e

    ad otaram uma posic;ao  que ref letia a   pr 6 pria   mud anc;a de Heidegger p~r a

    alem da analftica   existencial.   Esses te610gos   tinham uma   pr eclsa

    a preciac;ao dos as pectos   hist6ricos   e lingtifsticos   d o   "pensamento   d o Ser"

    d e   Heid egger e q  ue eles trouxeram para conduzir    seus   tr a balhos

    teol6gicos.   .

    A figur a chave neste   movimento p6s-Bultmann e Heinrich Ott.

    Em   seu   trabalho de   1955   intitulado   Denk en u nd S  ein   (Pensar e Ser ),   Ott,

    ur n  estudante d e   Kar l   Barth,   que havia   tambem estudado extensivamente

    com Bulmannn,   mostr ou de fato que as  ultimas   rejeic;6es d e  Heidegg er ao

    humanismo a briam novas   possibilid ad es   par a   a teologia   (e par  a 0

    Heid egger d e   S er    e   T em po)   e mostr ava   que   a   teologia   de Barth d a

     pr imazia   d e   Deus e   d e fato acomodada pela   ultima   volta   de Heidegger 

     par a 0 ser .   A teologia,   para Ott,   sur ge   d a   ex periencia   d a f e e n ao e

    assunto   para uma   o bjetivac;ao cientf f ico-teoI6gica,   mesmo pa ra ur  n

    Heid egger que   f ala "f ora d a experiencia   d o   pensamento",   f ora d a

    ex periencia   d o   pensamento   d o ser .   OU continua   a   construir    a   hist6ria da

    salvac;ao como   a hist6ria   d a   revelac;ao com par a vel   a   hist6ria de

    Heid egger    da   r evelac;ao   d o ser   e coloca a concepc;ao   d e   Heid egger da

    linguagem   como "chamad o"   par a   usaI'   na   interpretac;ao   d a   Iinguagem

     bfblica.   As sentenc;as   d o Novo   Testamento so bre   a   r essurr eic;ao,   pOl'

    exemplo,   nao sao   tomad as como   pr o posic;6es assertivas so bre assuntos   d e

    fato   mas sim   como   urn  chamad o   par a   urn novo   mod o   d e ser .   0 tr a balho

    d e   Ott , e 0   impacto   d o   ultimo   Heid egger na   ref lexao   teol6gica,   alcanc;ou

    os Estad os Unid os   num   volume   intitulad o   T he   Later    H eid egger and  

    T heology.

    Em   1959,   num   encontro com   os velhos   marbur gueses,

    Heidegger    levou urn dia   inteir o   discutindo a   r elac;ao entr e seu ultimo

    " pensar "   e a fe crista,   a q ual   consid er ava   que se seu pensamento cond uzia

    ao   Deus   da metaffsica,   isso   nao q ueria   dizer uma   inconsistencia com   a

    relac;ao   nao   metaff sica com Deus.   0   d esf echo   d o " pensar "   para a

    teologia e cessar   d e   pensar Deus como   causa   sui ,   como a ener gia causal

    q ue cria e sustem   0   cosmos,   e em   vez   disso voltar-se   par a   Deus como

    alguem   que pode danc;ar  e  d o br ar   os joelhos.   Isso   ele   chama 0 verd ad eir o

    "Deus   d ivino"(ld entid ad e e   d i f er em;a) ,   e   isso   nos   lembra   a   injunc;ao   d e

    Pascal   q ue resid e   a   parte   d o   Deus   d os   fil6sof os   em favor   d o   Deus   de

    Abraao e   Isaac.   Esta foi uma gr ande   a bertura da f  ormulac;ao   final   d e

     pensar   na relac;ao   d a fe religiosa,   e foi pr ecisamente   0   caminho q ue OU

    estava   per seguind o.

    Esta sugestao   tam bem   foi   tomad a com   forc;a e   inter esse   pelo

    lado cat6lico   pelo   te610go cristao   d e Fr eiburgo. Bernard Welte.   Welte

    aroumenta   que a c once pc;ao   d e Heid egger    d a   hist6r ia do ser f ala-nos de

    u~a escurid ao tecnol6gica   d a   ter r a em que a   ilusao   d o   d omfnio   humano

    enco br e 0   apar ecimento   d e Deus.   0 "outr o ser "   d e q ue fala Heid egger 

    assinala   uma   nova er a   d o Sagr ad o,   uma e poca   em que   d eus   pode de fato

    ser Deus.   Welte tambem   escr eveu   com   sensibilidad e so bre Mestre

    Eck hart   e a   noc;ao   d e   C elassenheit  ,   e   pr oduziu urn   excelente ensaio

    compar and o   0 ultimo   Heid egger a   Mestr e   Eck hart e Tomas   de Aquino

    (de   quem   a Cadeir a   Dominicana em Par is   havia sid o ocupad a   pOl' Mestre

    Eckhart   ).

    Martin Heid egger f aleceu   em   1976   aos oitenta   e seis   anos.   Foi

    enterrado   no patio   d a   igreja   cat6Iica   d e   Messkir ch entr e sua mae   e   seu

     pai.   A   pedid o   d e   Heid egger ,   uma missa   cat6lica f oi   celebrada pOl'

    Bernard Welte na igr e ja d e   St.  Martin   onde 0 p ai de Heidegger    havla sldo

    sacristao e ond e ele havia   brincad o   na   oficina   d o   por ao   quando malS

     jovem.   Welte,   que f oi tambem companheiro conterraneo   d e Heidegger ,conduziu   0   louvor .   Welte   disse,   muito corretamente,   que 0   pensamento

    d e   Heidegger havia   balanc;ad o seu   seculo, e   que f oi urn pensamento   q~e

    estava sempr e pr ocur and o, sem pre   a   caminho.   Ele   r elaclOnou   0 ser a

    caminho"   com   a compreensao   d o Evangelho   de que   aquele   que   pr ocur a,

    encontrar a:

    "Ele que pr ocur a" - que pod eria muito bem ser  0 titulo d e todo0 pensamento e vid a de Hcid egger . "Ele que encontra" - q ue pod ena

    ser a mensagem secr eta d e sua mor te.

    124   Per s pectiva Filosof ica -   V ol.   I I - n"  26 -   julho-de zembro/2006 

    Tinha Heid egger completad o 0 circulo,   confir mando   0   q ue   ele

    disse em   No Caminho da   Linguagem   d e   que seu   f uturo   r e pousava   no seu

    inf cio   teol6gico?   Foi   esse final   cat6lico a   repetic;ao   d e   seu principio

    cat61ico? Foi   essa a virada final   sobr e 0 caminho   d o pensamento?

    Per s pectiva Filoso fica -   Vol.  II   -/1"

    26 -  julho-d ezembro / 2006    125

  • 8/15/2019 Heidegger e a Teologia - John D Caputo

    9/9

     H eid egge r e a T eol  ogia

    CAPUTO,   John D.   H eid egger    and t heology.   Extrafd o   d e The Cambrid ge

    Companion to   Heid egger .   Editado   por    Char les   B. Guignon.

    Cambrid ge Univer sity   Pr ess,   1998.   Texto   r elativo   as   paginas 270   a

    285.