NEGÓCIODAARÁBIA ONDE BINLADEN PERDEUAGUERRA · ao lado da Fazenda Vereda da Cruz...

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ESTADO DE MINAS D O M I N G O , 2 9 D E A G O S T O D E 2 0 1 0 ECO NOMIA EDITOR: Paulo Paiva EDITOR-ASSISTENTE: Marcílio de Moraes E-MAIL: [email protected] TELEFONE: (31) 3263-5103 18 Irmão do terrorista mais procurado do mundo abandona fazenda e projeto de produção de soja na Bahia, depois que as terras foram invadidas. População espera seu retorno NEGÓCIO DA ARÁBIA R$ 39 , + R$ 0,46 por km rodado Diárias a partir de 90 * Pagamento à vista ou em até 10x sem juros no cartão.** Reservas 24h: 0800 979 2000 www.localiza.com * Não estão inclusas taxas (5% ou 10%, dependendo da agência de retirada e/ou de devolução do carro), coberturas de risco e extras. Consulte as condições no www.localiza.com. ** Cartões de crédito American Express, Visa, Mastercard e Diners Club International emitidos no Brasil, exceto cartões Corporate. solution Fácil é aproveitar tudo no feriado. DANIEL CAMARGOS E LUIZ RIBEIRO Belo Horizonte e Cocos (BA) – O poderio econômico de um dos grupos econômicos mais fortes do mundo – O Sau- di Binladin Group (SBG) – fun- dado pelo pai do terrorista Osa- ma Bin Laden, não foi capaz de deter a ação de grileiros no Oes- te da Bahia. Ali, em Cocos, o ir- mão do homem mais procura- do do mundo e herdeiro do SBG, Khalil Mohamed Awad Binladin, desistiu do investi- mento feito para plantar soja na fazenda Vereda da Cruz, no dis- trito rural de Rio do Meio, na ci- dade baiana. Khalil é um dos 52 irmãos de Osama. O pai de am- bos, Mohammed bin Awad Bin- ladin, fundou o SBG, principal grupo empresarial da Arábia Saudita, que movimenta cerca de US$ 5 bilhões por ano e se destaca pelas estreitas ligações com a família real saudita e pe- las faraônicas obras de constru- ção, além de atuar em diferen- tes ramos, que vão da aviação a segmentos de diversão. O interesse de Khalil no Oeste Baiano se deve a dois motivos. O primeiro é afetivo, pois é casado com a brasileira Isabel Cristina Castanheira Bayma, de quem é sócio na empresa Khalisa Agroindus- trial Ltda., com sede registrada em uma sala comercial no oita- vo andar do Edifício Tiffany, no Bairro Cidade Nova, em Belo Horizonte. O segundo motivo é referente ao potencial da re- gião baiana, conhecida como nova fronteira da soja. Compa- rando as safras de 1992/1993 com a de 2009/2010, a planta- ção de soja na região cresceu de 380 mil hectares para 1,05 mi- lhão de hectares, quase tripli- cando no período. De acordo com pessoas liga- das a Khalil, a invasão da terra é considerada muito grave para a tradição muçulmana. Quando ele teve notícia de que o inves- timento que fez estava sendo grilado por pessoas da região, perdeu o entusiasmo inicial. “Para uma pessoa com a ideolo- gia dele, é inconcebível que al- guém invada a terra de outra. Ele ficou extremamente cha- teado e descrente com o inves- timento”, afirma um conheci- do do saudita. O Estado de Minas teve acesso ao registro da Khalisa na Junta Comercial de Minas Ge- rais (Jucemg). Criada em 20 de setembro de 2003, a empresa tem 49% do capital nas mãos de Isabel, avaliado em R$ 102 mil à época, e os outros 49% (R$ 98 mil) da Shakura Internatio- nal Marketing Co. Ltd. A Shaku- ra, por sua vez, é sediada em Je- dá, cidade portuária e comer- cial da Arábia Saudita. Cerca de 85% das ações são de Khalil, sendo que os outros 15% per- tencem a Maria Manuel Ferrei- ra Bayma, irmã de Isabel. Em 15 de setembro de 2004, a empresa fez a primeira alteração contratual, elevando o capital de R$ 200 mil para R$ 222.410,00 e registrando a abertura da filial na fazenda de Cocos. O EM foi até a pro- priedade. Devido ao difícil acesso, a reportagem recorreu a um morador da região, ca- paz de se guiar pelas estradas vicinais, semelhantes a labi- rintos. Trechos arenosos per- mitem a passagem apenas de veículos com elevada altura em relação ao solo ou tração nas quatro rodas. Dois funcionários ficam na sede da fazenda e são respon- sáveis pela guarda de uma área de cerrado, cercada de vá- rias nascentes e veredas. O projeto era ambicioso para o terreno de 4.985 hectares – equivalente a quase cinco mil campos de futebol – e foi en- comendado um plano de cul- tivo de 1 mil hectares de soja. Porém, no local estão atual- mente apenas os dois funcio- nários, ladeados por um trator e maquinário abandonados. O investimento previsto para a plantação era de R$ 800 mil (R$ 80 por hectare), além do plantio de sorgo, milho, café ir- rigado e outras culturas. A pro- jeção da colheita era de 55 sa- cas por hectare a cada safra, com retorno do investimento previsto para cinco anos. Po- rém, o entusiasmo de Khalil não durou muito. O enfrenta- mento da grilagem e as dificul- dades de levar adiante o em- preendimento, devido à precá- ria infraestrutura – sendo a principal a falta de estradas – desanimaram Khalil. Dois anos depois de comprar a fazenda, o irmão de Osama desistiu do empreendimento. Dos 1 mil hectares autori- zados para a retirada da vege- tação, somente 250 hectares foram desmatados. Em uma carvoeira abandonada na área, é possível perceber que a para- lisação foi feita de forma re- pentina, tendo em vista que a lenha foi deixada dentro de al- guns fornos, sem ser quei- mada. O negócio foi liderado pelo próprio Khalil, que con- tratou um consultor para pro- jetos agropecuários e analisou áreas de fronteiras agrícolas no Mato Grosso, Goiás, Bahia, Pa- rá e Piauí. Na região, ainda há esperan- ça de que o empresário saudita retome o projeto. “A minha ex- pectativa é que o Khalil volte a investir aqui, para gerar mais emprego e renda para a gente", afirma Ivancarlos Lopes, vizi- nho da fazenda. Ele é um dos 12 herdeiros da família que ven- deu as terras para a Khalisa Agroindustrial e, depois de efe- tivado o negócio, prestou ser- viços para a empresa saudita. A reportagem fez diversos contatos com o advogado que representa os negócios da em- presa no Brasil, na tentativa de uma entrevista com Khalil ou Isabel, mas o casal não quis responder, alegando que o EM teria invadido a terra da fazen- da para fotografá-la. ONDE BIN LADEN PERDEU A GUERRA LEIA MAIS SOBRE BIN LADEN PÁGINAS 19 E 20 Ruas abandonadas dentro da Vereda da Cruz: Derick é o nome do filho do empresário, e Khalisa, o da empresa com sede em Belo Horizonte Khalil, numa foto durante visita ao Brasil, e a sede da propriedade em território baiano: desilusão com o negócio FOTOS: LUIZ RIBEIRO/EM/D.A PRESS DANIEL CONZI/AGÊNCIA RBS - 29/11/02

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ECONOMIA E D I T O R : P a u l o P a i v a

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Irmão do terrorista mais procurado do mundo abandona fazenda e projeto de produçãode soja na Bahia, depois que as terras foram invadidas. População espera seu retorno

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Fácil é aproveitartudo no feriado.

DANIEL CAMARGOS E LUIZ RIBEIRO

Belo Horizonte e Cocos(BA) – O poderio econômico deum dos grupos econômicosmais fortes do mundo – O Sau-di Binladin Group (SBG) – fun-dado pelo pai do terrorista Osa-ma Bin Laden, não foi capaz dedeter a ação de grileiros no Oes-te da Bahia. Ali, em Cocos, o ir-mão do homem mais procura-do do mundo e herdeiro doSBG, Khalil Mohamed AwadBinladin, desistiu do investi-mento feito para plantar soja nafazenda Vereda da Cruz, no dis-trito rural de Rio do Meio, na ci-dade baiana. Khalil é um dos 52irmãos de Osama. O pai de am-bos, Mohammed bin Awad Bin-ladin, fundou o SBG, principalgrupo empresarial da ArábiaSaudita, que movimenta cercade US$ 5 bilhões por ano e sedestaca pelas estreitas ligaçõescom a família real saudita e pe-las faraônicas obras de constru-ção, além de atuar em diferen-tes ramos, que vão da aviação asegmentos de diversão.

O interesse de Khalil noOeste Baiano se deve a doismotivos. O primeiro é afetivo,pois é casado com a brasileiraIsabel Cristina CastanheiraBayma, de quem é sócio naempresa Khalisa Agroindus-trial Ltda., com sede registradaem uma sala comercial no oita-vo andar do Edifício Tiffany, noBairro Cidade Nova, em BeloHorizonte. O segundo motivoé referente ao potencial da re-gião baiana, conhecida comonova fronteira da soja. Compa-rando as safras de 1992/1993com a de 2009/2010, a planta-ção de soja na região cresceu de380 mil hectares para 1,05 mi-

lhão de hectares, quase tripli-cando no período.

De acordo com pessoas liga-das a Khalil, a invasão da terra éconsiderada muito grave para atradição muçulmana. Quandoele teve notícia de que o inves-timento que fez estava sendogrilado por pessoas da região,perdeu o entusiasmo inicial.“Para uma pessoa com a ideolo-gia dele, é inconcebível que al-guém invada a terra de outra.Ele ficou extremamente cha-teado e descrente com o inves-timento”, afirma um conheci-do do saudita.

O Estado de Minas teveacesso ao registro da Khalisa naJunta Comercial de Minas Ge-

rais (Jucemg). Criada em 20 desetembro de 2003, a empresatem 49% do capital nas mãosde Isabel, avaliado em R$ 102mil à época, e os outros 49% (R$98 mil) da Shakura Internatio-nal Marketing Co. Ltd. A Shaku-ra, por sua vez, é sediada em Je-dá, cidade portuária e comer-cial da Arábia Saudita. Cerca de85% das ações são de Khalil,sendo que os outros 15% per-tencem a Maria Manuel Ferrei-ra Bayma, irmã de Isabel.

Em 15 de setembro de2004, a empresa fez a primeiraalteração contratual, elevandoo capital de R$ 200 mil para R$222.410,00 e registrando aabertura da filial na fazenda

de Cocos. O EM foi até a pro-priedade. Devido ao difícilacesso, a reportagem recorreua um morador da região, ca-paz de se guiar pelas estradasvicinais, semelhantes a labi-rintos. Trechos arenosos per-mitem a passagem apenas deveículos com elevada alturaem relação ao solo ou traçãonas quatro rodas.

Dois funcionários ficam nasede da fazenda e são respon-sáveis pela guarda de umaárea de cerrado, cercada de vá-rias nascentes e veredas. Oprojeto era ambicioso para oterreno de 4.985 hectares –equivalente a quase cinco milcampos de futebol – e foi en-

comendado um plano de cul-tivo de 1 mil hectares de soja.Porém, no local estão atual-mente apenas os dois funcio-nários, ladeados por um tratore maquinário abandonados.

O investimento previstopara a plantação era de R$ 800mil (R$ 80 por hectare), além doplantio de sorgo, milho, café ir-rigado e outras culturas. A pro-jeção da colheita era de 55 sa-cas por hectare a cada safra,com retorno do investimentoprevisto para cinco anos. Po-rém, o entusiasmo de Khalilnão durou muito. O enfrenta-mento da grilagem e as dificul-dades de levar adiante o em-preendimento, devido à precá-

ria infraestrutura – sendo aprincipal a falta de estradas –desanimaram Khalil. Dois anosdepois de comprar a fazenda, oirmão de Osama desistiu doempreendimento.

Dos 1 mil hectares autori-zados para a retirada da vege-tação, somente 250 hectaresforam desmatados. Em umacarvoeira abandonada na área,é possível perceber que a para-lisação foi feita de forma re-pentina, tendo em vista que alenha foi deixada dentro de al-guns fornos, sem ser quei-mada. O negócio foi lideradopelo próprio Khalil, que con-tratou um consultor para pro-jetos agropecuários e analisouáreas de fronteiras agrícolas noMato Grosso, Goiás, Bahia, Pa-rá e Piauí.

Na região, ainda há esperan-ça de que o empresário sauditaretome o projeto. “A minha ex-pectativa é que o Khalil volte ainvestir aqui, para gerar maisemprego e renda para a gente",afirma Ivancarlos Lopes, vizi-nho da fazenda. Ele é um dos 12herdeiros da família que ven-deu as terras para a KhalisaAgroindustrial e, depois de efe-tivado o negócio, prestou ser-viços para a empresa saudita.A reportagem fez diversoscontatos com o advogado querepresenta os negócios da em-presa no Brasil, na tentativa deuma entrevista com Khalil ouIsabel, mas o casal não quisresponder, alegando que o EMteria invadido a terra da fazen-da para fotografá-la.

ONDE BIN LADENPERDEU A GUERRA

LEIA MAIS SOBREBIN LADEN

PÁGINAS 19 E 20

Ruas abandonadas dentro da Vereda da Cruz: Derick é o nome do filho do empresário, e Khalisa, o da empresa com sede em Belo Horizonte

Khalil, numa foto durante visita ao Brasil,e a sede da propriedade em

território baiano: desilusão com o negócio

FOTOS: LUIZ RIBEIRO/EM/D.A PRESS

DANIEL CONZI/AGÊNCIA RBS - 29/11/02

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Apartamento dos Bin Laden na capital mineira, localizado no Bairro Belvedere, é hojeocupado por amiga de infância da mulher do empresário, que deve vir a BH em dezembro

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ECONOMIA

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UMA FAMÍLIA RESERVADADANIEL CAMARGOS E LUIZ RIBEIRO

Belo Horizonte e Cocos (BA) –Quem mora no apartamento de IsabelCristina Castanheira Bayma, mulher deKhalil Binlade, no Edifício Manhatan,no Bairro Belvedere, é Tânia Pedrosa,amiga de infância da cunhada de Osa-ma Bin Laden. Tânia nada informa so-bre a família de Isabel, pois alega quequalquer publicação pode atrapalhar aprivacidade deles, que vêm todo anoao Brasil – e devem estar aqui em de-zembro. Tânia é psicóloga e atende emum consultório no mesmo andar doprédio onde a Khalisa Agroindustrialestá registrada na Junta Comercial, noBairro Cidade Nova. Porém, nas trêsoportunidades em que o Estado deMinas foi ao local, a porta da sala 802sempre esteve fechada.

Isabel nasceu em Codó, no Mara-nhão, passou parte da adolescência emAraguari, no Triângulo Mineiro, e se mu-dou para os Estados Unidos para estu-dar. Lá conheceu Khalil, casou-se com omilionário saudita, se converteu ao isla-mismo e vive em Jedá. Apesar do apeloà privacidade, a cunhada de Osama temum perfil no Orkut. As informações sãorestritas aos 15 amigos que mantém narede social, mas é possível observar ascomunidades que participa, várias rela-cionadas ao Islã, aos sobrenomes quetem (Castanheira e Bayma) e a sua cida-de natal. Há também uma comunidadedo Conselho Regional de Corretores deImóveis de Minas Gerais (Creci-MG),com informações sobre compra e vendade imóveis na capital mineira.

O marido de Isabel, além de herdei-ro do Saudi Binladin Group (SBG), é côn-sul honorário do Brasil em Jedá desde1988. A embaixada brasileira é localiza-da na capital Riad e o irmão de Osamaacompanha missões comerciais e diplo-máticas na cidade às margens do MarVermelho. Educado nos EUA, Khalil fi-cou entusiasmado com o projeto na fa-zenda em Cocos e, depois de comprar aterra virgem, construir uma sede,adquirir trator, máquinas agrícolas eaté a abrir estradas, o milionário sau-dita chegou a ensaiar pegar no batentecom os funcionários. "Teve um dia emque ele foi lá no mato e até trabalhoucom a gente", recorda Ivancarlos Lo-pes, que prestou serviço para o saudi-ta. Outra obra de Khalil foi fixar placasde identificação nas estradas abertasdentro da propriedade.

Construir, aliás, é com a família deKhalil. Entre as obras do SBG, constammais de cinco mil quilômetros de rodo-vias pavimentadas na Arábia Saudita, 25aeroportos e a reforma da cidade sagra-da de Meca. A história do grupo come-çou quando o patriarca, MohammedAwad Bin Laden, migrou do Iêmen paraa Arábia Saudita em 1925 e criou o grupoem 1931. Mohammed morreu em 1968em um acidente aéreo e o controle dogrupo ficou com os filhos. A facilidadepara os vastos contratos na Arábia Sau-dita se devem às ótimas relações com afamília real do país.

CONTRASTE Se sobra dinheiro para Kha-lil, pois as obras do SBG são irrigadas pe-los petrodolares do maior produtor depetróleo do mundo – a Arábia Saudita –,ao lado da Fazenda Vereda da Cruz a si-tuação é bem diferente. Na comunidade,com o mesmo nome da fazenda, distan-te dois quilômetros da sede, famíliasmoram em casas com parede de enchi-mento, cobertas de palhas e com chãode terra batida. O transporte da água éfeito em latas de água na cabeça.

Santina Santos de Souza, de 55, mãede sete filhos, diz: “Já ouvi falar que a fa-zenda vizinha foi comprada pelo irmãodo Bin Laden". Porém, ela não sabequem é Osama Bin Laden e muito me-nos o que é terrorista. O terror para ela éoutro. “A gente sempre planta, mas coma seca, não dá nada. Neste ano, só saiuuma mandioquinha”.

O lavrador Juscelino Santos Costatambém mora em Vereda da Cruz e re-clama que está desempregado há oitomeses. Também já ouviu falar que a fa-zenda próxima é “do irmão do (Osama)Bin Laden”. Porém, não sabe nada a res-peito do terrorista. "Disseram que um ho-mem dos Estados Unidos foi para lá. Paragente que não tem leitura, é difícil enten-der essas coisas", explica Juscelino, quemora com mais seis pessoas numa casade enchimento e coberta de palhas. Con-siderando o Índice de DesenvolvimentoHumano (IDH) do ano de 2000, Cocos es-tá na posição 4.386 do ranking nacional,com média 0,615, bem abaixo da médianacional, que é de 0,766.

Logo que a Khalisa Agroindus-trial começou a operar no Brasil,em 2003, despertou a atenção daAgência Brasileira de Inteligência(Abin), que investigou a empresa,mas não constatou nenhuma irre-gularidade. No dia seguinte aoatentado terrorista de 11 de setem-bro de 2001, o Federal Bureau of In-vestigation (FBI), órgão de inteli-gência da polícia norte-americana,procurou todos os integrantes dafamília Bin Laden que estavam emterritório norte-americano para in-terrogá-los sobre possíveis ligaçõescom o parente terrorista.

Khalil Mohamed Awad Binladinfoi procurado no dia seguinte aoatentado, conforme mostra relató-rio ao qual o EM teve acesso. Deacordo com o documento do órgãode investigação, a apuração queriadetalhes de uma intensa movimen-tação de árabes na casa da família,em Orlando, na Flórida. Khalil res-pondeu que quem estava lá (umapropriedade de 81 mil metros qua-drados, comprada no final da déca-da de 1970), era somente sua famí-lia. Entretanto, o FBI alertou-o sobreo risco de retaliações e três dias de-pois Khalil pediu socorro, pois te-mia pela segurança dos familiares.Ele queria voar para Washington,onde estava sendo planejado umvoo para a Arábia Saudita, mesmocom o espaço aéreo norte-america-no fechado após os atentados.

Dois dias depois, Khalil, Isabel, ofilho Sultan e a irmã de Isabel, Ma-ria Manuel Ferreira Bayma, foram,em uma limusine escoltados peloFBI, até o aeroporto de Orlando,onde embarcaram em um voo con-tratado pela embaixada saudita.Entretanto, o voo partiu com duashoras de atraso, pois os tripulantesse negaram a voar sem saber aidentidade dos passageiros. A com-panhia aérea ofereceu US$ 5 mil pa-ra cada funcionário, mas eles recu-saram e só aceitaram quando aoferta foi ampliada para US$ 10 mil,informa o inquérito do FBI.

A operação para que a famíliade Khalil conseguisse deixar o paísnão foi isolada. De acordo comCraig Unger, no livro As famílias dopetróleo (Editora Record), forampelo menos sete aviões disponíveispara agrupar os membros da gran-de família Bin Laden, da famíliareal saudita e da alta hierarquia dopaís. O primeiro voo para ArábiaSaudita partiu dia 18 de setembroe levou cinco membros da famíliaBin Laden.

BOLONHESA Para Josilda Pereirade Souza, de 45 anos, Khalil é umsenhor muito educado. A opiniãoda cozinheira, que preparava o pra-to preferido do irmão de Osamaquando ele ia à fazenda, é de queele “sempre tratou os empregadosmuito bem”, e coincide com a devárias pessoas que lidaram com omilionário saudita em Belo Hori-zonte, mas que preferem não seidentificar, pois respeitam a discri-ção da família. Josilda foi contrata-da duas vezes e recorda que o Kha-lil apreciava macarrão à bolonhesacom almôndegas.

Moradora de Montalvânia, cida-de mineira na divisa com a Bahia,distante 40 quilômetros da proprie-dade rural, a cozinheira recorda que,na segunda vez que trabalhou parao irmão de Bin Laden, ficou hospe-dada na fazenda durante oito dias.“Me pagaram bem demais: R$ 1,2mil”, revela. Josilda lembra que Kha-lil viajava sempre em carro blinda-do e na companhia de dois funcio-nários, um deles tradutor. Ele gosta-va de dormir em uma rede no espa-ço em frente à casa. Um hábito domilionário saudita era acender umafogueira próximo de onde dormia,à noite. Outro costume do sauditaressaltado pelo lavrador Edilson daSilva Oliveira, que trabalha no localhá quatro anos, é “rezar ajoelhadocom um livrão ao meio-dia”. Edil-son se refere ao ritual de leitura doAlcorão. (DC e LR)

INVESTIGAÇÃODA ABIN E DOSAMERICANOS

EdifícioManhatan,onde mora apsicóloga TâniaPedrosa, quetem umconsultório nomesmo local

Foto de IsabelCristina

CastanheiraBayma em seu

perfil do Orkut.A mulher de

Khalil mantémapenas 15

amigos na redesocial, a maioria

relacionada aoislamismo

ORKUT/REPRODUÇÃO DA INTERNET-27/8/10

JAIR AMARAL/EM/D.A PRESS

Ele (Khalil)sempre tratouos empregadosmuito bem eseu pratofavorito émacarrão àbolonhesa comalmôndegas

■■ Josilda Pereira de Souza,cozinheira

LUIZ RIBEIRO/EM/D.A PRESS

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Habitantes da cidade de Cocos já imaginaram que o próprioterrorista poderia estar escondido no sertão da fazenda

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MITOS E LENDAS NOINTERIOR DA BAHIA

ANTÔNIO MACHADO

E - m a i l p a r a e s t a c o l u n a : m a c h a d o @ c i d a d e b i z . c o m . b r

Enxotando fantasmaQuantomais3deoutubroseaproximaeacandida-

tura José Serra não se apruma, maiores têm sido as co-branças sobre Dilma Rousseff para que exponha nãomais em tese, mas como presidente, o que fará depoisde eleita. A sua confiança é tanta, que ela responde.

O grilo das perguntas que escuta e das respostasque dá é que ambas não espelham a situação da eco-nomia. Desde que alguém soprou à imprensa quehaverá um choque fiscal, caso Dilma se eleja, ela sesente na obrigação a negar essa intenção. Está certaem termos.

A situação das contas públicas que importa aomercado financeiro, onde tal tema reverbera, está co-mo o diabo gosta: sem risco algum de solvência,prescindindo em muitas ocasiões da emissão de no-vos títulos pelo Tesouro para substituir as séries ven-cidas, mas paga juros de país quebrado. Já é tempode desatar esse nó.

O Tesouro se endivida em razão supostamentedos déficits fiscais – isto é, do orçamento federal – aocusto da Selic, calibrada pelo Banco Central confor-me as expectativas da inflação. A execução do orça-mento fiscal é apenas parte desse ritual – digamos,o toucinho da feijoada. Mas não há mais hoje em diaa carne seca nem o feijão.

Se assim é, Dilma acerta ao julgar que “disciplinafiscal” é algo que se tem de adaptar sistematicamen-te. “Ajuste fiscal no Brasil é outra coisa”, disse, segun-do relato à agência Reuters. “É um corte brutal nasdespesas e aumento de impostos.” Vá lá que não se-ja bem assim. Ela confunde “ajuste” com “choque”.Mas isso é semântica.

O que ela talvez queira dizer é que a estabilidadeeconômica já podeprescindir no Brasil decortes de gastos públi-cos na veia, como estãofazendo os países daZona do Euro, enquan-to os detentores de pa-péis do Tesouro que-rem levá-la a se com-prometer com metafiscal apertada. É o talsuperávit primário, queretira do orçamento pa-ra pagar juros da dívidapública um bocado dasreceitas fiscais.

Se, como ela diz, oseu eventual governoserá mão fechada semser, no entanto, ava-rento como tio Pati-nhas, o pessoal das te-sourarias dos bancos eos operadores de pa-péis públicos podemdormir em paz.

Mesmo com a Selic a 11%, estando hoje a 10,75%,bastaàFazendaentregarumprimáriode1%doPIBoupoucomenosparaqueadívidapúblicaestacioneondeestá: 40% do PIB. Em 2002, era de 60,6%.

Mito do risco fiscalO problema é menos de tamanho do gasto pú-

blico e mais de como e onde ele é gasto. Já a resultan-te final do orçamento, os déficits financiados comemissão de títulos pelo Tesouro que vão acumular-se ao estoque da dívida pública, a sua trajetória é ca-dente – sem ter a menor relação com a retórica po-pulista do presidente Lula.

“Faz bom tempo que a relação dívida/PIB nãopreocupa”, constata o economista Fernando Monte-ro, que não se deixa levar pelo ramerrame de analis-tas sempre a profetizar a ruína fiscal. “Quantos paí-ses”, ele provoca, “podem pagar sua dívida públicacom pouco mais que um ano de carga tributária?” Sea arrecadação de tributos é de 35% do PIB e a dívida,de 40%, basta um ano e meio. Isso poucos enxergam.

E por que o ajuste?Com alguma ironia, Montero diz que “a crise glo-

bal, enfim, nos tornou modelo para outros”. Um ar-ticulista do Financial Times, por exemplo, citou estasemana o primeiro governo Lula como inspiração àGrécia, que está à beira da bancarrota e corta gastosrosnando.

Foi o que aqui se fez, abrindo espaço para o cres-cimento que Lula saboreou no segundo governo. Epor que Dilma repetiria a dose? “A resposta maissimples é porque ela pode”, sugere Montero. “A nãotão simples é porque deve.” A questão embute algu-mas nuanças.

O nexo da disciplinaO ajuste, palavra repelida por Dilma, é possível

porque, como lista Montero, no ano que vem boaparte dos aumentos escalonados do funcionalismoterá sido absorvida, alguns gastos cíclicos vão conti-nuar cedendo e, em tese, o salário mínimo poderápassar sem reajuste real, dada a queda do PIB em2009. “E por que ajustar?”,

Ele contrapõe: “Credibilidade? A Fazenda tem sevirado sem ela. Espaço para investir? Para isso há oPAC, restos a pagar, Fundo Soberano etc. Seria bomreduzir impostos. Mas isso está em pauta?”

O nexo é que, seja pela conexão do gasto públicocom o monetário, ou para tirar das tesourarias dosbancos o álibi do risco fiscal, o crescimento susten-tado depende de inflação baixa e menos juros.

Com menos folgas em 2011, diz Montero, é o con-sumo público ou o induzido pelas transferências, quecresceduasatrêsvezesacimadoPIB,quedeveavançarmenos. Faça-se isso e os juros desinflam.

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DANIEL CAMARGOS E LUIZ RIBEIRO

Belo Horizonte, Cocos (BA) e Montal-vânia – Desde que Osama Bin Laden or-questrou o sequestro de quatro aeronaves,seguidos de atentados, o maior deles derru-bando as torres gêmeas do World TradeCenter, resultando na morte de quase trêsmil pessoas em 11 de setembro de 2001, serda família Bin Laden se tornou um fardo.Tamara, de 29 anos, não esconde o belo sor-riso nas fotos de seu álbum do site de rela-cionamento Orkut. Abraça amigos e ami-gas e demonstra alegria. Mas omite o sobre-nome e revela apenas a primeira letra: B,pois o que vem depois é uma história com-plicada demais para ser explicada e carregao peso de um dos maiores dramas da hu-manidade. Tamara é sobrinha do terroristasaudita Osama Bin Laden. Filha de KhalilMohamed Awad Binladin com a brasileiraIsabel Cristina Castanheira Bayma.

Arestriçãoaosobrenomenãoocorreape-nas no universo virtual da sobrinha do terro-rista. Em Cocos, distante 898 quilômetros deSalvador, o mistério sobre os verdadeiros do-nos da Khalisa Agroindustrial durou mais deum ano após as atividades se iniciarem.Quemtrabalhavaparaaempresainformavaapenas que o negócio era “de uma turma deBelo Horizonte”. Porém, quando Khalil visi-tou a fazenda, a verdadeira identidade doproprietário se espalhou pela região.

Assim que a informação circulou no in-terior baiano, começaram a pipocar casosrelacionados ao terrorista. “Contaram atéque o Bin Laden (o Osama) ia ficar escondi-do na fazenda”, lembra um vizinho da Ve-reda da Cruz. Outro morador narra que, emcerta ocasião, três homens armados entra-ram na propriedade, a mando de um grilei-ro de terras. “Quando se aproximou umavião, os homens saíram correndo. Elespensaram ser a mando do Bin Laden e queestava cheio de bombas”, recorda.

Sempre que tocam no assunto, os fami-liares do terrorista negam veementemen-te qualquer ligação com o terrorismo. Umdia após o atentado, agentes do Federal Bu-reau of Investigation (FBI) interrogaram to-dos os familiares de Osama presentes nosEstados Unidos. Relatórios do FBI, aos quaiso Estado de Minas teve acesso, mostramque a filha de Khalil, Tamara, é uma das fi-guras destacadas no inquérito. Ela respon-deu aos agentes que não conhecia todos os

tios e tias e que também não teve contatocom Osama, além de ressaltar que a famí-lia cortou todos os laços com o terrorista.

Tamara tem 29 anos e nasceu em LosAngeles, na Califórnia, na costa Oeste dosEstados Unidos, informa o relatório. Foieducada numa parte da infância na Améri-ca e, depois, em Jedá, na Arábia Saudita. Co-meçou a estudar Relações Internacionais,em 1999, em Boston, mas foi forçada a in-terromper o curso abruptamente quandoseu tio Osama coordenou o atentado terro-rista. Dos quatro aviões seqüestrados pelaorganização Al-Qaeda, dois atingiram astorres gêmeas do Word Trade Center, um oPentágono e outro explodiu nos ares.

Com os negócios de sua família no Brasil,TamarapassouaservistananoitedeBeloHo-rizonte, na companhia do irmão mais novo,Sultan. “Lembro que eles iam muito naquelaboate da Rua Felipe do Santos, quase esquinacom Rua São Paulo, (Happy Hour). Tambémgostavam muito de ir ao Major Lock (pub noBairro São Pedro)”, conta um amigo, que des-frutoudacompanhiadela,maspreferenãoseidentificar. Apesar de serem muçulmanos, osjovens não viam problema em se divertiremnanoitebelo-horizontina,conhecidaporexa-larálcool.Osbolsosrecheadososlevavam,in-clusive,arecebertratamentoespecialemboa-tes como a elitista NaSala, onde ligavam comantecedência e tinham mesa reservada.

Fornos de carvão abandonados na propriedade do empresário: ainda há madeira sem queimar

LUIZ RIBEIRO/EM/D.A PRESS