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Montesquieue
RousseauPioneiros da Sociologia
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Émile Durkbeim
MontesquieueRousseau
Pione iros da Soc iolog ia
Tradução:
Julia Vidili
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Publicado originalmente em francês sob <>iiu.ilo Mowesqaieu a Rousseau. Direitos de tradução para todos os paises ern língua portuguesa© 20üS. Madras Hditora Ltda.
Editor,Wagner Veneziani Cosia
Produção c Capai Equipe Técnica Madras
Tradução:Julia Vidili
Revisão:Renata AssumpçãoLiliar.c Fernanda 1’edrosoA manda Maria de CarvalhoNeuza Alves
Dados Internacionais dc Catalogação na Publicação (CIP)_____________ (Câmara Brasileira do Livro. SP, Brasil)___________
Durkheim, Lmile. 1S5S-1917.Montcsquicu c Rousseau: Pioneiros via Sociologia / Émile Durkheim :traduçào Julia Vidili. São Paulo: Madras. 2008.Título original: Montesc.uieú ei Rousseau: précurseurS de Ia sociologie
ISBN 978-85-370-03 14-5
I . Monlesquieu. Charles de Seeondat. Baron dc. 1689-1755 - O espiritodas leis 2. Rousseau. Jean-Jacques. 1712-177S - O contrato social3. Sociologia - História 1. Tílulo.
Os iirreítos dc traduyào desta obra perleneem à Madras Editora, assim como asua adaptação e coordenação. Fica. portanto, proibida a reprodução tora5ouparcial desta obra. de qualquer forma ou por qualquer meio eletrônico, mecânico. inclusive por meio de processos xcrográíicos. incluindo ainda o uso dainternet, sem a permissão expressa da Madras hdi-ora. na nessoa de seu editor(í.ei n° 9.610. de 19.2.9S).
Todos os direitos desta edição, cm língua portuguesa, reservados pela
OS-OÜ15S CDD-30I.09índices para catálogo sistemático:
1. Sociologia: História 301.09
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índice
P re fá c io ....................................................................................................... 7
A contribuição de Montesquieu à ascensão
da Ciência S o c ial .................................................................................... 13
Condições necessárias para o estabelecimento da
Ciência S ocia l.........................................................................................17
Até que ponto Montesquieu definiu o campo da
Ciência S o cia l? ........................................................................................27
A classificação das sociedades por M ontesq uieu..........................35
Ate que pomo Montesquieu acreditava que os
fenômenos sociais estào sujeitos a leis definidas? ..........................47
O método de M ontesquieu....................................................................59
C onclusão................................................................................................. 69
O Contraio Social de Rousseau....................................................... 73
O estado de natureza............................................................................. 75
Origem das sociedades..........................................................................85
O Contrato Social c o estabelecimento do corpo po lii ico ..........99
Da soberania em geral..........................................................................111
Da lei em g e ra l..................................................................................... 121
Das leis políticas em particu la r......................................................... 127
Conclusão............................................................................................... 139
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Prefácio
A obra de David Ém ile Durkheim ( 1858-1917) exerceu notável
influência sobre o desenvolvimento do pensam ento social, e. embora
vinculado ao Positivismo de Augustc Comte, que já preconizava a
Sociologia com o a ciência da sociedade. Durkheim é considerado o
principal fundado r da Soc iologia m oderna, um de seus “pais" funda
dores.
Filho de rabino-chefe, teve seu período de m isticismo, toman-do-se agnóstico após algum tempo em Paris. No Lycce Louis-te-
Grand, localÍ7ado no Quartir Latin, entre a Sorbonne. o Collègc dc
France e a Facultè de Droit, preparou-se para o baccalauréat, que
lhe permitiu entrar para a Fcole Norm ale Supérieure. estabelecimento
dc* primeira plana na formação universitária mundial, em 1879. Em
1872, recebeu a agregação» a condição de agrêgé de Philosophtc.
Ensinou Filosofia em vários liceus da província (Sens. St. Quentin,
Troves) e interessou-se pela Sociologia. Como a França, embora
berço da disciplina, não apresentasse cursos regulares desta ciência,
tirou um ano de licença (1885-S6) e foi para a Alemanha, onde se
deparou com o trabalho de sociólogos da envergadura de M ax Wcber,
po r exemplo.
Ao regressar, iniciou seu trabalho de professo r universitário aoser indicado po r I.iard e F.spinas para m inistrar aulas de Pedagogia e
Ciência Social na Facultè des Lèttres de Bordcaux. dc I 887 a 1902.
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s M o n t e s q u i e u c R o us se .v .i
Hste foi o primeiro curso de Sociologia que se ofereceu em uma
universidade francesa. lendo sido. pelo trabalho desenvolvido porDurkheim. transformado em cJiaire magistrale cm 1896. Nessa ci
dade. base dc intenso comércio, mas calma, encontrou condições
adequadas para produzir sua obra. a começar por suas icses de
doutoramento. A principal. De la division du tnivail social, que
alcançou grande repercussão, foi publicada em IS93 c reeditada no
ano em que deixou Bordeaux ( 1902), mostrando, cm particular, que os
ideais do individualismo expressam a emergência de um novo tipo de
ordem soci.il. capaz de transcen der as formas tradicionais da socieda
de pela '‘solidariedade o rgânica ”, envolvendo a moralização das rela
ções sociais, mesmo que essa nova ordem contrastasse radicalmente
com a antiga, vencida pelos preceitos da revolução burguesa de 1789.
A sua tese complementar, escrita em latim, que visava apenas
mostrar a erudição do candidato, foi publicada em iS92, mas emfrancês, só em 1953. sob o título de Momesquieu et Rousseau:
précurseurs de la Socio logie, e é o texto que ora se apresenta
integralmente vertido do latim a o português.
Logo após, cm 1895. publicou Les règles de la méthode
socioiogique c, apenas dois anos depois , Le su icide - éiu de
socioiogique. Três qua rtos da obra sociológica de Durkheim forameditados em seis anos. como pudemos ver.
Em Paris, foi nomeado assistente de Buisson na cadeira dc Ciên
cia da Educação na Sorbonnc em 1902 e. em 1906, com a morte do
titular, assumiu como ca tcdrático c. já cm 1910. conseguiu transformá-
la em cátedra de Sociologia, consolidando o statas acadêmico dessa
nova d isciplina na m aior instituição un iversitária francesa. Suas aulas
na Sorbonne transformaram-se em eventos relevantes, exigindo umgrande anfiteatro para com portar o elevado número de ouvintes.
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Pre fac i o 9
N'a adolescência. D urkheim testemunhou acontecim entos que
marcaram decisivamente todos os franceses: em setembro de 1870,
a derrota dc Sedar;; cm 28 de janeiro de 1871. a capitulação diante
das tropas alemãs: de IR de março a 28 de maio, a insurreição da
Com una de Paris; cm setembro do mesm o ano, a proclam ação da 111
República, com a formação do governo provisório de Thiers até a
votação da Constituição de 1875 e a eleição do seu p rime iro presi
dente (Mac-Mahon). Thiers fora encarregado de assinar o tratadode Frankfurt e de reprimir os communards. Além disso, acompa
nhou a pendenga fraiico-alemà: em 1871. os franceses perderam
parte da Lorcna. sua região natal, importante área de jazidas de ferro
situada em Vosges, e, com isso, Épinal tomou-se uma cidade
fronteiriça.
Durante a Primeira Guerra M undial, viu pa rtir para o front vários de seus discípulos, inc lusive seu fílho Andrês (morto na retirada
sérvia de 1915-16), que parecia voca cionado à Sociologia, entre os
quais poucos voltaram.
Nesse entretempo, por força da derrota, das dívidas de guerra
e pelo enfraquecim ento m oral decorrente, algumas medidas políticas
acarretaram, à luz de Durkheim. impactos ao estado dc coisas. A
primeira é a instituição do divórcio na França (Lei Naquei) e a se
gunda, a implantação da instrução laica, por jules Ferry. Ministro da
Instrução Púb lica, em 1882. A escola tornou-se obrigatória (e gratui
ta) dos 6 aos 13 anos, c o ensino religioso tornou-se proibido, sendo
substituído pela “instrução m oral e cívica” .
Em 1895. a criação da Confédêration Generale du Travail
(CGT), no Congresso de Limoges, expunha a tensão das relaçõesentre proletários e patrões, mas não excluía uma espéc ie de euforia,
de alegre expectativa com a cheg ada do novo século e com a expan
são dc nov as tecnologias. Assim, apesa r de uma sucessão de crises
do Capitalismo em 1900-01.1907,1912-13 . o aço. a eletricidade (que
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10 M o n t e s q u i e u c R o u s s ca u
substituía o carvão) c o petróleo apontavam possibilidades novas de
produção em escala e, se isso agravava os problemas de concentração
de renda, sugeria, pelo menos, a manutenção c o crescimento do
emprego. Essa Segunda Revolução Industrial, a do motor de com
bustão interna, do dinamo e da teleg rafia, rem etia a uma sucessão de
descobertas que mudariam de finitivam ente o destino da H um anida
de: o automóvel; o avião , as rota tivas c o linotipo; o rádio, o cinema
prefigurando alterações sociais importantes.
E. se ludo leva à produção em série, à intercam biabilidade d
peças, isto c. à possibilidade de substituir qualquer peça de qualquer
organismo m ecânico sem que as demais devam ser adaptadas - sendo
esse o grande m arco da pro dução serial, também o trabalhador precisa
ser reeducado para cooperar nesse tipo de produção - . surgem as
grandes teorias de produção como o fordismo, o fayolismo e otavlorismo.
Essa excessiva necessidade de produzir, tão bem exposta ao ridí
culo em Tempos Modernos de Chapim, aumenta ainda mais as ten
sões entre o patronato e operários , e a Igreja trata da questão mediante
a enciclica Rerum Novarum , de Leão XIII, impressa em 1891 e que
propõe que a desproletarizaçâo, isto é, a inserção do proletário, dcalguma forma na esfera do investimento, poderia reduzir as tensões
sociais. Surgem idéias interessantes como o cooperativismo, o
corporativismo, a participação nos lucros, a inclusão de operários no
planejamento da atividade industrial, etc., isto é, surge o “ espirito mo
derno”.
Na Ecole Normale Supérieure, na qual ingressara após doisfrustrados vestibulares, o jovem Durkheim convivera com intelectuais
brilhantes: Nenri Bergson e Jean Jaurès foram seus veteranos; Jant
e Brunot foram seus colegas de classe e todos tiveram o professor
Em ile Boutroux corno influência determinan te de seus ensinamentos
em uma época marcada pelo progresso da ciência, agora capaz de
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Pre fác io 11
transformar a realidade pelo progresso da democracia, cm decorrên
cia do voto secreto c da maior participação do povo nos assuntospúblicos, além do aumento do bem-estar geral (Weltare Stare) e do
acesso gera! à instrução gratuita e ditusão do material im presso, como
jo rnais , revis tas e livros.
M as seu laborioso trabalho de pesq uisa e ensino foi interrom
pido no fim de 1916, quando teve um ataque e. em bora parcialm ente
recuperado, nào mais reuniu condições de prosseguir, vindo a falecer
em 15 de novem bro de 1917, na cidade de Paris.
Obras ( le Durkheim:
i 893 - Da ia division du travai! social.
1895 - Les règles dc la mãthoda socioiogique.
1897 - Le suicide. E rude socioiogique.
1912 - Lesfonv.es êlementa iras da lu vie religieuse.
1922 - Êducation et Soaolog ie.1924 Sociologia d Philosophie.
1925 - L 'êducation moràle.
1928 Le socialisma: sa dáfinition; ses débuts: la doer rine
saim-simoniénne.
1938 - L 'évoiution pédagogique en Franca.
1950 Leçons de Sociologia: Physiqua dês níoeurs er du Droir.
1953 - Montesquieu«?/ Rousseau: preeurseurs dela Sociologia.
1955 - Pm gmatisme at Sociologie.1969 - .Journal Socioiogique.
1970 - La Science sociaie ei l 'aclion.
1975 Te.xtes.
Márcio Pugliesi
Doutor em Filosofia e Teoria Geral do Direito paia
Universidade de São Paulo;Professor da Sociologia do Direito. Teoria Gerai do
Direito e Filosofia do Direito no mestrado a doutorado da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.
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A contribuicão deo
Montesquieu à
ascensão daCiência Social 1
Ignorantes de no ssa história, adquirimos o háb ito dc encarar aCiência Social como algo estranho a nossos hábiios e ao espirito
francês. O prestigio de trabalhos recentes sobre o assunto, escritos
por eminentes filósofos ingleses e alemàes, fizeram-nos esquecer
que essa ciência veio à iuz em nosso país. Não foi apenas um fran
cês. Au gusto Comte. que firmou se us primeiros alicerces, çjisiinguiu
suas pan es essenciais e a cham ou Soc iologia um nom e um tanto
bárbaro, na verdad e com o tamb ém o próprio ímp eto de nossaatual preocupaç ão com prob lem as sociais veio de nossos filósofos
do século XVIII. Nesse b rilhante g rupo de escritores. M ontesquieu
ocupa um lugar de destaque. Foi ele quem, no livro Espirito das
f.eis. exp ôs os princípios da nova ciência.
; A tese em latim de Hmile Durklieiti?, Quirí Secundanis poiiticae seiemiae nsrircnàae conndcrii. foi impressa em Hordeaux, em I $9?. pela ImprimcricGounouiihou: c dedicada a hustel de Coulan&es. tfma irutiução <le F. Alcngrv foipublicada na Revae d'hisroire poliu que a coustiíutioniielle (julho-setembro de1937). [Noia do tradutor para o •yi^lcs]
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M o n t e s q u i e u e K o u s se a u
Para ser exato. M ontesqu ieu nào tratou dc todos os fenômenos
sociais nessa obra, mas ap enas de um tipo em particular, as t e .Apesar disso, seu m étodo de i nterpretação das diversas formas de
direito também é válido para outras instituições sociais e pode, de
modo geral, ser aplicado a ela?;. Como as leis abrangem toda a tfida
social, ele traia necessariamente de quase todos os aspectos da so
ciedade. Assim, para explicar p. nature7a do direito doméstico, para
mostrar como as !cis se harmonizam com a religião, a moralidade,etc., ele é obrigado a investigar religião, moralidade e a familia, de
forma que, na verdade, escreveu um tratado sobre os fenômenos
sociais como um todo.
Nào quero d izer com isso que a obra de M ontesquieu contém
muitas proposições que a ciência moderna pode aceitar como
teoremas bem demonstrados. Quase todos os instrumentos dc que
precisamos para explorar a natureza das sociedades eram inexisten
tes no tempo de M ontesquieu. A ciência histórica vivia sua infância e
começava a se desenvolver; os relatos dc viajantes sobre povos dis
tantes eram raros e pouco confiáveis; a estatística, que nos capacita
a classificar os diversos eventos da vida (mortes, casamentos, cri
mes. etc.) segundo um método definido ainda nào era usada. Além
disso, como a sociedade é um grande organismo vivo com uma m ente característica comparável à nossa, um conhecimento da mente
humana e suas leis nos ajuda a perceber as leis da sociedade com
mais exatidào. No último século, esses estudos csiavam cm seu es
tágio mais primitivo. Além disso, a descoberta de verdades inquestio
náveis não é, de forma alguma, o único modo de coniribuir para a
ciência. É igualmente importante conscientizar a ciência de seu as
sunto. sua natureza e método e preparar as bases sobre as quais se
estabelecerá. Foi exatam ente o que Mo ntesquieu fez po r nossa ciên
cia. Ele nem sempre interpretou a história corretamente, e é fácil
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A c o n t r ib u i ç ã o d c M o n t e s q u i e u à a s c e n sã o 02 Ci ênc i a Soc i a l 15
demonstrar seus erros. Mas ninguém antes dele fora tào longe na
estrada que levou seus sucessores à verdadeira Ciência Social. Ninguém cmrcvira tão claramente as condiçòes necessárias para o esta
belecimento dessa disciplina.
Comecemos por estabelecer essas condições.
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Condições necessárias parao estabelecimento da
Ciência Social
m ______________________________________________________________________________________
Uma disciplina só pode ser cham ada ciência se tiver um camp odefinido a explorar. A ciênc ia traia de coisas, realidades. Se nào tiver
um m aterial definido a descrever e interpretar, existe um vácuo. Além
da descrição e da interpretação da realidade, ela nào pode ter fcnçào
real. A Aritmética trata de núm eros; a Geometria, de espaço e figuras:
as Ciências Naturais* de corpos an imad os e inanimados; e a P sicolo
gia, da mente humana. An tes que a Ciência Social pud esse com eçar
a existir, era preciso atribuir-lhe um assun to definido.A primeira vista, esse problema nào apresenta dificuldade: o
assun to da Ciência Social sào as "coisas” sociais, ou seja, leis, costu
mes, religiões, etc. Todavia, se olharm os para a história, percebem os
que, até bem recentemente, nenhum filósofo jamais encarara esses
assuntos sob essa luz. Pensavam que todos os fenôm enos dep endiam
da vontade humana e. por isso. nào conseguiram perceber que eles
sào os verdadeiros ob jetos, com o todas as outras coisas na natureza,que têm suas características particulares e, conseqüentemente, exi
gem ciências que possam descrevê-los e explicá-los. Parecia-lhes
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M ontesquieu e Rousscau
suficiente afirmar aquilo por que a vontade humana deve lutar e o
que deve evitar em sociedades constituídas. Desse modo. eles nàoprocuravam conhecer o que realmente são os fenômenos sociais,
sua natureza e origem, m as o qu e eles deveriam ser: seu objetivo nào
era oferecer uma imagem da natureza tào verdadeira quanto possí-
vel, mas confron tar nossa irnaginaçào com a idéia de uma sociedade
perfeita, um m odelo a ser seguido. M esmo Aristóteles, que dedicou
muito mais atenção que Platàc à experiência, tinha como objetivo
descobrir não as leis da existência social, mas a melhor forma desociedade. Ele parte da suposição de que o único objetivo dc uma
sociedade deve ser obter a felicidade dc seus mem bros por meio da
prática da virtude, e que a virtude reside na contem plação . Nào esta
belece esse princípio com o uma lei que as sociedades realmente ob
servam, mas como uma que devem seguir para que os seres huma
nos possam estar de acordo com sua natureza específica. Mais tar
de. é verdade, ele se volta para os fatos históricos, mas sem outroobjetivo senào o de julgá-los e m ostrar como seus p róprios princípios
poderiam ser adaptados a diversas situações. Os pensadores políti
cos que vieram depois dele segu iram seu exem plo em m aior ou m e
nor grau. Tenham eles com pletamente ignorado a realidade ou presta
do uma cena atenção a ela. têm todos um único propósito: corrigi-la ou
transformá-la completamente, cm vez de conhecê-la. Xão tinham pra
ticamente qualquer interesse no passado c no presente, mas olhavampara o futuro. E uma disciplina que olha para o futuro carece de um
assunto determinado c, por isso. nào deve ser chamada de ciência,
mas de arte.
Afirmo qu e essa arte sem pre envolveu um a cen a ciência. Nin
guém já afirmou que determ inado tipo de Estado c preferível a outro
sem tentar apoiar sua pre ferên cia com provas, e essas provas têm de
se basear em alguma realidade. Se: por exemplo, consideramos ademocracia superior à aristocracia, devem os m ostrar que ela é mais
conforme à natureza humana ou apontar exemplos históricos que
demonstram que as nações que gozaram de liberdade eram superio
res às que não a tinham, etc. Quando procedemos metodicamente -
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C o n d i ç õ e s n c c c s s i r ia s p a r a o e s t a b e l e c i m e n t o d .í C i ên c ia ... 19
seja ao explorar a natureza ou ao definir regras de comp ortamento -
devem os reverter às coisas, ou seja, à ciência.M as como os escritores inclinam-se a derivar suas opiniões a
respeito desses assuntos da existência humana e nào do estado das
sociedades, essa ciência - se podemo s chamá-la assim - normal
mente nada contém de verdadeiramente social. Quando um autor
dem onstra que os hom ens nasceram para a liberdade ou, ao con trá
rio, que aquilo de que prec isam acim a de tudo é segurança, c a pa rtir
disso conclui que o E stado dev e ser constituído de tal ou tal forma,
onde, nisso tudo, está a Ciência Social? Tudo o que se parece com
ciência nessas discussões vem da Psicologia e o que se relaciona à
sociedade tem a natureza de arte. Quando um a descrição ou interpre
tação dos fenômenos sociais de fato ocorre, represen ta um papel ape
nas secundário. Isso se aplica à teoria de Aristóteles sobre as causas
subjacen tes ã mod ificação ou à derrocada d c regim es po líticos.
Além disso, quando a ciência se envo lve com a arte, sua natu
reza especifica tende a ser alterada; ela degenera em algo duvidoso.
Arte é ação: é impulsionada pela urgência e qualquer ciência que
possa conter é empurrada junto. O fato é que sempre que precisamos
decidir o que fazer c tais dec isões são o papel da arte nào pode
mos temporizar demais: devem os nos decidir tào rapidamente quanto
possível porque a vida continua. Se o Estado está doente, é impossívelcontinuar duvidando e hesitando ate que a Ciência Social tenha des
crito a natureza da moléstia e descoberto suas causas: deve-se tomar
uma atitude sem demora. Porem, somos dotados de inteligência e da
faculdade de deliberação; nào tomamos nossas decisões ao acaso.
Devem os compreender, ou ao m enos pensar que compreendemo s, as
razões para nossos planos. Por isso apressadam ente reunimos, com
param os e interpretamos os fatos que nos caem nas mãos; em suma.improvisamos uma ciência conforme prosseguimos, de forma que
nossa opinião parece ter um alicerce. Esse ê o tipo de ciênc ia - enor
m emen te adulterada, com o se pode ver imediatamente - que encon
tramos na aite. M as como procedem os sem método, essa ciên cia nào
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20 M o n tc sc n ií e u ç R o u ^ e a u
oferece mais do que probab ilidad es duvidosas, que têm tanta autori
dade quanto quisermos lhes eonceder. Se agimos com base nelas,não ê porque os argum entos em que parecem se basear nào deixam
espaço para incerteza, mas porque se adaptam a nossos sentimentos
pessoais; elas invariavelmente levam à mesma direção que nossas
inclinações espontâneas. Além do mais. quando nossos inteYcsses
pessoais estào ameaçados, tudo m exe com nossas emoções. Quan
do alguma coisa afeta seriamente nossa existência pessoal, somos
incapazes de examiná-la com atcnçào e calma, líá coisas de quegostamos, outras que detestamos; outras, ainda, que desejamos, e a
cada situação trazemos nossos gostos, desgostos e desejos, iodos
obstáculos à reflexão. Além d isso, nào há um a regra firme e rápida
que possa nos capacitar a perceber o que é intrinseeamente útil e o
que nào é, pois a mesm a coisa po de ser útil em um aspecto e danosa
em outro. Co mo a utilidade e o prejuizo não pod em ser com parados
matematicamente, cada indivíduo age de acordo com sua próprianatureza e. seguindo sua inclinaçào pessoal, concentra sua atençào
em um ún ico aspecto da coisa e negligencia o outro. Alguns homens,
por exemplo, sào tão inflamados pela idéia de harmonia entre os
cidadãos que nada consideram tão importante quanto um Estado for
temente un ificado e nào se perturbam c om a supressão de liberdade
que isso possa gerar. Para outros, a liberdade vem antes de tudo. A
reunião de argumentos com os quais esses homens apóiam suas opiniões não refiete fenômenos, realidades ou a verdadeira ordem das
coisas, mas sim plesmente estados de mente. Esse procedim ento é o
oposto da verdadeira ciência.
A eiência é tào diferen te da arte que apenas pod e ser fiel à sua
própria natureza ao declarar completa independência, ou seja. ao
aplicar-se, com total desconsideração pela utilidade, a um objeto
definido com o fito de conhecê-lo. Distante de debate público ouprivado, livre de qualquer necessidade vital, um cientista deve dedi-
car-se a seus estudos na paz e na quietude do gabinete, sem que algo
o force a apressar suas co nc lusões além do justificável por seus ar
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C o n d i ç õ e s n e c e s s á r i a s p a r a o e s t a b e l e c i m e n t o d a C i ê n c i a . 21
gum entos. Mesm o em questões abstratas, sem dúvida, nossas idéias
vèm do coração, po is ele é a fonte de toda nossa vida. Mas para que
nossos sentim entos nào nos façam dispersar, devem ser governados
pela razão. A razão tem de ser posta acima dos acidentes e contin
gênc ias da vida. pois. de outra forma, tendo menos força que os de
sejos de todos os tipos que nos animam, inevitavelmente tomará a
direção po r eles imposta.
Isso nào quer dizer que a ciência seja inútil na condução da
vida humana. Muito pelo contrário. Quanto mais definida a distin
ção entre a Ciência e a A rte. m ais útil a primeira pod e ser à segunda.
O que é mais desejável para um ser humano do que ser sadio na
mente e no corpo? Apenas a ciência pode nos dizer o que constitui
uma boa saúde física e mental. A Ciência Social, que classifica as
diversas sociedades humanas, nào pode deixar de descrever a forma
normal da vida soeial em cada tipo de sociedade, pela sim ples razàode que descreve o tipo em si: o que que r que pertença ao tipo é nor
mal, e o que quer que seja normal ó saudável. A lem disso, com o um
outro ramo da ciência trata de doenças e suas causas, somos infor
mados não apenas a respeito do que ê desejável, mas também sobre
o que deve ser evitado e como os perigos podem ser afastados. Por
isso. é im portante para a própria arte que a ciência seja separada e,
por assim dizer, em ancipada dela.Mais que isso, cada ciência deve ter seu objeto específico;
pois se com partilhasse seu objeto com as outras ciências, seria in
distinguível delas.
[ i i i ____________________________________________________________________________________
Nem todos os assuntos admitem o estudo cientifico.A p rim eira tarefa da C iência é descrever como são as realida
des com que lida. Mas se essas realidades variarem entre si em um
grau tal que não constituam urn tipo, nào poderão ser descritas por
qualquer método racional. Terão de ser consideradas uma a uma.
cada qual independente das outras. Mas cada caso individual envo l
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77 M o n t e s q u i e u c R o u ss ea u
ve um número infinito de propriedades, entre as quais nenhuma es
colha pode ser feita: o que c infinito não pode ser descrito. Ü melhor
que poderíam os fazer seria tratar essas realidades à maneira dos poe
tas c contadores de histórias, que retraiam as coisas como parecem
ser, sem método ou procedimento racional. Se. por outro lado, as
realidades podem ser redu zidas a um íipo. elas apresentam algo que
pode ser acuradam ente definido e que caracteriza o tipo em questão,
pois as características comuns ao mesmo tipo sào finitas cm número
e sua essência é manifesta. Prec isamos apenas reunir esses indivíduos
e notar seus pontos em com um. Em suma. a cicncia nào pode descre
ver indivíduos, mas apenas tipos. Se as sociedades humanas não po
dem ser classificadas, permanecem inacessíveis à descrição científica.
t. verda de que Aristóteles distintos, há m uito tempo, entre m o
narquia. aristocracia e KÕÂiTia [politia]. Mas os tipos de sociedade
nào devem ser confundidos com os diferentes tipos de Estado: duas
cidades podem ser de tipos diferentes, mas governadas do mesmo
modo. Assim, algum as das ftoX£iç[/w//.v], as cidade-estado gregas, e
a m aioria das nações bárbaras poderiam ser corretamente chamadas
de monarquias e eram de falo denominadas assim por Aristóteles
porque am bos os grupos eram governados por reis. Todavia, eram de
natureza diferente. Além disso, uma mudança no sistema de governo
de uma naçào nào envolve necessariamente uma mudança no tipo
prevalescente dc sociedade. Conseqüentemente, a classificação das
sociedades feita por Aristóteles nada nos diz a respeito dc sua na ture
za. Os filósofos posteriores que trataram do assunto aceitaram sua
ciassificaçào e nào tentaram es tabelece r um a outra, po is julgav am
impossível com parar sociedade s humanas sob qualquer outro aspec
to que não a forma do Estado. Os outros fatores - moralidade, reli
gião, vida econômica, família, etc. - pareciam tào fortuilos e variáveis
que ninguém pensou em classificá-los em tipos. Todavia, esses fatores
têm uma fone influência sobre a natureza das sociedades; são o ver
dadeiro recheio da vida e, conseqüentemente, o assunto da Ciência
Social.
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C o n d i ç ò èS n e c e s s á r i a s p a r a o e s t a b e l e c i m e n t o d a C i ên c ia ...
IJUULI
A descrição, porém, c apenas o primeiro passo do procedim en
to cientifico , que é completado pela interpretação. F. a inierpretação
exige ainda um a condição que, po r m uito tempo, se julgo u faltar nos
fenôm enos sociais.
Interpretar coisas é simplesm ente arran jar nossas idéias a res
peito delas cm uma ordem determinada, qi;e deve ser a mesma das
próprias coisas. Pressupomos, assim, que uma ordem está presente
nas próprias coisas, que elas formam séries con tinuas, cujos elem en
tos estão relacionados de tal forma que um dado efeito é sempre
produzido pela mesma causa e nunca por qualquer outra. Se supu
sermos. porém, que não existe essa relação causai e que os efeitos
podem ser produzidos sem uma causa ou por qualquer causa, tudo se
torna arbitrário e fortuito. Mas o arbitrário não adm ite interpretação.
Por isso, deve-se fazer uma escolha: ou os fenômenos sociais sào
incompatíveis com a ciência ou sào governados pelas mesmas leis
que o restante do Universo.
Este nào é o lugar para um exame cuidadoso da questão. D ese
jam os apenas m ostrar que se as sociedades nào estão suje itas a essas
leis, nenhuma Ciência Social c possível. E sem Ciência nào pode
haver Arte, a menos que. ao estabelecer as regras da vida humana,lancemos mão de uma facu ldade diferente da razão. Todavia, como
o princípio de que todos os fenôm enos do Universo estão firmem en
te inter-relacionados foi testado nos outros domínios da natureza e
nunca se mostrou falso, ele tam bém é válido, com toda probabilida
de. para as sociedades humanas, que são parte da natureza. Parece
contrário a qua lquer método sensato supor que existem todos os ti
pos de exceções a essa regra, quando conhecemos apenas um únicoexemplo. M uitas vezes já se argum entou, na verdade, que a necessi
dade c irreconciliável com a liberdade humana, mas. como já de
monstramos alhures2, esse argum ento deve ser excluído J á que, se a
2. D a d iv isã o d o tra b a lh o so c ia l, pp. 1 c 11.
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: ■ M o iu escm ic i: c Rw issc .m
liberdade realmente elimina a lei. disso advem, uma vez que a vonta
de hum ana inev itavelmente se manifesta em coisas externas, que nàoapenas a mente, mas também o corpo e os Seres inanim ados terào de
ser considerado s estranhos a qu alquer ordem e, portanto, à ciência.
Mas hoje ninguém ousaria qu estionar a possibilidade da Ciência Na
tural. Nào há razão por que a Ciência Social não deva gozar do
mesmo estatuto.
Todavia os homens, e mesmo os filósofos, sào naturalmente
inclinados a excluir os princípio s que estam os discutindo dos fenômenos sociais. Norm almente, pensamos que os únicos m otivos sub
ja centes a nossos atos sào os conscie nte s c negamos a exis tência de
outros porque não os sentimos. Assumimos a mesma atitude em re
lação a instituições sociais, atribuindo im portânc ia primordial às cau
sas m ais aparentes, embora elas derivem seu poder de outras causas.
F. urna tendência natural cons iderar o que vem prim eiro na o rdem do
conhecimento como a primeira coisa na ordem da realidade. E. nocaso das intituiçòes políticas, legais e religiosas, nada há de mais
m anifesto, de mais pungente, que a personalidade daqueles que go
vernaram Estados, esboçaram leis e estabeleceram cerimônias reli
giosas. Assim, a von tade pessoal de reis, legisladores e profetas pa
rece ser a fonte da qual nasce toda a vida social. Seus atos sào reali
zados à vista de todos: nada há de obscuro a respe ito deles. Outros
fenôm enos sociais, porém , sào m uito mais difíce is de perceber. F.ssaé a origem da difundida superstição de que um legislador dotado de
um pode r quase ilimitado é capaz de criar, mod ificar e descartar leis
a seu bel-prazer. Em bora os historiadores modernos tenham dem ons
trado que a lei deriva do costum e, ou seja. da própria vida, por um
processo de desenvolvimento quase imperceptível não relacionado
às intenções combinadas tios legisladores, essa opinião tem raízes
tão profundas na mente hum ana que muitos insistem nela. Mas aceitá-la c renegar a existência de qualquer ordem determinada nas socie
dades hum anas, pois se isso fosse verdade, as leis. costumes e insti
tuições não dependeriam da natureza constante do Estado, mas do
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C o n d i ç õ e s n e c e s s á r ia s p a r a o e s t a b e l e c i m e n t o d a C i ê n cia .
acaso que deu preferênc ia a um legislador ao invés dc um outro. Se
os mesmos cidadãos sob um governante diferente pudessem produzir um Estado diferente, isso significaria que a mesm a causa, agindo
sob as mesmas circunstâncias, teria o poder de produzir efeitos di
versos: nào haveria cio raciona l entre os fenômenos sociais.
Nada a trasou tanto a Cicncia Social quan to esse ponto dc vista,
que os filósofos, seja consciente ou inconscientemente, também acei
taram. Os outros obstáculos aos qua is nos referimos ou que devem os
discu tir mais adiante nào podem ser removidos enquanto este ainda
tiver força. Enquan to tudo nas sociedades humanas parecia tão abso
lutamente fortuito, ninguém teria pensado em classificá-los. Nào pode
haver tipos nas coisas a menos que haja causas que. embora operantes
em d iferentes locais e distintas épocas, sempre e em toda parte p ro
duzam os mesm os efeitos. E onde está o objeto da Ciência Social se
o legislador pode organizar e dirigir a vida social como quiser? 0
assunto da ciência apenas pode consistir de coisas que tenham uma
natureza estável e sejam capazes de resistir à vontade humana. Quando
as coisas sào infinitam ente flexíveis, nada nos impele a observá-las e
elas nada oferecem que se preste à observação. Pois se tivessem um
cará ter próprio, seria impossível man ipulá-las ã vontade. Isso expli
ca por que. por m uito tempo, a C iência Social era apenas uma arte.
Mas, poder-se-ia argumentar, ninguém jamais negou que a c icncia da natureza humana é indispensável a quem quer que queira go
vernar seres humanos. Claro. M as, como demonstramos, essa ciência
devc sc r cham ada Psicolog ia c nào Ciênc ia Social. Para que esta de
fato exista, é preciso supor que as sociedades possuem uma certa
natureza que resulta da natureza e do arranjo dos elementos que as
compõem, c que é a fonte dos fenômenos sociais. Uma vez que a
existência desses elementos é assegurada, nosso legislador desaparece jun to com sua lenda.
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26 MontssqxiSeu e Rou sscau
\ m ___________________________________________________________________________________
Entretanto, nào basta ter um assunto cientificamente cognosci-
vcl. Se tipos e leis permanecem lào escondidos nas profundezas das
coisas que nào há modo de percebê-los, a ciência dos fenômenos
naturais permanecerá eternamente em um estado de mera possibili
dade. A ntes que ela possa dc fato pa ssa r a existir, devem os possuir
um m étodo apropriado à natureza das coisas estudadas e aos requisi
tos da ciência.
N ão se deve supor que esse método vem espontaneamente no
momento em que abordamos uma ciência. Pelo contrário, só o en
contramos depois de muitas tentativas. Foi apenas muito recente
m ente que os biólogos descob riram com o estudar as leis da vida com
a observação de criaturas vivas reais. A Psicologia também tateou
po r muito tempo antes de conse guir organizar um m étodo próprio. A
Ciência Social enfrenta dificuldades ainda maiores. Os fenômenos
de que trata sào tão diversos qu e aquilo que têm em com um pareceestar oculto ã vista. São tào fluidos que parece m enganar o observa
dor. Causas e efeitos sào tào entrelaçados que é necessário tomar um
extremo cuidado para desem baraçá-los. Além disso, é impossível fazer
experiências com sociedades humanas e não é fácil encontrar um
método que possa tomar o lugar rfo experimento. Fica claro que o
método nào pode ser estabelecido antes que a ciência comece a to
mar forma; o método deriva da ciência, embora também seja indispensável à ciência.
Vamos agora ver até que ponto Montesquieu, no Espirito das
Leis. obedeceu a essas con dições indispensáveis à Ciência.
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Até que pontoMontesquieu definiu o
campo daCiência Social?
m ______________________________________________________________________________________
Parccc estranho que tenha havido tanla discussão a respeito
do propósito de Montesquieu ao escrever seu livro, pois ele afirma
seu objetivo em diversos trechos: “Este livro trata das leis. costumes
e diversas práticas de todos os povos da Terra. Seu assunto é vasto,pois engloba iodas as instituições que vigoram entre os seres hum a
nos". Montesquieu tenta chegar ao fundo dos fenôm enos sociais para
“buscar as origens e descobrir suas cau sas morais e físicas” . Quanto
a represen tar o papel de legislador, ele afirma com m odéstia que isso
está alem de seu s poderes. De fato, toma cuidado particular para não
imitar aqueles que tentam reconstruir a sociedade a partir do zero:
“Não escrevo para censurar o que quer que esteia estabelecido em
qualquer país que seja. Todas as nações encontrarão aqui as razões
em q ue suas m áximas se baseiam ... Se apenas eu pudesse ter èxito
em fornece r a cada homem novas razões para amar seu príncipe, seu
país, suas leis; novas razões para torná-lo mais sensível, cm toda
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28 M ontesquieu e Rousscau
nação c governo, às bênçàos que recebe, poderia considerar-me o
mais feliz dos mortais”.Ele cum priu tào bem esse ob jetivo que m uitas vezes foi censu
rado por nào ach ar defeito em nada. por ter respeitado a realidade a
tal ponto que nunca se aven turou a julgá-la. Porém, ele estava longe
dc encarar os assuntos hum ano s com essa serenidade; os que o acu
sam de tal indiferença certamente nào conseguiram compreender o
significado de sua obra. Todavia. ele acreditava que muitos costumes
que se afastam dos nossos e que todos os povos europeus atualmente
rejeitam têm uma base legitima na natureza de ecrtas sociedades. A fir
mava. por exemplo, cue a poligamia, falsas religiões, uma forma
m oderada e hum ana de escravidão e muitas outras instituições desse
tipo haviam sido apropriadas para certos países e periodos. C onside
rava até mesmo o despotismo, a forma de regim e político que mais
detestava, neces sário aos povos orientais.
Disso nào devemos conc luir que Montesqu ieu mantinha-se afas
tado dos problem as práticos. Pelo con trário, ele próp rio dec lara estartentando determinar “as instituições mais apropriadas à sociedade e
a cac a sociedade, as que tém algu m grau de virtude em si mesm as e
as que nào possuem, e das duas práticas perniciosas, qual o é em
m aior e qual é em m enor grau", isso explica por que o livro nào trata
apenas dc leis, mas também das regras da vida hum ana; nào somente
com a Ciência, mas também com a Arte. De fato. ele pode. com certa
justiça, ser acusado de nào ler conseguido dis tinguirnitidamenre entreArte e Ciência. Ele não ded ica uma parte de seu livro ao que é e outra
ao que deveria ser; Arte e Ciência estão tão misturadas que muitas
vezes passamos sem perceber dc uma à outra. Na verdade, há dois
conjuntos de problemas envolvidos e seu hábito de discuti-los si
multaneamente tem suas desvantagens, já que eles exigem métodos
diferentes.
Todavia, nào c a m esma confusão que reinou enire filósofos an
teriores. Em primeiro lugar, a ciência de Montesquieu é de fato Ciên
cia Social. Trata de fenômenos sociais. e não da vida do indivíduo.
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A t é QUc p o n t o M o n l c s u u i cu d c t sn r .i o c am p o á d CiOnda._
Essa nova Ciência nào é suficientemente distinta da Arte,- mas ao
menos existe. E longe de ser sufocada sob prob lemas que envo lvem
ação. ela é o principal assunto de seu livro. É a senhora, mas nunca
a serva da Arte, e por isso é mais capaz de permanecer fiel a sua
natureza específica. O principal objetivo do autor é conhecer e expii-
ca r o que existe ou existiu. A maio ria das regras que ele define são
verdades - declaradas em outra linguagem - que a C iência já com
provou com seus próprios métodos. Ele não está preocupado com ainstituição de uma nova ordem política, mas com a definição de no r
mas políticas. E qual a funçào da Ciência se não a definição de nor
mas? Como a suprema lei de todã sociedade é o bem-estar de seus
mem bros, e como uma sociedade não pode se preservar sem p rote
ger sua natureza específica, basta descreve r essa natureza para d e
terminar por qu e aquela sociedade deve empenh ar-se e o que deve
evitar, pois a saúde é sempre desejável e a doença deve ser evitada.Por exemplo: depois de demonstrar que a democracia só é possível
em pequenos Estados. Montesquieu nào tem dificuldade cm deter
minar que uma democracia deve se abster dc estender suas frontei
ras. Com o pudem os observar, apenas em casos excepcionais a Arte
substitui a Ciência sem ampla justificativa.
Além disso, corno essas regras são estabelecidas por novos
mé todos, sào muito diferentes daquelas ditadas pelos escritores po
líticos anteriores, que formularam tipos que supostamente trans
cend iam todas as considerações dc local e época adequadas a ioda a
hum anidade. Estavam convencidos de que uma única forma de regi
me político, um a única disciplina moral e um a legal, era conform e à
natureza de todos os hom ens, e que todas as outras formas enco ntra
das na história eram más ou. no minimo. imperfeitas, e deviam suaexistência apenas ã inexperiência de seus fundadores. Essa necessi
dade não nos surpreende. Esses escritores ignoravam a história e nào
conseguiram perceber que os hom ens nào sào sempre os mesmos em
toda parte. que. pelo contrário, sào dinâmicos e diversificados, de
forma que d iferenças de costumes, leis e instituições sào inerentes á
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30 M onL esq-uieu e R o u s se a u
natureza das coisas. Montesquieu, porém, compreendeu que as re
gras da vida variam com as condições de existência. Ao longo desuas investigações.ele observou diferentes tipos de sociedade, todas
igualmente “normais”, e nunca passou por sua cabeça estabelecer
regras válidas para todos os povo s. Eie adaptou suas reg ras para cada
um dos diferentes tipos de sociedade. O alimento da m onarquia é o
veneno da democracia. Porém, nem a monarquia nem a democracia
são, em si m esmas, superiores a todos os outros regimes políticos. A
conveniência de um a ou outra forma dc governo depende dc condições particulares de época e loc al.'
Com o vemos, Montesqu ieu nào era inteiramente indiferente às
vantagens das coisas que descreveu. Mas tratava desses problemas
segundo um novo método. Não aprovava tudo o que já havia sido
feito, mas dividia o que era bom e o que não era baseado cm normas
derivadas dos próprios fenôm enos e. por isso, corresponden tes ã sua
diversidade.
[ i i ] ____________________________________________________________________________________
Montesquieu traça uma acentuada distinção entre fenômenos
sociais e os fenômenos estudados por outras ciências.
Na verdade, ele define íeis que derivam da natureza do ho
mem. qualquer que seja a forma particular de sociedade em que ele
vive, c que por isso pertencem ao dominio da Psicologia pura. Cha
ma-as de leis da natureza. São elas: o direito de preservar a própria
vida ou dc viver em paz, o direito de comer, o direito dc ceder à
atração pelo sexo oposto e o direito de manter relações sociais com
seus próximos. Acrescenta que uma certa idéia de Deus é a primeira
dás leis naturais em importância, senão em ordem cronológica, em
3. Ele. sem dúvida, admira a monarquia porque vê maior arte em sua estrutura quena dc outras formas, tuas a seu ver isso nào é razão suficiente para considerá-lainirinsecamente a melhor forma dc listado. liem ao contrário, se uma monarquiafosse estabelecida cm urna sociedade com um pequeno número de cidadãos, essasociedade, afirma eíe, estaria destinada a desaparecer.
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A t e q u e p o n t o M o n t e s q u i e u d e f i n iu o c a m p o d a C i ên c ia ... 31
bora sua relação com às outras leis não fiqtic bem clara. De qualquer
modo, esses fatores têm seu princípio c fim na vida dos indivíduos cnão na da sociedade; no máxim o, preparam o caminho p ara a vida
social, pois embora o instinto que nos impele a travar relaçõe s com
outros hom ens abra o cam inho para a sociedade, ele nào produz as
formas, a nátureza ou as leis da sociedade. As instituições sociais
nào podem ser explicadas por esses fatores. O tratamento que
Montesquieu dá a todo esse problema c apressado e superficial. O
tópico não tem relaçào direta com o tema dc seu trabalho. O filósofo
passa po r ele apenas para definir seu assunto com m ais precisão, ou
seja. para separá-lo dos problem as relacionados.
D as leis naturais, ele distingue claramente as leis relacionadas
à sociedade, às quais dá um nome especial porque nào podem ser
inferidas pela natureza do hom em . Estas sào o assunto de seu livro, o
verdadeiro objeto de sua busca: incluem o direito das nações, o di
reito civil, o direito político e todas as principa is instituições sociais.
M as devem os ter cuidado ao interpretar a terminologia de M ontes
quieu. t verdade que ele não aplica o termo natural a essas diversas
formas de direito, mas isso nào quer dizer que ele as considera es tra
nhas à natureza. Para ele, elas se baseiam na realidade, mas nào do
mesmo modo que as leis naturais, já que resultam não da natureza do
homem , mas da natureza das sociedades. Suas causas devem ser bu scadas em condições sociais, e nào na mente hum ana. Se. por exem
plo. desejamos compreender o direito civil dc uma determinada na
ção. devemos considerar o tamanho de sua população c a natureza
dos laços sociais entre seus cidadãos: se nosso objetivo è interpretar
seu d ireito político, devem os exam inar as situações re spectivas dos
governantes e dos cidadàos com uns, etc. Obviamente, com o as so
ciedades sào compostas de homens individuais, sua natureza devedepender, em parle, da natureza dos hom ens. M as o próprio hom em
varia de uma sociedade à outra: sua mentalidade nào é sempre a
mesma, nem seus desejos iguais na monarquia, na dem ocracia ou no
despotismo. Se M ontesquieu aplicou a palavra “natural" apenas às
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32 M o n t e sq u i e u c R o u s sc s u
leis da vida individual - com o se as outras leis nào merecessem ser
cham adas assim isso dev e ser atribuído aos hábitos de seu tempo.Para os filósofos da época, um ‘‘estado de natu reza” era o estado do
homem que vivia sem sociedade, e ‘ieis naturais" eram aquelas ãs
quais o homem se conformava nesse estado. Mon tesquieu aceitava
o uso habitual do termo apesar da ambigüidade que envolvia.
A visào de M ontesquieu a respeito dos fenômenos sociais deu
origem a uma nova filosofia do direito. Até aquele momento, exis
tiam duas escolas dc pensam ento. De acordo com um a delas, o direi
to em geral nào tinha raizes na natureza das coisas, mas era estab ele
cido pela Vontade deliberada de seres humanos por meio de algum
tipo de acordo original. A outra afirmava que apenas uma parte dodireito era natural, ou seja. a pane que podia ser derivada da noção
geral de homem. Apenas a natureza do homem individual parecia
suficientem ente estável e bem definida para servir como u ma base
sólida para o Direito. Desse modo. essa escola tinha uma opiniào
muito parecida com a dos filósofos an teriores. Como apenas os prin
cípios básicos dos quais havia m uito pou cos pod iam ser relacio
nados á natureza do hom em , as incontáveis leis particulares em que
abundavam os códigos das diversas nações eram um p roduto hum a
no artificial. Esses pensadores, sem dúvida, discordavam de Hobbes.
que negav a que o hom em íosse impelido ã vida social po r um impulso natural. Acreditavam ainda que as formas políticas e a maioria das
instituições sociais, senào apropria sociedade, eram produtos de pura
convenção. M ontesquieu, po r outro lado. declara que nào apenas as
ieis gerais, mas também tod o o sistema de leis. passadas c presentes,
eram “natura is'5. Todavia, suas leis não vêm da “na tureza” do ho
mem. mas daquela do organismo social. Ele compreendia com es
pantosa lucidez que a natureza das sociedades não é menos estável econsistente que a do hom em e que nào é m ais fácil m odificar o tipo
de uma sociedade do que a espécie de um animal. Assim, é bastante
injusto comp arar Montesqu ieu com Maquíavel, que via as leis como
meros inst rumentos que os pr íncipes podiam usar como lhes
aprou\ esse. M ontesquieu estabeleceu o D ireito em um a base tão fir
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me q uanto G rócio e seus discípulos, em bora, como dissemos» de um
modo inteiramente novo.É verdade cue em diversos trechos ele parece falar de certos
princípios, inclusive princípios de Direitos civil e politico. como se
eles fossem auto-suficientes e independentes da natureza das soc ie
dades. “A ntes que as leis fossem feilas” . ele escreve, “h avia relações
de possível justiça. D izer que nada há de justo ou in justo senào o que
é ordenado ou proibido por leis positivas é o mesmo que falar que
antes da descrição d e um circulo n em todos os raios eram iguais."Xão ob stante, esse trecho nào é. de forma alguma , conflitante
com a interpretação apresentada acima . D izer que os sistem as legais
das sociedades tèrn raízes na natureza não é concluir que não há
sem elhança entre as leis e costum es de diferentes povos. Assim como
todas as sociedades, mesmo as mais dessemelhantes têrn algo em
comum, tam bém certas leis podem ser encontradas em todas as soci
edades. Essas são as leis que Montesquieu considera adequadas àsociedade em geral. Presentes onde quer que a sociedad e exista, es
tão im plícitas na própria noção de sociedade e podem ser explicadas
por ela. Assim, sua verdade pode ser demonstrada, não importa se
foram de fato estabelecidas pelo hom em ou se as sociedades existem
ou se nun ca existiram. B asta concebê-las com o possíveis. Em o utro
trecho, M ontesquieu cham a a essas leis de lei ern um sentido absolu
to e universal e declara que elas não são mais que a razao humanaconsiderada como o poder que governa iodas as sociedades, tias
podem ser deduzidas, pela pura força da razào. a pa rtir da definição
de sociedade, logo que se tenha essa definição. Talvez porque pos
sam ser encontradas em todas as nações e sejam conceb idas, em cer
to sentido, como anteriores ao estabelecimento das sociedades, ele
nào as distingue claramente das leis da natureza.
I lá apenas uma objeção justificada a essa doutrina: é que ela
divide o Direito e a É tica, que sào um só. ern duas partes diferentes
em origem e em natureza. Nào é fácil perceber com o elas se unem.
principalmente porque muitas vezes estão em desacordo. O Direito
A t e q u e p o n t o M o n t e sq u ie u d e í in k i o ca m po C ic n ci. i- _________
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McmUrsquieu c Rotisscau
natural e o direito civil ou politico às vezes exigem atitudes conflitantes.
Se não tiverem uma base com um , como se pode de cidir a qual obedecer? M ontesquieu pare ce pensar que devem os d ar .prioridade às
leis da na turez a.1Mas por que a natureza do homem seria mais sa
grada em todos os casos do que a da sociedad e? E le deixa a questão
sem resposta. Essa dificuldad e nào existia para os filósofos anterio
res, já que es tes derivavam o direito dc um único princípio. Mas se
houver dois princípios, nossa vida é arrastada cm duas direções, muitas
vezes diametralmente opostas. Há apenas um modo de sair desseimpasse, que é pressu por que todas as regras do Direito e do costu
me. mesm o as pertencentes à vida individual, resultam da existência
social. Mas. nesse ponto e em muitos outros. Montesquieu, apesar
da inovação de seu po nto de vista, perm anece prisioneiro das con
cepções ma is antigas.
4 . Ver L iv ro X X V I, caps . 3 . 4 e. e spe c ia lm en te , 5 .
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A classificacão dassociedades porMontesquieu
m __________________________________________________________________________________
Montesquieu não classificou as sociedades, mas antes os modos
corno são governadas. Conseqüentemente, ele simplesmente utili
zou as categorias tradicionais com ligeiras m odificações. Distinguiu
três tipos: a república - que inclui aristocracia e dem ocracia . a
monarquia e o despotismo. Com te o criticou duram ente por deixar
de lado o plano estabelecido no início do livro e retomar uma con
cepção aristotélica.' Mas, se exam inarmos a obra mais de perto, per
ceberemos que a sem elhança com Aristóteles c apenas aparente.
Para começar, sua classificação não é. corno a deste, baseada
no número de governantes. M ontesquieu considera a democracia e a
aristocracia como variedades de um m esmo c único tipo, embora na
primeira iodos os cidadãos participem do governo e na última ape
nas um pequeno número. Mas. embora o poder esteja nas mãos deurna única pessoa, tanto na monarquia quanto no despotismo, essas
formas não são apenas dessemelhantes, mas também antagônicas.
M uitos críticos disseram que essa distinção é confusa e am bígua, e
5. Cóurs dv philaçaphie positiva, IV, 18 1 ( cd Schlcichcr. IV. 129).
- 3 5 -
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M o r i te s q i n é u c K o u s s e a u
essa acusação seria justificada se fosse verdade que Montesquieu
levava em consideraçã o apenas os regimes p olíticos das sociedades.M as o alcance de sua visão é muito m ais amplo. pois. da forma como
os descreve, os três tipos dc sociedade diferem não apenas no núme
ro de seus governantes e na administração dos negócios públicos,
mas em su a natureza como um iodo.
Pode-se perceb er isso logo que vemos o m odo com o distingue
um do outro. Aristóteles e seu s seguido res derivam «ua classificação
de uma noção abstrata dc Estado, porém M ontesquieu base ia-se nospróprios fenôm enos. File não deduz seus três dpos a partir de um p rin
cípio a prioris mas dc uma comp aração das sociedades que conheceu
com seus estudos de História, em relatos de viajantes ou cm suas pró
prias v iagens, ü . de fato. o significado qu e dá aos termos nos escapa, a
menos que descubramos prim eiro a quais nações ele se refere.
Ele não dã o nome de “ república” a todas as sociedades adm i
nistradas po r todos ou parte de seus mem bros, m as às cidades-estado
gregas e italianas da Antiguidade e às grandes cidades italianas da
Idade Média. Todavia, cie eslá preocupado principalmente com as
antigas cidades-estado. e sempre que se refere à forma republicana
fica claro que tem em menle Roma. Atenas e Esparta. Isso explica
por que atribui tanto à dem ocrac ia quanto à aristocrac ia a caicgoria
de repúblicas. Co mo am bas as formas eram encontradas nas antigas
cidades-estado e, em alguns casos, uma até mesmo sucedia a outra
na mesma nação, não era possível separá-las completamente. Na
verdade, as nações bárbaras, embora freqüentem ente governadas por
todo o corpo dos cidadãos, nào foram, como veremos, incluídas na
citada categoria, e pode m os ter certeza de que se M ontesquieu esti
vesse familiarizado com a forma política da França atual ele não a
teria considerado republicana.
Quanto ã monarqu ia, ele só encontra essa estrutura social entre
;ís grandes nações da Europa moderna. Ele demonstra que cia nào
podia ser conhecida pelos pov os da An tiguidade e que apareceu pela
primeira vez quando os germâ nicos invadiram e dividiram o Im pe ro
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A c l as s if ic a ç ão d a s s o c i e d a d e s p o r M o n t e s q u i e u v
Romano. Obviamente, ele sabia que os gregos e latinos haviam sido
governados por reis po r muito tempo, mas a natureza de seu regime
parecia-lhe algo bern diferente da verdadeira monarquia. Quanto ao
despotismo, embora em certo sentido pudesse aparec erem qualquer
forma po lítica por m eio da corrupção, ele acredita que tivesse ex is
tência natural apenas no Oriente. Tinha em m ente os turcos, os persas
e muitos outros povos asiáticos, aos quais devem ser somadas as
nações da Europa Setentrional. Mas quem poderia duv idar que as an
tigas cidades-cstado, os reinos orientais e as nações européias mo
dernas representam três tipos totalmente distintos de sociedade?
m ____________________________________________________________________________________
Montesquieu distingue os três tipos de sociedade nào apenas
porque sào governadas de forma diferente, mas também porque di fe
rem em número, arranjo e coesão de suas partes componentes/'
A forma republicana prosperou em pequenas cidades e nunca
conseguiu estender-se além de seus estreitos limites; as cidades da
Antiguidade são exem plos dessa forma. O F.stado despótico, por ou
tro lado. é encontrado em grandes sociedades que se estendem por
vastas áreas as nações asiáticas, po r exemplo. O Estado monárquico
é de tamanho médio e, embora tenha unia população maior que a
república, tem m enos súditos que o despótico.
Além disso, a estrutura dessas diversas sociedades nào é sem
pre a mesma, nem seus membros sào unidos pelos mesmos laços.
Em uma república, particularmente em uma democracia, todos os
cidadãos são iguais e m esmo indistintos. A cidade-esiado parece ser
uma espécie de bloco formado por componentes homogêneos, ne
nhum superior aos outros.’ Todos zelam igualmente pelo bem comum. A queles que ocupam posições de autoridade nào estào acima
6. Sabemos que esses são os elementos que o próprio Durkhcim usa como basepara aquilo a que chama "morfologia social" [Nota do tradutor para o inglês]' . H a isse que Dwrkhciin chama, na Divisão do trabalho social. "so-idariedademecânica". (Nota do tiúdu-or para o ingdêsj
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Montcsq-.iieu e Rousseau
dos outros, pois exercem o oficio apenas por um determinado período.
Mesmo na vida privada há pouca diferença entre eles. De Falo, é oprincipio da república, ou ao menos o objetivo pelo qual ela se em
penha, que os recursos pessoais de um homem nào excedam em muito
os dc seus conc idadãos; po is em bora seja difícil atingir a igualdade
absoluta, as leis de q ualq uer república formam urna barreira a dife
renças excessivas dc fortuna, e essa igualdade seria impossível sem
restrições ã riqueza individual. Os bens de todos os hom ens devem
ser modestos se tiverem de ser mais ou menos iguais. “Como rodoindivíduo deve go zar da m esm a felicidade e das mesmas vantagens",
diz Montesquieu. “eles devem, conseqüentemente, provar os mes
mos prazeres e formar as mesmas esperanças, o que só se pode espe
rar de um a frugalidade geral".
F.m tal Estado, as fortunas privadas nào represcnlam um papel
importante 11a vida c no pensam ento dos indivíduos, que estão mais
preocupados com o bem -estar comum . Assim, a principal fonte dediferença entre os hom ens é eliminada. Até mesm o a vida privada é
mais ou menos a m esm a para iodos; a cond ição m odesta de todos os
cidadàos. e stabelecida p or lei. elimina quase lodo o estimulo ao co
mércio, que mal p ode existir sem uma certa desigualdade. Conse
qüentemente. a atividade de todas as pessoas é aproximadamente a
mesma. Eles lavram um pedaço de terra, que é do mesmo tamanho
para todos , e dali retiram a subsistência. Em sum a, nào há divisão de
trabalho entre os membros do corpo político, a menos que aplique
mos o termo à rotação do oficio público.
Esse é notave lmen te um retrato da democracia. Quanto á aris
tocracia. M ontesquieu a considera um a forma corrom pida de dem o
cracia (quanto m ais se pa reça com urna dem ocracia , mais perfeita é),
e podem os, por isso. deixá-la de lado.
Ê fácil imaginar o que a voniade unânime dos cidadàos pode
realizar em uma sociedade assim. A idéia da nação c a principal no
espirito dos homens. Como praticamente não há propriedade priva
da. o indivíduo é indiferente ao lucro pessoal. Nào há partidos anta
gônicos para criar a desunião en tre os cidadào s. Essa é a virtude que
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V
A c la s sif ic a çã o d a s s o c i e d a d e s p o r M o n t e s q u i e u ______________ 3y
M ontesquieu considera a base da república. Ele nào se refere ã v irtu
de ética. m as ã virtude política que reside no amor pelo pais e leva os
hom ens a pôr os interesses do Estado acima dos próprios. O termo se
presta a criticas, pois é ambíguo, mas o uso que dele faz Montesqu ieu
não deve nos surpreender. Nós mesm os nào o ap licamos a qualquer
atitude m oral que estabeleça limites ao interesse pessoal?
F.m uma república, em todos os casos, todos os cidadãos de
vem necessariam ente ter essa mesnií. atitude, já que todos têm o "es
pírito social" se pudermos usar esse termo e em vista da frugali
dade geral, o amor-próprio não tem do que se alimentar. A pane da
consciência individual que é uma expressão da sociedade e que é a
mesma para todas as pessoas é ampla e poderosa. A pa ne relaciona
da ao indivíduo e seus assuntos pessoais c fraca e limitada. Os c ida
dãos nào têm dc ser estimulados por um a força externa, m as por um
impulso natural subordinam seus próprios interesses aos do Estado.A natureza da monarquia é bastante diferente. Nela. todas as fun
ções da vida pública, assim como as da vida privada, são divididas
entre as diversas ciasses de cidadãos. Alguns se ocupam de agricultu
ra; outros, de comércio; outros, ainda, das diversas artes e ofícios. Al
guns fazem as leis. outros as executam como juizes ou governantes e
ninguém tem a permissão de afastar-se de seu papel ou de prejudicar o
dos outros. Assim, a monarquia não pode ser definida como o poderde uma só pessoa. Montesquieu acrescenta que mesmo que um a socie
dade seja governada por um único indivíduo, não deve ser chamada
monarqu ia a menos que tenha leis estabelecidas segundo as quais o rei
governa e que ele não pode m odificar arbiirariamcntc. Isso pressupõe
que haja ordens estabelecidas que limitem seu poder. Embora ele seja
superior a elas. elas devem te r um poder próprio e nào estar tào abaixo
a ponto de não poder resistir a ele. Pois se não houvesse barreiras àautoridade do príncipe, nào poderia haver lei limitando sua vontade, já
que as próprias leis dependeriam inteiramente dela. F. esse o principio
que distingue a monarquia de outros regimes políticos. A divisão de.
trabalho, que nào existe na república, tende a seu desenvolvimento
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M o nte sq u ie u c: Kou . sscai :
máximo na m onarquia. A sociedade monárquica pode scr comparada
a um organismo vivo, do qual cada pan e realiza uma função especificade acordo com sua natureza.
Isso explica por que M ontesquieu considera a liberdade política
peculiar à monarquia. A s classes - ou. para usar um rermo contem
porâneo. os órgãos - do corpo social limitam nào apenas a autorida
de do principc, m as tam bém uns aos outros. Com o cada um é impe
dido pelos outros de tom ar-se dem asiado poderoso e absorver todos
os poderes do organismo , ele é livre para dese nvo lver sua naturezaespecial, mas com m oderação. Estamos agora em posição de enten
der o papel representado pe la famosa teoria da divisão dc poderes no
pensamento de Montesquieu. E simplesmente uma forma particular
do principio de que as diversas funções públicas devem ser realiza
das por diferentes pessoas. Se Montesquieu atribui tanta importân
cia ã distribuição da au toridade, nào é para eliminar toda discordância
entre os diversos poderes, mas antes para forjar uma tal rivalidadeque nenhum dentre eles pos sa ser capaz de erguer-se acima dos ou
tros e reduzi-los ã insignificância.
O vinculo social em um a monarquia nào pode ser o mesmo que
o de uma república. Como cada classe se relaciona a uma área limi
tada da vida social, ela nada vê além da função que realiza. A mente
dos hom ens estã im buída da idéia dc sua ciasse, não da do pais. Cada
ordem tem apenas um objetivo, que não é o bem com um mas o auto-
enaitecimcnlo. Mesmo o indivíduo pr ivado preocupa-se principalmente
com seus próprios interesses. Enquanto na república a igualdade de
todos os cidadàos resulta inevitavelmente em uma frugalidade geral,
a diversidade de condições característica da monarquia desperta a
ambição. Quando há d iversos graus de posição, honra e riqueza, cada
indivíduo tem diante dc seus olhos pessoas com um padrão de vida
superior ao seu e que inveja. Assim, os mem bros da sociedade igno
ram o bem -estar geral em favo r de seus interesses pessoa is, dc forma
que inexistem as condições para aquela virtude que é o fundamento
da república. Mas essa mesma diversidade das partes componentes
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À c lass if ic açã o d a s so c ie d a d e s p o r M o n te sq u ie u Jl
contribui para a coesào. A ambiçào que promove a rivalidade entre
as classes e ind ivíduos também as leva a rea lizar suas funçôcs particulares da m elhor maneira possível. Desse modo, trabalham incons
cientemente para o bem comum, embora em sua mente estejam pro
movendo apenas seus interesses pessoais. A emulação resulta em urna
harmonia entre os diferentes elementos da sociedade.
Montesquieu chama a esse esiirnuio ã vida pública em uma
monarquia honra. Usa o lermo para design ar as am bições partícula
res de indivíduos ou classes que fazem os hom ens sc em penh ar para
atingir a condição m ais elevada possível. Essa atitude sò ê possivel
se os homens tiverem uma certa preocupação com a dignidade e a
liberdade. Assim, a honra nào deixa de ter sua grandeza, mas pode
dar origem a um amor-próprio excessivo e tornar-se facilmente um
defeito. Em diversos trechos. M ontesquieu fala com uma certa seve
ridade de honra e dos costum es m onárquico s em geral. Todavia, elenào tem a intenção de depreciar a monarquia. Esses inconvenientes
nascem somente do desenvo lvimento dos negócios particulares e da
maior liberdade de que gozam os indivíduos na busca de seus inte
resses. A Virtude, para ele. é tào rara e ditlcil de a tingir que o gov er
nante prudente deve usá-la com a m aior das cautelas. Essa sábia or
ganização ca sociedade, que sem exigir a virtude estimula os ho
mens a grandes empreendimentos, é tào admirável, na opinião dcMontesquieu, que ele prontamente lhe perdoa cenas imperfeições.
Pouco direi sobre o despotismo, já que o próprio M ontesquieu
parece ter se preocupado menos com ele. Essa forma de governo fica
a meio caminho entre as sociedades que acabamos dc discutir. Um
despotismo pode ser uma variedade de m onarquia em que todas as
ordens foram abolidas e não há divisão dc trabalho ou uma demo cra
cia em que todos os cidadàos, exceto o governante, são iguais, masiguais em estado de servidão. Por isso. tem o aspecto de um monstro,
no qual apenas a cabeça c viva. tendo absorvido todas as energ ias do
organismo. O princípio da vida social nessa sociedade não pode *er a
virtude, porque o povo não participa dos assuntos da comunidade.
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.:2 Montesquieu e Rousscau
nem a honra, porque não há diferenças de condição. Se os homens
concordam com uma sociedade assim, c porque se submetem passivamente ã vontade do príncipe, ou seja. somente por medo.
O que foi dito basta para deixar claro que M ontesquieu distin-
guia tipos definidos de sociedade. Isso seria ainda mais evidente se
entrássemos em detalhes, pois eles nào diferem apenas em princí
pios estruturais, m as cm todos os aspectos da vida. Costumes, práti
cas religiosas, família, casamento, criação de filhos, crimes e castigos
nào são iguais em um a república, em um a monarquia ou em um despotismo. Montesquieu parece ter se interessado mais pelas diferen
ças entre as sociedades que por suas semelhanças.
um______________________O leitor pode se perguntar por que, se Montesquieu dc fato
classificou e descreveu tipos de sociedades, ele as definiu assim elhes deu esses nomes. Ele nào as distingue e nomeia baseado na div i
são do trabalho ou na naturez a de seus laços sociais, mas apenas de
acordo com a natureza da autoridade soberana.
Esses diferentes pontos de vista nào são incompatíveis. Era
ncccssário definir cada tipo em termos dc sua propried ade essencial,
a partir da qual as outras se seguiriam. A primeira vista, a forma de
governo parece atender a essa condição. Nenhum aspecto da vida
pública é mais aparente, mais evidente a todos. Como o governante
está no topo. por assim dizer, da sociedade, e ê muitas vezes, nào
sem razão, chamado de "cabeç a" da nação, tudo, acredita-se, depen
de dele. Além disso, os predecessores de Montesquieu ainda não
haviam descoberto nenh um outro aspecto dos fenômenos sociais que
pudesse servir como um princípio de classificação e. apesar da origi
nalidade de sua abordagem , foi-lho difícil romper inteiramen te com
o ponto de vista antigo.
Assim se explica por que ele classificou as sociedades de aco r
do com a forma de governo. \ a verdade, esse método está sujeito a
muitas objeçôes. A lorma de governo nào determina a natureza de
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s
A c la s sif ic a ç ã o d a s s o c i e d a d e s p o r M o n t e s q u i e u B
uma sociedade. Com o demonstramos, a natureza do poder supremo
pode ser modificada, ao passo que a estrutura social perm anece into cada. ou. inversamente, ela pode pe rmanecer idêntica em sociedades
que diferem ao extremo. Mas o erro reside nos termos mais do que
nas realidades, pois além do regim e político M ontesquieu m enciona
muitas outras características pelas quais as sociedades podem ser
diferenciadas.
Se deixarmos de lado sua terminologia, p.*ovavelmente nào
poderemos encontrar algo mais confiável ou mais penetrante em todoo trabalho do que essa classificação, cujos princíp ios sào válidos até
hoje. As très formas de viria social descritas constituem três tipos
realmente distintos e ele dá um relato bastan te exato de suas nature
zas específicas, assim como das diferenças entre eles. Obviamente
nào havia tanta igualdade e frugalidade nas antigas cidades-estado
quanto supô s M ontesquieu. M as é verdade que naquelas sociedades
o escopo dos interesses privados era mais limitado e os assuntos dacomunidade ocupavam um lugar maior que rias nações modernas.
Montesquieu tinha uma admirável compreensão rio fato de que o
cidadão individual de Roma e de A tenas linha pouquíssim as posses
pessoais e que isso contribuía com 2 unidade social. Na sociedade
moderna, por outro lado. a vida individual tem um campo m ais am
plo. Cada um dc nós tem sua própria personalidade, opiniões, reli
gião e modo de vida; caria um traça uma distinção profunda entre sipróprio e a sociedade, entre suas preocupações pessoais e os assun
tos púb licos. Por isso. a solidariedade social nào pode ser a mesma,
nem pode v ir da mesm a fonte: ela resulta da divisão de trabalho, que
torna os cidad ãos e a ordem social dep endentes uns dos outros. Com
grande visão. M ontesquieu distingue aquilo a que chama de governo
despótico de outros tipos de organização, pois os impérios persa e
turco nada tinham em com um com as cidades gregas e italianas oucom as nações cristãs da Europa.
Pode-se argumentar, porém, que 0 governo despótico é sim
plesmente uma forma de monarquia, pois mesmo em uma monar
quia 0 rei tem o direito de m odificar leis, de forma que sua vontade é
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41 M o n t e s q u i e u c R o u s s ca u
a lei suprema. Mas as estruturas dessas sociedades sào bastante
distintas. As diferenças cie condição peculiares à monarquia nào existem no Estado despótico. Além do mais. em uma monarquia nào c
importan te o fato de o rei ter ou não o direito de m odificar as -eis: na
prática real ele nào pode fazê-lo porque seu poder é limitado pelo
poder das ordens. Já se objetou, com razão, que nenhum déspota
jam ais teve poder il im itado. Mas o próprio M ontesquieu corrig e sua
primeira definição e recon hece que m esm o em um Estado despótico
há certos controles sobre o pod er soberano, em bora sejam diferentes»dos que agem na monarquia, já que não têm sua fome 110 poder rias
diversas ordens, mas na autoridade suprema e única representada
pela religião, nào apenas jun to ao povo. mas também no espírito do
déspota. Sem sombra de dúvida, a religião tem esse poder nessas
sociedades. Ela não apen as independe da vontade do príncipe, mas
também, como Montesquieu observa com pertinência, ê a fonte de
seu poder exorbitante. Assim, nào surpreende perceber que a reli-
giào limita seu poder.
Para com preender claram ente o ponto de vista de Montesquieu
sobre esse assunto, devem os acrescentar um quarto tipo de socieda
de. que seus com entaristas costumam ignorar m as que requ er nossa
atenção por ser a fonte da mon arquia. Consiste nas sociedades que
vivem da caça ou da criação de gado. Sào diferentes das outras em
muitos aspectos importantes. Por exemplo, sua população é muito
pequena; a terra nào ê dividida entre os mem bros; nào têm leis. mas
apenas costumes; os anc iãos têm a autoridade suprema, m as sào tão
ciosos da liberdade que nào toleram um poder duradouro. Inquestio
navelmente essas sào características de sociedades inferiores - po
deriam ser classificadas com o dem ocracias inferiores. Montesquieu
divide esse tipo em duas categorias: quando os homens vivemdispersos em pequenas so ciedades sem ter laços cnlre si. ele os cha
ma.'$elvagens\ quando vivem em sociedades, unidos para lbrm ar um
todo m aior, ele os denom ina bárbaros. Os prim eiros geralmente são
caçadores; os últimos, sào criadores de gado.
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A c ía^s it icação d as so c i ed ad es p o : M o iU eso u ieu
A classificação das sociedades de Montesquieu é apresentada
na tabela que se segue:
C'om um poder
soberano claramente
definido
SOCIEDADES
Monarquia
República:
Despotismo
Aristocracia
Democracia
Sèm um poder
soberano clara
mente definido
Povos bárbaros
Povos selvaeens
Deve-se considerar esta tabela e a ampla variedade de povos
que ela abrange para pereeber que Montesquieu não utilizou sim
plesmente a classificação dc Aristóteles com leves alterações, mas
produziu um sistema original.
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Até que pontoMontesquieu acreditava
que osfenômenos sociais estãosujeitos a leis definidas?
m ________________________________________________________
Montesquieu não se limita a classificar as sociedades. Kie acre
dita que os fenôm enos sociais, sobretudo aq ueles de que {rala espec i
almente. recaem em um a ordem determ inada e sào, por isso. adequados
a uma inlerprelaçào racional. P.ssa idéia e declarada no início dolivro, em que encontramos a famosa definição: ‘‘Leis sào relações
necessárias que surgem da natureza das coisas", fcssa definição sc
aplica nào apenas às leis da natureza, mas também às que governam
as sociedades hum anas.
De acordo com Augu sto Com te, Montesquieu subseqüen temen
te se afasta desse principio, resultando em que nenh um a ordem pode
ser percebida na m assa de fatos que acumulou.* Hssa aeusaçào é in
fundada. Sem pre que M ontesquieu formula uma lei. m ostra que ela
S. Cours d e phihsophie positive. cd. Sch leicher, IV. I S 1
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•1S M ontesqu i eu c Rousscau
depe nde de co ndiçõ es d efinidas. Estas são de dois tipos: prim eiro, <is
inerentes na natureza das coisas às quais a lei pertence; por exemplo. a natureza do comércio sc ela pertence ao comércio, a da reli
gião se tem a ver com religião: e em segundo lugar, as condições
mais extensas e importantes inerentes à natureza da sociedade en
volvida. Com o já dissem os, a m aioria das le is nào pode ser as m es
mas em um a mon arquia e em uma república ou em um Estado des
pótico. Entre os povos interiore s as leis seq uer existem. Dado o lipo
de listado, o sistema dc leis deve necessariamente seguir-se.M ontesqu ieu leva ainda m ais lor.ge essa seqü ência causai. Não
contente em mostrar que as le is dependem da forma da sociedade,
ele busca as causas das qua is a própria form a da sociedade depende
e, entre essas causas, aquela que representa o papei principal, ou
seja. o volum e da sociedad e.
Consideremos, p or exemplo, um a sociedade confinada a l im i
tes estreitos. Os assuntos da com unidade estão em todos os m om en
tos presentes ã vista e na m ente dc cada cidadão. C am o as condições
de existência sào aproximad am ente as m esmas para todos pois em
tal sociedade a sim ples falta de espaço tom a a diversidade im possí
vel o m odo de vida c m ais ou menos o mesm o para todos. Mesmo
os que estão no po der são ape nas primi inter pares, pois sào investi
dos apenas de um a autor idade l im itada conforme aos l im ites da so
ciedade. Sem pre presente n o espir ito de todos, o p ensam ento de seu
pais tem m uita força porq ue não é limitado por qualq ue r outro. Essa
c claram ente um a desc rição da república. M as se a sociedad e cresce,
tudo m uda. Fica m ais difícil para o cidadà o individual ter um se nti
mento cs bem público, pois ele percebe apenas um a pequena parte
dos interesses do país. A diferenciação crescente da sociedade dá
origem a posições e objetivos divergentes. Mais que isso. o poder
soberano sc toma tào grande que a pessoa que o exerce está muito
acima das outras. A sociedade não pode deixar de mudar da forma
republicana para a m onárqu ica. Ma s sc o volume aum enta ainda mais
e se torna excessivo, a m onarquia abre cam inho ao despotismo, pois
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Até C|t;e ponto Monstesciuteti acreditava que OS lenõmer.os...
um vasto im pério não pode sob reviver a m enos que o príncipe tenha
um po der absoluto q ue o capaci te a m anter a unidade ent re po pu la ções espalhadas por uma área tào ampla. E tào próxima a relação
entre a natureza de um a sociedade e seu v olume q ue o principio pe
cul iar a cada t ipo deixa de ag ir se a pop ulação aum enta ou diminui
em excesso.
Obv iam ente , m ui tas objeçòes aparecem nesse mom ento, M ui
tas nações cuja população é l imitada ou mesmo bastante pequena
sào gov ernadas por déspotas . Out ras , com o a nação juda ica , cuja
população era bem maior que as das c idades gregas e i ta l ianas ,
t inha m um a certa forma dc organizaçã o dem ocrát ica. E se olharm os
em de talhe, m uitas vezes desco brimo s algo bastante vago e incerto
na própria expl icação. Ap esar disso. M ontesquieu dem onstra grande
percepção ao atribuir essa influência ao número de unidades sociais.
Esse fator é realm ente da m aior importância para determinar a natureza
das sociedades e. em nossa opinião, está na origem das maiores diferen
ça s entre cias. A religião, a ética, o direito, a família, etc. não podem ser
os m esm os em um a soeiedade grande e em uma pequena. Há um ponto,
porém, que M ontesquieu deixou de notar, ou seja. que o essencial não c
o núm ero de p essoas sujeitas à m esma autoridade, mas o núm ero ligado
po r algum tipo de relacionam ento. Pois po r m aior que seia o núm ero de
pessoas q ue obedece a um m esm o líder, se a distância ente grupos fortào grande que só possa h aver pouca ou nenhum a relação entre eles. o
tamanho da população nào tem qualqu er efeito.
M ontesquieu m enciona m uitos outros fatores que afetam a n a
tureza das sociedades, e foi neles que os com entaristas conc entraram
sua atenção. Por exem plo, há a característ ica geográfica do territó
rio. Planícies amp las e ininterrup tas favorecem o estabelecim ento do
Estado despót ico porque grandes impérios podem se espalhar maisfaci lm ente em um terreno desse tipo. Regiões m ontan hosa s e ilhas,
po r outro lado, são cidadelas de l iberdade porque m ontanh as e mar
sào obstáculos à autoridade de um líder. Não apenas a lopografia.
mas também a natureza do solo deve ser levada cm consideração.
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M o n t e sq u i e u e R o u s ü c ü u
Um solo estéril c propicio à indústria e ã frugalidade, o que abre
cam inho à rcpúb lica. U m solo fértil , por ou iro lado. estimu la o inte
resse próprio c o am or pela r iqueza c condu z à mo narquia . Um solo
excessivamente férti l convém às formas inferiores de democracia,
pois um a vez que é naturalm ente prod ut ivo nào precisa ser cult iva
do, nem. conseqüentemente , dividido entre os membros do grupo.
Por fim, um clima quente debili ta a mente e o corpo e força os ho
m ens ã servidão.
Esses fatores parcialmente determinam nào apenas a natureza
rie um a sociedade e sua estrutura legal ern geral , m as m esmo a subs
tância de leis cm pa rticular. Assim , um clim a extrem am ente quente
dá origem à escravidão civ il , à poligam ia e a determ inados costum es
domés t i cos . A ind i fe rença de mente e co rpo re su l t an te t r az a
imutabilidade das leis. das práticas religiosas e dos costumes. Isso
explica por que o com ércio é tào diferente no O riente e na Europa.
Em bora M ontesquieu nào ponha n topografia e o clim a 110 mes
mo grau que o tamanho da população e embora reconheça que sào
dom inantes apen as entre po vos se lvagens, deve-se adm iti r que sua
influência nào foi. em parte alguma, tào grande quanto ele pensava.
A virtude dom éstica, po lítica e privada é encon trada em países total
mente diferentes em clima e ferti l idade do solo. Todavia, mesmo
esse exagero m ostra 0 quanto M ontesquieu ach ava que os fenôme
nos soc iais estã o sujeitos a leis definidas.
() que foi dito até ago ra pode ser resum ido da segu inte forma: otipo de sociedade, as leis e insti tuições de um país podem ser deduzi
dos a partir do tam anho d c sua po pulação, de sua topografia, clima e
solo.
M as discutimos apena s um a pane d a doutrina apresentada por
M ontesquieu rio Espirito das Leis. Vamos passar a uma outra, que
parece contradizer a primeira. A contradição deve ser examinada
muito de perto, pois nos permit irá obter uma com preensão melhornào apenas das idéias de no sso autor, mas tam bém das dificuldades
encontradas pelo desenvo lvimento da Ciência Socia l, nào som ente
no tempo de Montesquieu, mas também no nosso.
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A t e q u e p o n t o M o n s t c s q u i e u a c r e d i t a v a q u e 05 f e n ô m e n o s , .
m ________________________________________________________
C om o vim os, iogo que nos cert if icam os de que há um a ordem
determinada na existência social , necessariamente reduzimos o pa
pe! do legislador. Pois se as in stituições so ciais vêm da na tureza das
coisas, nào dependem da von tade de qu alquer cidadão ou cidadãos.
Na obra de M ontesquieu, porém, o legislador aparece como o indis
pensável artesão das k is. Em div ersa s passa gen s, ele fala das leis dc
Rom a. F.spaita e A tenas com o se elas tivessem sido criadas com todas as peças po r Rô m ulo, N um a, Sòlon e Licurgo. Qu ando , em outra
obra. ele conta o inicio da história do Estad o rom ano, assum e com o
princípio que as instituições das nov as naç ões são criada s pelos l ide
res e que apenas depois os l ideres si io formados pelas insti tuições.
Por essa razão, ele distingue claramente entre leis e costumes: os
costumes surgem espon taneam ente a part i r da existência social; as
leis são estabelecidas peia vo ntade espon tânea do legislador. Esse é
o sentido da seguinte afirma ção n o prim eiro capítulo do l ivro: ‘'For
mado para viver em sociedade, ele poderia esquecer seus deveres
sociais; e por isso os legisladores o confinam a seus d eve res’'. O bv i
am ente, M ontesq uieu nào acreditava que as leis pud essem ser feitas
arbi trariam ente: afirmava que os co stum es e com a religião estavam
acima do poder do legislador e que mesmo as leis relacionadas a
outros assuntos tinham de se r com patíveis com os costumes e com a
religião. M as o v erdadeiro e stabelecim ento dessas leis está nas müos
do legislador. 1lá até m esm o sociedad es em que nào ap enas as leis,
como também a religião e os costumes podem , ate cerio ponto, ser
m oldada s pelo príncipe. Em bora isso seja raro. a afirmaç ão m ostra a
imp ortância dada por M ontesquieu à autoridade poli tica.
Isso pode ser faci lmente entendido se perguntarmos o queM ontesquieu queria d izer ao de clarar que as leis hum anas surgem da
natureza das coisas - porque isso pode ser interpretado de duas man ei
ras. Pode querer dizer que as leis se seguem à natureza das coisas
ou seja, das sociedad es assim com o um efeito se segu e à causa
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M ontcsmi ieu e Kousscau
que o produ z; ou a inda, pod e querer dizer que são s im plesm ente ins
trumentos que a natureza da sociedade exige para se realizar, ouseja. para ating ir seu fim. Em outras pa lavras, será qu e teríamos de
entender que o estado da sociedade é a causa eficiente das leis ou
apenas sua causa final? Montesquieu parece nem mesmo suspeitar
que po ssa exis t ir o prim eiro s ignif icado. E le nào diz que as le is de
uma dem ocrac ia resultam necessar iamen te do núm ero l im i tado dc
seus c idadão s ass im com o o ca lor resul ta necessariamen te do fogo,
mas antes que apenas elas possibil i tam a frugalidade e a igualdadegerais que estào na natureza desse tipo de sociedad e. Disso também
nào advém que as le is podem ser fe itas arbi t rariam ente J á que, sob
determinadas condições socia is, apenas um corpo dc le is é aprop ria
do e nenhum ou t ro pode r i a se r impos to a uma soc iedade sem
eorroro.pè-la. M as o que é ad equ ado a uma so ciedad e em particular
pode ser determinado apenas por homens que tenham uma visào
persp icaz de sua n atureza e sejam cap azes de indicar po r que ob jeti
vo ela deve se empenhar e como. Essa é a tarefa dos legisladores.
Assim, nào é de surpree nd er que M ontesquieu lhes a tr ibua um a cer
ta primazia . Se supu serm os, porém , que as le is sào produzidas por
causas efic ientes das quais os hom ens mu itas vezes podem nào es
tar conscientes, a função do legislador é reduzida. F.la consistirá,
então, s imp lesm ente de exp ressar com clareza superior aquilo que é
fracamente percebido pela mente dos outros. Mas o legislador nada
produz - ou quase nada - de novo. M esm o que e le nào exis tisse ,
seria preciso hav er le is , mesm o que fossem m enos c laram ente defi
nidas. Todavia, som ente ele pode redigi-las. Certo. M as ele é apenas
o instrumen to de sua promulgação» nào sua causa geradora .
F.ste nào é lugar certo para discutir se há instituições sociais
que dependam inte iramente de causas f inais . De qualquer modo,
podemos ter a certeza dc que existem muito poucas. A vida social
inclui tantos fenômenos que nào há mente capaz de considerá-lostodos. P or isso. não ex iste u m m odo fácil de pre ve r o que seria útil c
o qu e seria prejudicial. M esm o sc esse cálculo n ão estivesse, na m aior
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A~c g»c ponto .Vor . s lcsquieu ac redi tava qiu~ os fenômenos . . .
parte, alem dos po de rei da m ente humana, d c seria tão obsc uro que
pouco influenciaria as ações del iberadas dos hom ens. Os fenômen os
sociais não são, via de regra, prod uto dc ação calculada. As leis não
sào disposi tivos pensados pelo legislador porque parecem estar em
harmo nia com a natureza da sociedade. Elas surgem com m ais fre
qüência de causas que as engendram por um Tipo de necessidade
fisica. Em co nseq üên cia da situaç ão particular da sociedad e, a vida
comunal deve necessariamente assumir uma certa forma definida.
Essa forma e expressa pelas leis , que assim acabam po r ter a mesm a
inevitabilidade das causas eficientes. Negá-lo seria admitir que a
m aioria dos fenôm enos sociais , part icularm ente os mais im portan
tes, nào têm qualquer causa. As leis adequadas à sociedade romana
nun ca pod eriam ter sido ded uzidas a p artir cio peq uen o tam anh o da
Roma primitiva. A igualdade e a frugalidade, que de acordo com
Montesquieu eram impostas peias leis. nào foram criadas por essasleis. Elas resultaram de um mo do de vida e foram simp lesm ente co n
solidadas pelas leis.
M ontesquieu sem dú vida teria visto isso caso reconhecesse que
as leis não diferem , em na tureza, dos costum es, mas, pe lo con trário,
derivam d e le s .S à o s im plesmente costumes mai s n itidamente def i
nidos. Como iodos sabem, os costumes nào sào criados deliberada
mente. mas engendrados por causas que produzem seus efeitos quasesem conhecim ento dos hom ens. O m esmo se aplica à origem da maior
parte das leis. Isso nào significa que elas sejam inúteis. Bem pelo
contrário. Elas não poderiam cont inuar fones se nào cumprissem
certas funções sociais úteis. M as nào foi essa util idade que as fez vir
a ser. Longe de deliberadamente lutar por ela» os homens em geral
9. Na verdade, ele exige que o legislador se conforme aos costumes e ao gêniopecu liar de um determ inado povo (Liv ro X IX. caps. ?.-<>) c n; ostra que as lc:s temuma certa influência na formação do s costumes {ib id . ca p. 27). 'lod av ia. cie dis-tinyue os dois a ponio de considerar o que foi estabelecido por lei com o imuiãve'..cxceiò pela lei. assim como apenas o costume pode mudar o que porience ao costume {ibin . cap, 14). Por isso é difícil entender como essas coisas se misturam nocaso de certos povos (ibid.. cap. 16 c ff.).
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5'í Montesquieu ^ Ruusseau
nào têm m uita con sciência de sua existência. Sentimo s que as regras
do direito e do costum e sào b oas. mas $e rios pergu ntassem p ara queservem, a discussão seria infini ta . Embora possamos compreender
como uma determinada lei é úti l à sociedade, isso nào explica sua
origem . Por isso. quem q u er que l imite sua bu sca às causas finais dos
fenô m eno s sociais p erde de visla suas origen s e é infiel à Ciência. É
o que aconteceria à Sociologia se seguíssemos o m étodo de M ontes
quieu .',0
[ m i______________________________________________________
As regras do D ire ito não nascem nece ssariam ente da natureza
de um a sociedade, jã que perm anecem escondidas nas profundezas
da realidade a menos que um legislador as distinga e as traga à lu/ .
M ais que isso. de acordo com M ontesquieu, e las podem até m esmo
assumir uma forma diferente daquela resul tante das causas que as
produ z. Ele atribui à$ socied ade s hum anas um a espécie de habilidade para de sviar-se de su a pr ópria natureza. Para ele. os ho m ens nào
observam as le is naturais inerentes ã sua const ituição com a m esma
necessidade das coisas inanim adas, e podem em certas ocasiões sa
cud ir o jugo. M ontesquieu introduz assim nos fenômenos socia is um
elemento de incerteza que parece, ao menos à primeira vista, irre-
eonciliável com a existência dc um a determinada ordem , já que. onde
essa incerteza prev alecess e, a rclaçào entre cau sa e efeito de ixaria deser constante e imutável. E essencial que definam os essa incerteza,
pois há razoes para tem er que e la possa destruir os próprios funda
mentos da Ciência Social .
Pode-se sup or que M ontesquieu apresentou esse principio por
que o julgav a indispensável ao conceito de l iberdade hum ana. M as
se essa fosse a verdad eira razão, a incerteza n ào adm itiria exccçào e
10. Aqui se pod e dizer que D urkhe im <le falo parcc c dem asiad o sev ero com M ontes qu ieu . Ver o en sa io <.1? M. D av y. [N ota do tra du tor para o inglês]
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A le <jutr p on lo M on stcsq uic u ac red itav a CjUc os fenôm enos... 35
sc estenderia a toda a vida. N ão esp eraríamo s que nosso autor , que
diz tão def ini tivam ente que os h om ens e as sociedades sào go vernados p or leis que ele se esforçou po r descobrir , se con tradissesse d es
sa mane ira. M ais que isso. parece bastante im provável que seu ponto
de vista se baseie em qu alque r m etafísica. N ada. em todo seu traba
lho. sugere a mais leve preo cup ação com p roblem as m etafísicos. Fim
nenhum a parte surge a qu estão do l ivre-arbí tr io. C onseq üentem ente,
não há razão para su po r que um a hipótese f ilosóf ica devesse assum ir
tam anh a imp ortância para ele. E há um trecho no prim eiro capítulo
do livro que vai distintamente contra essa interpretação. Ali, Mon
tesquieu af irma que esse elemento de incerteza nào é peculiar ao
homem . Ele também o encontra em anim ais e m esm o as plantas nào
parecem inteiram ente desprovidas dele.
F. le nos conta que ele próprio o concebera apenas como um
meio de explicar a or igem do erro. Sc nunca cometêssemos erros,dever íamos obedecer ãs le is de nossa natureza sob quaisquer ci r
cunstâncias. Se desejamos descobrir o que o levou a essa opinião,
devem os antes determinar o que q uer dizer com a "natureza das coi
sas" . Ao usar esse term o, cie nào se refere a todas as p ropriedad es de
um a coisa, m as apenas àqu eias que incluem as outras e determ inam
a espécie à qual a coisa pertence: em sum a. sua essência. A lém disso,
ele acredita haver um laço lógico entre a natureza de uma coisa esuas formas normais, estando as úl timas im plíci tas na primeira. A s
s im. se é verdade que hom ens e sociedades nun ca se desviam de sua
natureza, eles serào sempre e em toda parte o que devem ser . Mas
tanto a vida individual qua nto a vida social sào, sob m uitos aspectos,
imp erfei tas. H á leis injustas e inst i tuições d efect ivas que as so cied a
des receberam dos erros dos legisladores. N a opiniào de M ontesquieu,
isso tudo p arece indicar que o hom em tem um a certa facu ldade de se
desv iar das leis da natureza. Isso nào just if ica falar de fatos que nào
têm causas. M as essas causas sào fortui tas e. po r assim dizer , ''ac i
de ntais ' ’. For isso nào p odem ser reduzidas a leis: elas corrom pem a
natureza das coisas, que as leis. ao contrário, expressam.
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5ê Montesquieu e Rousscau
() principio do qual ioda essa l inha dc argumen tação depende é
cena m enie falso. Na m edida ein que esses erros se relacionam á existência social, são simp lesme nte doen ças do organismo social. M as a
doença, assim co m o a saúd e, e inerente ã natureza do s seres vivos. Os
dois estados nào são contrários. Pertencem ao mesmo tipo. Podem,
por isso. ser com parad os e a interpretação de am bos se beneficia dessa
com paração. Mas essa falsa opinião se encaixa tào bem com a aparên
cia externa das coisas que pers is t iu por muito tempo, mesmo em
Psicologia. Co m o parecia ev idente que os seres vivos eram na tural
mente saudáv eis, con cluiu-se que a doença e uma violação d o estado
da natureza porque é um ob stáculo à saiklc. Assim . A ristóteles ac re
ditava que a doença, os monstros e todas as formas aberrantes da
vida eram o resultado de algu m a incerteza obscura. Não seria possível
livrar a C iência Social desse erro de um a vez só. particularm ente por
que a doença nào ocupa, em lugar algum, um lugar tão importante
quanto nas sociedades hum anas e porque o estado normal nào é tào
indeterminado em qua lquer outro lugar, nem tào difícil de definir.Assim se explicam diversos t rechos em que M ontesquieu pa
rece a tr ibuir ao leg islador o estranho p od er de fazer violência ã p ró
pria natureza. Por exemplo, em países nos quais o calor excessivo
inclina os hab itantes à indolência, eie recom enda que o leg islador a
reprima de iodas as m aneiras possíveis. M as em bora esse vício nas
ça de causas t ísicas. Montesquieu nào acha que se opor a ele seria
violar as leis da natureza, m as antes que isso representaria um esfor
ço para trazer os homens de volta a sua natureza normal, que é in
compatível corri essa indolência. Pela mesma razao. ele diz que em
sociedades de pessoas soberbas e destemidas devem-se empregar
severas pun ições para dim inuir esse ardor. Se o legislado r tem todo
esse poder em todos esses casos, nào é porque as sociedades care
çam de leis ou de na tureza definida, podendo , portanto, ser organiza
das da maneira que ele deseja, mas antes porque sua açào será no
sentido de m anter a natureza, normal do hom em e das sociedades e selimitará apen as a auxiliá-la.
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Atc. qiic ponto Monstosquicr. acreditava que os feiK>:;i<rno*.._______£~
Assim, o ponlo d c vis ia d c M onlesquieu nào im plica um a ver dade ira contradição. E!e nào c!z que um a determ inada ordem existe
ou falie cm rclaçào aos m esm os falos sociais. Sem pre que as coisas
são normais, elas seguem leis necessárias, e essa necessidade cessa
apenas quando há um desvio do cSlado norm al. Co nseqüentemente,
o elemento de inceneza não dcsirói a Ciência Social , mas apenas
lim ita seu alcance. A C iência Social irata quase que exclusivam ente
das formas norm ais de vida em sociedade: na opinião de M ontesquieu.as doenças csiào praticamente além do alcance da ciência, porque
não estão s ujeitas às leis da n atureza.
Mesmo sua concepção de lei natural , que é fundamental a to
das as suas idéias, perm anec e m uito obscu ra e im precisa. Leis são as
relações necessárias entre as coisas, mas se podem ser violadas às
vezes, a necessidade nào é m ais real. mas puram ente lógica. Nesse
caso. elas expressarão o que está im plicado na definição de uma so
ciedade. m as talvez ;i definição n ào surja racionalm ente da natureza
da so ciedade em q uestão. Elas nos dirão então o que é racional, em
vez do que de falo existe. E realm ente, em bora M ontesquieu. longe
de achar que os hom ens sempre, ou m esm o freqüentemente, se des
viam do cam inho reto. m ostre um tipo de respeito espon tâneo pelo
que foi confirma do pela expe riência geral prolongada, ele recon hecem esm o assim que tod os os indivíduos de uma espéc ie idêntica reve
lam certas ano m alias. N ào con segu e ver que. o que q uer que esteja
un iform em ente presente em um a espé cie inteira, não pode deix ar dc
co rresp on de ra necessidades definidas. Por exemplo: em bora a insti
tuição da escravidão ex istisse em iodas as cidad es greg as e i tal ianas,
ele diz ser repugn ante à natureza das repúblicas. Em bora apen as os
hom ens gozem do direi to de repudiar sua esposa em sociedade s nas
quais as mulheres vivem em um regim e dc escravidão dom éstica, ele
insiste cm que nessas mesmas sociedades o contrário deveria ser
verdade. Chega até m esm o a dizer que apen as um tipo de sociedade
é inere ntem en te •*’ tivo e co rrup to, o de spotism o, em bo ra re co
nh eça que é necessário cm ce rtos lugares. Sob essas circuns tâncias, a
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M ontesqu ieu e Rousseau
ordem que a ciência deve buscar seria diferente de qualquer coisa
que já existiu . C onseqüen temen te, as leis que a expressam podem terapenas uma form a ideal, pois dem onstram o que deveria ser . e nào o
que é. F.ssas leis não sào. como as outras leis da natureza, inerentes
aos fenôme nos, ou antes não são o s próprios fenôm enos considera
dos sob um aspecto par ticular ; estão acima do s fenôm enos, embora
nem sem pre sua autoridade seja respeitada.
Nesse aspecto. M ontesq uieu retorna, até certo ponto - m as ape
nas até cer to ponto à ant iga concepção de Ciência Social . Algumasvezes* na verdade, ele nào fica longe de confundir leis naturais com
regras que prescrevem a conduta apropriada. M as está longe de se
guir as pegadas dos an l igos f ilósofos que ignoram a natureza com o é
e montam um a outra natureza própria . M esm o sem formular um prin
cípio exato a esse respeito, ele com preendeu instintivamen te que uma
coisa raramente pode ser universal a menos que seja saudável e ra
cional ao mesm o tempo. Foi p or isso que tentou, como vimos, descrever e explicar os tipos sociais segundo uma base histórica. Ele
nào se aventurou a corrigi-los até descobrir algo que lhe parecesse
inconsistente com sua essência da forma como a concebera a partir
da observação da real idade . Em bora a concepção que M ontesquieu
fazia da lei natural não se estenda ã totalidade da existência social,
ela se aplica à ma ior parte dela. Sc seu trabalho ainda gua rda algo da
antiga confusão e ntre Arte e Ciência, algo vago e incerto, esse defeito só se manifesta ocasionalmente.
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O método de Montesquieu
m _______________________________________ _____________
Enqu anto a C iência Social era apena s um a arte, os que escre
viam a respei to de qu estões socia is em pregavam p rincipalmen te o
m étodo ded utivo. A pa rtir da noçã o geral de hom em , eles derivavam
a forma de sociedade conforme a natureza hum ana e os preceitos a
serem o bservad os na vida social . É preciso falar um pouco sobre as
deficiências desse mélodo. M esm o na arte. a dedu ção só fornece hi
póteses simp les. Se um a regra nào tiver sido testada pela experiênc ia,
nào é -possível estab elece r sua uti lidade apen as pela razào. P articu
larm ente na ciência - q uand o dist inta da arte o papel da dedução sò
pode ser secund ário, ao m enos quan do t ratam os dc real idades e nào
de noções abstratas como na Matemática. Obviamente, a dedução
nos t raz idéias que nos guiam pelas obscuridades da experiência,
mas, a menos que essas idéias sejam confirmadas pela observação,
não podem os dizer se. de fato, expressam a real idade. O único mod o
de descobrir as leis da natureza é estudar a própria natureza. Mais
que isso, nào basta observar a natureza. Hla deve ser questionada,
perseguida, submetida a teste de mil e um a m aneiras. Com o a C iência Social trata dc fenômenos, ela só pode realizar seus objetivos
com o m étodo experimental .
Nào é fácil ad ap tar esse m étodo ã Ciên cia Social, pois é im po s
sível fazer experiências com sociedades. Todavia, há um modo de
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co M oiuescjuieu c Rousseav
con tornar essa dificuldad e. Para desco brir as leis da natureza, basta
fazer um nú m ero suf iciente de com parações entre as diversas formasde um a coisa dada. Desse m odo, as relações constantes e imutáveis
expressas na le i sào dist intas daquelas que são apenas efêmeras e
acidentais . A essência da experim entação e simp lesmen te var iar l i
v rem ente os fenôm enos de forma que ofereçam um camp o amplo e
r ico para com paração . M as não há objeçã o a comp arar fenômenos
socia is da mesma c iasse da forma como aparecem ern d i feren tes
sociedades e no tar aqu eles que sempre conco rdam , os que desa pa recem s imul taneamente e os que var iam no mesmo tempo e nas
m esmas proporções. E m bora nào seja possive! fazer essas com para
ções repet idam ente, e las pode m , m esm o assim , atend er à necessida
de dos expe rim entos na Ciênc ia Social.
Em bora M ontesqu ieu nào tenha discutido o assunto, reconhe
ceu inst int ivamente a necessidade desse método. Seu propósi to ao
reunir um grande corpo dc dados a par t i r da histór ia de diversas nações era compará-los e derivar leis deles. De fato. iodo seu trabalho
é claram ente um a com paração das le is observadas pelos mais diver
sos povo s e ê perfeitam ente c orreto afirm ar que. no Espirito das Leis. Montesquieu inst i tuiu um novo campo dc estudo, a que agora cha
m a m o s Direito Comparado.Em bora a dedução tenh a dado lugar à experiência em sua obra.
ela ainda representa um papel m aior do que o permit ido pela Ciencia. Em seu prefácio, in form a o leitor dc que p retende tratar da Cièri •
cia Social de m aneira qua se m atemática, que ele apresenta pr incípi
os dos quais as leis particulares das sociedades derivam -se de ma nei
ra lógica. Obviamente, ele percebia que esses princípios deveriam
ser tirados da observação da realidade, mas acreditava que toda a
ciênc ia estava implícita, p o r assim dizer, em tal observaç ão, dc for
ma que uma vez der ivados os pr incípios, o edif ício p oderia ser com
pletado p or pura dedução. N ào hã dúvida dc que tentou agir segundo
essas linhas.
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O m é to d o d c M o n t es q u ie u G1
Exam inemos antes de tudo seu m odo de usar o método indutivo.
Ele nà o com eça reunindo tod os os fatos relevantes ao assunto, arran- ja ndo-os para que possam ser exam inados e avaliados ob je tivam en
te. Na m aior parte do tem po, cie tenta, por pura dedu ção, prov ar a
idéia que já formou. M ostra que ela está implícita na natureza o u, se
preferir, na essência do homem, sociedade, comercio, rel igião, cm
suma. na definição das coisas em questão. Apenas en tão eie apresen
ta os fatos que. em su a opinião, con firm am .;ua hip ótese .11 M as se
acredi tam os que as relações entre as coisas só podem ser dem onstra
das por experimentos, nào pod em os subordinar o exp erim ento à dedu
ção. Não pode m os dar prim azia a argum entos em que nào confiam os e
que consideram os relat ivam ente inúteis para f ins de dem onstração.
Primeiro, observ am os os fenôm enos e apenas depois interpretamo s
dedu tivam ente aquilo que observam os.
Sc examinarmos as próprias dem onst rações de M ontesquieu, éfácil perceber que sào essencialmente dedutivas. E verdade que ele
normalmente confirma suas conc lusões com observaçõ es , mas toda
essa p an e de sua argum entação é m ui to f raca. Os fa tos que e m pres
ta da H istória sào apresentado s dc forma b reve e sum ária e não se
es força para es tabe lecer sua verac idade , m esmo quando sào con
t ro v e rs o s. : Ele os enu m era a esmo. Se afi rma que nào existe relação
causai entre dois fatos, nào se incomoda cm mostrar que em todosou. ao menos. na maioria dos casos, eles apare cem sim ultaneam ente,
11. Q ualq uer nú m ero de ex em plos pode ria sei citad o ao longo do :ial>a!lio. Assim,
depo is de de finir os irôs t ipos dc sociedade , eie deriva seus princípios das d efini ções. -isso", cscrcvc c>c, "me capacita a descobrir seus princípios <juc. portento,deriva m -se naturalm ente” (L ivro III. cap. ?.i. A p a n ir desces princíp ios ele infere,entiio. as leis civis, pena is c icis sobre a posiçã o d;i m ulhe r correspond entes- Cf. os
títulos dos Livros VI c VII (Conscqficncias dos princípios dc diferentes governosen'. relação ã simplicidade das icis; civii e Criminal, a forma de juIgameutOS e aaplicaçã o de punições - Co nseqü ências dos diferentes princípios dos três governos cm relação às leis sun tuãna s. ao luxo e a con dição dás m ulheres).12 .0 m esm o vale para o que eie diz a respeito dc frugalidade c igualdade entre osantigos, as razões pelas quais os princípios das sociedades são corrompidos e acondição das mulheres (Livro XVI). Todas essas afirmações envolvem inumeráveis dif iculdades que nào podem ser resolvidas imediatamente.
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62 M ontesquieu e Rousseau
desaparecem ao mesmo temp o ou var iam da m esma maneira . Con
tenta-se ern alegar alguns exem plos qu e correspondem grosseiramenteà lei supo sta. Por vezes, che ga a atribuir a todo um tipo um a prop ri
edade que observou em apena s urna sociedade. Tom e-se. por exem
plo. a separação dos poderes. Embora seja encontrada somente na
Inglaterra, ele diz que é a característica essen cial da m onarquia, acres
centando ainda que a l iberdade é uma conseqüência dessa separa
çào. em bora nào saiba se a liberdade de falo existe entre os próprios
ingleses. Em sum a. em ve z de usar a dedu ção para interpretar o quefoi provado pela experiência, ele usa a experiência para ilustrar as
conclusões da dedução. Um a vez efetuada a dedução, e le supõe que
a dem onstração está com pleta .
Vamos examinar o assunto mais a fundo. Como vimos, Mon-
tesquieu acreditava que houvesse certas instituições que. embora
existissem ou tivessem exist ido em diversas sociedades, eram . m es
mo assim, inadequadas a essas mesmas sociedades. Mas essa af ir m ação só pode se basear em uma determ inada consideração, ou seja .
que para ele aquelas insti tuições nào p oderiam ter nascido dos p r in
cípios que ele já estabelec era. M ostra que a instituição da escravidão
entrava em co nfl ito com a def inição de república. Da m esm a m anei
ra. detesta o gov erno des pó tico porqu e está em c onflito lógico com a
essênc ia do homem - e mesm o da sociedade - da fo rma com o a
concebe. Em cer tos casos, por tanto, a dedução prevalece sobre aobservaç ão e a experiência .
F.mbora a indução ten ha surgido p ela prim eira vez na Ciência
Social com M ontesquieu. a inda nào estava claram ente separada do
m étodo oposto e era contam inada pela mistura. M esmo que M ontes
quieu tenha ab erto uma nov a trilha, ele próprio era incapaz de aban
donar os caminho s já explorados. Essa am bigüidade m etodológica é
um a conseqüênc ia da am bigüidade do utr inai a que nos referimos. Se
as formas normais de sociedade estão implícitas na natureza da so
ciedade. podem ser deduzidas a par t i r de um a def inição da natureza
da sociedade. A essas necessidade s lógicas M ontesquieu dá o nom e
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O :iiélodo de Montesquieu
cle leis. Em v ista dessa afinidade en tre fenôm eno s e a razão hum ana,
a razão ba sta para a interpretação dos fenô m enos. Pode pa recer surpreend ente que essa natureza intima dos fenôm enos deva ser tão cla
ramente aparente a ponto de poder ser reconhecida e definida nos
primeiros estágios de uma ciência, pois normalmente se esperaria
essa percepção ap enas em um a ciência que t ivesse at ingido a m aturi
dade. M as essa conclusão é bastante con sistente com os princípios
de M ontesquieu. A ssim com o a cone xão entre os fenôm enos sociais
e a essência da sociedade é racional , assim também essa essência,
que é a fonte de toda a .dedução, c tamb ém dc na tureza racion al: ou
seja, consiste de urna simples noção que a razão pode perceber em
uma olhadela. M ontesquieu não p ercebia plenamente até que ponto,
como diz Bacon.* a suti leza das coisas excede a suti leza da mente
hum ana. Isso expl ica sua enorm e confiança na razão e na dedução.
Não estam os dizendo que os fenôm enos sociais , com o tais , sào i ló
gicos. M as em bora possam ter uma certa lógica fundamental , não é a
lógica à qual se conforma nosso raciocínio dedutivo. Ela nào tem a
mesma simplicidade. Talvez observe outras leis. Para aprender essa
lógica, devem os con sultar as próp rias coisas.
A confu são de que falamos tem a inda outra causa. Vimo s que
as leis da sociedade podem ser violadas. Por isso, não podem ser
es tabelecidas apenas por meio da o bservação ou m esm o da compara ção dc fenômenos. As realidades nào sào necessariamente racionais,
mas as leis sào racionais sob todos os aspectos. Por isso. mesmo se
alguma coisa for provada pela H istória, não podem os ter certeza ab
soluta de que seja verdad e. Todas as sociedades do mesm o t ipo têm
certos defeitos; portanto, é impossível des crev er a forma no rmal des
sas sociedades baseado naqui lo que encontramos nelas. Sc nào po
dem os ob ter um a visão fiel dos fenôm enos através da experiência, aexperiência apenas nào po derá n os en sinar o que resulta da natureza
*N.E.: Sugerimos n leitura cle FrancLs Bacon Da Proficiência e o Avanço dos Conhecimentos Divino e Humano, de F iancis Bacon. M adias Hditora.
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6-1 Montesquieu e Kousseau
do s fenôm enos. Só resia um a saída: dev em os xeniar atingir a própria
essê ncia, dcfini-la c. a partir da definição, d eduz ir o que ela implica.Disso não deve m os co nc luir que a obs ervação é inútil, mas antes que
ela precisa ser m antida so b suspeita até ser confirm ada pela razão e.
se por acaso nào puder ser confirmada, deve ser rejeitada. Vemos o
quanto é indispensável, na Ciência Social, descobrir nos próprios
dado s alguma indicação definida que nos capa cite a distinguir entre
doen ça e saúde. Se nào h ouv er esse sinal, somo s levados a nos refu
giar na dedução e a nos afas tar dos fatos concretos.
m _______________________________________________________
Q uer proceda por dedu ção ou por indução, Mon tesquieu obser
va um a regra m etodológica que a ciência m odem a nào deve ignorar.
O s fenôm enos soc ia is são normalm ente c lass if icados de a co r
do com considerações que. à pr imeira vista , podem parecer total
mente nào relacionadas. Religião, direito, moralidade, comércio e
adm inistração parece m , de fato. ter diferen tes naturezas. Isso exp li
ca por que cada classe de fenômenos foi poi muito tempo tratada
separadamen te e a inda é com o se pudesse se r examinada e
explicada por si mesma, sem referência às outras, assim como os
físicos não levam a cor err. consideração ao tratar do peso. Não se
nega que uma classe de fenômenos se relacione às outras, mas as
relações sào consideradas simplesmente acidentais , de forma que.como a natureza int ima dos fenômenos não pode ser determinada,
parece seguro ignorar as relações entre eles. Por exe m plo, ?. m aior ia
dos moralistas trata da moralidade e de regras de conduta como se
elas exist issem por si m esm as c nào se preocupam em considerar o
caráter econôm ico das sociedades em questão. Os que tratam do as
sumo da r iqueza a f irm am , de maneira sem elhante, que sua ciência,
ou seja, a econo m ia política, é absolutam ente autônom a e pode prosseguir sem a menor atenção ao sistema de regras a que chamamos
érica. S eria possível c itar m uitos o utros exem plos.
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O m étodo de M ont esqu ieu
M ontesquieu. porém, via muito claram ente que iodos esses ele
mentos formam um todo e que, se tom ado s separada m ente, sem referência aos outros, nào pod em ser compreen didos. Ele não separa o
direito da m oralidade, do co m ércio, da religião, etc. e. acim a de tudo,
não con sidera que eie seja dist into da form a de soc iedad e, que afe
ta todos os out ros fenôm enos socia is . Por m ais que se jam di feren
tes, todo s esses fenôm enos expressam a vida de uma dada sociedade.
São os elemen tos ou órgãos do organism o social. A m eno s qu e ten te
mos compreender como se harmonizam e interagem, é impossível
conh ecer suas funções. Pod em os ate m esm o não distingu ir suas na
turezas. pois cies parecerão realidades distintas, cada um com sua
existência independ ente, em bo ra sejam na verdade partes dc um todo.
Essa at i tude é responsável por certos erros que ainda sào comuns
entre cient istas sociais , isso exp l ica po r que m uitos eco nom istas p o
lí ticos con sideraram o interesse pessoal co m o o único princípio dasoc iedad e e po r que neg aram o direito do legislado r dc interferir em
atividades relacionadas ao comércio e à indústria . Inversamente,
embora pela mesm a razão, os m oral istas em geral con sideravam os
direi tos de propriedade fixos e im utáveis, em bora, na verda de, de
pendam de fatores eco nô m icos extremam ente variados e instáveis.
Esse erro t inha de ser dissipad o antes que a C iência Social p u
desse se desen volver e mesm o p assar a existir. A s diversas disciplinasque tratavam separadamente de diferentes categorias de fenômenos
sociais de fato prepararam o caminho para a Ciência Social: foi a
partir deias que ela pôde se desenvolver. Mas a Ciência Social , no
sent ido estri to, passou a exist i r apenas quando sc percebeu clara
mente que os ramos antes mencionados cslavarn l igados pela estri ta
necessidade e eram partes de um todo. Mas essa concepção nào p o
deria surgir até que se percebesse que todos os acontecimentos nasociedade estào relacionado s. Ao apontar a imerrelaçào dos fenôm e
nos sociais. Montesquieu pressentiu ;í unidade de nossa ciência
em bora sua visào do assunto ainda fosse vaga. Em nenhum ponto ele
diz que os problemas de que t rata poderiam ser o assunto dc uma
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Monte$C|uicu c Rou.^c.m
ciência definida que incluísse todos os fenômenos sociais e t ivesse
um m étodo e um nom e próprios . M esm o assim, se in suspei tar dessaimplicação para seus esforços, ele deu ã posteridade urna primeira
am ostra dessa c iência . E m bora nào tenha del iberadam ente ti rado as
co nclu sõe s implícitas, em seus p rincípios, prep arou o cam inho para
seus sucessores, que, ao insti tuir a Sociologia, pouco mais fizeram
que dar um nom e ao cam po dc estudo que e le inaugurara .
[ m i _________________________________
r.xisic, todavia, um a no çào da qual M on tesquieu parccc nào tei
se dado conta c que, em nossa época, transform ou o métod o da C iên
cia S ocial , que é a noçào d e progresso. V ejamo s o que isso significa.
Qu ando co m param os diferentes povos, ó com o se certas formas
ou propriedades manifestamente inerentes à natureza da sociedade
fossem simplesm ente esboçadas entre certos povo s e se mostrassem
m ais c laram ente em outros . Algum as sociedades são pequ enas e es palhadas p or grandes áreas; outras sào grand es e densas. Algumas
não têm uma autoridade f i rmemente estabelecida; outras têm uma
adm inistração dc l istado sistem aticam ente organizada, que faz sentir
sua influência por todo o organ ism o social . F m rc esses do is t ipos há
incontáveis variações intermediárias. Nó q ue toca à organização, essas
sociedades não estào no m esm o nível , por assim dizer . A lgum as po
dem ser consideradas superiores às outras . M as já se observou queas sociedades superiores saem das inferiores . Obviam ente , não qu e
ro dizer que as sociedades formam urna sim ples série linear que vem
dos p ovos antigos na extrem idade inferior até as nações m odernas no
cume. S eria m ais com o u m a árvore cujos galhos se estendessem em
diferentes direções. Mas isso pouco tem a ver com nosso assunto.
M esm o assim, é verdade que as sociedades nascem de outras socieda
des e que as ma is recentes sào superiores às m eno s recentes. É a issoque se cham a progresso da hum anidade. As m esm as observações po
dem ser feitas se considerarm os um único povo em si mesm o. A partir
do m om ento em que passa a existir, ele se desenvolve pouco a pouco
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O m é t o d o He Montesquieu 67
cm um tipo sup erior àqu ele cio qual veio. 0 progresso da natureza
hum ana consiste nesses pequenos desenvolvim entos cum ulativos.Todavia. M ontesquieu nào con seguiu perceber isso. Ê verdade
que nào punha todas as sociedades no m esm o nível. P referia a repú
blica e a mo narquia ao desp otismo, a m onarqu ia à república e a re
pública à democracia dos povos bárbaros. Mas nào suspeitava que
esses diferentes t ipos de sociedad e cresciam sucessivam ente a part ir
da mesma raiz . Pensava que cada uma surgia independentemente
das outras, exceto a mo narqu ia que. a seu ver. se de senv olve a partir
da dem ocrac ia inferio r.1* M as essa únic a exceçào m ostra o quão afa s
tado ele estava da idéia do prog resso, já q ue a dem ocrac ia primitiva,
que ele considera sup erior a qu alqu er ou tra form a de so cied ad e,14 é
para cie o tipo original e xatam ente p or ser inferior a todas as outras.
Pela m esm a razào. em bora ele não negu e que o principio social de
povos particulares pode ser desenvolvido ou corrompido, acredita,
mesmo assim, que esse princípio c determ inado quando um povo pas
sa a existir e deve perm anece r intacto po r toda sua história. Nã o co nse
gue perceber que toda sociedade contem em si fatores conflitantes,
simplesmente porque gradualm ente emergiu de uma forma passada c
tende para uma futura. Nào reconhece o processo em que um a socie
dade, sempre permanecendo fiel ã sua natureza, está constantemente
se tomando algo dc novo, dai a singularidade de seu método.A existência social é determ inad a por dois tipos dc condições.
Uma consiste nas circunstâncias presentes, como a topografia ou o
tam anho da populaçào. A outra pcrtcncc ao p assado histórico. Assim
corno um a criança seria diferente se tivesse outros pais. assim tam bém
a natureza dc uma sociedade depe nde da forma das sociedades que a
13. Hle diz que a monarquia dos povos germânicos foi resultado tia corrupção deseu gov erno (Livro XI. cap. 8) c que os alem ães viveram a vida de povos b árbaros(Livfo VTIL c:ips. 20 = 30; d '. L ivro XV1IL cap. 14).14. n, obviam ente, a dêmacratie inférieure que c quest ionada. [Nota do tradutorpara o inglês]
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M onlesqu icu c Rousseau
precede ram . Se ela for a co ntinuação cle socied ades in feriores, nào
pode ser igual a urna que surgisse dc naçõe s altam ente civil izadas.Sem conse guir perceber as re lações dc sucessão c parentesco
entre as sociedades, Montesquieu omite completamente as causas
desse t ipo. Nào leva em conta esse vis a tergo que impuisiona as
sociedad es, m as con side ra apen as os fatores am bien tais.15 Qu ando
tenta interpretar a história de uma sociedade, nào a si tua em urna
série dc sociedades, mas cuida apenas da natyreza dc sua topografia,
do n úm ero de cidadào s, etc. Isso é total m ente contrário ao m étodo
adotado m ais tarde po r C om tc ao tratar do m esmo problem a. Comle
afirma que a natureza das sociedades depende inteiramente do mo
mento em que cias surgiram e que a Ciência Social consiste quase
inteiramente em estabelecer a série das sociedades. Nem é preciso di
zer que nenhuma dessas doutrinas expressa mais que uma parte da
verdade.
15. Ver, sobre iodos esses tópicos, o ensaio neste livro x o artigo dc M. Davv na Jlevue de Mèttíphysique cr de M onile (julho-uutnbro de 19*19): “A explicação sociológico e o recurso ã história segu ndo C om te. Nr.ll e Durkh cith”. espccialm entcas pp. 346-53. Citamo s aqui o trech o que conclui e sse artigo: "A e xplicação histórica da gênese, com suas fases eiaram ente separad as. iíe l'áto com pleta a explica
çào :necnnistica com todas as .-^uas implicações. [Em Regras do método sociológico] a causalidade das condiçò-es do ambiente social , sobre a causalidade do ambiente. nào nos com pele de fo rm a algum a a ignorar aquelas do estado anterior noestado atua). Há um a interdepe ndê ncia de influencia dos diferentes fatores do pre sente dos fatores do pa ssado n o pre sen te". [N ota dc> trad uto r para •;>inglês]
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Conclusão
Em sua história da filosofia política. Paul Janct, depois de ap re
sen tar a teoria de M ontesquieu, queixa-se. com razão, de que a maior
parte dos comentaristas se interessou apenas por expor seus erros.
A crescenta que teria sido prefer ível , c m uito m ais jus to, “ter dado
uma idéia detalhada da vast idão e obscuridade do tem a que ele esco
lheu e da torça intelectual com a qual ele o tratou”."’ Foi isso que
tentamos fazer no atual t rabalho. Nào discut imos a opinião dc
M ontesquieu cm questões de detalhes, mas tratam os apenas do que
consideram os sua principal realização. Em bora semp re seja um erro
retraçar o nascim ento de um a ciência a um pensad or em pa r t icu lar -
já que to da ciência é o produ to de um a cadeia in in terrupta dc contri
buições c c difícil dizer quando exatamente ela passou a existir
m esmo assim, foi M ontesquieu quem pr im eiro estabeleceu os pr incípios fundam entais da C iência Social. TN ào que os tenh a afirm ado
em term os explíci tos. Ele especulou m uito pou co sobre as cond ições
da ciência que inaugurou. M as esses princípios e condições sào ine
rentes a sua s idéias e nào é difícil reco nh ccc -los e form ulá-los.
56. ffisroire de la srfm cQpalh ique. (3"1 ec .. II. 31 7-19 c 4* cd .. pp . 197-9S).17. Km seu Cnurs de pluloxophie posilive (cd. Schlcichcr. IV. 178-95), Comíereconhe ce a grande divida da Ciência Social a Mon tesquieu. Todavia, a avaliaçãoque faz da contr ibuição dc Mo ntesquieu é m ui to breve e. com o m ostram os, umtanto incorreta. Ela não parece mostrar uma atenção cuidadosa à teoria dc seu
predcccssor.
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70 M ontcscu ieu c Roti^seau
Vim os quais suo. Nào apenas M ontesquieu co m preendeu que
os fenômenos sociais são assunto para um estudo cientifico, comotambém ajudou a dar form a às duas idéias fundam entais necessárias
ao estabelecim ento da C iência Social: as idéias de lipo e de lei.F.m rcía çà o ao tipo, M ontesquieu m ostra que a natureza do po
de r soberano e da ex istência social em g eral difere de um a sociedade
para outra, mas que as diferentes formas podem mesmo assim ser
comparadas. Hssa é uma condição indispensável para a classifica-
çào; nào basta que as sociedades manifestem semelhanças de umtipo ou ou tro; dev e ser possível com pará-los em toda sua estrutura e
exis tênc ia . Montesquieu nào apenas formulou pr inc íp ios , como
lambém os usou com grande habilidade. A classificação que esbo
çou conlém um con siderável e lem ento dc verdade. M as se enganou
em dois pontos. Prim eiro, erroneam ente sup õe que as form as sociais
são determinadas pelas formas de soberania e p odem ser definidas de
acordo. Segundo, afirma que há algo intrinsecamenle anormal a res
peito de um dos tipos qu e distingue : o E stado despótico. F.sse pon to de
vista é incom patível com a natu reza de um tipo, pois cada tipo tem sua
própria form a perfeita que - dependendo das condições de época e
local tem o m esm o nível da forma perfeita dos outros tipos.
Qu anto ;> noçào de lei. foi mais difícil transferi-la das outras
ciências em que jà eslava estabelecida para a nossa. Em todas as
ciências, a noçào de t ipo ap arece antes da de lei . pois a mente hum a
na pode co ncebê-la m ais rapidam ente. B asta olha r em volta para per
cebe r certas sem elhanças e diferen ças entre as coisas. M as as relações
determinadas a que cham am os leis es tào m ais próxim as da natureza
das coisas c conseqüentemente ocultas dentro dela. Esti lo cobertas
po r um véu que d evem os rem over se quisermos cheg ar a elas e t razê-
las à luz. F.m relaçào à Ciência Social, houve certas dificuldades
especiais que resultaram da própria natureza da existência social ,
que c tào mó vel, diversificada e rica em formas que. para mim . nàopode ser reduzida a leis fixas e imutáveis. Além disso, os homens
nào gostam de pen sar que estão unidos pela mesm a necessidade que
outros fenô m enos naturais.
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Conclusão 71
M esm o assim , ape sar da s aparências, M ontesquieu -afirma que
os fenôm enos sociais tèm um a ordem fixa e necessária. Neg a que as
sociedades estejam organizadas a esmo e que sua história dependa
de acidentes. F.stá conv encido d c que essa esfera do unive rso é go
vernada por leis . m as a concepção que faz delas c confusa. D e acor
do com ele . e las não nos contam com o a natureza dc um a sociedade
dá origem às instituições sociais, m as am es indica as instituições que
a natureza de uma sociedade exige, como se sua causa eficiente ti
vesse de ser buscada apen as na vontade do legislador. Tam bém ap li
ca a palavra leis às relações entre idéias, e nào entre as c o is a s .? Na
verdade, essas idéias são as que uma sociedade deve manter se for
fiel à sua natureza, mas pode se separar delas. Mesmo assim, sua
Ciência Social não degenera em outra dialética porque ele percebe
que aquilo que é racional c precisamente o que exisle com maior
freqüência na realidade. Desse modo. sua lógica ideal situa-se, em
certo ponto, no m undo em pírico. M as há exceções que introduzem
um elem ento de ambigüidade em seu conceito de le i.
Desde Montesquieu. toda a Ciência Social conseguiu dissipar
essa am bigüidade. Não era possível progredir mais até que se esta
belecesse que as leis das sociedades não são diferentes das que go
vernam o resto da natureza c que o m étodo pelo qual sào descobertas
é idêntico ao da s outras ciências. E ssa foi a contribuição dc A ugustoComte. Ele eliminou da noção dc lei todos os elementos estranhos
que ate então a haviam falsificado e insistiu com razão na prima zia
do m étodo indutivo. A penas en tão nossa ciência pôde ter plena con s
ciência dc seu objetivo e m étodo e todos os seus fundam entos indis
pensáveis estariam completos. C) presente estudo ajudará o leitor a
ju lg a r a contribu ição dc M ontesquieu a essa preparação.
IS. Du rkhcim reexam ina essa idéia em Ri-gtes- dc Ia mèih odcsocwhgia utt cap. I.p. 25 (cd. 1947, p. 19), ao aplicá-la ao próprio Comtc.
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O Contrato Social deRousseau1 9
O principal objetivo do Contrato Social, apresentado no Livro i.
Cap. I . pode ser resum ido assim: encon trar um a form a de associação
ou, como R ousseau tamb ém a chama, de estado civil, cujas leis pos
sam ser sobrepostas às leis fundamentais inerentes ao estado de natureza sem violentá-las. Para com preen der a doutrina de Rousseau.
devemos: !) determinar o que seria o “estado de natureza”, que écomo um padrão para mensurar o grau dc perfeição at ingido pelo
“estado civil9’: 2) determ inar com o os hom ens co nse gu iram afastar-se
dessa condição ao fundar as sociedades, pois se a forma perfeita de
sociedade ainda precisa ser descoberta, devem os conc luir que a rea
l idade nàò oferece um modelo. Apenas então poderemos examinar
as razoes de Rousseau para ac reditar que esse afastame nto nào era
inevitáve! e suas observações a respeito de como os dois estados,contraditórios em d iversos aspectos, pod em ser reconcil iados.
19. O presente estudo. que D urkhe im esboç ou após um c urso q ue acab ava <Je dar
na Universidade dc Bordèaux, loi publicado postumamente por Xavier Léon na Revue de Màtaphysiquc et fie \fort ife. XXV (191S). 1-23 e 129-61. Omitimos asprimeiras très páginas, que tratam da “história do livro”, cm que o autor explicaque O Contrato Social ser ia pan e de um trabalho sobre as insti tuições pub licas. Asinformações bibl iográf icas com pletas podem ser encontradas cm duas ex celentes
edições do Contrato Social, uma editada por G Beau valon. R ieder. 190?. 3J cd..1922. c a outra por M. Halbwaebs. Aufoier, 1943. e na tese cc Robcrt Derainé,
Jear,-Jacques Rousseau et la sciençe potiiique de son icmps (Bibl iographie de laScience po btiqu e, Pr esses U niversitaircs Fran çaiscs. 1950)
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O estado de natureza
O estado de natureza não é. com o já se disse, o estado em
que o homem vivia ames da insti tuição das sociedades. () termo
po de. de fato, sugerir um periodo histórico no inicio do d esenvo lvi
m ento hum ano. Não foi a intcnçâò de Ro ussèau. Trata-se, segundo
ele. de um estado "que não m ais existe, que talvez nunc a tenha exis
t ido, que provavelmente nunca existirá ' ' (Prefácio ao Discurso sobre a origem da desigualdade). O homem natural c s implesmente
o hom em sem aquilo que ele deve à sociedade, reduzido ao que seria
se sem pre t ivesse vivido em isolamento. Assim , o problema é mais
psicológ ico que histórico, ou seja. distingu e entre os elem entos s o
ciais da natureza hum ana e os inerentes à constituição psicológica do
indivíduo. No estado de natureza, o homem consiste apenas destes
últimos. Para determ inar o que ele era “quando surgiu d as m ãos da
natureza", devemos despi-lo “de todos os dons sobrenaturais que
possa ter recebido e de todas as faculdades artificiais que só pode
ter adquirido por m eio de um longo progresso " {ibid.. e Parte 1). Se.
como supuseram Rou ssèau. M ontesquieu e quase iodos os pensado
res até Comte (e mesmo Spencer recai nessa tradicional contusão)
a natureza termina no indivíduo, tudo o que está além deste fatal
mente será artificial . Roussèau nào pergunta se o homem permane
ceu no estado de natureza por algum tempo considerável ou se co
meçou a afastar-se dele a partir do momento em que surgiu, pois aquestão é irrelevante para seu propósito.
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M ontcsqu icu c Roussèau
Conseqüentemente. a his tória tem pouca ut i l idade para ele.
que legi t imamente a descons idera . "Vamos começar por ignorartodos os fatos, pois não se relacion am i\ questão. Todas as investi
gações do assunto nào devem ser cons ideradas v erdades h i s tór icas ,
mas especulações h ipoté t icas c condicionais , que mais provavelmente esclarecerão a natureza das coisas do que revelarão sua real origem" (ibid.. inicio, in fine). M esmo os se lvagens dão unia
idéia bem pouco exata d o es tado de natureza . “M ui tos pensadores
se engan aram a respe i to das tendên cias prim itivas do hom em e lheat ribuí ram , por exem plo, um a crueldade n at iva , por nào percebe
rem suficientemente como esses povos [os selvagens] já es tavam
afasta do s do prim eiro esta do d e "na tureza 1. C) selvag em está ce rta
m ente m ais próximo à natureza . Em seu es tado m ental, sem dúvida
é mais fáci l, sob m uitos aspectos , d is ting uir o fundo original , pois
está m eno s oc ul to pelas aqu is içõ es da civi l izaç ão. M as essa é uma
imagem a l t e rada que deve se r examinada com grande cau t e l a . "Como proceder então? Roussèau nào tem i lusões a respei to das
di f iculdades de sua em prei tada. “ Um a solução sa t is fa tór ia para o
segu inte problem a nà o m e pareceria indigna dos A ristóteles e Plínios
dc nosso século . Que e xp er iência deve r íam os exigi r para conhecer
o hom em natural e por que m eios poder íamo s real izar essas expe
r iências para o ben efício da so ciedad e (ibid, Prefácio)?" Essas ex
periências sào impossíveis . Que técnicas poderiam subst i tuí - las?Ro ussèau nào as exp l ici ta, mas os princ ipais m étodo s parecem ser:
I ) observação de anim ais , que fornecem exem plos de v ida m ental
nào -influenciada pela soc iedade; 2} observa ção dos selvagens, com
a reserva acim a m enc ionad a: 3) um t ipo de dialética com o objet i
vo de ded uzi r todos os fa tores m entais que parecem es tar logica
mente impl icados pelos desenvolvimentos socia i s subseqüentes
(como a l inguagem).Por que Ro ussèau a giu dessa forma? P or que a teoria do estado
de natureza, assim definida, é a base de seu sistema? P orque , respon
de ele, essa condição primitiva é ';a raiz" do estado civil. i ;Se me
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O es tado dc na tureza
estendi tanto na supo sição dessa con dição primitiva, foi porque, ten
do de de struir antigos erros e prec on ceitos inv eterados, acred itei .sernecessário cav ar até a raiz” (ibid.. Parte í). Parecia-lhe óbvio que a
Sociedade só poderia ser uma concret ização das prop riedades ca rac
teríst icas da natureza do indivíduo. Portanto, é da natureza indivi
dual que deve m os com eçar e a eia devem os retornar. Para julg ar as
formas históricas de associação, devemos examiná-las em relação
con. a natureza hum ana, tentando definir se elas ad v im logicam ente
dela ou se a deformam. E quando buscamos determinar que forma
deveria substi tui-las. uma análise do homem natural deve fornecer
as premissas de nosso raciocínio. Mas para chegar a esse homem
natural, devemos deixar de lado tudo o que. em nós, é produto da
existência social.
De outro modo, entraríamos cm um circulo vicioso, pois esta-
ríamo s just if icando a sociedade com base na sociedade, ou seja, nas
idéias e sentim entos que a soc iedad e im plantou em nós. Estariamos
dem onstrando um preconcei to com outro. Se desejam os proced er de
forma critica e efetiva, é preciso escap ar à ação da sociedade e dom iná-
la; é preciso começar da origem e rever a seqüência lógica das coi
sas. Esse é o ob jetivo da operação q ue acab am os dc descrever.
A preocup ação constante de Rousseau era evi tar “o erro daq ue
les que. ao racioc inar sobre o estado de na tureza, usam idéias retiradas da sociedade” (ibid.. P an e I). Para esse fim. dev em os nos livrar
de todas as pré-coriccpções de origem social , sejam verdadeiras ou
falsas, ou. com o ele diz. “limp ar o pó c a areia qu e rodeiam o ed ifí
cio” e "descobrir o fundamento sólido no qual ele se apóia” {ibid. Prefácio, in fine). Esse fundam ento sólido é o estado de natureza.
Não se pode deixar de notar a semelhança entre esse m étodo e
o de Descartes. Am bos os pensad ores afirmam que a primeira operação da Ciência deve ser uma espécie dc purgação intelectual que
l impe a mente de todos os julgamentos mediatos que não tenham
sido dem onstrados cientificamente para despojar os axiom as do s quais
todas as outras proposições devem dcrivar-sc.
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M ontcsqu i cu c Rousscau
A m bos sugerem rem ov er o casca lho c des cob rir a rocha sólicta
sobre a qual ioda a estrutura do conhecimento deve repousar; em umdos casos o conhe cim ento teórico, no outro o conhe cim ento prático. A
concepção de Roussèau d e um estado de natureza nào é. com o já
pensou, um a ticçào de dev aneio sentimental, uma restauração filosó
fica da antiga crença na idade do ouro. É um dispositivo m etodológico.2
em bora, ao aplicar esse m étodo. R oussèau possa te r distorcido os fa
tos para deixá-los m ais de acordo com seu s sentimen tos pessoais. De
qualquer modo, ele não vem de uma visão*exageradámente otimistado homem prim itivo, mas de um desejo de estabelecer os com ponen
tes básicos de nossa con stituição psicológica.
U m a vez exposto o problem a nesses termos, com o Roussèau o
resolveu? Em que con siste, para eie, o estado de natureza?
ü que caracter iza o homem nesse estado - não imporia se c real
ou ideal é um perfeito equ ilíbrio entre suas necessida des e os re
cursos à sua disposição. Po r quê? Po rque o hom em natural c reduzi
do exclusivam ente a sensaçócs. "Q uanto mais pensam os nessa ques
tão, maior parece a distância entre as sensações puras e mesmo o
2(1. i : interessante comparar a interpretação cc Durkhcim com o que li . Derathcd i / cm Jean-Jacqnes Roussèau cs ia sc ieàcepoliiique desnn lemps (p. 377): “Scaconcepção (dc Rousscau) c f reqüentemente mal compreendida porque ê cons iderada apen as um a apo logia ao “selvagem ", um a glori f icação da ' ‘inocência de ou-
t ro n r ou da "vida feliz da idade do ouro". Na verdade, d ; / Derathé. essa hipótesetem "um significado bastante diferente", c ele se refere ã seguinte declaração cm Dèiermmaiion d it fa it moral de Durkhemi (em Rulieti» cie ia Sociéré françaisedi Philosophie. abril de 1906, p. 132. ou 5odofogieetPhilosphie , p. 179): "R ou ssca udemonstrou hâ muito tempo que se o homem for despido de tudo o que t i ra dasociedade, nada resta senão um scr reduzido ã sensação c pou co d iferente de umanimat” . A ficção do estado de natureza tem a intenção dc estabelecer justamen teessa proposição. D er.uhé cont inua (p. 379): "Ele (Ro ussca u) mostra que o de sen volvim ento intelectual e m oral do homem é uma con seqüên cia da cxistcncia soci
al. A esse respei to, ele deve ser considerado o pione iro da sociologia contem porâ
nea. Foi com base em sua anál ise de Roussèau que Durkhcim escreveu (Divisior, ihi iravad sod alx5* ed . Paris. ]92 6. p. 33S): "A gran de diferen ça entre o homeme o animal , ou seja, <>desenv olvim ento superior da vida psíquica do hom em, pod eser resum ida á maior sociab i lidade do homem . Du rkhcim estava plenam ente cons-cienie de ter s ico influenciado por Roussèau. cue era um de seus autores favori tos". (A.C.)
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9fí M ontesquieu e Rou^ cau
f irmado de propriedade pressupõe a sociedade. Sob essas circuns
tâncias , em suma. o homem está cm harmonia com seu ambiente
porque é um ser puram ente f ísico, depend ente de seu amb iente f ísico
e nada mais . A natureza dentro dele necessariamen te corresponde á
natureza fora. Um a é o ref lexo da outra. As condiçõ es que poderiam
causar um ã discórdia não exis tem.
Sob essas circunstâncias, qual seria a relação entre os seres
hum anos? Não haver ia um estado de guerra. R ousseau rejeita a teo
r ia de H obbes, que reprova d uramen te, em bora louve seu gênio. A
hipótese do estado de guerra era inaceitável a Rousseau por duasrazões: 1) O incentivo ã guerra, ou seja. necessidades insatisfeitas,
nào exis te . Como o homem tem o que precisa, por que atacar ia os
outros? Hobbes chegou a seu s is tema apenas por ter a t r ibuido ao
homem natural a complexa sensibil idade do homem civil izado. 2)
Hobbes er roneamente negou ao hom em pr imit ivo qualquer sent im en
to de piedade. Como essa vir tude precede toda ref lexão, não há ra
zão para negar sua ex istência rio estado de natureza. Além disso, hásinais dela em animais. A piedade implica simplesmente em uma
iden tificaç ão l'do anim al esp ectad or com o anim al qu e sofre". .Vias é
evidente que essa iden tificação dev eria ser infinitam ente m ais próx i
m a no estado de na tureza que no estado de razão.
Algun s com entar is tas viram uma con tradição entre esse trecho
e o seguinte, do Ensaio sobre a origem das [ínguas (eap. 9): “Como
som os m ovidos ã pied ade ? Ao sair de nós me smo s, ao nos identif icar
com o sofredor. Pense no conhecimento adquir ido implicado nesse
transportei Como eu imaginaria sofr imentos dos quais não tenho
idéia? Como poderia sofrer vendo um outro sofrer se nào sei o que
ele e eu temo s em c om um ? Um hom em que nunca ref let iu não pode
ser nem gentil nem compassivo*' . “É por isso", diz eíe no mesmo
ensaio, “que os hom ens nà o sabiam ser irmão s e se acreditavam ini
m igos sem nada saber, tudo temiam : atacavam em autode fesa1'. Como
esse ensaio foi escrito depois do Discurso sobre a origem da desigualdade, os cr í ticos se perguntaram se o pensam ento de R ousseau
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O es tado de na tu reza SI
nào havia mudado, aproximando-se dc Hobbes c sua teoria sobre o
estado de guerra. Mas essa interpretação é invalidada pela seguintedeclaração que aparece no m esmo capí lulo: “ Aqueles tem pos bárba
ros foram a idade do ouro... a Terra inteira estava em paz". () que
Ro usseau quer dizer nesse trecho controve rso é que para um hom em
poder ver uma criatura semelhante cm tod o ser hum ano, é prcciso ter
pod eres de abstração e reflexão inexistentes nos primitivos. Para eles.
a hum anidade l im ita-se ao seu am biente imediato, o pequ eno circulo
de indivíduos com os quais têm relações. “Tinham a idéia de pai .
fi lho c i rmão, mas não de homem. Sua cabana continha todas as
criaturas que lhes eram sem elhantes, excetuan do-se estas e sua fam í
lia. o Universo nào lhes dizia nada.” (ibid.). A verda deira piedade,
portanto, só era possível nesse pequeno circulo. ‘ 'Daí as aparentes
contradições que observam os entre os i rmã os das nações, tào fero
zes cm seus costum es c de coração tão terno: tanto am or pela famíliae tanta aversão aos sem elhantes." A ssim , ele nào repudiou a noção
de que a piedade é um sentimento natural ao homem e precede a
reflexão. S imp lesmen te no ta que essa reflexão é nece ssária antes que
a com paixão po ssa estender-se a toda a hum anidade. O Ensaio pode
ser visto, no m áximo, com o um e sclarecimen to e um a correção par
cial da idéia desenv olvida no segund o Discurso. De qualquer modo,
ele definitivamente continuou a rejeitar o pessimismo de Hobbes a
respeito do hom em pré-social. Po r m ais limitada que possa icr s ido a
piedade do homem, nào havia guerra, pois os homens não t inham
contato: "Talvez os hom ens atacassem uns aos outros quando se en
contravam. m as raramen te se encontravam . O estado de guerra rei
nava em toda pan e e a Terra estava em paz ” (ibid).
M as m esmo que o homem não seja o lobo de seu sem elhante,isso nào q uer nece ssariam ente d izer que está inclinado a se unir com
ele perman entem ente e form ar sociedades no sentido estrito da pala
vra. Ele nào tem nem os m eios nem a necessidade de fazê-lo. Carece
dos m eios porque sua intel igência, l im itada a sensações do m om en
to, sem ter concepção do futuro, não pode nem mesmo imaginar o
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S2 M ontc squ ieu e Kous.scau
que essa associação - da qual não tem ex em plo visível - poderia ser.
A ausên cia de l inguagem ba sta em si me sm a para tornar impossíveisrelações sociais. Além d isso, p or que ele aspiraria a tal existência?
Seus desejos estão sat isfei tos. E le nào pode cobiçar o que nào tem.
"F. impossível imag inar por q ue, nesse estado pr imit ivo, um hom em
precisaria de outro hom em m ais do que um m acaco ou um lobo pre
c isariam de um sem elhante” ( segun do Discurso, parte I). D iz-se que
o hom em deve ter sido profundam ente m iserável nesse estado. Mas
que importa, se fora constituído de tal forma pela natureza que nàotinha deseio de m udar? Além disso, a palavra “ m iserável” nada quer
dizer , a m enos que im plique em privação dolorosa. M as dc que um
hom em pode ser pr ivado se nad a lhe fal ta , se “seu coração está em
paz e eie é saudável de corpo "? Será que o selvagem se queixa de sua
existência e busca m udá-la? Ele só po deria sofrer po r isso se tivesse
a idéia de um outro estado e se, alem disso, o outro estado lhe apa re
cesse sob uma luz al tam ente atraente. M as “graças a uma sábia providência, suas faculdades po tenciais se desenvolveram apenas quando
houve o casião para exe rcê-las” . Ele tinha apena s instinto e o instinto lhe
bastava, mas não o levava à existência social. Para viver em sociedade,
ele precisava da razão, que é o instrum ento de adaptação ao am biente
social, assim com o o instinto c o instrumento de ad aptação ao am biente
físico. Ela acabou v indo, mas no início cra apenas virtual.:l
Devemos, portanto, pensar no homem natural “vagando pelaf loresta, sem ocupação, sem palavra, sem domicil io, sem guerra e
sem laços, sem p recisar de seu sem elhante e sem q ualqu er desejo de
fazer-lhes m al, talvez sequ er reconh ecend o-os individualm ente' '. Nes
se estágio de d esenvo lvimen to, ele não era insociável , m as associai .
‘‘Ele nào é hostil à socied ade , mas nào tem inclinação para ela. Tem
dentro de si as sementes que, se cul t ivadas, se desenvolverão em
21. i.eia o trccho inteiro. Muito importante, pois mostra que a existência socialnão é uma m aquinação diabólica, mas foi providencialmcnte desejada c que. embora a natureza primitiva não tenha necessariamente levado a cia. mesmo assimcominha potenciaimentc o que teria possibilitado a existência social quando issose tom ou nccessàrio (nota dc D urlcheim).
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O es tado de n a tu reza
virtudes sociais, inclinações sociais, mas são apenas potencialida
des. A perfectibilidade , as virtudes sociais e outras faculdades queeram potenc iais no hom em natural nunca poderiam ter se desenvo l
vido p or si mesmas'* (segun do Discurso, fim da Pa rte 1). Da m esm a
m aneira, o hom em nessa cond içào não é nem moral nem im oral : c
am oral . “Co m o os homen s nesse es tado nào t inham qua lquer tipo de
laço moral entre eles c nenhum dever conhecido, não podiam ser
bons nem maus e não t inham vicios nem vir tudes" (ibid). A m orali
dade só poderia passar a ex istir com a sociedad e. R ousseau freq üentem ente se refere a esse estado com o estado da inocência.
Seria esse estado o mais perfei to ideal que os homens podem
almejar? Km relação às cond ições determ inada s às quais ele corres
ponde , ó perfeito em seu gênero. Desde que essas condições não
m udem supondo-se que sempre se jam obt idas p lenam ente de m a
neira geral e durável - nada p oderia ser m elhor, já que a harmo nia
entre o ser humano e aqui lo a que cham aríamo s atualme nte seu am biente nào deixa nada a desejar. F.m outras palavras, enq ua nto o ho
mem tem relações apenas com o ambiente f ís ico, o inst into e a
sensação bas tam para todas as suas necess idades . E le nada mais
pode d esejar , e há nad a para desp ertar as diversas a pt idões que dor
m em dentro dele. C on seqü entem ente, ele está feliz. Mas se as coisas
mudam, as condições de sua fel icidade não podem permanecer as
mesmas. Sào essas mudanças que ríào origem à preocupação. Algodeve ter inco m odad o o equil íbrio existente ou. se ele nunc a foi real
mente estável , certos fatores devem tê-lo frustrado desde o inicio.
Q ue fatores são esses?
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Origem das sociedades
Chega um ponto, diz Rousseau no Contrato Social, “em que
os obstáculos no caminho d e sua conservação [dos hom ens! no esta
do dc natureza m ostram m ais resistência que os recursos à disposição
de cada indivíduo para sua m anutenção naquele estado. E ntão, essa
cond ição primit iva não pod e mais subsisti r; e a raça hum ana pe rece
ria a m eno s que m udasse sua m aneira dc ser" (1. 6, início). E xp licar a
gênese das sociedades é encontrar essas forças confl i tantes com o
estado de natureza. Rousscau reconhece que esse problema só podescr tratado p or conjectu ra, pois. diz ele, “'os even tos que de screv erei
pod eriam ter ocorrido de mu itos m od os ’’ (segun do Discurso, fim da
Parle I) . Mas embora essas conjecturas sejam bastante plausíveis,
j á q ue advêm lo gic am ente da defin iç ão do esta do de natu reza, um
conhecimento deta lhado do que aconteceu tem pouca importância
para as conseq üências que podem scr t iradas do s is tema.
A so ciedade só po de pa ssar a exist ir se o hom em for impedidode perm ane cer no estado descri to anteriorm ente. Vias isso exige uma
causa externa. Com o o único am biente que o afe ta é seu amb iente
físico, é ali que a cau sa dev e ser procurad a. Se a terra sem pre satisfez
às suas necessidades, é dif íci l perceber como o estado de natureza
pôde um dia chegar ao f im. “Imagine uma pr imavera perpétua na
Terra. Imagine os seres humanos surgindo das mãos da natureza e
dispersados nesse ambiente . Nào vejo como eles poder iam ier re nu nciado à sua l iberdad e prim itiva e aband onad o a vida isolada, tão
apropr iada à sua indolência natural” (Origem das línguas. IX).
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Mor.tcsgniei; e Roussèau
Roussèau ap óia essa crença observando qu e “os cl im as suaves e as
terras férteis foram os prim eiros a ser habi tados e os úl timos em que
se formaram nações” (ibid.). Mas a resistência que os homens cn-
contraram na natureza est imularam iodas as suas faculdades. “An os
estéreis , invernos longos c seve ros, verões tórridos que tudo co nsu
m iam. qu e exigiam novos esfo rço s.’’ O frio lhes deu a idéia dc ve stir
a pele dos animais que matavam; os raios e vulcões, junto com a
necess idade d e pro teção co nt ra as tem peraturas invernais , ibes deu
a idéia de co nserv ar o fogo: e assim p or diante. D esse m odo. a inte
l igência com eçou a desen volver-se alem da sen saçào. Novas necessidades surgiram. O eq uilíbrio com eçav a a se perlurbar.
Logo ficou e vidente que a ajuda dos ou tros era úti l para sa tisfa
zer essas novas e mais complexas necessidades. “Tendo aprendido
pela experiência que o amor pelo bem-estar era o único motivo da
ação hum ana, ele foi capaz de dist ingu ir as raras ocasiões em que o
interesse comum o obrigava a contar com a ajuda de seus com panhei
ros ' ( segundo Discurso , Parte II). Assim se formaram os primeiros
rebanhos inconstantes de seres humanos. Sua reunião era facilitada
por urna ser ie de circunstâncias m encionadas cm detalhe no Ensaio sobre a origem das línguas;
“Inundações, ressacas, erupções vulcânicas, terremotos, incên
dios cau sad os por raios que destruíam florestas, tudo o que pudesse
assustar e dispersar os ha bi tantes selvagens de um a regiào os reunia
em seguida para reparar jun tos os danos sofridos em com um ". “As
nascentes e rios. desigualmente distribuídos, eram outro ponto dcencontro part icularmente necessário, já que os homens podem me
nos abr ir mão da água que do tbgo 'T(Ensaio, IX). “Desse primeiro
contato, nasceu um princípio de l inguagem . Im aginamos qu e entre
hom ens assim aproxim ados e forçados a viver lado a lado deve ter se
formado um idiom a com um , m ais do que entre aqueles que erravam
livremente p elas f lorestas” (segund o Discurso, Paire II).
A ssim , um a prim eira extensão de necessidades f ís icas cria uma
ligeira tendênc ia a formar grupos. U m a vez o rganizados esses grupos. eles. po r sua vez, despe rtam inclinaçõe s soc iais. F. um a vez que
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Origem das sociedades 87
os ho m ens se acostum em a estar jun tos, acham difíci l vive r sozinhos. “Eles se acostumaram a reunir-se. De tanto se verem, não
podiam mais ficar sem se ver.” Isso deu origem a novas idéias a
respeito das relações hu m ana s, a necessidad e da civilidade, o dev er
de respe i ta r obr igações cont ra tua is . Foi aproximadamente nesse
m om ento que os selvag ens deixaram de ser selvagens.
Mas a hum anidade foi m ais longe. C onform e os hom ens emer-
gian: de sua indolência original , conforme suas faculdades eram
aguç adas p or relações m ais ativas, sua m ente se abria a novas idéias.
A lgun s descob riram o princípio da agricultura, da qual as outras ar
tes se derivaram . A idéia de usar o fog o nas ativida de s agrícolas oc or
reu naturalme nte. A ssim nasceu a prim eira divisão de trabalho; por
um lado a metalurgia, pelo outro a lavoura e o cult ivo do solo. A
agricultura exigia a repartição da terra. A partir da recogniçào da
propriedade nasceram as prim eiras regras da just iça . O cam inho es
tava aberto a todo s os t ipos de desigualdad es. Xo estado de natureza,
os hom ens eram m uito pou co d iferentes entre si e nada h avia que os
fizesse acentuar e desenvolver suas diferenças. M as agora havia uma
recomp ensa àquele que pud esse produ zir m ais e melhor. D esejos re-
cém -descobertos levaram à com petição. “A ssim , de m ãos dadas como progresso, a desigua ldade natural e a de com binação espalhou-se
impcrccplivelmente; as diferenças entre os homens, desenvolvidas
pelas diferenças das circun stâncias, tornaram -se mais aparen tes e per
m anentes em seus efeitos c com eçaram a exercer uma influência pa
ralela no destino dos indivíduos” (ibid).
M as logo que com eçaram a existir ricos e pobres, podero sos efracos, “a sociedade nascente deu iugar ao mais terrível estado de
guerra. A viltado e desolado, incapaz de v oltar atrás ou de ren un ciar a
suas infortunadas aquisições, a raça hu m ana ating ira a beira de sua
ruína" (ibid . ). A ssim , o estado de guerra não e, com o pensav a Ho bbes,
a origem, mas antes, um efeito do eálado social . Antes que os ho
m ens pude ssem co nce ber a idéia de buscar, às custas uns dos ou tros,
uma felic idade além daquilo que já possuíam , um a primeira associa
ção deve ter desencadeado suas paixões am pliado sua intel igência
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M ontcsquieu g Rousscau
e. em sum a, perturbad o o equi l íbrio original . Um a vez que essa cala
m idade at ingiu a hum anidade , o hom em rico. que era o m ais afetado
porque l inha m ais a perder, conce beu “o m ais astuto projeto que já
ocorreu à m ente hum ana: em pregar em seu favor as próprias forças
daqueles que o a tacavam, t ransformando seus oponentes em seus
defensores" . Com essa intenção, propôs a seus companheiros que
insti tuíssem regras dc paz e jus t iça às quais todos teriam de se con
formar, que todas as forças individu ais se unissem em u m único podersupremo que protegeria c defenderia todos os m em bros da associa
ção. Assim se estabeleceram a s leis e o governo .
Essas sào as origens do estado civil . Se considerarmos os ter
mos em q ue Roussèau im aginava o problema, não podem os deixar
de admirar a engenhosidade dialét ica com a qual t ratou dele. Ele
começa com o indivíduo e. sem atribuir-lhe sequer a mais l igeira
incl inação social ou tendências confl i tantes que pudessem tomar a
sociedade nece ssária pelos con fl itos e m ales que elas engend rariam ,
ele se encarrega de exp licar co m o um se r tão fundam entalmen te in
di ferente a qualquer form a de v ida em com um veio a form ar socie
dades. i£ como se. cm Metafísica, depois dc supor que o sujeito é
auto-suficiente, tentássemo s ded uz ir o objeto a part i r dele. O prob le
ma é obviam ente insolúvel c podem os saber com antecedência que asoiuçào de Rou sscau está repleta de contradições. M as está longe de
ser ilusória. Para com preen der o que se segue, devem os ter em m en
te a instabilidade do equilíbrio original. Nào devemos nos esquecer
que. em bora a vida social não existisse no com eço, ^eus gen ne s es
tão presentes. E les sào em brionários, m as se as circunstâncias favo
ráveis surgirem, não deixarão de se desenvolver. O homem ainda
não sente a necessidade de s c aperfeiçoar, m as já é perfcctível. É sua
perfect ibil idade, diz R ou ssèau , que o distingue do animal (segundo
Discurso. P an e 1). Ele não é co m o o anim al, que é incapaz de m udar.
Sua inteligência e sensibi l idad e nào estào circunscri tas p or m oldes
fixos, l lá nele um elemento de instabil idade latente que pode ser
trazido à tona por um nada. Para que ele não varie, o ambiente deve
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Origem das sociedades
permanecer estacionário e invariável, ou antes, tudo no ambiente
deve corresponder á organização da natureza e nada deve acontecer para perturbá-lo. Uma vez que o equilíbrio é perturbado, não
pode scr res taurado. Uma desordem nasce de outra . Logo que o
limite natural é atravessado, nào há mais volta. As paixões geram
paixões e estimulam a inteligência, que lhes oferece novos objetivos
que os exasperam. Até as satisfações que obtêm os toma mais exi
gentes. “A superíluidade desperta a cobiça. Quanto mais se tem.
mais se quer" ( f ragmento int i tu lado Distinção fundamental. dos
manuscritos de Neufchâtel . ed. Dreyfus-Brisach. p. 312). Os ho
mens passam a necessitar cada vez mais uns dos outros c tornar-se
cada vez m ais in terdependentes . A ssim, saem naturalmente do estado de natureza.
Embora a fórmula pareça autocontraditória, exprime o pen
sam ento de R ousseau. Vam os tentar enten der isso.
Sào causas naturais que levam o homem a gradualmente for
m ar sociedades . Mas isso nào torna a sociedade um fenômeno natu ral, pois ela não está logicame nte im plícita na natureza do hom em .
N ão foi a consti tuição o riginal rio hom em que o obrigou a entrar em
um a vida social, cujas causas sào exteriores ã natureza hum ana, ad-
ventícias. R ousseau chega m esm o a dizer que elas são fortuitas, que
poderiam muito bem nào ter ocorrido. “Depois de mostrar que as
vir tudes sociais nunca pod eriam ter se desenvolvido por si m esm as,
que para isso necessitavam do auxilio fortuito dc diversas causasestrangeiras que poderiam nunc a ter surgido e sem as quais o hom em
teria perm anec ido eternam ente em seu estado prim itivo, dev o agora
considerar c com parar os diferentes acasos que t rouxeram o hom em
e o m undo a seu estado atual" (segundo Discurso. Pa rte I. ir, fine). A
sociedade surgiu porque os homens precisam uns dos outros. Essa
assistência m útua não é naturalmente necessária. C ada indivíduo pode
ser auto-suficiente. Assim, p ara que a sociedad e possa surgir, as cir
cunstâncias externas devem aum entar as necess idades do homem e.
conseqüentemente, modif icar sua natureza.
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30 M ont esqu ieu e Ro us sèau
M as ainda há uma ou tra razão para dizer que a sociedade não
é natural . Ela é arti ficial em um grau ainda mais al to. \ ã o apenas
essa interdependência. que é a primeira causa motora da evolução
social, nào se funda na natureza hum ana, corno até m esm o quando
existe não é suficiente em si m esm a para fazer sociedades. A essa
base original , que já e um p rod uto da arte hum ana, deve-se acres
centar algo m ais. que tenh a a m esma origem . Até que esse com ércio
seja regu lado c o rganizado de m aneira definit iva, ele nào consti tuiuma sociedade. Carece da “ligação entre as partes, que constitui o
todo'’ (Manuscrito dc Genebm, ed. Drcvfus. cap. II. p. 248). Uma
sociedade c uma "entidade m ora l com qualidad es específicas distintas
daquelas dos seres individuais que a com põem , assim como os com
ponentes quím icos têm propriedades que não devem a quaisquer de
seus eleme ntos. Se a agregaç ão resultante dessas vag as relações de
fato formasse um corpo social , haveria uma sorte de sensório comum que sobreviveria à corresp ond ência de todas as partes. O bem
e o m al pú blicos nào seriam ap en as a som a do bem e do mal individu
ais, com o em uma sim ples agregação, m as residiriam na relaçào que
os une. Seria maior que a soma. e o bem-estar público não seria o
resultado da felicidade dos indivídu os, m as antes sua fon te" (ibid. p.
249). Mas o simples fato de que os homens percebam que podem
ajudar-se entre s i . de que adquiriram o hábito de fazê-lo, mesmo
quando som ado ao sentim ento de que iodos têm algo em com um , de
que todos pertencem â raça humana, nào faz com que se agrupem
em um a individual idade m oral, de um gênero novo, com caráter e
Composição específicos, ou seja. uma sociedade. Assim, “é certo
que a raça humana sugere uma idéia puramente colet iva que nào
pressupõ e qua lquer união real dos indivíduos que a com põem ".Esse notável t recho prova que Roussèau es tava vivamente
consciente da especificidade d a ordem social. Ele a concebia clara
mente como uma ordem de fatos diferentes cm gênero dos fatos
puram ente individuais. É um no vo m undo sobreposlo ao m undo pura
mente psicológico. Uma concepção desse tipo é muito superior até
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Origem das sociedades 91
m esm o à dos teóricos recentes como Spencer, que acreditam ter prov a
do que a sociedade se baseia na natureza ao ob servar que o hom emtem um a vaga sim patia por seu sem elhante e que é de seu interesse
t rocar serviços com eles . Sent imen tos desse t ipo podem responder
por contatos m om entâneos ent re indivíduos, mas essas re lações in-
tcmii tcntes e superficiais que, como disse Rousseau, carecem da
“ligação entre as partes, que constitui o todo”, não sào sociedades.
Rousseau percebeu isso. Em sua visão, a sociedade não é nada se
nào for um corpo uno e definido, dist into de suas partes. Ele afirma
em outro ponto que o "corpo polil ico. visto individualm ente, po de ser
considerado um corpo vivo e organizado, semelhante ao do hom em.
O po de r soberano representa a cabeça, os cidadã os são o corpo e os
m em bros que fazem a má quina se m ov er e trabalhar, e um ferim ento
infligido a qu alqu er parte leva uma se nsação dolorosa ao cérebro se
o anim al t iver boa saúd e" {Economia política). Todavia , com o ape
nas o indivíduo é real e natural , o todo só pode ser um produto da
razào. corpo pol i tico é apenas um produto da razão” ( f ragm ento
de Distinção fundamental, p. 308). Os indivíduos o criam e. como
continuam a ser o material e a substância da construção, ele nunca
pode at ingir o mesmo grau de unidade e real idade de uma obra da
natureza: “A diferença entre a arte hu m ana e o trabalho da natureza
pode ser percebida em seus efei tos. Os cidadãos podem muito bem
dizer que sào os m em bros do Estado, mas não podem unir-se como
os verdadeiros membros se unem com o corpo. Ê impossível evi tarque cad a um tenha um a existência individual e distinta e busq ue atender
ás suas próprias necessidades” (ibid.. p. 310). Rousseau ignorava
que houvesse organismos naturais cujas par tes têm essa m esma in
dividualidade.
Não apenas o corpo poli tico. m as tam bém a famíl ia, é um pro
duto da razào. É de fato um gru po n atural no sentido de que os filhos
estào l igados a seus pais pela n ecessidade de au topreservaçào. M asessa necessidade dura apenas um certo tem po. Um a vez que o f ilho é
capa z de cuidar de si m esm o, f ica com seus pais apenas se desejar .
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32 Montcgquicu c Rousscau
Nad a há na natureza das coisas que o obr igue a m anter suas asso
ciações com eles. “ Se eles pe rm ane cem unidos, nào será mais natu
ralm ente. m as vo luntar iam ente1' [Contraio Social i . 2) . Mas con
clui-se de m uitos trechos qu e essa associação por acordo m útuo foi
a primeira a se formar. De fato, Roussèau parece às vezes conside
rá- la contem porâne a ao estad o m ais primitivo.
Em suma, ioda sociedade é uma entidade ar t i f icial porque o
hom em nào tem nec essida de natural deia, pois é essencialm ente um
corpo organizado e porque nào há corpos sociais entre os corpos
naturais. E ssas duas idéias, que norm almen te consideramo s confl i
tantes - a concepção de sociedade com o um produto d a razão e a
concepção da soc iedade com o um organ ismo - podem ser encontra
das em R ousscau. F. ele não pa ssa de uma p ara outra por con seq üên
cia de um a evolução con sciente ou inconsciente que tentasse escon
der dc seus lei tores e taivez até de si mesmo. Nào. as duas idéias
estão estrei tamente relacionadas em seu pensamento. Uma parece
imp licar na outra. É po rque a soc iedade é um organism o que é uma
obra de ar te, pois. segundo esse ponto de vista, é supe rior aos indiví
duos, ao passo que na natureza nada há alem do indivíduo. Fo rmula
da nesses termo s, a teoria pode m uito bem parece r contraditória. Pode
parecer mais lógico dizer que se há algo acima dos indivíduos, há
algo exter ior a cies. Toda tentat iva de am pliar o círculo dos fenôm e
nos naturais exige um grande esforço, e a mente recorre a todos os
tipos de subterfúgios e evasõ es antes de se co nfo rm ar a urna m uda n
ça tão grande em seu sistema de idéias. Ser ia a contradição m enor
nos escr itos de Spencer , que p o r um lado considera a sociedade um
produto na natureza, um ser vivo com o os outros, c por outro lado a
despe dc seu caráter espec if ico, reduz indo-a a um a justap osiçã o m e
cânica de indivíduos? R oussèau tenta ao m enos resolver o problem asem a ban don ar qualquer dos dois pr incípios em questão: o principio individualista (que está na base de sua teoria do es tado de natureza,
assim com o na da teoria do direito natural de Sp ence r); e o principio contrário (que poderia muito bem ser cham ado de pr incípio socialis
ta. se essa palavra não tivesse uma conotação diferente na língua-
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O r ig e m d a s st x:icd a d c$ 93
gem dos part idos polii icos). que está na base dc sua concepção orgâ
nica da sociedade. Co m o verem os, a coexistência desses dois princí pios expl ica o aspecto duplo nào apenas da f i losofia social de
Rousseau, que poderíamos cham ar de sua Sociologia, mas também
de suas do utrinas políticas.
M as será que precisamo s ir além ? Dado que a sociedade nào está
na natureza, deveríamos, p or isso. conc luir que é contrária ã natureza,
que é e só pode ser uma corrupção da natureza humana , a conseqüência
de algum tipo de queda e degen eraçào: em sum a. que a sociedade com otal é um mal que pode ser reduzido, ma s nào eliminado?
Ê preciso distinguir. A sociedad e, da forma com o é hoje, é cer
tamen te urna mo nstruosidade que nasceu c con tinua a ex istir graças
apen as a um concurso de circunstâncias acidentais e deploráveis. O
desenv olvimen to social levou a d esigualdades art ificiais totalmente
contrárias às inerentes ao estado de natureza. A desigualdade natural
ou t ís ica é aquela que “vem de um a diferença de idade, saúde, força
fisica e qualidades mentais e espirituais. A outra desigualdade, que
pode ser cham ada mo ral ou poli iica. depen de de um tipo de con ven
ção e resu lta dos diversos privilégios de que gozam alguns cm de tri
men to de outros, com o o privilégio de ser mais rico. m ais respeitado,
mais poderoso" (segundo Discurso, inicio). Essas convenções in
vestem indivíduos ou grupos de indivíduos que, no estado de nature
za. não seriam superiores e poderiam até ser inferiores aos o utros, dc
poderes excepcionais que lhes conferem uma superioridade contrária à natureza. “É m anifestame nte contrário ã lei da natureza, com o
quer que a definamos, que uma criança com ande um velho, qu e um
tolo guie um sábio e que um pun hado de pessoas se saturem de su
pérfluos enquanto a multidão fam inta carece do mais básico necessá
rio" (segundo Discurso, últim as linha s). E ssas desigualdad es resultam
principalmente da convenção social conhecida como herança. No
estado de natureza, a desigualdade q uase nào existe. Seu desen volvim ento é estimu lado pela evolução social, e lise torna estáve l e legi
t im o po r meio do estabelecim ento da propriedade e das leis".
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94 M ontesquieu c R ousscau
A primeira violação da lei da natureza levou a uma segunda.
Quando os hom ens se tornaram desiguais, ficaram dep enden tes uns
ilos ouiros. Conseqüentem ente, a sociedade é com posta de mesires
e escravos. Os próprios mestres, em certo sentido, são escravos
daqueles que dominam. “Um homem crê que é mestre dos outros,
embora na verdade seja mais escravo que eles" (Contrato Social I.
1). “A própria dominação é servil quando se baseia na opinião públi
ca (Emite. II), pois ela depende dos preconceitos daqueles a quem
governa com preconceitos. Essa interdependência dos seres huma
nos é contrária à natureza. Os homens sào naturalmente independentes uns dos outros. Esse é o significado da famosa declaração:
“O hom em nasceu livre e em toda parte está acorrentado". No esta
do natural, ele depende apenas da natureza, do ambiente físico, ou
seja. de forças impessoais e invariáveis que não são controladas por
qualque r indivíduo, m as que dom inam a todos da mesma m aneira.
A impcrsonalidade das forças físicas c a regularidade de sua
açâo certam ente são. na opinião de Roussèau, sinais pe los quais sepode distinguir o que ê normal e fundame ntado daquilo que é anor
mal e acidental. Para ele. o que é bom deve ter um certo grau de
necessidade. Por isso, urna das razoes pelas quais ele considera
mórbido o atual estado social é sua extrema instabilidade. Logo
que os homens começam a sc relacionar, “nascem multidões de
relações vagas e informes que os homens alteram e mudam conti
nuam ente; para cada indivíduo que tenta estabilizá-las. há cem que
se esforçam para destruí-las” (Manuscrito de Genebra, ed. Dreyfus.
cap. II. p. 247). Acrescentaremos o seguinte trecho de Emile: “To
das as coisas estào misturadas nesta vida. Nào permanecemos no
mesm o estado por dois m om entos consecutivos. A s afeições da alma
e as modificações do corpo estào em um fluxo perpetuo" (11). Pois
as vontades dos indivíduos se movem em diferentes direções e con
seqüentemente entram em conflito. Ora uma prevalece, ora outra.
Elas se combinam, uma sc rende à outra, mas sempre de maneiras
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Origem da:> sociedades 95
diferentes, e o equilíbrio está semp re perturbado. “ H á dois tipos dc
dependência. a das coisas, que c utti fenômeno da natureza, e a dos
hom ens, que é um fenômeno social. A prim eira nào é um obstáculo à
liberdade e nào gera vicios; mas com o a segun da nào tem ordem ou
estabilidade, ela engendra todo vício; e é po r meio dessa depen dên
cia que o mestre e o escravo se pervertem m utuamente” (Emite. II).
Quando o homem depende apenas de coisas, ou seja, da natureza,
ele necessariamente \ív e em um estado dc equilíbrio estável, já que
suas necessidades estào em harmonia com seus meios. A ordem é
conseguida automaticamente. O homem, entào. está verdadeiramente
livre, pois faz tudo o que deseja porque deseja apenas o que é possível.
“O homem realmente livre deseja apenas o que é possível e faz o
que lhe agrada” (ibid.).
A liberdade, da form a como co nceb e Rousseau, resulta dc umtipo de necessidade. O homem é livre apenas quando um a força su
perior se impõe a ele, desd e que. todavia, ele aceite essa superiorida
de e que sua subm issão nào seja obtida por men tiras e artificio. E le é
livre se for contido. Porém, a ene rgia que o segura deve ser real e não
um a mera fícçào com o a desenvo lvida pela civilização. Apen as nes
sa cond ição ele pode desejar ser dom inado. E Rousseau acrescenta:
“Se as leis das sociedades, como as da natureza, se tomassem tão
inflexíveis que nenhuma força humana pudesse dobrá-las. a depen
dência dos homens se tom aria a depe ndência das coisas" (ibid.).M as sc o estado civil tal como ê agora viola a lei da natureza,
seria o m esm o em todo estado civil? O mal atual estaria necessaria
mente implícito em tod a organização social ou ó, antes, um erro que
pode ser corrigido? Seriam o estado de natureza e a vida em sociedade uma antitese irredutível ou haveria algum modo de reconciliá-
los?
Muitas vezes, em prestou-se a Rousseau a op inião de que a per
feição era possível para os seres hum anos apenas em um estado de
isolamento, que eles estavam condenados à corrupção e ã degenera-
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96 M oiltesquieu c Rousscai:
çâo logo que começaram a viver jun tos, que a idade do ouro era
coisa do passado, que desaparecera para sempre quando renunciamos à santa simplicidade dos tempos primitivos e da qual nos afasta
mos cada vez mais conforme nos envolvem os na rede dc laços sociais.
Segundo esse ponto de vista, o Contrato Social toma-se ininteligí
ve l, pois se ?. sociedade como tal é um mal, nossa ún ica preocupação
com ela seria um esforço para reduzir seu desenvolvimento a um
mínimo c nào podem os mais compreender todo o esforço de Rousseau
para dar a ela uma organização positiva. Particularmente, a importância que ele dá ã disciplina coletiva e a subordinação em que
posiciona, sob certos aspectos, o indivíduo, tom am-se totalmente inex
plicáveis.
Rousseau certamente prefere o estado de natureza ao estado civil
que vê a seu redor, pois à sua maneira é um estado de perfeição. Talve/
ele se expresse violentamente às vezes, e podemos ficar tentados a nos
perguntar se suas diatribes sào dirigidas às sociedades m odernas apenas,ou à sociedade em geral. F.m vista das dificuldades envolvidas na aven
tura social, podemos entender como ele deve ler deplorado as circuns
tâncias que trouxeram o fim do isolamento do homem primitivo. Mas
nào há porque supor que ele considerava esse estado de perfeição o
único possível e que acreditava ser impossível definir e estabelecer um
outro, de um tipo diferente mas de valor igual. Uma razào para nào
emprestara Rousseau o pessimismo radical que lhe foi atribuído é que ogerme da existência social é inerente ao estado de natureza. O equilíbrio
original poderia ter sido mantido indefinidamente apenas se o homem
não quisesse aceitar qualquer mudança, se ele nào fosse perfectível. Mas
o que mais o distingue do animal c a "capacidade de se aperfeiçoar. Essa
habilidade que, com o auxílio das circunstâncias, sucessivamente de
senvolve todas as outras faculdades, é caracteristica da espécie assim
como do indivíduo” (segundo Discurso, parte I).E verdade que a perfectibílidade permanece dormente no ho
mem natural até ser desp ertada pelas circunstâncias. M esmo assim,
é latente desde o início, c a série de eventos que resultam dela nào
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O rig em das sociedades
pode ser considerada necessariamente contrária à natureza, já que
existe na natureza. Esses even tos podem assum ir um curso anormal,mas esse curso nào é predeterminado por suas causas. Da mesma
m aneira, a razão , que c para o am biente sociaí aquilo que o instinto é
para o ambiente físico, foi despertada no homem pela Providência
(segundo Discurso). Por isso, a existência social não é contrária ã
ordem providencial.
Em bora o atual estado civil seja imperfeito, elo tem qualidades
que não sào encontradas no estado de natureza. Embora o homemnatural nào seja mau. ele não é bom; a moralidade nào existe para
ele. Se ele é feliz, não está consciente de sè-lo. “As estúpidas criaturas
dos tempos primitivos sào insensíveis” à sua felicidade (ed. Dreyfus,
p. 248). Embora Rousscau (no segundo Discurso) enfatize os sofri
mentos causados pela civilização em sua forma atual, ele não fecha
os olhos à sua grandeza; parece apenas duvidar se essa é uma com
pensação suficiente. “Parece aconselhável suspender o julgamentoque sc poderia fazer sobre tal situação até que. depo is de pesar bem
as coisas, tenham os determinado se o progresso de seu conhec imen
to é uma com pensação suficien te para o mal que eles fazem uns aos
outros à medida que se instruem mais e m ais” (Parte I). M as se hou
ver um modo de corrigir essas imperfeições ou tomá-las impossí
veis, apenas a grandeza restará e talvez essa nova perfeição seja su
perior ã do estado original. Permanece, é claro, o fato de que essa
perfeição terá sido adquirida ao custo de um grande sofrimento, mas
Roussèau nào parece ter pergun tado se o preço seria demasiado caro.
Na verdade, a questão não vem ao caso, pois as circunstâncias que
tom am a sociedade necessária são dadas e a perfeição hipotética do
estado de natureza é. conseqüentem ente, impossível.
Rousscau declarou, já no segundo Discurso, que os atuais de
feitos do estado civil nào sào necessários. Como. então, a sociedade
pode ser organizada de modo a nos tornar melhores e ma is felizes? A
proposta do Contraio Social é responder a essa questão.
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O Contrato Social e oestabelecimento do corpo
Antes de qualquer coisa, vejamos como, à luz do que foi dito,
Rousseau apresenta o problema.
Quando a$ circunstâncias que impedem o homem de perm ane
cer no estado de natureza se desenvolvem além de um ccrto ponto,elas devem, para que o homem sobreviva, ser neutralizadas por cir
cunstâncias contrárias. Um sistem a de contraforças deve ser estabele
cido. Como essas forças nào sào dadas no estado de natureza, devem
ser trazidas pelo homem. “Mas como os homens nào podem gerar
novas formas, mas apenas unir e dirigir as já existentes, nào têm
outro meio de se prese rvar além da formação, por agregação , de uma
som a de forças grande o bastante para superar a resistência. F.las têmde ser postas em jogo por um único móvel e obrigadas a agir em
conjunto. Essa soma de forças só pode nascer da uniào de muitas
pessoas” {Contrato Social, I, 6). Disso advém que, uma vez que o
estado da natureza se tom e im possível, um a sociedade constituída é
o único ambiente em que o homem pode viver.
M as se. no processo de formação, a sociedade v iolar a natureza
do homem , o mal que foi evitado será substituído por um outro, que
nào será menor. O homem v iverá, mas será infeliz porque seu modo
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ICO M ontesqnic i i c Rousseau
de existência estará cm consUmte con flito com suas tendências bási
cas. Essa nova vida deve po rtanto se r orga nizad a sem violar a lei danatureza. Como isso c possível?
Estaria Rousseau tentando, de um modo vagamente eclético,
sobrepor à condição primitiva uma nova condição» que se soma à
primeira sem modificá-la? Estaria simplesmente justapondo o ho
mem social a um homem natural que permanece intacto? Isso lhe
pareceria inconsistente. “Quem quer que tcnle preservar os senti
mentos naturais na ordem social não sabe o que quer. Sempre em
contradição consigo mesm o, ele nunca será um hom em, nem um ci
dadão” (Emile, I). "Bo as instituições sociais sào as mais capazes de
alterar a natureza do hom em , de subtrair-lhe sua existência abso lu
ta... e de transportar o eu para a com unidade."
Assim, a natureza e a sociedade não podem ser reconciliadas
po r uma justaposição exterior. A natureza deve ser remodulada. O homem deve mudar completamente se quiser sobreviver ao ambiente
que ele próprio criou. Isso sign ifica que os atributos característicos do
estado de natureza devem ser transformados e, ao mesmo tempo, man
tidos. Daí a única soluçào c enco ntrar um meio de adaptá-los às novas
condições de existência sem deformá-las em nenhum aspecto essen
cial. Elas devem assum ir um a nova forma sem deixar de ser. Podem
fazê-lo apenas se o homem social, embora profundam ente diferentedo homem natural, mantiver a mesma relação com a sociedade que o
homem natural com a natureza tísica. Como isso é possível?
Se nas sociedades atuais as relações fundam entais do estado de
natureza foram perturbadas, é porque a igualdade primitiva foi subs
tituída po r desigualdades artificiais e, com o resultado, os hom ens se
tomaram dependentes uns do s outros. Se em vez de ser apropriadapor indivíduos e personalizada a nova força nascida da com binação
de indivíduos em sociedades fosse impessoal e se, conse qüentem en
te. transcendesse todos os indivíduos, os hom ens seriam todos iguais
em relaçào a ela, já que nenlium deles poderia dispor dela a titulo
privado. Assim, eles dependeriam não uns dos outros, mas de uma
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O C on tra to Social e o es tabe lec im ento do corpo pol ít ico 10:
força que, por sua impessoalidade, seria idêntica, mutatis mutandis,
às forças da natureza. O am biente social afetaria o homem social domesm o m odo como o ambiente natural afeta o home m natural. “Se
as leis das nações, com o as da natureza, pudessem ser tào inflexíveis
que nenhuma força humana pudesse dobrá-las, a dependência dos
homens se tomaria novamente a dependência das coisas. Todas as
vantagens do estado natural e do estado civil esíariam unidas na re
pública. A moralidade que ergue o homem ao plano <Ja virtude seria
somada à liberdade que o mantém livre de vícios” (Emite, 11). Oúnico m odo de rem ediar o mal. diz ele no mesmo trecho, é arma r a
lei “com uma força superior à ação da vontade individual”.
Em uma carta ao M arquês de Mirabcau (26 de julho de 1767),
ele formula aquilo a que cham a o grande problema da política: “ En
contrar uma forma de gov erno que ponha a lei acima do hom em” .
Mas não basta que essa força, pedra fundamental do sistema
social, seja superior a todos os indivíduos: ela deve também basear-se
na natureza, ou seja. sua superioridade nào deve ser ficcional, mas
racionalm ente justificá vel. De outro modo . ela seria precária, assim
com o seus efeitos. A ordem resultante será instável, sem a ínvariabi
lidade e a necessidade características da ordem natural. Nào poderá
resistir exceto por uma com binação de acidentes que podem deixar
de existir a qualquer momento. A menos que os indivíduos sintam
que sua dependência da ordem social é legítima, a ordem soc ial será
precária. A sociedade deve, portanto, ter princípios “derivados da
natureza da realidade e baseados na razão” (Contrato SocialT1, 4).
Como a razào nào pode deixar de examinar a ordem assim constituí
da pelo duplo aspecto ético e do interesse, esses ponto s de vista de
vem estar em harmonia, pois uma antinom ia tom aria a ordem social
irracional e instável. Se houvesse um conflito entre esses dois moti
vos. nunca seria possível saber qual prevaleceria. “Nesta pesquisa”,
diz Rousseau logo no inicio do livro, “farei o possível para semprealiar o que o direito permite com o que o interesse prescreve, para
que a justiça e a utilidade nào sejam divididas” (Contrato Social,
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102 M ontcsqu icu c Ruusseau
introdução). Pode parecer surpreendente, à primeira vista, ver
Rousseau, para quem a sociedade nào pertence ao dom ínio da natu
reza. dizendo que a força na qual a sociedade se baseia deve ser
natural, ou seja. baseada na natureza. Mas natural é aqui sinônimo
de racional. Mesmo a confusão ê explicável. Embora a sociedade
seja obra do homem, ele a m olda com a ajuda dc forças naturais. Ela
será natural, em um sentido, se ele usar essas forças de acordo com a
natureza delas, sem violentá-las, se a açào do homem consistir emcom binar e desen volver constantemente propriedades que. sem sua
intervenção, teriam perm anecido latentes, m as que estão sempre pre
sentes nas coisas. É isso que possibilita a Rousseau conceber, dc
man eira geral, que ap esar da diferença entre eles, o amb iente social c
apenas uma nova forma do am biente primitivo.
Assim os homens p ode rão sair do estado de natureza sem v io
lar a lei da natureza, com a condição de que se unam em sociedadesdependentes de uma força ou sistema de forças baseado na razão e
que domine todos os individuos.
Será que esse resultado pode ser atingido, e como? Será sufi
ciente que os m ais fortes subjuguem o restante da sociedade? M as
sua autoridade será durável ap enas se reconhecida com o um direito.
O poder físico não pode dar origem a um direito nem a uma obrigação. Além disso, se o direito seg ue a força, ele m uda com esta e cessa
quando ela desaparece. C om o a força varia de inúmeras m aneiras, o
direito varia também . M as um direito tào variável nào c um direito.
Assim, para que a força faça o direito, eia prccisa scr justificada , o
que nào ocorre apenas por sua existência (Contrato Social, 1, 3).
Grócio tentara dar ao direito do m ais forte um fundam ento ló
gico. Partindo do principio de que um indivíduo pode alienar sualiberdade, conclui que um povo pode fazer o mesmo, Rousseau re
jeita sua teoria por d iversas razoes: 1) Essa alienação só é racional
certas vantagens forem oferecidas em troca. Diz-se que o déspota
assegura a tranqüilidade a seu s súditos. Mas essa tranqüilidade está
longe de ser completa; c perturbada pelas guerras que nascem do
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O C on tra to Soc ial e o es tabe lec im ento d o corpo pol ít ico !.03
despotism o. Além disso, a tranqüilidade por si mesma não é um bem:
ela pode ser encontrada em calabouços. 2) A liberdade das geraçõesfuturas não pode se r alienada. 3) Renu nciar à liberdade é renunc iar à
qualidade de homem e não há compensação possível para tal renún
cia. 4) Um contrato que estipule que um a das partes contratantes terá
autoridade absoluta significa nada. pois nada pode estipular para a
parte que não tem direitos.
Grócio alega que o direiiO de guerra implica no direito de es
cravidão. Como o vencedor tem o direito de matar o vencido, este
pode comprar sua vida cm troca de sua liberdade. Todavia: 1) O
supos to direito de matar o venc ido ainda nào foi provado. M as entre
indivíduos nào existe um estado crônico e organizado de guerra, nem
na vida civil, na qual rudo é governado por leis. nem no estado de
natureza, em que os homens nào são naturalmente inimigos, já que
suas relações nào são constantes o bastante para ser de guerra ou dc
paz. Um Estado que nunca existiu não pode ser invocado como o
fundam ento de um direito. A guerra nào é um a relação entre homeme homem , mas entre Estado e Estado. Estaria Grócio falando da guerra
entre nações e do direito de conquista? Mas a guerra nào dá ao ven
cedor o direito de massacrar o pov o venc ido. Portanto, ela nào pode
justific ar o direito de escravizá-lo. Urna vez que os defensores do
Estado inimigo baixam as armas, o ven ced or nào tem direitos sobre
sua vida. Só se tem o direito de m atar o inimigo quando se é incapaz
de subju gá-lo. Assim, o direito de sub jugar não se baseia no direitode matar. 2) A aceitação da escravidão não acaba com o estado de
guerra. Ao tirar do vencido o equivalente à vida, o vencedor nào lhe
concede uma graça. F.le com ete um ato de força, nào de autoridade
legitima (Contrato Social. 1,4).
M esm o se o direito do mais forte pudesse ser justificado racio
nalmente. ele nào serviria de base a uma sociedade. Uma sociedade
é um corpo organizado no qual cada p arle depende do todo e vice-
versa. Não há essa interdependênc ia no caso de um a m ultidão lidera
da por um comandante. F.ssa multidão é “uma agregação, mas nào
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M ontesqu ieu e Rousseau
uma associação" {Contrato social. I. 5). Os interesses do coman
dante são diferentes dos da massa. P. por isso que a multidão, queestava unida apenas por depen der dele. se dispersa qu ando ele mor
re. Para que haja um povo. os indivíduos que o compõem devem
sentir-se unidos de modo a form ar um lodo, cuja unidade não depen
da dc causa exiema. Essa unidade não pode ser conseguida pela
vontade do governante; deve ser interna. A forma de governo é se
cundária. O pov o deve ex istir antes dc poder determ inar com o será
governado. “ Antes de exa m inar o ato pelo qual um povo se entrega
a urn rei", seria melhor "examinar o ato pelo qual um povo é um
povo”. Esse ato é "o verdadeiro fundamento da sociedade” {ibid.).
Esse ato pode. obviamente, consistir apenas dc uma associa
ção. Assim, o problem a pode ser enunciado do seguinte modo: "E n
contrar uma forma dc associação que defenda c proteja com toda a
força comum a pessoa e os bens de cada associado, e na qual cada
um. unido a todos, obedeça ainda a $i mesmo c continue livre como
antes”. Essa associação só pode resultar de um contrato pelo qual
cada m emb ro se aliena, com todos os seus direitos, à comunidade.
Por esse contrato, cada indivíduo se dissipará em uma vontade
com um e geral, que é a base da sociedade, A força assim estabe leci
da c in finitam ente superior ã som a das forças de todos os indivíduos.
Tem um a unidade interior, pois ao en trar em associação, as partes com
ponentes perderam parle de sua individualidade e liberdade de m ov i
mento. Como a alienação foi feita sem reservas, nenhum mem bro terno direito de reclamar. Assim, a tendência anti-social inerente a cada
indivíduo simplesmente porque ele tem uma vontade individual é
abolida. "Em vez da personalidade individual de cada contratante, esse
ato de associação cria um corpo moral e coletivo com pos to de tantos
m em bros quantos votantes houver na assem bléia e que recebe desse
ato sua unidade, sua identidade com um , sua vida e sua vontade” {Con
trato Social í, 6). Pouco importa se esse contrato é de fato escrito ese tem a devida forma. Talvez as cláusulas nunca tenham sido enun
ciadas. Mas na m edida em que a sociedade é norm almente constitu
ída. elas são reconhecidas tacitamente em toda parte {ibid).
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Como conseqüência desse contrato, cada vontade pessoal é
absorvida pela vontade coletiva, pois cada hom em , “ao se entregar atodos, se entrega a ninguém ”. Essa vontade geral nào é um a vontade
individual que subjuga todas as outras e as reduz a um estado de
dependência imoral. Ela tem o ca ráter impessoal das forças naturais.
Um hom em n ão c menos livre por se subm eter a ela. Não apenas nào
nos escravizam os ao obedecer a essa vontade, como som ente ela pode
nos proteger contra a servidão, pois se. para que ela seja possível,
devemos renunciar a subjugar os outros, os outros devem fazer a
mesma concessão, lal é a natureza da equivalência e compensação
que restabelecem o equilíbrio das coisas. Se há uma compensação
para a alienação de m inha pessoa , não é. como disse Paul Janct. por
que recebo em troca a personalidade de outros. Essa troca pareceria
bem incompreensível, h até mesmo contrária à cláusula básica do
contrato social, de acordo com a qual é o corpo político, enquantoser moral sui generis. e nào os indivíduos, que recebe as pessoas de
seus membros (“em nossa capacidade combinada, recebemos cada
mem bro como parte indivisível do todo" - ibid.). O que recebemos é
a segurança de que serem os protegidos po r toda a força do orga nis
mo social contra as invasões individuais de outros. M esmo a conces
são que fazemos nào é uma m inoraçào de nossa liberdade, pois não é
possível escravizar os outros sem escravizar a nós mesm os. “A liberdade consiste menos em fazer sua vontade do que cm não estar sujei-
to à dos outros. Ela também consiste em não sujeitar a vontade dos
outros à nossa. Um senhor nào pode ser livre" (8a Cana da Montanha). O mesmo vale para a desigualdade. F.la perm anece tão completa quanto
no estado de natureza, embo ra tenha assumido uma nova forma. Ori
ginalmente, ela vinha do fato de que cada indivíduo formava uma
“unidade absoluta” ; seu atual fundam ento é que “como cada um se
entrega igualmen te. ;is condições são as mesmas para todos” (I, 6).
Dessa igualdad e resulta também um estado de paz de um novo tipo.
Como a condição de todos os homens é a mesma, “ninguém tem
interesse de tomá-la onerosa aos outros" {ibid.).
O C o ntr ato Sociíi i e o estab elec im en to do corpo polít ico 103
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106 M ontcsq u ie u e R ousseau
Nào apenas a liberdade e a igualdade foram preservadas; de
certo m odo, elas estão ainda mais pe rfeitas que no estado de natureza. Hm prim eiro lugar, elas estào mais seguras po rque sào garantidas
nào peio poder do indivíduo, mas pelas forças da coletividade que
“sào incom paravelm ente maiores que as de um indivíduo ”(1.9). Em
segundo lugar, elas lêm um caráter moral. No estado natural, a li
berdade de cada pessoa “é limitada apenas pela força do indiví
duo" (I. 8). ou seja, apenas pelo ambiente material. Assim, é um
falo físico e nà o um direito. N o estado civil, ela é limitad a e regida
pela vontade geral e transform ada de acordo. Em vez de ser vista
exclusivam ente como um a vantage m individual, ela se relaciona a
interesses que transcendem o indivíduo. O ser coletivo - superior a
todos os seres individuais - não apenas determ ina a liberdade indi
vidual como também a consagra e assim lhe comunica uma nova
natureza. A liberdade de um indivídu o se baseia agora, não na quan
tidade de energia disponível a ele. mas cm sua obrigaç ão, vinda do
contraio fundam ental de res pe itar a vontade ge rai. É isso que tornaa liberdade individual um direito.
O mesmo vale para a igualdade. No estado de natureza, cada
homem possui o que pode. M as essa posse “c sim plesmente o efeito
da força" (ibid.). Embora o privilegio do primeiro ocupante tenha
uma base moral mais firme que o privilégio do mais fone , ele também
se tom a “um direito real apenas quando o direito de propriedade iá
foi estabelecido", ou seja, apòs o estabelecimento do estado civil.Cada m embro da com unidade se entrega a ela com ioda a propried a
de que possui d e falo. Toda essa propriedade jun ta torna-se o territó
rio público. A sociedade restilui ou ao menos pode restituir - aos
cidadàos o que recebeu dessa forma. Mas as circunstâncias dessa
nova posse sào bem diferentes. Os cidadàos passam a possuir sua
propriedade nào mais a titulo privado, mas como "depositários do
bem público". A usurpação, assim , é transformada “em um v erdadeiro direito e o usufruto , em p ropriedade" (1.9), pois eles sào baseados
na obrigação de cada indivíduo de se contentar com o que lhe é
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O C on trato Social c o es tabelecim ento do corpo pol ít ico________ 1U7
concedido. 'T en do recebido seu quinhão, ele deve se limitar a ele”
para estar de acordo com a vontade geral (ibid.). “E por isso que o
direito do p rimeiro ocupante, que no estado de natureza é tão fraco,
recebe o respeito de todos os homens da sociedade civil. Nesse di
reito não respeitamos tanto aquilo que pertence ao outro quanto aquilo
que não pertence a nós mesmos." Tsso. na verdade, nào pod e bastar
para instituir qua lquer tipo de igualdade. Se a sociedade consagrasse
o direito do primeiro ocupante sem subordiná- lo a qualquer regra, na
maioria dos casos ela estaria sim plesme nte consagrando a desigual
dade. O exercício desse direito deve. portanto, ser sujeito a ceitas
condições: I) o território deve estar livre no momento da ocupa
ção; 2) um indivíduo só deve ocupar a terra dc que precisa para
sobreviver; 3) ele deve sc apossar deia não com uma cerimônia
vazia, mas com trabalho. Essas três condições, particularmente a
segunda , protegem a igualdade. Se. porém , a igualdade se torna umdireito, não será por virtude desses três princípios, mas essencial
mente porque a comu nidade lhe imp rime esse caráter. Nào é po r
que essas très regras são o que sào, m as porque refletem a vontade
geral, que a distribuição igual de ben s que advém delas é justa e o
sistem a assim estabelecido deve ser respeitado. Desse modo. “o pac
to fundam ental substitui por uma igualdade moral e legitima a desi
gualdade física que a natureza poderia ter posto entre os homens"(Livro 1. últimas linhas).
A passagem do estado de natureza para o estado civil produz
“um a mu dança muito notável** no hom em . Ela resulta em uma trans
formação da ordem de fato para uma ordem de direito e no nasci
mento da moralidade (I. $). As palavras “d e v e r’ e “direito” nào têm
sentido antes de a sociedade se constituir, porque até entào o homem
“considerava apenas a si mesmo”, ao passo que agora ''ele sc vcobrigado a agir segundo outros princip ios". Acim a dele há algo que
ele é obrigado a levar cm conta {o dever) e que seus semelhantes
também sào obrigados a leva r em conta (o direito). “ A virtude não é
mais que a conformidade da vontade particular à geral" {Economia
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108 M o nt esqu .ieu e Ro usseau
política).11 Mas seria um erro sério interpretar essa teoria como se
ela implicasse que a moral se baseia na maior força material resultante da combinação das forças individuais. Esse poder coercivo,
sem dúvida, é importante; ele garan te os direitos que passam a ex is
tir com o estado civil, mas nào os cria. A vontade geral deve ser
respeitada, não porque c mais forte m as porque é geral. Para que haja
justiça entre os indiv íduos, deve haver alg o exte rio r a eles, um ser
suigeneris, que age com o árb itro e determina o direito. Esse algo é o
ser social, que nào deve sua suprem acia moral ã sua suprem acia física. mas à sua natureza, que é superior à dos indivíduos. Ele tem a
autoridade necessária para re gu lar os interesses privados porque está
acima deles, por nào adotar p artido na causa. Assim, a o rdem moral
transcende o indivíduo; ela nào ex iste na naturez a material ou imate-
rial. mas deve scr introduzida. Porém , ela exige uma base em um ser
e. como nào há um ser na natureza que satisfaça as condições nece s
sárias. esse ser deve ser criado. Trata-se do corpo social. Em outraspalavras, a moral nào deriva analiticamente dos fatos. Para que as
relações de fato se tomem morais, eias devem ser consagradas por
uma autoridad e que não perten ça aos falos. A ordem moral deve ser
somada a eles sintelieamente. Para efetuar essa conexão sintética é
necessária uma nova força: a vontade geral.Portanto, é bem injusto que certos críticos tenham acusado
Rousseau de contradizer a si mesmo ao condenar, por um lado, aalienação da liberdade individual em beneficio de um déspo ta e, por
outro, ao fazer dessa abdicação a base de seu sistema, quando feita
em favor da comunidade. Se é imoral em um caso, dizem eles, por
22. A o comp arar o estado civji. assim con cebido, ao e stado de natureza. Rou sseaucxa ha as vantagens lio primeiro, "que transformou um animal grosseiro c e stúpidocm um homem e um ser intel igente” (ibid.). No mesmo trecho, na verdade, eledestaca a lamentável racil idade com que esse estado e corrompido e o homematirado a um a situação inferior à sua si tuação original . M esm o assim ele afirmaçuc a hum anidade, n« sentido estrito da p alavra, é contem porânea à sociedad e e queo estado social é o mais perfei to, emb ora infelizmente a :aça hum ana seja dem asiado propensa a usá-lo ma', (nota de Durkhcim).
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ü C on tra to Social c o es tabelec im ento do corpo pol ít ico 10.9
que não no outro? A razão c que as condições morais sob as quais
eia ocorre não são sempre as mesmas. Xo primeiro caso. c injustoporque põe o homem sob a dependência de um único indivíduo, o
que é a própria fonte de toda imoralidade. No segundo, cia o coloca
sob a autoridade dc uma força gera! e impessoal que o governa e.
sem reduzir sua liberdade, o transform a cm um ser moral. A natureza
dos limiles aos quais ele é sujeito apenas passou de física a moral. A
objeção surge apenas porque os críticos de Rousseau não consegui
ram perceber a vasta diferença, do ponto de vista moral, entre a vontade geral e a individual.
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Da soberania em geral
O corpo político instituído pelo Contrato Social, enquanto for
ça de todos os direitos, deveres e poderes, é chamado soberano. Quais
os atributos da soberania e como cia se afirma?
A soberania c “o exercício da vontade geral” . É o pode r coleti
vo dirigido pela vontade coletiva. M as cm que consiste exatamente a
vontade coletiva?A vontade geral é composta de todas as vontades individuais.
“Ela deve partir de todos” (II, 4). Mas essa primeira condiçào nào
basta. A vontade de todos nào é, ou ao menos nào necessariamente, a
vontade geral. A primeira “nào é mais que uma soma de vontades
particulares” (11, 3). O objeto ao qual se aplicam todas as vontades
individuais também deve scr geral. “A vontade geral, para realmente
sê-lo, deve ser geral cm seu objeto assim como em sua essência...
deve vir de todos para se aplicar a todos” (TI. 4). Em outras palavras,
ela é o produto da deliberação das vontades individuais sobre uma
questão que interessa ao corpo da naçào, sobre um assunto de inte
resse comum . M as a palavra "interesse” também deve ser propria
mente compreendida.
Concebemos, às vezes, o interesse coletivo como o interessepróprio ao corpo social, que é visto então como um novo tipo de
personalidade com necessidades especiais diferentes das sentidas
pelos indivíduos. Mesmo nesse sentido, na verdade, tudo o que é útil
ou necessário à sociedade interessa aos indivíduos porque eles sen
tem os efeitos das condições sociais. Mas esse interesse é apenas
- m -
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112 Montcsqi i i eu e Rousseau
indireto. A utilidade coletiva tem um certo caráter próprio. Nào é
definida em função do indivíduo visto sob um ou outro aspecto, masem função do ser social cons iderad o em sua unidade orgânica. Essa
não é a concepção dc Rousseau. Segundo seu ponto de vista, tudo o
que é útil a todos é útil a cad a um . O interesse com um c o interesse
do indivídu o médio. O interesse geral é o de todos os indivíduos que
desejam o que é mais apropriado, nào a esta ou aquela pessoa em
particular, mas. dados o estado civil e as cond ições determ inadas da
sociedade, a cad a cidadão. Ele passa a existir quando “ todos querema felicidade de cada um deles'* {ibid.). E o indivíduo é de tal forma
seu objeto que existe um certo egoísmo, pois “nào há uma pessoa
que nào se aproprie da expressão “cada um" pensando em si mesm o
ao votar por todos. O que prova que a igualdade de direitos e a idéia de
ju stiça que essa igualdade pro duz se origina na preferência que cada
um dá a si mesmo e, conseqüentemente, na natureza do hom em" (ibid.).
Assim, para que a von tade geral se manifeste, não é necessário,ou mesm o desejável, que todas as vontades individuais se unam em
uma deliberação efetiva, como seria indispensável se a vontade ge
ral fosse algo diferente dos elem entos de que resulta, pois entào es
ses elementos teriam de ser postos em contato entre si e com binados
antes que seu resultante pudesse em ergir. Pelo contrário, o ideal se
ria que cada indivíduo exercesse seu quinhào de soberania separa
damente dos outros. “Se, quando o povo informado delibera, oscidadãos nào tivessem qualquer comunicação entre si... a decisão
continuaria a ser boa” (II, 3). Qualquer agrupamento intermediário
cnlrc os cidadãos e o Estado não poderia deixar de ser danoso sob
esse aspecto. “E portanto essencial, para que a vontade geral seja
capaz de expressar-se, que nào haja sociedade parcial no Estado c
que cada cidadào tivesse apenas seus próprios pensam entos" (ibid.). Assim, se cada indivíduo votar independentemente de seu vizinho,
haverá tantos votos quanto indivíduos e. conseqüentemen te, um nú
mero m aior de pequ enas diferenças, que por sua fraqueza des apare
cerão em meio ao todo. Apenas aquilo que nào pertence a uma dis
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D a soberan ia cm geral : 13
posição individual sobreviverá. Dai a vontade coletiva tenderá natu
ralmente ao objeto que lhe é próprio. Mas se se formar em gruposindividuais, cada um terá sua vontade coletiva, geral cm relação a
seu s membros, mas individual, em relação ao F.stado. e dessas von
tades coletivas surgirá o soberano. M as precisamente por serem es
sas vontades elementares em pequeno número é mais difícil que seus
caracteres diferenciais se fundam. Quanto menos elem entos forma
rem um tipo. m enos geral será esse tipo. A vontade pú blica correrá
mais risco de desviar-se para fins particulares. Se um desses grupos
chega r a se tornar predominante, restará apenas uma ún ica diferença
“c a op in ião que p reva lece nào passará de uma op in ião
particular”(rô/V/.). Nessa teoria, reconhecemos o horror a todo
partieularismo. a concepção unitária da sociedade, que foi uma das
características da Revolução Francesa.
Em sum a, a vontade gerai é a média aritmética de iodas as vo ntades individuais na m edida em qu e seu objetivo político é urn tipo
de egoísm o abstrato. Seria difícil a Rousseau transcender esse ideal,
pois se a sociedade é fundada por indivíduos, se eles a considerarem
apenas um instrumento com o qual podem se proteger sob circuns
tâncias particulares, cia só pode ter um objetivo individual. M as, por
outro lado. como a sociedade nào é natural ao indivíduo, concebido
com o em inentem ente dotado dc um a tendência centrífuga, o objetivo social deve ser despido de todo caráter individual. Ele só pode
ser. então , algo muito abstrato e impessoal. Mesm o assim, para atin
gi-lo. só se pode voltar-se ao ind ivíduo. Ele é o único órgào da socie
dade. já que é seu único criador. Todavia, é necessário submergi-lo
na massa para m odificar sua natureza tanto quanto possível e evitar
que aja como indivíduo. Tudo o que tenha uma natureza capaz de
facilitar a ação individual deve ser considerado perigoso. Assim,encontram os em toda parte as duas tendências antitéticas da doutrina
de Rousseau. Por um lado, a sociedade como um mero instrumento
para uso do indivíduo: por outro, o indivíduo dependente da socie
dade. que transcende em muito a m ultidão de indivíduos.
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M oi i lesqu ieu e Rousseau
Um a última observação advém do que se disse. Com o a vonta
de geral é definida principalmente p or seu objeto, ela nào reside apenas ou mesmo essencialmente no ato especifico do querer coletivo.
Hia nào é ela mesm a simp lesm ente porque todos participam dela. Os
cidadãos reunidos podem che gar a uma decisào que não expresse a
von tade geral. “Tsso pres sup õe", d iz Rousseau, lique todas as carac
terísticas da vontade geral a inda residem na pluralidade; quando d ei
xarem de assim ser. nào im porta o lado que se tome. a liberda de nào
será mais possível" (ÍV. 2). Por isso a pluralidade não c condiçãosuficiente. Os indivíduos que colaboram na formação da vontade
geral devem se esforçar pelo fim sem o qual ela nào existe, ou seja, o
interesse geral. O princípio de Rousseau d ifere daquele que às vezes
é invocado para justific ar o despotismo das maiorias. Se a comu ni
dade deve ser obedecida, nào é porque ela comanda, mas porque
comanda o bem comum. O interesse comum nào é decretado: ele
nào existe por lei; ele c exterior à lei e ela só será o que deve ser seexpressar o interesse comum. Por isso, o número de votos é coisa
secundária. “O que toma a vontade geral é menos o número de vo
tantes que o interesse comum que os une” (II. 4). Longos debates e
deliberações inflamadas, longe de serem o meio natural cm que a
vontade geral é elaborada, “proclam am a ascend ência dos interesses
individuais e o declínio do Estado” (IV, 2). Quando a sociedade está
em perfeita saúde, toda essa com plicada m aquinaria c desnecessáriapara a confecção das leis. “O prim eiro a propô-las apenas diz o que
todos já se ntiram ” (IV. I). Em o utras palavras, a vontade geral não é
formada pelo estado da mente coletiv a no momento em que a resolu
ção é tom ada; esse é apenas o aspe cto mais superficial do fenômeno.
Para com preendê-lo corretamente, devem os olhar mais embaixo, nas
esferas menos conscientes, e examinar os hábitos, tendências e cos
tumes das pessoas. Os costumes sào “a verdadeira constituição doEstado" (11, 2). A vontade geral, assim, é uma orientação de mentes
fixas c constantes e atividades em uma direção determinada, a do
interesse geral. É uma disp osição persistente nos indiv íduos. E como
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Da soberania em gera i 115
a próp ria direção depende de condições ob jetivas (a saber, o interes
se gera!), disso advém que há algo objetivo a respeito do interessegeral cm si. t po r isso que Rousseau freqüen temente fala dele como
uma foiça que age com a mesma inevitabilidade que a força física.
Chega mesm o a dizer que é 'indes tru tível'' (IV. 1).
A soberan ia e simp lesmente a força coletiva - tal com o estabe
lecida pelo pacto fundam ental - a serviço da vontade geral (11, 4,
início). Agora que conhecemos os dois elementos cios quais ela re
sulta. nào teremos dificuldade em determinar sua natureza:1. A soberania é inalienável, isso sign ifica que não pode nem
mesmo ser exercida por representação. “Sempre que se trata de um
verdadeiro ato de soberania, o povo nào pode ter representantes"
{Obras inéditas, ed. Dreyfus, Streckeisen-Moultou, p. 47, n. 2). A
soberania poderia ser alienada apenas se a von tade geral pud esse ser
exercida por intermédio de um a ou m ais vontades individuais. Mas
isso nào é possível, já que esses do is tipos de vontade têm naturezasdemasiado diferentes e se movem em sentidos divergentes. Uma se
move em direçào ao geral, portanto à igualdade; a outra ao particu
lar, e portanto às preferências. As duas podem estar acidentalmente
em ham onia po r um curto tempo, m as como essa harmonia nào re
sulta de sua natureza e la nào é garantia de permanência. O soberano ,
por acaso, pode querer o que um determinado indivíduo quer hoje.
mas que garantia pode haver de que essa harmonia ainda existirá
amanha?
Em sum a, como o ser coletivo é sui generis. por ser o único de
sua espécie, não pode ser representado por outro ser além de si m es
mo sem deixar de ser ele próprio (II. 4).
2. A soberania é indivisível. Ela só pode ser dividida se uma
pa ite da sociedade decidir pelo restante. M as a vontade desse grupo
privilegiado nào é geral; conseqüentem ente, o poder de que ela pen
sa dispor nào é soberania. O soberano é composto de partes, mas o
pod er soberano resultante dessa com posição é um só. Em cada uma
de suas m anifestações, ele nào pode deixar de ser inteiro, pois existe
apenas se todas as vontades individuais entrarem nele como elem entos.
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l lc M on tesq cneit e Ro usso.m
Mas embora seja indivisível em principio, cia nào poderia ser
dividida em seu objetivo? Na b ase dessa idéia, já se disse algumasvezes que o po der legislativo é um a parle da soberan ia e o executivo
é outra, e que esses dois pod eres p arciais estào no m esmo nível. M as
isso é como dizer que um hom em é feito de vários hom ens, um dos
quais tem olhos m as não tem br aços, o outro tem braços mas nào tem
olhos e assim por diante. Se cada um desses poderes é soberano,
ambos têm iodos os atributos da soberania. São manifestações dife
rentes de soberania; não podem ser partes diferentes dela.Esse argumento p rova qu e a unidade atribuída por R ousseau ao
pod er soberano n ào é orgânica. Esse poder não c constituído po r um
sistema de forças diversas e interdependentes, mas por uma força
hom ogênea, e sua unidade resu lta de sua homogeneidade. Ela vem
do fato de que todos os cidadãos devem contribuir para a formação
da vontade geral e devem se unir para que todos os caracteres dife
renciais sejam eliminados. Não há ato soberano que não venha dopovo inteiro, pois. de outra forma, ele seria o ato de urna associação
particular. Assim podemos entend er m elhor o que Rousseau quis di
zer eom sua freqüente com paração da sociedade com um corpo vivo.
Ele nào a concebia como um todo formado por paites distintas, que
funcionam juntas exatamente por serem diferentes. Mais que isso.
sua visão é de que ela c ou deve ser animada por uma alma única e
indivisível que m ove todas as pa rtes na mesm a direção , privando-as,na mesma m edida, de todo mo vimento independente. Essa compara
ção baseia-se em um a concepçã o vitalista e sub stanc iaüsta da vida e
da sociedade. O corpo animal e o corpo social são movidos cada um
por um a força vital, cuja ação si nérgica prod uz a cooperação en tre as
partes. Rousseau certamente conhecia a importância da divisão de
funções: e, mesmo a esse respeito, sua ana logia se sustenta. Todavia,
essa divisão de trabalhos é para ele um fenômeno secund ário e der;vativo que nào cria a unidade do indivíduo ou o organismo coletivo,
mas antes o pressupõe. Assim, uma vez que a autoridade soberana
tenha sido constituída cm sua unidade indivisível, ela pode gerar
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D-t soberania cm gera l 117
diversos órgãos (corpos executivos) que encarrega, sob seu contro
le, da tarefa de im plementá-la. As partes que assim passam a existirnào sào partes, mas emanações cio poder soberano, ao qual perma
necem sempre subordinadas, encontrando nele e por ele sua unida
de. A solidariedade social, em suma, resulta das leis que ligam os
indivíduos ao grupo e nào uns aos outros. Eles sào ligados uns aos
outros apenas porque estào ligados ã com unidade, ou seja, alienados
dentro dela. O individualismo igualitário de Rousseau nào lhe perm i
tia ado tar um oulro pomo de vista.3. N ão há con trole da soberan ia. Ü soberano nào tem de res
ponder a seus súditos (1. 7). Isso é eviden te em si mesm o, já que nào
há força superior à força coletiva que constitui o poder soberano.
Além d isso, qualquer contro le seria inútil, pois '‘a vontade geral está
sem pre certa e tende à utilidade púb lica" (II. 3). De fato. a condição
necessária e suficiente da vontad e geral é que cada indivíduo deseje
o que pareça scr útil a iodos em geral. Ela cam inha para seu fim, ouseja. “para a preservaçào e o bem -estar do todo" {Economia política) com tanta segurança quanto a vontade pessoal do homem natural
cam inha para sua felicidade e preservação pessoal. Ela pode, ê claro,
enganar-se às vezes. O que ihe parece m ais útil a todos pode nào se
lo dc fato. Nesse caso, a culpa não é da vontade, m as do julgam ento .
“No ssa vontade é sempre para nosso bem. mas nem sem pre vemos
qual é; o povo nunca c corrompido, mas muitas vezes e enganado"
(II, 3). “A vontade geral está sem pre certa, mas o julgam ento que a
guia nem sem pre é esclarecido” (II. 6). Os erros oco rrem particular
mente quando grupos especiais se formam dentro do Estado. Se eles
obtêm o controle, seus mem bros buscam o que c vantajoso para um
determinado partido, associação ou indivíduo, e nào o que é vantajo
so para todos. Os interesses particulares tornam -se dom inantes. To
davia. a vontade geral não é por isso destruída ou corrompida: cia é
simplesmente “vinculada'’, ou seja, subordinada a vontades indivi
duais. Ela permanece inalterável e continua a cam inhar para seu fim
natural, mas è impedida de agir por forças con trárias (IV. 1).
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Da lei em geral
Os cap ítulos I a 6 do Livro II tratam do poder soberano em
repouso : os capítulos 6 a 12 o consid eram em movimento. Rousseau
passa do estático ao dinâmico. O corpo político foi formado; agora
ele o descreverá em ação.
O ato pelo qual a vontade soberana se manifesta é a lei. Ela tem
como objeto fixar os direitos dc cada indivíduo de modo a assegurar
um equilíbrio entre as pan es que comp õem a sociedade. Assim, elas
são o verdadeiro objeto e a razão dc ser da organização social. Porisso, Rousseau nào hesita em cham á-las “a fonte do justo e do injus
to em relaçào aos membros do Estado" {Economia polírica). Nào
que a justiça possa ser criada arbitrariamente, po r um ato de vontade,
como Hobbcs, por exemplo, pensava. “O que é bom e conforme ã
ordem o é pela natureza das coisas e independentemente das con ven
ções humanas. Toda justiça vem dc Deus" (II. 6). Mas essa justiça,
que c imanente nas coisas, é apenas virtual; é preciso traduzi-la emato. A lei divina c inoperante enquanto não se tom a um a lei hum ana.
Essa é a função da lei. que se confunde com a do soberano; é o
supremo árbitro dos interesses individuais. Mas o que exatamente é
a lei? Ela se define naturalmente em termos da vontade geral, pois
resulta da aplicação de todas as vontades ao corpo da naçào como
um todo. “Quando todo o povo decide por lodo o povo. forma-se,
entào. uma relaçào do objeto inteiro sob um ponto de vista com oobjeto inteiro sob outro ponto de vista. A esse ato chamo uma lei''
{ibid.). Essa é uma nova prova de que. fundamentalmente, apesar
- 12!
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122 M ontcsguie ii e Rousseau
dos esforços dc Rousseau para sobrepor um ao outro, há apenas
urna diferença de ponto de vista en tre o árbitro e as partes, entre ocorpo da sociedade c a massa dc indivíduos.
Disso resultam diversas con seqü ên cia s:!) a lei. como a vontade
geral que expressa, não pode ter objeto individual. Ela pode criar
privilégios, mas nào confe ri-los a alguém em particular. Isso é o con
trário do que susten tava Hobhes: “ As leis sào feitas para Tiro e Caio,
e nào para o corpo do Estado" (De Cive. XII). A razão dessa diferen
ça é que I lobbes admitia uma clara linha de dem arcação entre a autoridade soberana e a multidão dos súditos. O s primeiros, afirmava, eram
externos aos últimos e impunham sua vontade a cada indivíduo. A
atividade do soberano, assim, dirigia-se necessariam ente a uma pes
soa ou pessoas situadas fora dessa atividade. P ara Rousseau, embora
em um sentido a au toridade soberan a transcenda infinitamente todos
os indivíduos, nào é mais que um aspecto deles. Quan do ela legisla
sobre eles. está legislando para si mesma e o poder legislativo queexerce “reside” neles. 2) Pela mesma razào. a lei deve emanar de
todos. Ela reúne “a universalidade da vontade com a universalidade
do objeto” . O qu e é ordenado po r um homem não é uma lei, mas um
decreto, um ato executivo e não um ato dc soberania. 3) Como é o
corpo da naçào que legisla por si mesmo, a lei nào pode ser injusta,
pois “ninguém c injusto consigo m esm o" (11. 6). O geral é o critério
do justo. Por sua natureza, o geral vai ao encon tro do geral. Sào osm agistrados que pervertem a lei porque sào seus intermed iários indi
viduais (ver a 9a Carta da Montanha).Mas o povo sozinho nào c com petente para fazer a lei. Embora
ele sempre deseje o bem, nem sempre sabe o que eie é. Precisa de
alguém para esclarecê-lo. Essa é a função do legislador.
Ê surpreendente ver que Rou sseau dá tanta im portância ao le
gislador, que é necessariamente um indivíduo. Parece haver umacontradição entre fazer de um indivíduo a fonte da lei quando o indi
víduo foi apresentado como a fonte da imoralidade. Rousseau ter:
consciência disso. Reconhece que a natureza humana em si não é
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D a l ei c m g e r a l 12?,
adequada a essa função, que exige um hom em com um a com preen
são profunda do coração hum ano e que. ao mesm o tempo, seja suficientemente impessoal para elevar-se acim a das paixòes hum anas e
interesses individuais. Uma pessoa desse tipo só pode ser um ;‘ser
extraordinário” , uma espécie de deus. que Rousseau postula, por as
sim dizer, como a condição necessária para a boa legislação, embora
não esteja seguro dc que essa condição sem pre esteja presente. “Se
ria preciso deuses para dar leis aos l.om en s/’
A dificuldade se deve não apenas ao fato de que essa missão
exige um gênio extraordinário, mas também ã antinomia cm que
implica. Pois para fazer leis c preciso desnaturar a natureza hum ana,
transformar o todo em parle, o indivíduo em cidadào (II, 7). Que
poderes tem o legislador para realizar uma tarefa tão laboriosa? Ne
nhum. Ele nào pode ter uma força efetiva para realizar suas idéias,
pois, se tivesse, ficaria no lugar da autoridade soberana. Os homensseriam governados por um indivíduo. Por mais sábia que uma vontade
individual possa ser. ela nào pode substituir a vontade geral. “Aquele
que comanda as leis não deve com andar os hom ens." Eie só pode pro
por. Apenas o povo decide. "Assim, na obra da legislação, encontra
mos duas coisas que parecem incompatíveis: uma empreitada acima
da força humana e. para executá-la, urna autoridade que nào é autori
dade’' (ibid). Nesse caso. como ele pode se fazer obedecer? É precisolembrar que quando ele empreende a tarefa ainda nào há costumes
sociais estabelecidos para facilitá-la. M uito provavelm ente ele nào será
compreendido. 'T ara que um povo jovem possa provar os sadios prin
cípios da política, o efeito teria de se tom ar a causa e os hom ens teriam
de ser ames da lei o que devem tomar-se graças a ela” (ibid.).Historicamen te, os legisladores só ultrapassaram essas dificul
dades ao revestir um caráter religioso. Aos olhos da naçào, as leis doEstad o adquiriam assim a mesma autoridade das leis da natureza, já
que ambas tinham a mesm a origem. Os hom ens se inclinavam a elas,
“reconhecendo o m esmo pod er na formação do homem e na da cida
de1' (II. 7). Assim, quan do as nações se formam , a religião deve ser
vir como “instrumento” da política (ibid.. últimas linhas). Todavia,
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Montcsqt i ieu c. Rousse.nt
Rousseau nào quer dizer com isso que, para fundar uma sociedade,
basta que se façam os oráculos falarem a coisa certa. Um respeitoreligioso deve ser imposto, ames dc tudo. pela própria pessoa do
legislador, pelo gênio pessoal que nele fala. "A grande alma do le
gislador é o único m ilagre que pode provar sua m issão." Talvez isso
nos ajude a entend er po r que Rousseau não considera essas apoteo
ses totalmente impossíveis, mesm o no futuro.
Mas há outros pré-req uisitos para a boa legislação. Nào basta
que um legislador guie a atividad e coletiva aplicada ao corpo da nação. Determinadas condições também devem existir no povo:
. Uma vez que a natureza hum ana se fixa. ela nào pode mais
scr modificada. A transform ação profunda que o legislador deve o pe
rar pressupõe que o homem ainda esteja maleável. Portanto, só é
possível no caso de povos ain da jov ens e livres de preeonceilos. Mas
também seria um erro tentar essa transformação prematuramente.
Um povo dem asiado jove m nào está pronto para a disciplina e apenas uma ordem ex terna poderia ser imposta a cie. Assim , há um m o
mento crítico que deve ser ap roveitado an tes que passe. Na verdade,
as revoluções podem, às vezes, devolver a plasticidade à substância
social ao destruir completamente os antigos moldes. Mas essas cri
ses salutares sào raras e. além disso, para serem efetivas não podem
ocorrer demasiado tarde na história da nação, pois uma vez que as
forças sociais tenham perdido sua tensão, uma vez que “a mola civilesteja gasta” , as revoltas podem destruir o que existia sem substituí-lo.
2. A nação deve ter um tamanho normal. Nào pode ser dem a
siado grande, pois careceria da hom ogeneidade sem a qual nào pode
have r vontade geral. Também não deve ser tào pequena a ponto dc
nào poder se manter. Mas o tamanho excessivo é o perigo maior,
pois antes de ludo o mais importante é uma boa estrutura interna,
que nào pode existir se o Estad o for excessivam ente extenso. Nadahá de surpreend ente nessa observação. Todo o Contraio Social favo
rece o estabelecimento de um a pequen a sociedade segundo o m ode
lo da antiga ciaade-estado da República de G enebra.
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O.t :ci cm gcr.il
3. A nação deve "gozar de paz c abundância'' no mom ento em que
é instituída. pois esse é um momento de crise em que o corpo político "cmenos capaz de oferecer resistência e mais fácil de destruir" (II. 10).
Assim, segundo Rousseau. a instituição da legislação c uma
obra delicada , com plicada, árdua e de sucesso incerto. H preciso que,
po r um acidente feliz e imprevisível, surja um legislador para gu iar o
povo. Como vimos, esses indivíduos são poucos e esparsos; apare
cem quase que por milagre. A nação deve ter atingido o grau ex<:to
de m aturidade e nào deve ser m uito grande: em o utras palavras, pre
cisa ter chegado ã condição interna conveniente. Se alguns desses
requisitos nào for cumprido, o resultado é o fracasso. F.ssa concep
ção c uma con seqüência lógica das prem issas de Rousseau e ao m es
mo tempo explica seu pessimismo histórico. F.mbora nào seja
necessariamente contrária à natureza, a sociedade nào surge dela
naturalmente. O desenvolvimento de sementes que. embora presentes. são infinitamente a fastadas do ato e a descoberta de uma forma
de desenvolvim ento apropriada a elas. mas que nào entr e em conflito
com as tendências mais básicas do hom em natural, nào pode deixai- de
ser uma operação muito difícil. Estabelecer um equilíbrio estável en
tre forças que nào foram constituídas naturalmente de modo a formar
um todo sistemático, fazê-lo sem violência, mudar o homem e ao
mesmo tempo respeitar sua natureza, e. de fato. uma tarefa que podeexceder em muito as forças humanas. Rousseau nào tem por que se
surpreender com o pequeno número de casos em que (a seu ver) a
humanidade se aproximou desse ideal.
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Das leis políticasem particular
O objeto das leis pode ser expressar a relaçào entre o iodo c o
todo, ou seja. entre o conjunto de cidadãos conside rados soberanos c
o conjunto de cidadàos considerados súditos. Estamos falando das
leis políticas, que indicam o modo como a sociedade c constituída. As
leis civis sào as que determinam as relações entre o soberano e os
súditos ou os súditos entre si. As leis penais são as que decretam
sanções para violações às ou tras leis (de forma que a sancào civil se
torna sançào penal). A esses ires lipos de lei Rousseau acrescenta
um quarto, os costumes, modos e acima de tudo a opiniào pública,
que para ele é a pedra fundam ental do sistem a social (II. 12. infine).
Ele se refere aos modos coletivos de p ensar e agir que. sem assum ir
uma forma explícita c estabelecida, determinam a mentalidade e com portamen to dos seres hu m anos exatamen te como fariam as leis for
mais. F. bastan te interessante que cie aprox ime de tal forma o costu
me difuso e a lei escrita.
Rousseau se ocupa apenas das leis relevantes ao estabeleci
m ento da ordem social, ou seja. as leis políticas.
Assim corno a vontade individual só pode ser m anifestad a com
a ajuda de uma energia física, a vontade geral também só pode serimplem entada p or intermédio de u ma força coletiva. E ssa força c o
- 227 -
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l Moniesquieu c Rousseau
poder executivo ou verno. Assim , o governo é um mediador flexível
entre a vontade soberana e a massa de súditos ao qual ele deve seraplicado, um interm ediário entre o corpo politico como soberano e o
corpo politico com o Estado. S ua função nào é fazer leis. mas zelar
por sua execução. O príncipe é o conjunto de indivíduos enc arrega
dos dessas funções.
A força governamental pode. portanto, ser considerada uma
m édia proporc ional entre o soberan o e o Estado. Em outras palavras,
o soberano está para o governo assim como o governo está para anaçào. 0 primeiro dá ordens ao segundo, que as transmite ao tercei
ro. A conexão entre esses três termos é tão estreita que um implica
nos outros e nào pode variar sem prov ocar urna variação nos outros.
Se, por exemplo, a população de um a nação for d e / v ezes maior que
a de outra, o quinhào de cada cidadão na autoridade soberana será
dez vezes m enor na prim eira naçào do que na segunda. Quanto maior
essa distância entre a vontade individual e a vontade geral, de mais
força o governo precisará para conter as divergências individuais.
Mas quanto mais força o governo tiver, mais o soberano deve ter.
Assim, dada a série S (soberano). G (governo ) e P (povo), se P - 1 e
se observarmos que S (razão duplicada) se tom ou m ais forte, pode
mos ter certeza de que o mesmo vale para Ci. De onde se segue que
a constituição do governo é relativa ao tamanh o do P.stado e que não
há forma única e absoluta de organização de governo (III. 1).
A questão essencial sugerida pelas fés políticas reduz-se à se
guinte: quais são as diversas formas dc governo e a quais diferentes
condições elas correspondem ?
Os governos sempre foram classificados dc acordo com o nú
mero de pessoas que participam deles; eis corno se distingue a dem o
cracia. a aristocracia e a monarquia. Rousseau não se contenta emrepetir essa classificação tradicional. Ele tenta basear sua classifica
ção na natureza das sociedades e mostrar que essas diferenças nào
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Da^ leis polít icas cm particular 129
são superficiais, mas enraizadas no que há de mais essencial na ordem
social.
Em primeiro lugar, o núm ero de governantes é importante por
que a intensidade da força governam ental depende diretamente dele.
por duas razões: 1) O únieo pode r que o governo tem é o que vem do
soberano. C onseqüentemente, seu pode r não aumenta se a socieda
de perm anecer no mesm o nível. M as quanto mais mem bros o gov er
no tiver e quanto mais for obrigado a usar seu poder sobre seuspróprios membros, menos poder lhe restará para agir sobre o povo.
Assim, quanto mais m agistrados houver, mais fraco será o governo.
2) De acordo com a ordem natural, as vontades individuais são as
m ais ativas; a vontade geral tem sem pre algo de mais frouxo e inde
ciso. justamente por scr artificial. As outras vontades coletivas po
dem ser classificadas entre esses dois extremos conforme seu graude generalidade. Por outro lado. a ordem social pressupõe uma in
versão dessa relação, na qual a vontade geral tem prioridade sobre
as outras. Assim, se o governo estiver nas màos de um único indiví
duo. a vontade geral do corpo governam ental, que se funde à von ta
de individual de uma pessoa, participa da intensidade desta e atinge
uni nível máximo de energia. E como do grau dc vontade depende
não a m agnitude, mas o uso do poder, a atividade do governo estará
em seu máximo. O oposto é verdadeiro se houver tantos gov ernan
tes quantos súditos, ou seja. se o pod er executivo estiver unido com o
poder legislativo (dem ocracia), pois só restará, então, a vontade ge
ral com sua fraqueza natural (III. 2).
Vimos também que a força do governo deve aumentar com o
tamanho do Estado. Disso advem que o número dc governantes de
pende do tamanho da sociedade e por isso, de forma mais gerai, que
o número de magistrados “deve ser em razão inversa ao dos cida
dão s” (111,3). Assim, a força do governo, determ inada pelo tamanho
do órgào governamental, depende do tamanho do Estado.
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M onte squ ie u c Roussea u
Definidos esses princípios, parcce haver nada mais a deduzir
deles, exceto que l'o governo democrático convém aos pequenos
Estados, o governo aristocrático aos de tamanho médio e a monar
quia aos grandes”. É o que diz Rousseau (ibid .), mas ele nào se limita
a essas conclusões. Em vez disso , propõe-se a com parar os diversos
governos para determinar qual o melhor. Aliás, nào há contradição
no problema que apresenta. C ada tipo de gove rno pode ser o melhor
para um modo dc existência em particular. Rousseau está longe de
adm itir que uma única forma pode ser apropriada a todos os países.No Livro IÍI. cap. 8, ele prov a expressam ente o contrário (que nem
toda forma de governo é apropriada para todos os países). Mas por
oulro lado, esses diferentes tipos de governo nào satisfazem igual
mente as condições ideais da ordem social. Quanto mais perfeita
mente o reino coletivo reflete (embora em forma totalmente nova)
as características essenciais do reino natural, mais perfeita será a
ordem social. Os diversos tipos dc governo atendem a esse requisitobásico dc diferentes maneiras. Da das as leis que relacionam a natu
reza de um governo à natureza da sociedade, podemos colocar a
questão da seguinte maneira: Quais sào os limites normais da socie
dade para que ela seja a imagem mais fiel possível - em bora trans
formada - do estado de natureza?
Os princípios de Rousseau parecem permitir apenas uma res
posta: é na democracia que a von tade gerai domina as von tades individuais do modo m ais satisfatório. A dem ocracia, portanto, é a forma
ideal de governo. Hssc também c o ponto de vista de Rousseau,
embora o ideal lhe pareça humanamente inatingível. “Se houvesse
um povo dc deuses, seu governo seria democrático. Um governo tào
perfeito nào convém aos hom ens” (III. 4). I) N ào é aconselhável
que a vontade geral seja aplicada regularmente a casos individuais:
essa prática poderia levar a confusões anormais e perigosas. 2) O
exercicio do poder executivo é contínuo e nào é possível reunir
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D as leis pol í ticas cm par t icular 131
continuamente o povo para tratar de negócios públicos. 3) Além
disso, a democracia pressupõe condiçòcs quase impossíveis, um
Estado pequeno cm que todos se conhecem, cm que haja igualdade
quase absoluta c cm que a moralidade seja elevada, porque a baixa
atividade da vontade geral facilita o aparecimento de distúrbios.
Rousseau diz, como M ontesqu ieu, que seu princípio é a virtude, mas
em sua opinião isso é justamente o que a toma impraticável (ibid.).
Por razões opostas, a m onarquia lhe parece o pior regime, já que emnenhum outro o indivíduo tem mais poder. () governo m onárquico é
to ne porque tem as m enores dimensões possíveis. Pode facilmente
frustrar a vontade geral. Entre esses extremos está a aristocracia,
que tende ao ideal democrático, mas é mais fácil de realizar. Por
aristocracia ele se refere a uma sociedade em que o governo é for
mado por uma minoria escolhida nela idade e pela experiência, oupo r eleição. Ele ainda distingue, é verdade, um terceiro tipo de aristo
cracia, em que as funções de governo sào hereditárias, mas a con si
dera um a forma anormal e ainda inferior à monarquia.
Embora a comparação de Rousseau não deixe de se inspirar
em Montesquieu, suas conclusões sào bem diferentes das tiradas
po r seu predecessor, que preferia aquiío a que cham ava m onarquia.
A razão para essa diferença reside em uma concepção diversa de
sociedade. M ontesquieu concebia a sociedade cuja unidade não ape
nas nào excluía o particularismo dos interesses individuais, como já o
supunha e resultava dele. Para ele, a harmonia social resultava da
divisão de funções e do serviço mútuo. Havia elos diretos entre os
indivíduos e a coesão do todo era apenas um a resultante de todas as
afinidades individuais. M ontesquieu achava que essa com unidade crabem representada pela sociedade medieval francesa, complem enta
da pelas instituições inglesas. Rousseau. por outro lado, acreditava
que a vontade individual é hostil à von tade comum. “Em uni perfeito
ato de legislação, a vontade individual ou particular deve ser nula” (111.
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132 M onte squ ie u c Rousse a u
2). 0$ cios entre indivíduos devem ser reduzidos a um mínimo. "A
relaçào social (de que traiam as leis) c a dos membros entre si oucom o corpo inteiro; e essa relaçào deve ser, no primeiro caso. tào
pequena, e no segundo tào grande quanto possível. Cada cidadão
seria então perfeitamente independente de todos os outros e ao mes
mo tempo m uito dependen te da cidade" (II, 12). Pois é dessa m ane i
ra que a sociedade imitará melhor o estado dc natureza em que o
indivíduo nào tem laços com outros e depende apenas dc uma força
geral, a natureza. Essa cocsào é possível apenas em uma nação quese estenda por uma área nào muito grande, em que a sociedade
esteja presente por toda parte e em que as condições de existência
sejam muito semelhantes para todos. Em uma grande nação, por
outro lado, a diversidade dc grup os m ultiplica as tendências individu
alistas. Cada pessoa tende a pers egu ir seus interesses particulares c.
conseqüen temente, a unidade política só pode ser mantida com um go
verno tào fone que substitua a vontade geral e degenere em um despo
tismo (II. 9). 0 mesm o vale para a exclusão de grupos secundários.
Toda essa teoria dc governo se baseia em uma contradição.
Dado seu princípio fundamental. R ousseau pode aceitar apenas uma
sociedade em que a vontade geral seja a senhora absoluta. Toda
via. emb ora a vontade governam ental seja individual, ela representa
um papel essencial no Estado. Na verdade, "o governo (existe) ape
nas por meio do sob erano" (111, 10): “sua força é apenas a força
pública concentrada em suas mãos" {ibid.). Em principio, ele deve
apenas obedecer. Nào obstante, uma vez estabelecido, é capaz de
uma ação própria. Precisa de “um eu particular, um a sensibilidade co
mum a seus membros, uma força, uma vontade própria que lenda à
conservação” {ibid.). £ uma ameaça constante, mas é indispensável.
Assim, há uma tendência a reduzi-lo ao mínimo e ao mesm o tempo osentimento de sua necessidade. Isso explica a solução média adotada
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Das leis pol í t icas cm part icular
por Rousseau ao pôr a aristocracia acima de todos os outros tipos de
governo.
O governo c um elemento tào adventício na ordem social que
as sociedades só morrem por serem governadas. O governo é seu
elemento corruptível e corruptor. Em virtude dc sua natureza, ele
“ faz um esforço continuo contra a soberania" (III. 10). Corno nào hà
outra vontade individual forte o bastante para contrabalançar a do
príncipe e como a vontade geral sofre de uma fraqueza constitucional. o poder governam ental, cedo ou tarde, ficará por cima. Essa é a
ruína do estado social. “ Eis a falha ineren te e inevitável que. desde o
nascimento do corpo politico. tende incessantemente a destruí-lo"
(III, 10), a causa única da deterioração gradual que n ecessariamen te
eausa sua morte. Esse estado mó rbido pode se realizar de duas ma
neiras. Ou. sem qua lquer m udança nas cond ições gerais do Estado,
o governo fica mais concen trado e adquire assim um a força que nào
tem relaçào com as dimensões da sociedade, ou entào o governo,
como um corpo, usurpa o poder soberano, ou os m agistrados, como
indivíduos, usurpam o pod er que deveriam exercer apenas como cor
po. No primeiro caso. o vínculo orgânico entre o governo e o povo é
rompido: a associação se desin tegra e nada resta além de um núcleo
composto dos membros do governo. Eles constituem, entào. por si
mesm os, um tipo de E stado, mas um Estado cuja única relaçào com
a massa dc indivíduos é a de mestre e escravo. Pois uma vez que o
acordo c quebrado, a obediência dos súditos só pode ser mantida
pela força. No segundo caso, o Estado se desintegra porque tem
muitos líderes como governantes e porque a divisão do governo ne
cessariamente se comunica ao Estado. Esse segundo tipo de desintegração nasce da substituição da vontade geral do corpo executivo
pela vontade pessoal de cada magistrado , assim com o o primeiro tipo
resulta da substituição da vontad e geral do corpo político pela vonta
de geral do corpo governamental (ibid.).
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134 M oniesqu icu e Rousseau
A existência dc um govemo está cm contradição tão aguda
com os princíp ios gerais de filosofia social dc Rousseau que m esmo
sua gênese é difícil de explicar. A vontade geral, que c a fonte de
toda autoridade, pode tratar apenas dc assuntos gerais; scnào. deixa
de ser cia mesm a. Ela pode decid ir então a forma geral de governo.
Mas quem deve designar os líderes? Essa operação é um ato parti
cular e, portanto, da alçada do go vem o, o qu al, justam ente, dev e ser
constituído. Rousseau reconhece esse problema; kiA dificuldade éentender como é possível have r um aro de gov em o antes que o go
verno ex ista” (111, 17). Ele não o resolve, m as o contorna . O corpo
poiítico, diz. é transformado “p o r uma co nversão súbita”, de sobera
no que era em g ovem o. C onseqü enteme nte, realiza atos particulares
em vez de atos gerais. Esse aspec to duplo do corpo de cidadão s, que
ora é poder legislativo, ora poder executivo, é característico da de
mocracia. Em outras palavras, a democracia, logicamente falando,foi um fator necessário na gênese de todos os governos. Apesar dc
alguns exemplos tirados da história do parlamento inglês, nos quais
Rousseau pensa encontrar transmutações desse tipo. é difícil não
considerar seu procedimento artificial. E essa objeção pode ser gene
ralizada. Dissemos que todos os governos, tendo caráter individual,
sào contraditórios à ordem social, e que. conseqü entem ente, a únicaforma po lítica livre de contrad ição c a democracia, já que a vontade
governamental em uma democracia é reduzida a nada e a vontade
geral ê onipotente. Mas. por outro lado, também se pode dizer que.
no sistema de Rousseau. a democracia também c autocontraditória,
pois a vontade geral pode se m anifestar apenas ao aplicar-sc a casos
particulares. Pressupõe-se. assim, que ela nào é o governo. Nào fica
claro por que a incompetência em todas as questões particulares,atribuídas a ela por princípio, desaparece apenas porque o corpo p o
lítico passa a ser cham ado de “go vem o” e nào m ais de "sob cran o'\
Essa antinomia vem da concepção geral de soberano como outro
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Dss leis pol í t icas em part icular 135
aspecto do povo. F ica claro que nào há lugar para um intermed iário
entre dois aspectos da mesma realidade. Por outro lado, porém, avontade geral, por falta de um intermediário, permanece confinada
cm si mesma, ou seja. pode mover-se apenas em uma esfera de
universais sem se exp ressar concretamenle. Essa m esma concepção
c conseqüência do fato de que Rousseau vê apenas dois pólos da
realidade humana: o indivíduo abstrato e geral, que c o agente e o
objetivo da vida social, e o indivíduo concreto e empírico, que é o
antagonista de toda existência coletiva. F.le nào percebe qu e. em bo
ra em um sentido os dois pólos sejam irreconciliáveis, o primeiro,
sem o segundo, nào passa de uma entidade lógica.
Seja como for. uma vez que o único perigo vital para a socieda
de reside nas poss íveis usurpaço es por parte do govem o. o principal
objeto da legislação deve scr evitá-las. Assem bléias do pov o devem ,
portanto, ser reunidas com a m aio r freqüênc ia possível e com regularidade. sem que o govern o precise conv ocá-las (caps. 12- i 5 e i 8).
Essas assembléias devem ser com postas pelo próprio povo e não por
representantes. A autoridade legislativa nào pode ser delegada, as
sim como nào pode ser alienada. Leis são leis apenas se forem ex
pressamente desejadas pela sociedade reunida (TTI. 15). Mas essas
medidas nào sào as únicas que Rousseau julg a necessárias. Ele indi
ca ou tras a respeito das maneiras de inferir a vontade geral a partirdo sufrágio (IV, 3) e a contagem de votos nas assembléias do povo
(IV. 4). E le também defende certas instituições, com o o tribunal, cuja
funçào é proteger a soberania contra o abuso da autoridade gover
namental (IV, 5), a censura, cujo dever é defender as morais e os
costumes essenciais à estabilidade social (IV, 7) e a ditadura, que é
invocada nas situações imprevistas (IV, 6). Nào é preciso en trar nes
ses deialr.es de organização, emprestados na maior parte de Roma,uma circunstância que prova novamente que o regime da eidade-
estado é de fato aqueie ao qual Rousseau se propõe a c onstruir uma
base teórica.
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136 M o n t es q u i v u c R o u ç s e a u
Mas um hábil mecanismo constitucional nào basta para assegu
rar a coesão social. Com o esta resulta principal mente de um acordoespontâneo de vontades, ela nào e possível sem uma certa comunhão
intelectual. No passado, essa comunhão resultava naturalmente do fato
de que cada sociedade tinha sua religião, que era a base da ordem
social. As idéias c os sentimentos necessários ao funcionamento da
sociedade eram postos sob a proteção dos deuses. O sistem a politico
também era teológico. F. por isso que cada Estado linha sua religiãoc nào era possível ser membro dc um Estado sem praticar sua reli
gião.
O Cristianismo introduziu um a dualidade em que só havia e só
deve ria haver unidade. Ele separou o temporal e o espiritual, o teoló
gico e o politico. O resultado foi um desm embramento da autoridade
soberana. Entre os dois poderes opostos, assim estabelecidos, surgi
ram conflitos perpétuos que impossibilitavam um a boa administraçãodo Estado. Rousseau rejeitava a doutrina dc Bayle, segundo a qual a
religião c inútil ao Estado (Pensamentos diversos escritos a um
doutor da Sorbonne, escritos por ocasião do aparecimento de um
cometa cm dezembro de 1680). “A força" que ;ias leis têm em si
mesmas" nào lhe parece suficiente (IV, 8). “Cada cidadào deve ter
uma religião que o faça amar seus deveres" (ibid.). Mas ele também nào admite a teoria proposta por Warburton cm A Aliança en
tra Igreja e Estado (Londres. 1742), de acordo com a qual o C ristia
nismo é o m ais forte apoio do corp o politico. A religião crisià, “ longe
de iigar o coração dos cidadãos ao Estado, separa-o dele assim como
de todas as coisas da Terra" (Pensamentos diversos). É, portanto,
necessário estabelecer um sistema de crenças coletivas sob a dire
ção do Estado, e apenas dele. Esse sistema nào deve tentar reproduzir o que hav ia na base das an tigas cidades-estado, pois nào se trata
de voltar àquele ponto, uma vez que ele era falso. Um retomo ao
passado nào apenas é impossível com o desnecessário. N ecessário é
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Das lci> políticas em particular 137
que o cidadão tenha uma razào religiosa para cumprir o seu dever.
Conseqüentemente, os únicos dogmas que devem scr impostos em
nom e do Estado sào os que se relacionam à ética. Tirando isso. todos
devem ser livres para professar as opiniões que desejarem. O corpo
político nào precisa se preocupar com essas opiniões porque nào é
afetado por elas. As próprias razões pelas quais ele deve intervir na
esfera espiritual marcam os limites dessa intervenção. Em outras
palavras, em bora uma religião civil seja necessária para afirmar interesses civis, sua autoridade nào deve se estender senão na medida
exigida por esses interesses.
Rousseau conclui que a separação ilógica e anti-social entre
poder espiritual e temporal deve ser eliminada, e que a religião do
Estado deve ser reduzida aos poucos princípios necessários para re
forçar a autoridade da moral. Esses princípios sào os seguintes: a
existência de Deus, a vida futura, a santidade do contrato social edas leis. a absoluta proibição de qualquer intolerância cm assuntos
nào incluídos no credo social. O Estado nào deve tolerar qualquer
religião que não tolere outras religiões. Apenas o Estado pode excluir
de seu corpo membros que julga indignos. Nenhuma religião deve
dizer que não há salvação fora dela.
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Conclusão
Estamos agora em posição de julgar da perfeita continuidade
do pensamento de Rousseau desde o Segundo Disc uno ate o Contraio Social. O estado de natureza. tal como c descrito no primei
ro. é um tipo de anarquia pacífica cm que os indivíduos, independen
tes uns dos outros c sem v ínculos que os unam. dependem apenas da
força abstrata da natureza. No estado civil, como visto por Rousseau.
a situação é a mesma, embora sob uma forma diferente. Os indiví
duos não estão conec tados uns aos outros; há um mínimo de relaçãopessoal entre eles. mas dependem de uma nova forca, que e sobre
posta às forças naturais mas tem a mesma generalidade e necessi
dade; a vontade geral. No estado de natureza, o homem se submete
voluntariamen te ãs forças naturais e espon taneam ente toma a dire
ção que elas impõem porque sente instintivamen te que não há nada
melhor a fazer e que aquilo é de seu interesse. Sua ação coincide
com sua vontade. No estado civil, ele se submete à vontade geral nãomenos livremente porque essa vontade geral é sua obra c porque ao
obedecê-la ele obedece a si mesmo.
Aqui podem os ver as semelhanças e diferenças entre Rousseau
e seus dois predecessores, H obbes e M ontesquieu. Para os três pen
sadores. a sociedade c algo acrescentado à natureza. Na opinião de
M ontesqu ieu. as leis do estado de natureza sào distintas das do esta
do social, que são sobrepostas àquelas por um ato deliberado do le
gislador. .Vias embora haja acordo sobre esse ponto fundamental, há
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Montesquicu e Roussoau
profundas diferenças no modo como os três filósofos concebcm o
reino que o homem acrescenta ao restante do Universo.
Segundo o ponto de vista de Ilobbes, a ordem social é gerada
por um aro de vontade e susten tada por um ato de vontade que deve
ser constantemente renovado. As sociedades se formam porque os
hom ens se subm etem vo luntariam ente a um soberano absoluto para
evitar os horrores do estado de guerra e sào mantidas porque o sobe
rano evita que se dissolvam. F. ele quem faz 2 lei. e a submissão dos
hom ens à vontade de seu soberano é 0 que constitui 0 vínculo social.
F.le deve ser obedecido porque com anda. Se aceitam sua dep endên
cia. sem dúvida, é porque julgam proveitoso fazê-lo, mas isso nào
explica todos os detalhes da organização social. Um a vez qu e o Esta
do tenha sido estabelecido, é 0 chefe de E stado quem faz a lei, sem
aceitar controle sobre seu poder. A visão de Mònlesquicu era bem
diferente. Embora apenas um legislador possa estabelecer a lei. ele
não pode prom ulga r qualquer lei que lhe agrade. Um a lei apropriada
deve estar de acordo com a nature za das coisas. Tanto quan to possí
vel. a boa lei nào resulta de ação arbitrária, mas é determinada pelas
condições dominantes na sociedade. Esse pode nào ser 0 caso. mas
então a lei será anormal. Rousseau talvez seja ainda m ais categórico
sobre esse ponto. O sistema social baseia-se em um a harm onia obje
tiva rie interesses, no estado da opinião pública, nos modos e noscostum es. As leis necessariam ente expressam esse estado de coisas.
A vontade geral não pode ser representada por um indivíduo, pois
ela transcende a vontade individual. As duas sào incompatíveis e
um a nào pode substituir a outra. O substrato natural da opinião pú
blica está no todo e nào em um a parte. A intenção de Rousseau nào é
tanto armar o soberano de um pod er coercivo suficiente para superar
a resistência, quanto m oldar o espirito dos hom ens de tal m odo que aresistência não ocorra.
Em bora os três pensadores concordem que 0 social e 0 indivi
dual sào heterogêneos, observam os um esforço crescente para enrai
zar o ser social na natureza. Mas é aí que reside o ponto fraco do
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Conclusão
sistema. Ao passo que. como mostramos, a vida social para
Rousseau não é contrária à ordem natural, ela tem ião pouco emcomum com a natureza que podemos nos perguntar como ela c
possível. Rousseau diz. cm algu m lugar, que o respeito pela au tori
dade do legislador pressupõe um certo espirito social. Mas sua obser
vação sc aplica ainda mais ao estabelecimento de uma sociedade.
Se. todavia, um a sociedade for formada por indivíduos isolados, no
eslado aíômicc. nào se percebe de onde ela pode vir. Talvez, se
Rousseau admitisse um estado de guerra como o de Uobbes. pudéssemos entender por que. com o fito de acabar com ele. os ho
mens se organizaram em um corpo e chegaram m esmo ao ponto de
remodelar sua natureza original. Mas ele nào pode levar adiante
essa explicação porque, a seu ver, o estado de guerra c um resu lta
do da vida em comum . E assim com o ele nào consegue explicar por
que a vida social, mesmo em suas formas históricas imperfeitas,
pôde surgir, tem grande dificuldade para m ostrar como ela poderia
livrar-se de suas imperfeições e se estabelecer sobre uma base
lógica. Seus alicerces na natureza das coisas sào tào instáveis que
ela aparece como uma estrutura cambaleante, cujo delicado equilí
brio pode ser estabelecido e mantido apenas por uma conjunção
quase miraculosa de circunstâncias.
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L e i t u r a R e c o m e n d a d a
0 C óD IC O DE
H a m m u r a b i
Escrito em cerca ds
17 80 a. C.
Lccr.crd Willtam Kiiig
O CvríigO tlc Hrtinmuritbi e
u i i 5 « ~ o :'e l c ; s c s t a w « i d 2spor Ham nii rabi cl j j iU í o ssru
Ti::r-ndo na 3al)ilnnia. m :rc . ?ÍS r ' 750 a.C . Ksic
Cí>:ii>;n. que regulava em linhas eíarv-s e definida.-» a
sociedade r.n Antiguidade, ê atual'-iitro. pois rc-5'
sui 2S2 artigos rcconhcec.-nlo Institutos Direitoatunis. deni ic csies o õ : P iopnedade. ?cnlx:m, S ucessões. Família. Srrr com o normas de protcçãii ; io
consum idor. 3i quais. n -e rí s rccerii trrncntc. fora™inseridas r<> Si:-:cnia Jurídico do Brasil.
R o m a e o Drnr.no MithZlc Ducos
0 obje tivo ce ste :i \ :i> c irr -tarcompiL vix!?ro sistema UdHircito Roív.arm as tblUCS
ü'.ic o deíinem. a aulw » fcuscadisiinvia.- as d ifcier.ics eate- p. jc r ia i. e n rro re ssoas , hen s. •contratos. nsas ns iste. ainda,
sobre a tViojofia dc Direito, j x j í s Roma n âo nos •?-
g ç i rr e ra s conceitos. mas tamljcm uma impo.-tativjreftuvfto sobr e c- Dire ilo. cuja infiu£ ne:a s? f ezs ciü .i
poi muito tzmp-y.
Dos Df.u ms e
d a s P e n a s
Coar-: Hitcarit r
Transcorr idos apiy.ximada-
ui sr i ? doi s séculos ç meio .
D o s D efi lt /. i r d a s Pe -:;t •cominua una c i I j r i v igoro
sa C di re t a no melh or sent ido do t e rmo. Tem
va;or l i i siórico. lógico s vale como advertência
contra <is injust iças e os julgamentos apressados ç superf iciais.
M e d i t a ç õ e s
( ' a r t e s i a n a s
I ntrodução a
FeftomenoLo^ia
Edmuiul Huissrl
l isto c uma obra c n que o lei
tor lrr,i unia Op»rli:n:dadcimpar i‘.<! ob se rvar a ap! ic.iv.io
sistcma iiea <!" un* nic:ot!:uU- liios oía rc a hon estidade intelectual <!<r um dos ma iores filósofo s do sécu lo
pa<«i00c.sc;ri:!:iv:ca.umdr>'irrarv0sd£rcvi.-.:%<,>lt3niosó iica eu e ainda -ro sse gu e irmtivsTido o no ssopensar
m e d i i a c õ e >Ca RTí -SIa NAí t£3£&c .i <l>if.LVí.ví\
EíV-imií Hiãsai * •
N i e t z s c h e , o P r o e e t a d o N a z i s m o
0 Culto do Sufirr-Hom em - Reve lando a Dou trina
Abir Taka
Este iivm analisa profundam ente a influência de Niet/sche sobre a i ikologia naásta.
concentrando-ss em como os rw istú ; se am ipra ran i da maiorin doseon evitos e ideaisnictsscKí-nianos ::a.-u ade qu á-los à s;ia próp ria dou trina. A autora traçn u ma clara<lisi:r. •çs o entie a doutrina esotérica nazista - i;;ie e elitista, supranacional c c^ iria ia ’. - c ad-.yjirinaexocít ica p t^ jla r nae ioaatista. Com üm i. d a pr«cnde«stabe]cccr tuna retaçào
ciitre a doajinaMxre».- nazista c = li iw o fad c N tetrsche. «v da nd o Mnto o caráter oculto do N ansm o E sotêieoco n» o Annnismo pavãn de NietüCli t.
NIETZSCHE,fl FmfwMNJ2MKo wuo »
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O a vi d É mi lc D u rk h e i m
nasceu na França em 1858.
K considerado o principal fundador da Sociologia mod
Em sua adolescência,
Durkheim pôde testemunhar inúmeros acontecimentos marcantes na História, além de
conviver com intelectuais brilhantes.
Filho de rabino-çhefe, preparou-sc para o bacharelado no Lycée Louis-le-Grand, o que lhe permitiu entrar para a Ecole Normale Supérieure, em 1879.
Em 1872, tornou-se professor adjunto de Filosofia, ministrando essa disciplina em vários liceus
da província, quando se interessou pela Sociologia. Foi para a Alemanha a fim
de aperfeiçoar seus estudos, onde se deparou com o
trabalho de sociólogos como Max Weber.
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division d u t rav a i l social1'pub l icada cm 1893 ,
alcançou gra nd e_________z , ,
repercussão, chegando a ser. . .
reeditada.
Em Paris, foi nomeado a assistente na cadeira de Ciências da Educação da
Sorbonne, em 1902, e, em 1906, com a morte do titular, assumiu como catedrático. Em 1910, conseguiu transformá-la em cátedra dc Sociologia,
consolidando o status acadêmico dessa nova disciplina na maior instituição universitária
francesa. Suas aulas eram acompanhadas por muitos ouvintes, tornando-se um evento de grande importância.
No fim dc 1916, muito doente, não teve condiçdcs de prosseguir em suas pesquisas, vindo a falecer
em 15 de novembro de 1917, na cidade de Paris.
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F i l o s o f i a
Assim que nascemos. somos inseridos em uma sociedade com regras preestabelccidas, em que a conduta e. muitas vezes, as idéias e os pensamentos são preconcebidos na mentalidade coletiva. A maneira pela qual estamos habituados a agir foi esboçada por Montesquieu. Segundo ele, faz-se necessária uma organização; as sociedades não estão organizadas a esmo, e essa
esfera do universo é governada por leis.
No entanto, essa mesma sociedade, que determina a posição do indivíduo como cidadão no seu meio social, pode, na visão de