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G. Reale - D. Antiseri

HISTÓRIA DA

FILOSOFIA1Filosofia

pagã antiga

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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação <CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Reale, Giovanni

História da filosofia : filosofia pagã antiga, v. 1 / Giovanni Reale, Dario Antiseri;

[tradução Ivo Storniolo]. — São Paulo : Paulus, 2003.

Título original: Storia delia filosofia.

Bibliografia.

ISBN 978-85-349-1970-8

1. Filosofia - História I. Antiseri, Dario. II. Título. III. Título: Filosofia pagã antiga.

02-178 CDD-109

índices para catálogo sistemático:1. Filosofia : História 109

 Título originalStoria delia filosofia - Volume I: Filosofia antico-pagana © Editrice LASCUOLA, Brescia,

Itália, 1997 ISBN 88-350-9271-X

 Tradução Ivo Storniolo

Revisão Zolferino Tonon

Impressão e acabamento PAULUS

3a edição, 2007

©PAULUS-2003 Rua Francisco Cruz, 229 • 04117-091 São Paulo (Brasil) Fax(11) 5579-3627 • Tel, (11) 5084-3066 www.paulus.com.br •

[email protected]

ISBN 978-85-349-1970-8

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Existem teorias, argumentações e

disputas filosóficas pelo fato deexistiremoblemas filosóficos.  Assim comona pesquisa científica idéias e teoriascientíficas são respostas a problemascientíficos, da mesma forma,analogicamente, na pesquisa filosófica asteorias filosóficas são tentativas desolução dos problemas filosóficos.

Os problemas filosóficos, portanto,existem, são inevitáveis e irreprimíveis;envolvem cada homem particular que nãorenuncie a pensar. A maioria dessesproblemas não deixa em paz: Deus existe,

ou existiríamos apenas nós, perdidos nesteimenso universo? 0 mundo é um cosmo ouum caos?  A história humana tem sentido? Ese tem, qual é? Ou, então, tudo - a glória e amiséria, as grandes conquistas e ossofrimentos inocentes, vítimas e carnífices- tudo acabará no absurdo, desprovido dequalquer sentido? E o homem: é livre eresponsável ou é um simples fragmentoinsignificante do universo, determinado emsuas ações por rígidas leis naturais? Aciência pode nos dar certezas? O que é a

verdade? Quais são as relações entre razãocientífica e fé religiosa? Quando podemosdizer que um Estado é democrático? E uaissão os fundamentos da democracia?possível obter uma justificação racional dosvalores mais elevados? E quando é quesomos racionais?

Eis, portanto, alguns dos problemasfilosóficos de fundo, que dizem respeito àsescolhas e ao destino de todo homem, e comos quais se aventuraram as mentes maiselevadas da humanidade, deixando- noscomo herança um verdadeiro patrimônio deidéias, que constitui a identidade e a grande

* * *

 A história da filosofia é a história dosproblemas filosóficos, das teorias filo-sóficas e das argumentações filosóficas.É a história das disputas entre filósofos edos erros dos filósofos. É sempre a históriade novas tentativas de versar sobrequestões inevitáveis, na esperança deconhecer sempre melhor a nós mesmos e deencontrar orientações para nossa vida emotivações menos frágeis para nossasescolhas.

 A história da filosofia ocidental é a

história das idéias que in-formaram, ou seja,que deram forma à história do Ocidente. Éum patrimônio para não ser dissipado, umariqueza que não se deve perder. Eexatamente para tal fim os problemas, asteorias, as argumentações e as disputasfilosóficas são analiticamenteexplicados, expostos com a maiorclareza possível.

* * *

Uma explicação que pretenda ser clarae detalhada, a mais compreensível na

medida do possível, e que ao mesmo tempoofereça explicações exaustivas comporta,todavia, um "efeito perverso", pelo fato deque pode não raramente constituir umobstáculo à "memorização" do complexopensamento dos filósofos.

Esta é a razão pela qual os autorespensaram, seguindo o paradigma clássicodo Üeberweg, anteporá exposição analíticados problemas e das idéias dos diferentesfilósofos uma síntese de tais problemas eidéias, concebida como instrumento didáticoe auxiliar para a memorização.

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.Apresentação

* * *

 Afirmou-se com justeza que, em linha

geral, um grande filósofo é o gênio de umagrande idéia: Platão e o mundo das idéias, Aristóteles e o conceito de Ser, Plotino e aconcepção do Uno, Agostinho e a "terceiranavegação" sobre o lenho da cruz, Des-cartes e o "cogito", Leibniz e as "mônadas",Kanteo transcendental, Hegel e a dialética,Marx e a alienação do trabalho, Kierke-gaard e o "singular", Bergson e a "duração",Wittgenstein e os "jogos de linguagem",Popper e a "falsificabilidade" das teoriascientíficas, e assim por diante.

Pois bem, os dois autores desta obrapropõem um léxico filosófico, umdicionário dos conceitos fundamentaisdos diversos filósofos, apresentados demaneira didática totalmente nova. Se assínteses iniciais são o instrumento didáticoda memorização, o léxico foi idealizado econstruído como instrumento daconceitualização; e,  juntos, uma espéciede chave que permita entrar nos escritos dosfilósofos e deles apresentar interpretaçõesque encontrem pontos de apoio mais sólidosnos próprios textos.

* * *

Sínteses, análises, léxico ligam-se,portanto, à ampla e meditada escolha dostextos, pois os dois autores da presente obraestão profundamente convencidos do fato deque a compreensão de um filósofo sealcança de modo adequado não sórecebendo aquilo que o autor diz, maslançando sondas intelectuais também nosmodos e nos jargões específicos dos textosfilosóficos.

• Ao executar este complexo traçado, os

autores se inspiraram em cânones psico-pedagógicos precisos, a fim de agilizar amemorização das idéias filosóficas, que sãoas mais difíceis de assimilar: seguiram ométodo da repetição de alguns conceitos-chave, assim como em círculos cada vezmais amplos, que vão justamente da sínteseã análise e aos textos. Tais repetições,repetidas e amplificadas de modo oportuno,ajudam, de modo extremamente eficaz, afixar na atenção e na memória os nexosfundantes e as estruturas que sustentam opensamento ocidental.

•Buscou-se também oferecerão jovem,

atualmente educado para o pensamentovisual, tabelas que representam sínotica-mente mapas conceituais.

 Além disso, julgou-se oportuno enri-quecer o texto com vasta e seleta série deimagens, que apresentam, além do rosto dosfilósofos, textos e momentos típicos dadiscussão filosófica.

* * *

 Apresentamos, portanto, um texto ci-

entífica e didaticamente construído, com aintenção de oferecer instrumentos ade-quados para introduzir nossos jovens a olhar para a história dos problemas e das idéiasfilosóficas como para a história grande,fascinante e difícil dos esforços intelectuaisque os mais elevados intelectos do Ocidentenos deixaram como dom, mas também comoempenho.

GIOVANNI REALE - D ARIO ANTISERI

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ÍNDICE GERAL

Índice de nomes, XVíndice de conceitos fundamentais, XIX

Primeira parteAS ORIGENS GREGAS DOPENSAMENTO OCIDENTAL

Capítulo primeiroGênese, natureza e desenvolvimentoda filosofia antiga 3

I. Gênese da filosofia entre os gregos _______________________________ 3

I. A filosofia como criação do gênio helê-nico, 3; 2. A impossibilidade de derivaçãoda filosofia do Oriente, 4; 3. Os conheci-mentos científicos egípcios e caldeus e atransformação operada pelos gregos, 5.

II. As formas da vida grega queprepararam o nascimento dafilosofia 6 

1. Os poemas homéricos e os poetas gnô-micos, 6; 2. A religião pública e os misté-rios órficos, 7; 2.1. As duas formas da reli-gião grega, 7; 2.2. Alguns traços essenciais

da religião pública, 8; 2.3. O Orfismo esuas crenças essenciais, 8; 2.4. Falta dedogmas e de seus guardiões na religiãogrega, 9; 3. As condições sociopolítico-econômicas que favoreceram o surgir dafilosofia, 10.

III.Conceito e objetivo da filosofiaantiga 11

1. As conotações essenciais da filosofia an-tiga, 11; 1.1. A filosofia como “amor de sa-bedoria”, 11; 1.2. O conteúdo da filosofia,

11; 1.3. O método da filosofia, 11; 1.4. Oescopo da filosofia, 12; 1.5. Conclusões so-bre o conceito grego de filosofia, 12; 2. Afilosofia como necessidade primária do es-

pírito humano, 12; 3. As fases e osperíodos da história da filosofia antiga, 13.

Segunda parte

A FUNDAÇÃO DOPENSAMENTOFILOSÓFICO

Capítulo

segundo Os“Naturalistas” oufilósofos da“physis” 17

I. Os primeiros Jônios e a questão do“princípio” de todas as coisas 17

I.  Tales de Mileto, 18; 2. Anaximandro deMileto, 19; 3. Anaxímenes de Mileto, 21.

II. Heráclito de Éfeso ______________ 221. O “obscuro” Heráclito, 22; 2. A doutrinado “tudo escorre”, 23; 3. A doutrina da

“harmonia dos contrários”, 23; 4. Identifi-cação do “princípio” com o fogo e com ainteligência, 23; 5. Natureza da alma edestino do homem, 24.

III.Os Pitagóricos e o número como“princípio”_____________________ 25

1. Pitágoras e os “assim chamados Pitagó-ricos”, 25; 2. Os números como“princípio”, 26; 3. Os elementos dos quaisderivam os números, 27; 4. Passagem donúmero às coisas e fundamentação doconceito de cosmo, 28; 5. Pitágoras, oOrfismo e a “vida pitagórica”, 29.

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IV. Xenófanes de Cólofon_________ 301. Xenófanes não foi o fundador da Escola

de Eléia, 30; 2. Crítica à concepçãotradicional dos deuses, 30; 3. Terra e águacomo princípios, 31.

V. Os Eleatas e a descoberta do ser32

1. Parmênides e seu poema sobre o ser, 33;1.1. A primeira via, 33; 1.2. A segunda via,35; 1.3. A terceira via, 35; 2. Zenão e onascimento da dialética, 36; 2.1. Zenão e adefesa dialética de Parmênides, 36; 2.2. Osargumentos de Zenão contra o movimento,36; 2.3. Os argumentos de Zenão contra amultiplicidade, 36; 3. Melisso de Samos e a

sistematização do Eleatismo, 37.

VI.Os físicos Pluralistas e os físicosEcléticos 39

I. Empédocles e as quatro “raízes”, 40;1.1. As “raízes de todas as coisas”, 40; 1.2.A Amizade e o Ódio como forças motrizes,sua dinâmica e seus efeitos, 41; 1.3. Osprocessos cognoscitivos, 41; 1.4. Osdestinos do homem, 42; 2. Anaxágoras deClazômenas: a descoberta das“homeomerias” e da Inteligênciaordenadora, 42; 2.1. A doutrina das“sementes” ou “homeomerias”, 42; 2.2. A

doutrina da Inteligência cósmica, 43; 3.Leucipo, Demócrito e o atomismo, 44; 3.1.A doutrina dos átomos, 44; 3.2. Caracterís-ticas específicas dos átomos, 44; 3.3. Omovimento dos átomos, a gênese dosmundos e o mecanicismo, 45; 3.4. Idéiasgnosio- lógicas e morais, 46; 4. A involuçãoem sentido eclético dos últimos físicos e avolta ao monismo, 46; 4.1. Diógenes deApolônia, 46; 4.2. Arquelau de Atenas, 46.

MAPA CONCEITUAL - Os Naturalistas, 48.

 TEXTOS - Tales: 1. O início do pensar filosófico,49; 2. Tudo é vivo e tudo está cheio de deu-ses, 49; Anaximandro: 3. O “in-finito” comoprincípio, 50; 4. Como as coisas derivam doprincipio, 50; Anaxímenes: 5. O princípio é oar, 51; 6. Como do ar derivam as coisas, 51;Heráclito: 7. “Tudo escorre” (panta rhei),52; 8. O desenvolvimento da doutrinaheraclitiana, 52; 9. A harmonia dos opostossegundo a qual o devir se desenvolve, 52;10. O fogo-inteli- gência, princípio supremode todas as coisas, 53;II. Recepção e desenvolvimentos depensamentos órficos em Heráclito, 53; OsPitagóricos: 12. Os números e os elementos

dos números são os princípios de todas ascoisas, 54; 13. Os princípios dos números,

retomada da doutrina da reencarnação, 56;16. Símbolos e preceitos morais e religiosos,

56; Xenófanes: 17. Deus e o divino, 57; °18.A crítica da concepção antropomórfica dosdeuses, 57; Parmênides: 19. O proêmio doPoema sobre a natureza, 58; 20. A primeiraparte do poema: a via da verdade, 59;Zenão de Eléia: 21. As demonstrações porabsurdo das teses do Eleatismo, 61; Melisso:22. Os principais fragmentos da obra Sobrea natureza ou sobre o sei; 61; Empédocles:23. O ser e os fenômenos, 63; Anaxágoras:24. A tentativa de superar o Eleatismo com ateoria das “homeomerias”, 65; 25. Aconcepção da Inteligência cósmica, 65; 26. AInteligência cósmica, causa das coisas, não

se mantém se permanecermos no planofísico, 66; Leucipo e Demócrito: 27. As liga-ções entre o Atomismo e o Eleatismo, 68;28. A ética de Demócrito, 68; 29. Algunspensamentos sobre a felicidade e sobre avirtude, 69.

 Terceira parte

A DESCOBERTA

Capítulo terceiro A Sofistica e odeslocamento do eixo da pesquisafilosófica do cosmo para o homem73

I. Origens, natureza e finalidade domovimento sofista----------------- 73

I. Significado do termo “Sofista”, 73; 2.Deslocamento do interesse da naturezapara o homem, 73; 3. Mudançassociopolíticas que favoreceram onascimento da Sofistica, 74; 4. Posiçõesassumidas pelos Sofistas e suas avaliações

opostas, 75; 5. Os diversos grupos deSofistas, 75.

II. Os mestres: Protágoras, Górgias,Pródico 76

1. Protágoras: “o homem é a medida de to-das as coisas”, 77; 2. Os raciocíniosopostos e o tornar mais forte o argumentomais fraco, 77; 3. O utilitarismo deProtágoras, 77;4. Górgias: o niilismo, 78; 5. A nova doutri-na da “retórica”, 78; 6. A doutr inagorgiana da arte, 79; 7. Pródico e asinonímia, 79.

III. Erísticos e Sofistas-políticos— 80

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•U^dice geral IX

IV.A corrente naturalista da Sofistica81

1. Hípias de Élida, 81; 2. Antifonte, 81.V. Conclusões sobre a Sofistica__ 821. O contributo da Sofistica, 82.MAPA  CONCEITUAL - Os Sofistas: O homem e suavirtude, 83.

 TEXTOS -Protágoras: 1. O princípio prota- góricodo homem como “medida de todas ascoisas”, 84; 2. A imagem de Protágorascomo Sofista, 84; 3. O grande discurso deProtágoras sobre as origens do homem e daarte política no diálogo homônimo de Platão,86; Górgias: 4. O niilismo, 88; 5. A arte daretórica como sumo poder do homem, 90.

Capítulo quartoSócrates e os Socráticos menores _ 91

I. Sócrates e a fundação da filosofiamoral ocidental — 91

I. A vida de Sócrates e a questão socrática(o problema das fontes), 93; 2. Adescoberta da essência do homem (ohomem é a sua “psy- ché”), 94; 3. O novosignificado de “virtude” e o novo quadrodos valores, 95; 4. Os paradoxos da éticasocrática, 95; 5. A descoberta socrática doconceito de liberdade, 96; 6. O novoconceito de felicidade, 97; 7. A revoluçãoda “não-violência”, 98; 8. A teologiasocrática, 98; 9. O “daimónion” socrático,100; 10. O método dialético de Sócrates esua finalidade, 100; 11. O “não saber” so-crático, 101; 12. A ironia socrática, 101;13. A “refutação” e a “maiêutica”socráticas, 102; 14. Sócrates e a fundaçãoda lógica, 103; 15. Conclusões sobreSócrates, 103.

II. Os Socráticos menores---------- 1051. O círculo dos Socráticos, 105; 2. Antís-tenes e o prelúdio do Cinismo, 105; 3.Aristipo e a Escola Cirenaica, 106; 4.Euclides e a Escola de Mégara, 106; 5.Fédon e a Escola de El ida, 107; 6.Conclusões sobre os Socráticos menores,107.

MAPA CONCEITUAL - Sócrates: O homem e sua alma,108; A cura da alma, 108.

 TEXTOS - Sócrates: 1. O “não saber” deSócrates, o responso do oráculo de Delfos eseu significado, 109; 2. O método de Sócra-

tes: ironia-refutação e maiêutica, 113; 3. Aconclusão da Apologia de Sócrates: o

cado da morte, 115; 4. A mensagem e amissão de Sócrates, 118.

Capítulo quintoO nascimento da medicina comosaber científico autônomo __ 121

I. Como nasceram o médico e amedicina_______________________121

I. Dos médicos sacerdotes de Esculápioaos médicos “leigos”, 121; 2. Gênese damedicina científica, 121.

II. Hipócrates e o “CorpusHippocraticum” 123

1. Hipócrates, fundador da ciência médica,123; 2. O “mal sagrado” e a redução de to-dos os fenômenos mórbidos à mesmadimensão, 124; 3. A descoberta dacorrespondência estrutural entre asdoenças, o caráter do homem e oambiente, 125; 4. O manifesto da medicinahipocrática: “A medicina antiga”, 125; 5. O“Juramento de Hipócrates”, 126; 6. Otratado “Sobre a natureza do homem” e adoutrina dos quatro humores, 127.

Quarta parte

PLATÃO

Capítulo sextoPlatão e a Academia antiga______ 131

I. A questão platônica____________131

I. Vida e obras de Platão, 132; 2. Aquestão da autenticidade e da cronologiados escritos, 134; 3. Os escritos e as“doutrinas não escritas” e suas relações,

135; 4. Os diálogos platônicos e Sócratescomo personagem dos diálogos, 135; 5.Recuperação e novo significado do “mito”em Platão, 136.

II. A fundação da metafísica_____1371. A “segunda navegação”, ou adescoberta da metafísica, 138; 1.1. Osignificado metafísico da “segundanavegação”, 138; 1.2. Dois exemplosesclarecedores apresentados por Platão,138; 1.3. O ganho dos dois planos do ser,139; 2. O Hiperurânio ou o mundo dasIdéias, 139; 3. A estrutura do mundo ideal,

141; 3.1. A hierarquia das Idéias: novértice, a Idéia do Bem, 141; 3.2. A dou-

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X •Undice gemi

Uno (= Bem) e Díade indefinida, 142; 3.3.Os entes matemáticos, 143; 4. O cosmo

sensível, 143; 4.1. Os Princípios dos quaisnasce o mundo sensível, 143; 4.2. Adoutrina do Demiurgo, 144; 4.3. A alma domundo, 144; 4.4. O tempo e o cosmo, 144.

MAPA  CONCEITUAL  - Metafísica, 145; Os níveis darealidade, 145.

III. O conhecimento, a dialética, aarte e o “amor platônico”— 146

í. A anamnese, raiz do conhecimento, 146;2. Os graus do conhecimento: a opinião e aciência, 148; 3. A dialética, 149; 4. A artecomo distanciamento do verdadeiro, 149;5. O “amor platônico” como caminho alógi-

co para o absoluto, 150.IV. A concepção do homem______1521. Concepção dualista do homem, 152; 2.Os paradoxos da “fuga do corpo” e da“fuga do mundo” e seu significado, 152; 3.A purificação da alma como conhecimentoe a dialética como conversão, 153; 4. Aimortalidade da alma, 153; 5. Ametempsicose e os destinos da almadepois da morte, 154;6. O mito de Er e seu significado, 155; 7. Omito do “carro alado”, 156; 8. Conclusõessobre a escatologia platônica, 157.

V. O Estado ideal e suas formashistóricas 158

1. A “República” platônica, 158; 1.1. Fi-losofia e política, 158; 1.2. Por que nasceum Estado e as três classes que oconstituem, 159; 1.3. As três partes daalma, seus nexos com as três classes, e asvirtudes cardeais, 159; 1.4. Como seeducam as três classes de cidadãos, 161;2. O “Político” e as “Leis”, 162.

VI. Conclusões sobre Platão---- -- 1631. O “mito da caverna”, 163; 2. Os quatrosignificados do mito da caverna, 163.

VII.A Academia platônica e ossucessores de Platão 165

1. Finalidade da Academia, 165; 2. Espeu-sipo, 166; 3. Xenócrates, 166; 4. Pólemon,Crates e Crantor, 166.

MAPA  CONCEITUAL  - Natureza e função da almahumana, 167.

 TEXTOS  - Platão: 1. Relação entre escrita eoralidade, 168; 2. A descoberta do mundointeligível e metassensível, 172; 3. O vérticedo mundo inteligível: a Idéia do Bem, 174;

4. Grandes mitos e imagens emblemáticasque exprimem os conceitos fundamentais da

filosofia de Platão, 177; 5. Platão, descobri-dor da hermenêutica, 180.

Quinta parte

ARISTÓTELES

Capítulo sétimoAristóteles e o Perípato------------- 187

I. A “questão aristotélica”---------187I. A vida de Aristóteles, 187; 2. Os escritos

de Aristóteles, 189; 3. A questão da evolu-ção dos escritos e da reconstrução do pen-samento de Aristóteles, 190; 4. O relacio-namento entre Platão e Aristóteles, 191.

II. A metafísica------------------------- 1931. Definição da metafísica, 195; 2. As qua-tro causas, 196; 3. O ser e seus significa-dos, 197; 4. A problemática a respeito dasubstância, 198; 5. A substância, o ato, apotência, 200; 6. A substância supra-sen-sível, 200; 7. Problemas a respeito dasubstância supra-sensível, 202; 7.1.Natureza da substância supra-sensível,

202; 7.2. O Motor Imóvel e as cinqüenta ecinco Inteligências a ele hierarquicamentesubordinadas, 202; 7.3. As relações entreDeus e mundo, 203; 8. Relações entrePlatão e Aristóteles a respeito do supra-sensível, 203.

MPA  CONCEITUAL  - As definições da metafísica,205.

III. A física e a matemática--------2061. Características da física aristotélica,207;2. Teoria do movimento, 207; 3. O espaço,

o tempo, o infinito, 208; 4. O éter ou“quintessência” e a divisão do mundofísico em mundo sublunar e mundoceleste, 209; 5. Matemática e natureza deseus objetos, 210.

MAPA CONCEITUAL—A física e o movimento, 211.

IV. A psicologia------------------------2121. A alma e sua tripartição, 213; 2. A almavegetativa e suas funções, 213; 3. A almasensitiva, o conhecimento sensível, aapeti- ção e o movimento, 213; 4. A almaintelec- tiva e o conhecimento racional,214.

MAPA CONCEITUAL - As faculdades da alma, 216.

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Dnci\c.e. gera l

V. As ciências práticas: a ética e apolítica —— 217

1. O fim supremo do homem, ou seja, a fe-licidade, 218; 2. As virtudes éticas como“meio justo” ou “meio-termo entre os ex-tremos”, 219; 3. As virtudes dianéticas e afelicidade perfeita, 220; 4. Alusões sobre apsicologia do ato moral, 221; 5. A Cidade eo cidadão, 221; 6. O Estado e suas formas,222; 7. O Estado ideal, 223.

MAPA CONCEITUAL - A ética, 224.

VI. A lógica, a retórica e a poética225

1. A lógica ou “analítica”, 226; 2. As cate-gorias ou “predicamentos”, 227; 3. A defi-

nição, 228; 4. Os juízos e as proposições,228; 5. O silogismo em geral e suaestrutura, 229; 6. O silogismo científico ou“demonstração”, 229; 7. O conhecimentoimediato: indução e intuição, 230; 8. Osprincípios da demonstração e o princípio denão-contra- dição, 230; 9. O silogismodialético e o silogismo erístico, 231; 10. Aretórica, 231; 11. A poética, 232.

VII. A rápida decadência do Perípatodepois da morte de Aristóteles233

1. O Perípato depois de Aristóteles, 233.

MAPA CONCEITUAL - Quadro recapitulativo sobre a

lógica, 235. Textos-Aristóteles: 1. A metafísica comoconhecimento teórico no mais alto grau, 236;2. Existência e natureza de Deus, 237; 3. Aalma, 238; 4. A ética, 240; 5. A política, 243;6. A poética, 244.

Sexta parte

AS ESCOLAS FILOSÓFICASDA ERA HELENÍSTICA

Capítulo oitavoA passagem da era clássica para aera helenística 249

1. As conseqüências espirituais da revolu-ção operada por Alexandre Magno, 249;2. Difusão do ideal cosmopolita, 250;3. A descoberta do indivíduo, 251; 4. O

desmonoramento dos preconceitos racis

tas entre Gregos e Bárbaros, 252; 5. Dacultura “helênica” à cultura “helenística”,

252.

Capítulo nonoO florescimento do Cinismo em erahelenística 253

I. Diógenes de Sinope---------------253I. A radicalização do Cinismo, 253; 2. Omodo de viver do Cínico, 254; 3. Liberdadede palavra e de vida, exercício e fadiga,254;4. Desprezo do prazer e autarquia, 255; 5.O “Cínico” e o “cão”, 255.

II. Crates e outros Cínicos da erahelenística 2561. Outras figuras significativas do Cinismohelenístico, 256.

 TEXTOS-Diógenes: 1. Os comportamentos deDiógenes e seu significado emblemático,257; 2. Exaltação do exercício e da fadiga,257; 3. Diógenes em confronto com Alexan-dre Magno, 258; 4. Diógenes e o símbolo do“cão”, 258.

Capítulo décimoEpicuro e a fundação do “Jardim”

259

I. O “Jardim” de Epicuro e suasnovas finalidades ----------------- 259

I. Os Epicuristas e a paz do espírito, 259.

II. O “cânon” epicurista--------------2611. As sensações na origem do conhecimen-to, 261; 2. As prolepses como representa-ções mentais, 261; 3. Os sentimentos dedor e de prazer, 262; 4. Evidência eopinião, 262; 5. Limites e aporias do cânonepicurista, 262.

III. A física epicurista—:-------------2631. Escopo e raízes da física epicurista, 263;2. Os fundamentos da física epicurista,264;3. Diferenças entre o Atomismo de Epicuroe o de Demócrito, 264; 4. A teoria da“decli- nação” dos átomos, 265; 5. Ainfinidade dos mundos, 266; 6. A alma e osdeuses e sua derivação dos átomos, 266.

MAPA  CONCEITUAL  - Epicuro: A lógica ou “cânon”,267-, A física: a primeira forma dematerialismo, 267.

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IV. A ética epicurista_____________2681. O hedonismo epicurista, 269; 2. Os di-

versos tipos de prazeres, 270; 3. O mal e amorte na ótica epicurista, 270.

MAPA CONCEITUAL - Epicuro: A ética, 271.4. Desvalorização epicurista da vida políti-ca, 272; 5. Exaltação epicurista da amiza-de, 272; 6. O quadrifármaco e o ideal dosábio, 272; 7. Destino do Epicurismo e Lu-crécio, 273.

 TEXTOS  - Epicuro: 1.  A filosofia como arte doviver, 274; Lucrécio: 2. O De rerum natura,276.

Capítulo décimo primeiro OEstoicismo ________________________279

I. Gênese e desenvolvimentos daEstoá ------------------------------------ 279

I. Do “Jardim” à “Estoá”, 279.

II. A lógica da antiga Estoá --------- 2811. A “representação cataléptica”, 281; 2.As “prolepses”, 281.

MAPA CONCEITUAL -OS Estóicos: A lógica, 282.

III. A física da antiga Estoá -------- - 283

1. O materialismo monista dos Estóicos,284; 2. A doutrina das razões seminais,285; 3. O panteísmo estóico, 285; 4. Fi-nalismo e Providência segundo os Estóicos,286; 5. “Fado” ou “Destino” e liberdade dosábio, 286; 6. A concepção estóica daconflagração universal e da pa- lingênese,286; 7. O homem, a alma e sua sorte, 287.

IV. A ética da antiga Estoá --------2881. O viver segundo a natureza, 289; 2.Conceitos de bem e de mal, 289; 3. Os“indiferentes”, 290; 4. As “ações perfeitas”e os “deveres”, 290; 5. O homem como

“animal comunitário”, 291; 6. Superaçãodo conceito de escravidão, 291; 7. Aconcepção estóica da “apatia”, 292.

MAPA  CONCEITUAL -OS Estóicos: A física: a primeiraforma de panteísmo, 293; A ética, 293.

V. O Médio-estoicismo--------------2941. Panécio, 294; 2. Possidônio, 294.  TEXTOS 

-Zenão de Cício: 1. O Estoicismo, 295;Cleanto: 2. Hino a Zeus, 297; Crisipo:3. O sábio, 298.

Capítulo décimo segundo OCeticismo e o Ecletismo__________301

I. A posição de Pirro de Élida------301I. A figura de Pirro, 301; 2. Os fundamen-tos da mensagem de Pirro, 302; 3. Todasas coisas são sem diferença, 302; 4. Opermanecer sem opiniões e indiferentes,303; 5. A “afasia” e a falta deperturbações, 303; 6. Tímon de Fliunte eos seguidores de Pirro, 304.

MAPA CONCEITUAL - O Ceticismo de Pirro,304.

II. O Ceticismo e o Ecletismo naAcademia platônica 305

1. A Academia cética de Arcesilau, 305; 2.O Ceticismo acadêmico de Carnéades,306; 3. Fí lon de Larissa, 306; 4. Aconsolidação do Ecletismo com Antíoco deAscalon, 307; 5. A posição de Cícero, 307.

MAPA CONCEITUAL - O Ceticismo depois de Pirro,308.

 TEXTOS - Pirro: 1. O ceticismo pirroniano comocaminho para a felicidade, 309.

Capítulo décimo terceiro Osdesenvolvimentos e as conquistas da

ciência na era helenística----------311I. O “Museu” e a “Biblioteca”____311I. Alexandria torna-se a capital cultural domundo helênico, 311; 2. O nascimento dafilologia, 312.

II. O grande florescimento dasciências particulares 313

1. As matemáticas: Euclides e Apolônio,313;

1.1.Euclides, autor da “suma” damatemática grega, 313; 1.2. A estruturametodológica dos “Elementos” deEuclides, 314; 1.3. O método da exaustão,

314; 1.4. Apolônio de Perga, 315;2. A mecânica: Arquimedes e Heron, 315;2.1. Ar- quimedese suas obras, 315; 2.2.Os contributos matemáticos, físicos emetodológicos de Arquimedes, 315; 2.3.Arquimedes e seus estudos de engenharia,316; 2.4. A figura de Heron, 317; 3. Aastronomia: o geocentrismo tradicionaldos gregos, a tentativa heliocêntricarevolucionária de Aristarco e a restauraçãogeocêntrica de Hiparco, 317; 3.1. Os astrô-nomos Eudóxio, Calipo e Heráclides doPonto, 317; 3.2. Aristarco de Samos, o“Copérnico

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«IJndice ge^al

antigo”: suas teses e as razões queobstaculi- zaram seu sucesso, 318; 3.3.

Hiparco de Nicéia e os consensos por eleobtidos, 319; 4. O apogeu da medicinahelenística com Erófilo e Era- sístrato e suaposterior involução, 319; 5. A geografia:Eratóstenes, 320.

III. Conclusões sobre a ciênciahelenística 321

1. A “especialização” como caráterpeculiar da ciência helenística, 321; 2. Oes írito teórico da ciência reco-

Sétima parte

OS ÚLTIMOSDESENVOLVIMENTOSDA FILOSOFIA PAGÃANTIGA

Capítulo décimo quartoO Neo-estoicismo:Sêneca, Epicteto e Marco Aurélio—325

I. Características do Neo-estoicismo------------------------------------------ 325

I. Características gerais do Estoicismo ro-mano, 325.

II. Sêneca--------------------------------3261. Sêneca, entre naturalismo estóico edualismo platônico, 326; 2. A concepçãoteológica, 326; 3. Antropologia epsicologia, 326;4. A fraternidade universal, 328.

III. Epicteto----------------------------- 329

1. Epicteto: “diáiresis” e “proáiresis”, 329.IV. Marco Aurélio---------------------- 3311. A “nulidade” das coisas, 331; 2. A an-tropologia, 331.

 TXTOS  - Sêneca: 1. Deus está próximo de ti,está contigo, está dentro de ti, 333; 2. Aconsciência é o juiz de nossas culpas, 333;3. O belo sonho da imortalidade da alma,334; 4. Imitemos os deuses e comportemo-nos com todos os homens como com irmãos,335; Epicteto: 5. O homem como escolhamoral, 335; 6. Sobre aquilo que depende denós e aquilo que não depende de nós, 336;

Marco Aurélio: 7. Dos Pensamentos, 337.

Capítulo décimo quintoNeoceticismo,Neo-aristotelismo, Médio-platonismo,Neopitagorismo, o “CorpusHermeticum” e os “OráculosCaldeus” 339

I. O renascimento doPirronismo e o Neoceticismo de Enesídemo e de Sexto Empírico  ______________________________ 339

I. Enesídemo e a revisão do Pirronismo,

340; 2. O Ceticismo de Sexto Empírico,341;3. O fim do Ceticismo antigo, 342.

II. O renascimento do Aristotelismo:de Andrônico a Alexandre deAfrodísia 343

1. A edição do “Corpus Aristotelicum” feitapor Andrônico, 343; 2. Alexandre deAfrodísia e sua noética, 344.

III.O Médio-platonismo ----------- 3461. O Médio-platonismo em Alexandria esua difusão, 346; 2. Características doMédio- platonismo, 346; 3. Expoentes do

Médio- platonismo, 347; 4. Significado eimportância do Médio-platonismo, 347.

IV. O Neopitagorismo--------------- 3481. Renascimento do Pitagorismo, 348; 2.As doutrinas dos Neopitagóricos, 348; 3.Nu- mênio de Apaméia e a fusão entreNeopitagorismo e Médio-platonismo, 349.

V. O “Corpus Hermeticum”--------3501. O Hermetismo e a hipóstase, 350.

VI. Os “Oráculos Caldeus”_______3521. Os “Oráculos Caldeus”: introdução dosconceitos de “tríade” e de “teurgia”, 352.

 TEXTOS - Sexto Empírico: 1. Dos Esboçospirrônicos, 353.

Capítulo décimo sextoPlotino e o Neoplatonismo_______ 355

I. Gênese e estrutura do sistemaplotiniano----------------------------355

1. Amônio Sacas, o mestre de Plotino, 357;2. A vida, as obras e a Escola de Plotino,358; 3. O “Uno” como princípio primeiroabsoluto, produtor de si mesmo, 358; 4. A

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processão das coisas a partir do Uno, 359;5. A segunda hipóstase: o “Nous” ou Espí-

rito, 360; 6. A terceira hipóstase: a Alma,360; 7. A processão do cosmo físico, 361;8. Natureza e destino do homem, 362; 9. Oretorno ao Absoluto e o êxtase, 362; 10.Originalidade do pensamento plotiniano,363.

II. Desenvolvimentos doNeoplatonismo efim da filosofiapagã antiga— 364

1. Quadro geral das Escolas neoplatônicas,de suas tendências e de seus expoentes,364;2. Proclo: a última voz original da antigui-dade pagã, 365; 3. O fim da filosofia pagãantiga, 367.

MAPA  CONCEITUAL  - Plotino: As três hipósta- ses,368.

 TEXTOS  - Plotino: 1. As três hipóstases: Uno,Espírito (Nous) e Alma, 369; 2. O Uno e aprocessão das outras hipóstases e de todasas outras realidades a partir do Uno, 369; 3.A segunda hipóstase: o Nous, Inteligência ouEspírito, 370; 4. A terceira hipóstase: a

Capítulo décimo sétimo A ciênciaantiga na era imperial— 373

I. O declínio da ciência helenística------------------------------------------373

I. Roma torna-se o novo centro cultural,373.

II. Ptolomeu e a síntese daastronomia antiga 374

1. Vida e obras de Ptolomeu, 374; 2. O sis-tema ptolomaico, 374; 2.1. O quadro teóri-co do “Almagesto”, 374; 2.2. As tesesbasilares de Ptolomeu, 375; 2.3. Os movi-mentos dos corpos celestes, 375.

III.Galeno e a síntese da medicinaantiga 3771. Vida e obras de Galeno, 377; 2. A novafigura do médico: o verdadeiro médicodeve ser também filósofo, 379; 3. Agrande con%- trução enciclopédica deGaleno e seus componentes, 379; 4. Asdoutrinas de base do pensamento médicode Galeno, 380; 5. As razões do grandesucesso de Galeno, 381;6. O fim das grandes instituiçõescientíficas alexandrinas e o declínio daciência no mundo antigo, 382.

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CW~íic£  Ae nomes*

A

Agátocles, 85 AGOSTINHO DE HIPONA,

181 ALBINO, 346, 347, 377, 379

Alcibíades, 85, 107 Alcméonde Crotona, 55 ALEXANDRE DE 

AFRODÍSIA, 227,

343, 344-345Alexandre de Damasco, 309Alexandre Magno, 4, 189,

249, 250, 251, 252, 253, 254,255,258,301,311 ALEXINO,

107 AMÉLIO, 365 Amintas, 187AMÔNIO EGÍPCIO, 347 AMÔNIO SACAS, 355,357, 364,

365, 382 ANAXÁGORAS

,15, 39, 40, 42-43, 46, 65-67,93,98,126,174, 314ANAXARCO, 302, 309 Anaxarco(músico), 258 ANAXIMANDRO,

17,18,19-21,50,52 ANAXÍMENES, 17,18, 21, 40, 46, 51,93ANDRÔNICO DE RODES, 195, 233, 234,

343-344 Anito, 112, 118, 119,120 ANICERIS, 106, 133 ANTIFONTE , 81

Antígono, 309ANTÍOCO  DE ASCALON, 305,307,340ANTÍSTENES, 105-106,253,255,257

Apelicão, 233, 343

Apolodoro, 85, 309 APOLÔNIO DE 

PERGA, 313,315,318 APOLÔNIO DE TIANA,

348 APOLÔNIO EIDÓGRAFO, 312 APOLÔNIO 

RÓDES, 312 APUI.EIO, 346, 347ARCESILAU  DE PITANE, 305-306,340ARENDT H., 181 ARETE DE CIRENE, 106ARISTÃO, 280, 290 ARISTARCO DE SAMOS,

313,318-319 ARISTARCO DA SAMOTRACIA,

312 ARISTIPO O JOVEM, 106 ARISTIPO O 

VELHO, 105,106 ARÍSTOCLES, 302Aristófanes, 46, 91, 93ARISTÓFANES  DE BIZÂNCIO, 312 ARISTÓXENO,

172 Aristóxeno (músico), 56ARISTÓTELES , 12, 13, 18, 26, 27,43, 49, 52, 54, 55, 68, 73, 91,93, 123, 131, 142, 172, 181,185, 187-232, 236246, 250,251, 258, 259, 272, 281, 282,288, 303,

305, 310, 312, 313, 314,318, 321, 322, 330, 343,344, 345, 355, 358, 365,

377, 378, 382 ARQUELAU DE A TENAS,

40,46-47,93 ARQUIMEDES, 313,315-317, 320, 322ARQUITA, 133,134Ascânio, 309ASCLEPÍADES DE FLIUNTE, 107Aspásia, 97 Á TICO, 346,347

B

BESSARIONE G., 196Bignone E., 251 BÍON 

DE BORISTENE, 256

Boyancé P., 273

BRAGUE R.,180 Brisão,

309 Brucioli A., 222

c

CALANO, 301, 302Cália, 85 Cálicles,80, 154 CALÍMACO, 312CALIPO, 313, 317-318Cármides, 132CARNÉADES , 305, 306, 307, 340Cassarino A., 148 CELSO, 337César, Caio Júlio, 373 CÍCERO,

MARCO TÚLIO, 252, 294, 296, 298,305, 307-308,

316, 343 CLEANTO DE 

ASSOS, 279-293,297298 Codro,132

Cômodo, imperador, 377COPÉRNICO N. (Niklas Koppernigk),

318 CORISCO, 189CRANTOR, 165, 166 CRATES DE 

A TENAS, 165,166

* Neste índice:-reportam-se em versalete os nomes dos filósofos e dos homens de cultura ligados aodesenvolvimento do pensamento ocidental, para os quais indicam-se em negrito as páginas emque o autor é tratado de acordo com o t ema, e em itálico as páginas dos textos;-reportam-se em itálico os nomes dos críticos;

-reportam-se em redondo todos os nomes não pertencentes aos agrupamentos precedentes.

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XVI -7  A - A

........ una\c.a de nomes

CRATES DE MALO, 312 CRATES DE TEBAS,

256, 279 CRÁTILO, 131, 132

CRISIPO DE SÔLI, 279-293, 294,295, 298-300 CRÍTIAS, 80, 82CRÍTIAS, (Parente de Platão), 132CRÍTON, 107

v>

DAMÁSCIO, 365 D ANTE ALIGHIERI, 188Dardi Bembo, 161 David J.L. ,

102Delia Robbia L.,

192DEMÉTRIO DE 

FALERA, 311, 321 DEMÓCRITO,

15,40,44-46,47,6870, 214,

264, 266 DILTHEY W., 181Díocles, 309 DIODORO CRONOS, 107DIÓGENES DE APOLÔNIA, 40,46-47, 93,

98, 103 Diógenes deEnoanda, 373 DIÓGENES DE SINOPE,

106,253-255, 257-258 DIÓGENES 

LAÉRCIO, 56, 105, 107,181,191,258,312

Díon, 133

Dionísio I de Siracusa,

133 Dionísio II de

Siracusa, 133 DIOSCÓRIDES ,

143 Domiciano,

imperador, 329

Dufresnoy C. A., 99

a

EDÉSIO, 365 EGÉSIA,106 ÉMERSON R. W.,132 EMPÉDOCLES, 9, 39,40-42,44,46,

63-64, 126, 209, 214 ENESÍDEMO, 304,

339, 340-341 Epafrodito, 337

EPICARMO, 1

EPICURO, 234,247,252,259-273,274-276, 280, 292, 301, 304, 334,

336 EPICTETO, 252, 325, 329-330,335-337 ERASÍSTRATO, 319 ERASTO, 189

ERATÓSTENES, 312, 316, 320 ERÊNIO,

357, 358, 364 ERILO, 280, 290

Eródico, 85 ERÓFILO, 319-320ESPEUSIPO, 165,166, 210

Esquines, 105

ÉSTIENNEH., (S TEPHANUS), 151 ESTILPÃO,

107, 279 ESTRABÃO, 234 ESTRATÃO DE 

LÂMPSACO, 233 EUBÚLIDES, 107EUCLIDES DE ALEXANDRIA, 313-315,

374EUCLIDES DE MÉGARA, 105, 106107,133 EUDEMO, 343 EUDORO,346EUDÓXIO DE CNIDO, 166,188,313,317-318, 319 EURÍDIEE, 8

Eurístrato, 51 Eustóquio, 358

F

FÉDON DE ÉLIDA, 105, 107 FIGAL G.,180 FILINO, 320Filipe o Macedônio, 187, 189,249 FILODEMO, 273 FILOLAU, 28, 29,

55, 348 FÍLON DE ALEXANDRIA, “O JUDEU”,

14, 310, 349, 363, 382 FÍLON DE 

LARISSA, 305, 306-307 FILÓSTRATO,

348 FLÁVIO ARRIANO, 329, 335Frajese A., 314

a

GADAMER H. G, 180,181,182,183,184

GAIO, 346, 347

GALENO, 128,320,322,373,377-

382 GALILEI G., 317 Geron de

Siracusa, 317 GOETHE  J.W., 184

Gordiano, imperador, 358

GÓRGIAS, 73,76,78-79,81-82,88-

90 GUARDINI R., 181

H■

HALFWASSEN  J. , 180 HARTMANN N.,

181,183 HEGEL G. W. F.,

136,175,181,238 HEIDEGGERM.,

136,181,182,183 HERÁCLIDES DO 

PONTO, 317-318,

319

HERÁCLITO, 9,22-24,52-53,97,280

HERMETICUM, 350-351 Hérmias,

189 HERÓDOTO, 245, 259 HERON,

313, 317 Hesíodo, 6, 7, 8, 30,

68, 85 HIÉROCLES, 365 HIPATIA, 365

Hiparquia, 256 HIPARCO DE NICÉIA,

318, 319 HÍPIAS

 DE

ÉLIDA

, 81, 85, 86HIPÓCRATES (Médico), 123-128,

143,379 Hipócrates, 85 HIPÓLITO,

51

HOMERO,

6,7,8,9,30,85,310,312

HORÁCIO FLARO, QUINTO, 256 HUMBOLDT, K.

V. VON, 109 HUSSERL E., 181

D

Ico, 85ISÓCRATES, 189

 Jaeger W.,123,153,187,190,191 JÂMBLICO,

364, 365 Júlia Domna, 348 JULLANO o  TEURGO / ORÁCULOS CALDEUS, 352 JULIANO, o APÓSTATA, imperador, 365

 Just iniano, imp erador , 13,367

K ANTI., 181, 183,227 K EPLER  J. , 315

King M.L., 98 K RÀMER H., 142,

180 K RÜGER G., 183

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-7  A - A XV11 índice de cornes __ 

LEIBNIZ G. W., 181 LEUCIPO, 40, 44-

46, 68-70, 264 Licão, 112

Lísipo, 188 LONGINO, 357, 364

Luciano de Samosata, 316

Lucílio, Gaio, 256, 333 LUCRÉCIO 

CARO, TITO, 269, 273, 276-278 LUTERO 

M., 238

M

MESTRE ECKHART, 181

Marcelo, 315

Marco Aurélio, imperador,252, 325,331-332,337-

338,377 Meleto, 112, 118,

119 MELISSO DE SAMOS, 32, 37-38 ,6162, 78 Meneceu, 259,

274 MENEDEMO DE ERÉTRIA, 107 MENEDEMO 

O CÍNICO, 256 MENIPO DE GADARA, 256MENÓDOTO, 320 MIGLIORI M., 180MODERATO DE GADES, 348 MONTAIGNE M.,

132 MUSÔNIO, 329

NATORP P., 181

Nausífanes,304 Neleu,

233Nero, Lúcio Domício,imperador, 326, 337 NICOLAU DE 

CUSA, 181 NICOLAU D’ORESME, 220

Nicômaco (Pai de Aristóteles),187 NICÔMACO DE GERASA, 348 NUMÊNIO DE 

APAMÉIA, 348

O

O

E

H

ORÍGENES, O CRISTÃO, 337,357,364

ORÍGENES, O PAGÃO, 357,358,364

Ortágoras, 86 ORTEGA

  Y

GASSET

J.,183 Otaviano Augusto,

imperador, 373

P

PANÉCIO, 294PARMÊNIDES, 32,33-36,37,38,39,40, 56, 58-60, 61, 63, 68, 76,197, 206 Péricles, 37, 77, 90,97 PIRRO DE ÉLIDA, 234, 258, 301-304,305,309-310,339,341

Pisão, Gaio Calpúrnio, 337Pisão, Lúcio Calpúrnio, 273PITÁGORAS, 5,9,11,25-29,54-56,147, 313, 349 PÍTOCLES, 259PlTÓCLIDES, 85PLATÃO, 7, 9, 13, 29, 55, 61, 67,

73, 80, 84, 86, 88, 90,91, 93, 94, 97, 99, 104,105, 107, 112, 113, 114,118, 120, 123, 129, 131-164, 165-166, 168-184,187, 188, 191, 192, 195,197, 199, 203, 204, 206,207, 210, 221, 226, 231,232, 245, 250, 258, 259,272, 285, 294, 305, 313,314,317, 322, 330, 346, 347,348, 349, 355, 358, 364,366, 380

Plistarco, 309 PLISTENO, 107PLOTINO, 181,323,346,346,347,

349, 357-363, 364, 365,366, 369-372

PLUTARCO DE A TENAS, 365 PLUTARCO DE 

QUERONÉIA, 258,346,347

Pohlenz M., 328 PÓLEMON,

165,166, 279 Políbio, 123,127Polignoto, 280 Pompeu Gneu,

294, 298 PORFÍRIO DE TIRO, 357, 358,365 POSSIDÔNIO,

294,298,309,325,377 PROCLO,

314, 364, 365-367 PRÓDICO, 73,76, 79, 81, 82, 85 PROTÁGORAS, 73,

76, 77-78, 80, 81, 82, 84-88,126,140 P TOLOMEU, CLÁUDIO, 31, 34,62, 322, 373, 374-376

Ptolomeu Filadelfo, 312, 320

Ptolomeu Fiscon, 312,

373 Ptolomeu Lago, 311

Ptolomeu Sóter, 311

R

Raffaello Sanzio, 9, 41, 74,112, 140, 204, 255

s

SALÚSTIO, 365 SATURNINO, 304 SELEUCO DE 

SELÊUCIA, 318 SÊNECA, LÚCIO ANEU, 325,326328, 330, 333-335 SEXTO 

EMPÍRICO, 90, 304, 339, 341-342,353-354 Setímio Severo,Imperador, 344,

348Sila, Lúcio Cornélio, 233, 343Simônides, 85 SIMPLÍCIO, 365SlNÉSIO DE CIRENE, 365 SÓCRATES, 7,13, 40, 47, 71, 78, 80, 81,82, 85, 86, 87, 90, 91-104,105,106,109-120, 124,131, 132, 133, 135, 136, 138,139, 153, 154, 158, 168, 169,170, 171, 173, 177, 273, 291,328, 335, 348 Sólon, 98,132SZLEZÁK  TH., 180

T

 TALES, 17, 18-19, 20, 21, 49-50,195

 TELES, O CÍNICO, 256  TEODORO A TEU, 106 TEODORO DE ASINE, 365  TEOFRASTO, 51,

189, 233, 234, 254, 257,321, 343 Teognides, 275 TÉON DE ESMIRNA, 346, 347  TÍMON DE 

FLIUNTE, 301,302,304, 305Timpanaro Cardini M.,

54  TIRÂNION, 233, 343 TRASILO, 134, 346  TRASÍMACO,

80

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C7ndice de k\omes

V

Valér io Máximo,315 VATTIMO  G., 183,

184 Vegetti M., 124,

379 Vitrúvio Polião,

X

XENÓCRATES, 165,166,188,258,279XENÓFANES DE CÓLOFON, 30-31, 56, 57

Xenofonte, 91, 93, 105

2

ZENÓDOTO, 312ZENÃO DE CÍCIO, 234, 279-292, 295-297, 298, 301 ZENÃO DE ELÉLA,

32,36-37,61,314 Zeusipo, 86

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Õnc\ ice de conceitos •fu nd a

me. rvta i s

y\

acidente,198 afasia,303amizade,150antilogia, 77ápeiron, 142apocatástases, 287

F

formas possíveis do Estadosegundo Platão, 160

formas possíveis do Estadosegundo Aristóteles, 223

-H

harmonia, 28hedonismo,

Belo, 151Bem, 141

Idéia, 139indução, 230

instinto, instinto primário (oikéiosis), 291

metempsicose, 29

categoria, 227conflagração cósmica (ekpyrosis), 287 niilismo, 78

declinação (clinámen) ou desvio, 265 vontade, 328

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FILOSOFIA PAGàANTIGA

“Uma vida sem busca nãomerece ser vivida”.

Sócrates

“Quem é capaz de ver o todoé filósofo; quem não, não”.

Platão

“Creio para entender eentendo para crer”.

 Agostinho

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 AS ORIGENS GREGASDO PENSAMENTOOCIDENTAL

i

[|

É a inteligência que vê, é a inteligência queouve, e tudo o mais é surdo e cego.

Epicarmo

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Capítulo primeiro

Gênese, natureza e desenvolvimento da filosofia antiga

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Capítulo primeiro

Genese ; natureza e desenvolvimento da filosofia

antiga

I. Gênese da filosofia

entre os gregos

•  A f ilosofia foi criação do gênio helênico: não derivou aos gregos a partir de estímulosprecisos tomados das civilizações orientais; do Oriente, porém, vieram alguns conhecimentoscientíficos, astronômicos e matemático-geométricos, que o grego soube repensar e recriar emdimensão teórica, _  enquanto os orientais os concebiam em sentido prevalente- A vocação mente prático. te?ret,ca d °.

 Assim, se os egípcios desenvolveram e transmitiram a arte ^ nç°_3e enic ° do cálculo, os

gregos, particularmente a partir dos Pitagóricos, elaboraram uma teoria sistemática donúmero; e se os babilônios fizeram uso de observações astronômicas particulares para traçar as rotas para os navios, os gregos as transformaram em teoria astronômica orgânica.

filosofia como

criação do 0enio

kelêrvico

A filosofia, como termo ou conceito, éconsiderada pela quase totalidade dosestudiosos como criação própria do gêniodos gregos. Efetivamente, enquanto todosos outros componentes da civilização

grega encontram correspondência juntoaos demais povos do Oriente quealcançaram elevado nível de civilizaçãoantes dos gregos (crenças e cultosreligiosos, manifestações artísticas de na-tureza diversa, conhecimentos ehabilidades técnicas de vários tipos,instituições políticas, organizaçõesmilitares etc.), no que se refere à filosofiaencontramo-nos, ao invés, diante de umfenômeno tão novo que não só nãoencontra correspondência precisa junto aesses povos, mas tampouco nada tem de

estreita e especificamente análogo.Dessa forma, a superioridade dos gre-os em rela ão aos outros ovos nesse

quantitativo, mas qualitativo, pois o queeles criaram, instituindo a filosofia,constitui novidade absoluta.

Quem não levar isso em conta nãopoderá compreender por que, sob o impul-so dos gregos, a civilização ocidentaltomou uma direção completamentediferente da oriental. Em particular nãopoderá compreender por que motivo osorientais, quando quiseram se beneficiarda ciência ocidental e de seus resultados,

tiveram de adotar também algumascategorias da lógica ocidental. Com efeito,a ciência não é possível em qualquercultura. Há idéias que tornam estrutural-mente impossível o nascimento e o desen-volvimento de determinadas concepções, eaté mesmo idéias que impedem toda aciência em seu conjunto, ao menos comohoje a conhecemos.

Pois bem, por causa de suascategorias racionais, foi a filosofia quepossibilitou o nascimento da ciência e, emcerto sentido, a gerou. E reconhecer isso

significa também reconhecer aos gregos omérito de terem dado uma contribuição

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PTÍfflCÍTã parte - ;As ongens grecjas do pensamenfo ocidental

y\ impossibilidade de

derivação da filosofia do

Orieta+e

Naturalmente, sobretudo entre osorien- talistas, não faltaram tentativas desituar no Oriente a origem da filosofia,especialmente com base na observação deanalogias genéricas constatáveis entre asconcepções dos primeiros filósofos gregose certas idéias próprias da sabedoriaoriental. Todavia nenhuma dessastentativas teve êxito. Já a partir de fins doséculo dezenove, a crítica rigorosaproduziu uma série de provas verdadei-

ramente esmagadoras contra a tese de quea filosofia dos gregos tivesse derivado doOriente.

a)Na época clássica, nenhum dos filó-sofos ou dos historiadores gregos acenaminimamente à pretensa origem orientalda filosofia.

b) Está historicamente demonstradoque os povos orientais, com os quais osgregos tiveram contato, possuíam de fato

“ ”

religiosas, mitos teológicos e “cosmogô-nicos”, mas não uma ciência filosófica ba-seada na razão pura (no logos, como dizem

os gregos). Ou seja, possuíam um tipo desabedoria análoga à que os própriosgregos possuíam antes de criar a filosofia.

c) Em todo caso, não temos conheci-mento da utilização, por parte dos gregos,de qualquer escrito oriental ou detraduções desses textos. Antes deAlexandre, não resulta que tenhamchegado à Grécia doutrinas dos hindus oude outros povos da Ásia, como tambémque, na época em que surgiu a filosofia naGrécia, houvesse gregos em condições decompreender o discurso de um sacerdoteegípcio ou de traduzir livros egípcios.

d) Admitindo que algumas idéias dosfilósofos gregos possam ter antecedentesprecisos na sabedoria oriental (mas issoainda precisa ser comprovado), podendoassim dela derivar, isso não mudaria asubstância da questão que estamosdiscutindo. Com efeito, a partir domomento em que nasceu na Grécia, afilosofia representou nova forma deexpressão espiritual, de tal modo que, aoacolher conteúdos ue eram fruto de

O baixo-relevo, conservado em Atenas no Museu Arqueológico Nacional, representa Hermes e Pã com

as Ninfas.

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Cãpítulo primeiro - Gênese, natureza e desenvolvimento da filosofia antiga

outras formas de vida espiritual, ela ostransformava estruturalmente, dando-lhesforma rigorosamente lógica.

Os conhecimentos científicos

egípcios e caldeus e a

transformação operada pelos

gregos

Os gregos, ao invés, adotaram dosorientais alguns conhecimentos científicos.Com efeito:

a) dos egípcios derivaram alguns co-nhecimentos matemático-geométricos;

b) dos babilônios, alguns conhecimen-tos de astronomia.

 Todavia, também em relação a essesconhecimentos precisamos fazer alguns es-clarecimentos importantes, indispensáveispara compreender a mentalidade grega e amentalidade ocidental que dela derivou.

a)Ao que sabemos, a matemáticaegípcia consistia de modo predominante noconhecimento de operações de cálculo arit-mético com objetivos práticos, como, porexemplo, o modo de medir certa quantida-

de de gêneros alimentícios, ou então de di-vidir determinado número de coisas entreum número dado de pessoas. Assim, analo-gamente, a geometria também devia ter

ráter predominantemente prático, respon-dendo, por exemplo, à necessidade de me-dir novamente os campos depois das inun-

dações periódicas do Nilo, ou ànecessidade de projeção e construção daspirâmides. E claro que, ao obterem taisconhecimentos matemático-geométricos,os egípcios desenvolveram uma atividadeda razão — atividade, aliás, bastanteconsiderável. Mas, reelaborados pelosgregos, tais conhecimentos se tornaramalgo muito mais consistente, realizandoverdadeiro salto qualitativo. Com efeito,sobretudo por intermédio de Pitágoras edos Pitagóricos, os gregos transformaramaquelas noções em uma teoria geral esistemática dos números e das figuras

geométricas, indo muito além dosobjetivos predominantemente práticos aosquais os egípcios parecem ter-se limitado.

b) O mesmo vale para as noçõesastronômicas. Os babilônios as elaboraramcom objetivos predominantementepráticos, ou seja, para fazer horóscopos eprevisões. Mas os gregos as purificaram ecultivaram com fins  predominantementecognoscitivos, por causa do espírito“teorético” que visava ao amor doconhecimento puro, o mesmo espírito que,como veremos, criou e nutriu a filosofia.

No entanto, antes de definir em queconsiste exatamente a filosofia e o espíritofilosófico dos gregos, devemos desen-volver ainda algumas observações prelimi-nares essenciais.

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Primeira purte - J\s oHgens g^egas do pensamento ocidental

II. j\s j-ormas da vida g^ega

que p^epammm o nascimento da filosofia

•  A filosofia surgiu na Grécia porque justamente na Grécia formou-se uma temperaturaespiritual particular e um clima cultural e político favoráveis.

 As fontes das quais derivou a filosofia helênica fòram: 1) a poesia; 2) a religião; 3) ascondições sociopolíticas adequadas.

1)  A  poesia antecipou o gosto pela harmonia, pela pro As premissas porção e pela justa medida (Homero, os Líricos) e um modo culturais ehistóricas particular de fornecer explicações remontando às causas, mes- do nascimento mo qUe

em n^ve| fantástico-poético (em particular com ana Grécia' 3 Teogonia de Hesíodo).

§ i_3 2) A religião grega se distinguiu em religião pública (inspirada em Homero e Hesíodo) e em religião dos mistérios, em

particular a órfica. A religião pública considera os deuses como forças naturais ampliadas nadimensão do divino, ou como aspectos característicos do homem sublimados. A religião órficaconsidera o homem de modo dualista: como alma imortal, concebida como demônio, que por uma culpa originária foi condenada a viver em um corpo, entendido como tumba e prisão. DoOrfismo deriva a moral que põe limites precisos a algumas tendências irracionais do homem.O que agrupa essas duas formas de religião é a ausência de dogmas fixos e vinculantes emsentido absoluto, de textos sagrados revelados e de inérpretes e guardiões desta revelação(ou seja, sacerdotes preparados para essas tarefas precisas). Por tal motivo, o pensamentofilosófico gozou, desde o início, de ampla liberdade de expressão, com poucas exceções.

3) Também as condições socioeconômicas, conforme dissemos, favoreceram onascimento da filosofia na Grécia, com suas características peculiares. Com efeito, os gregosalcançaram certo bem-estar e notável liberdade política, a começar das colônias do Oriente edo Ocidente. Além disso, desenvolveu-se forte senso de pertença à Cidade, até o ponto de

identificar o "indivíduo" com o "cidadão", e de ligar estreitamente a ética com a política.

e os poetas gnômicos

Os estudiosos estão de acordo ao afir-mar que, para poder compreender a filoso-fia de um povo e de uma civilização, é ne-cessário fazer referência: 1) à arte; 2) àreligião; 3) às condições sociopolíticas dopovo em questão.

1) Com efeito, a grande arte, de modomítico e fantástico, ou seja, mediante a in-tuição e a imaginação, tende a alcançarobjetivos que também são próprios dafilosofia.

2) Analogamente, por meio da fé, areligião tende a alcançar certos objetivosque a filosofia procura atingir com os

3) Não menos importantes (e hoje seinsiste muito nesse ponto) são ascondições socioeconômicas e políticas, quefreqüentemente condicionam o nascimentode determinadas idéias e que, de modo

particular no mundo grego, ao criar asprimeiras formas de liberdadeinstitucionalizada e de democracia,tornaram possível precisamente onascimento da filosofia, que se alimentaessencialmente da liberdade.

Comecemos pelo primeiro ponto.Antes do nascimento da filosofia, os

poetas tinham importância extraordináriana educação e na formação espiritual dohomem grego, muito mais do que tiveramentre outros povos. O helenismo inicialbuscou alimento espiritual de modopredominante nos poemas homéricos, ou

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Capítulo primeiro - CÃê.nese, natureza e desenvolvimento da filosofia antiga

exerceram nos gregos influência análoga àque a Bíblia exerceu entre os hebreus, uma

vez que não havia textos sagrados na Gré-cia), em Hesíodo e nos poetas gnômicosdos séculos VII e VI a.C.

Ora, os poemas homéricosapresentam algumas peculiaridades que osdiferenciam de poemas que se encontramna origem da civilização de outros povos,pois já contêm algumas das característicasdo espírito grego que resultarão essenciaispara a criação da filosofia.

a) Com efeito, Homero tem grandesenso da harmonia, da  proporção, do limitee da medida-,

b) não se limita a narrar uma série de

fatos, mas também pesquisa suas causas erazões (ainda que em nível mítico-fantástico);

c) procura de diversos modosapresentar a realidade em sua inteireza,ainda que de forma mítica (deuses ehomens, céu e terra, guerra e paz, bem emal, alegria e dor, totalidade dos valoresque regem a vida do homem).

Para os gregos também foi muito im-portante Hesíodo com sua Teogonia, querelata o nascimento de todos os deuses. E,como muitos deuses coincidem com partes

do universo e com fenômenos do cosmo, ateogonia torna-se também cosmogonia, ouseja, explicação mítico-poética e fantásticada gênese do universo e dos fenômenoscósmicos, a partir do Caos originário, quefoi o primeiro a se gerar. Esse poema abriuo caminho para a posterior cosmologia filo-sófica, que, ao invés de usar a fantasia,buscará com a razão o “princípio primeiro”do qual tudo se gerou. O próprio Hesíodo,com seu outro poema As obras e os dias,mas sobretudo os poetas posteriores,imprimiram na mentalidade grega algunsprincípios que seriam de grande

importância para a constituição da éticafilosófica e do pensamento filosófico antigoem geral. A justiça é exaltada como valorsupremo em muitos poetas e se tornaráaté conceito ontológico (referente ao ser,isto é, fundamental), além de moral epolítico, em muitos filósofos eespecialmente em Platão.

Os poetas líricos fixaram de modo es-tável outro conceito: a noção do limite, ouseja, a idéia de nem demasiadamente muitonem demasiadamente pouco, isto é, oconceito da  justa medida, que constitui a

conotação mais peculiar do espírito gregoe o centro do pensamento filosófico clás-

Busto atribuído a Homero (sec. V I I Ia.C,.), que a tradição julga como autorda Ilúida e da Odisséia, consideradas abase do pensamento grego e em geraldo pensamento ocidental (Nápoles,

Museu Nacional).

Recordemos, finalmente, umasentença, atribuída a um dos antigossábios e gravada no frontispício do templode Delfos, consagrado a Apoio: “Conhece ati mesmo.” Essa sentença, muito famosaentre os gregos, tornar-se-ia inclusive nãoapenas o mote do pensamento deSócrates, mas também o princípio basilardo saber filosófico grego até os últimos

religião publica e os mistérios

órficos

;As duas formas da

relÍ0Íão 0j*e0a

O segundo componente ao qual épreciso fazer referência para compreendera gênese da filosofia grega, como jádissemos, é a religião. Todavia, quando sefala de religião grega, é necessário

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religião pública, que tem o seu modelo narepresentação dos deuses e do culto que

nos foi dada por Homero, e a religião dosmistérios. Há inúmeros elementos comunsentre essas duas formas de religiosidade(como, por exemplo, a concepção de basepoliteísta), mas também importantes dife-renças que, em alguns pontos de destaque(como, por exemplo, na concepção do ho-mem, do sentido de sua vida e de seudestino último), tornam-se até verdadeirasantíteses.

Ambas as formas de religião são mui-to importantes para explicar o nascimentoda filosofia, mas — ao menos em algunsaspectos — sobretudo a segunda.

;Alguns feaços essenciais

da feligião pública

Para Homero e para Hesíodo, queconstituem o ponto de referência das cren-ças próprias da religião pública, pode-sedizer que tudo é divino, pois tudo o queacontece é explicado em função deintervenções dos deuses. Os fenômenosnaturais são promovidos por numes: raiose relâmpagos são arremessados por Zeusdo alto do Olimpo, as ondas do mar são

provocadas pelo tridente de Poseidon, o solé levado pelo áu-

reo carro de Apoio, e assim por diante. Mastambém a vida social dos homens, a sorte

das cidades, as guerras e a paz são imagi-nadas como vinculadas aos deuses demodo não acidental e, por vezes, até demodo essencial.

 Todavia, quem são esses deuses?Como os estudiosos de há muitoreconheceram e evidenciaram, essesdeuses são forças naturais personificadasem formas humanas idealizadas, ou entãosão forças e aspectos do homemsublimados e fixados em esplêndidasfiguras antropomórficas. (Além dosexemplos já apresentados, recordemosque Zeus é a personificação da justiça;

Atena, da inteligência; Afrodite, do amor, eassim por diante.)

Esses deuses são, pois, homens ampli-ficados e idealizados, e, portanto, diferentesdo homem comum apenas por quantidadee não por qualidade. E por isso que osestudiosos classificam a religião públicados gregos como uma forma de“naturalismo”, uma vez que ela pede aohomem não propriamente que ele mudesua natureza, ou seja, que se eleve acimade si mesmo; ao contrário, pede que sigasua própria natureza. Fazer em honra dos

deuses o que está em conformidade com aprópria natureza é tudo o que se pede aohomem. E, da mesma forma que a religiãopública grega foi “naturalista”, também aprimeira filosofia grega foi “naturalista”. Areferência à “natureza” continuou sendouma constante do pensamento grego aolon o de todo o seu desenvolvimento

ESI O Orfismo e. suas crenças essenciais

Contudo, nem todos os gregos consi-deravam suficiente a religião pública e, por

isso, em círculos restritos, desenvolveram-se os “mistérios”, com as próprias crençasespecíficas (embora inseridas no quadrogeral do politeísmo) e com as própriaspráticas. Entre os mistérios, porém, os quemais influíram na filosofia grega foram osmistérios órficos, e destes devemos dizerbrevemente algumas coisas.

O Orfismo e os Órficos derivam seunome do poeta trácio Orfeu, seu supostofundador, cujos traços históricos são intei-ramente cobertos pela névoa do mito.

O Orfismo é particularmente impor-tante porque, como os estudiosos

modernos

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econheceram, introduz na civilização greganovo esquema de crenças e nova inter-

 pretação da existência humana. Efetivamen-te, enquanto a concepção grega tradicional,a partir de Homero, considerava o homemcomo mortal, pondo na morte o fim total desua existência, o Orfismo proclama a imor-talidade da alma e concebe o homem con-forme o esquema dualista que contrapõe ocorpo à alma.

O núcleo das crenças órficas pode serresumido como segue:

a) No homem hospeda-se um princí-pio divino, um demônio (alma) que caiu emum corpo por causa de uma culpa ori-ginária.

b) Esse demônio não apenaspreexiste ao corpo, mas também nãomorre com o corpo, pois está destinado areencarnar-se em corpos sucessivos, a fimde expiar aquela culpa originária.

c) Com seus ritos e práticas, a “vidaórfica” é a única em grau de pôr fim ao ci-clo das reencarnações e de, assim, libertara alma do corpo.

d) Para quem se purificou (os inicia-dos nos mistérios órficos) há um prêmio noalém (da mesma forma que há puniçõespara os não iniciados).

Em algumas lâminas órficas encontra-das nos sepulcros de seguidores dessa sei-ta, entre outras coisas, lêem-se estas pala-vras, que resumem o núcleo central dadoutrina: “Alegra-te, tu que sofreste a pai-xão: antes, não a havias sofrido. De ho-mem, nasceste Deus”; “Feliz e bem-aven-turado, serás Deus ao invés de mortal”;“De homem nascerás Deus, pois derivas dodivino”. Isso significa que o destino últimodo homem é o de “voltar a estar junto aosdeuses”. Com esse novo esquema de cren-ças, o homem via pela primeira vez a con-traposição em si de dois princípios em con-

traste e luta: a alma (demônio) e o corpo(como tumba ou lugar de expiação da al-ma). Rompe-se assim a visão naturalista; ohomem compreende que algumas tendên-cias ligadas ao corpo devem ser reprimi-das, ao passo que a purificação do elemen-to divino em relação ao elemento corpóreotorna-se o objetivo do viver.

Uma coisa deve-se ter presente: semo Orfismo não se explicaria Pitágoras, nemHeráclito, nem Empédocles e, sobretudo,não se explicaria uma parte essencial dopensamento de Platão e, depois, de toda a

tradição que deriva de Platão; ou seja, não

Particular deesquerda da “Escolade Atenas ” deRaffaello,representando umrito órfico.A base da coluna quer indicar que a revelaçãoórfica constitui a base sobre a qual se constrói

se explicaria grande parte da filosofia anti-ga, como veremos melhor mais adiante.

B9 Palta de clocyrnas e de seus

guardiões na religião grega

Uma última observação é necessária.Os gregos não tiveram livros sagrados ouconsiderados fruto de revelação divina.Conseqüentemente, não tiveram umadogmática (isto é, um núcleo doutrinai)fixa e imutável. Como vimos, os poetasconstituíram-se o veículo de difusão desuas crenças religiosas.

Além disso (e esta é outra conseqüên-cia da falta de livros sagrados e de umadogmática fixa), na Grécia também não pô-de subsistir uma casta sacerdotal guardiãdo dogma (os sacerdotes tiveram escassarelevância e escassíssimo poder, porque

não tiveram a prerrogativa de conservardo mas,

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Primeira parte - As origens gregas do pe.nsc\yy\e.y\fo ocidental

nem a exclusividade de receber oferendasreligiosas e oficiar sacrifícios).

Essa inexistência de dogmas e deguardiões dos mesmos deixou ampla liber-dade para o pensamento filosófico, quenão se daparou com obstáculos que teriaencontrado em países orientais, onde alivre especulação enfrentaria resistência erestrições dificilmente superáveis.

Por esse motivo, os estudiosos desta-cam com razão essa circunstânciafavorável ao nascimento da filosofia que severificou entre os gregos, a qual não temparalelos na antiguidade.

— 3 »  ^As condiçoesT

socio político-econômicas

que favoreceram

o surgimento da filosofia

 Já no século passado, mas sobretudoem nosso século, os estudiososacentuaram igualmente a liberdade políticade que os gregos se beneficiaram emrelação aos povos orientais. O homemoriental era obrigado a uma cegaobediência não só ao poder religioso, mastambém ao político, enquanto o grego aeste respeito gozou de uma situaçãoprivilegiada, pois, pela primeira vez nahistória, conseguiu construir instituiçõespolíticas livres.

Nos séculos VII e VI a.C., a Gréciasofreu uma transformação socioeconômicaconsiderável. Deixou de ser paíspredominantemente agrícola,desenvolvendo de forma sempre crescenteo artesanato e o comércio. Assim, tornou-se necessário fundar centros de dis-tribuição comercial, que surgiram

inicialmente nas colônias jônicas,particularmente em Mileto, e depoistambém em outros lugares. As cidadestornaram-se florescentes centroscomerciais, acarretando forte crescimentodemográfico. O novo segmento de comer-ciantes e artesãos alcançou pouco a pouconotável força econômica e se opôs àconcentração do poder político, que estava

formas aristocráticas de governo em novasformas republicanas, nasceram as

condições, o senso e o amor da liberdade.Há, porém, um fato muito importantea destacar, confirmando de forma cabaltudo o que já dissemos: a filosofia nasceprimeiro nas colônias e não na mãe-pátria —precisamente, primeiro nas colônias orien-tais da Ásia Menor (em Mileto) e logodepois nas colônias ocidentais da Itáliameridional — justamente porque ascolônias, com sua operosidade e comércio,alcançaram primeiro a situação de bem-estar e, por causa da distância da mãe-pátria, puderam construir instituiçõeslivres antes mesmo que ela.

Foram, portanto, as condições so-ciopolítico-econômicas mais favoráveis dascolônias que, juntamente com os fatoresapresentados anteriormente, permitiram osurgimento e o florescimento da filosofia, aqual, passando depois para a mãe-pátria,alcançou seus cumes em Atenas, ou seja,na cidade em que floresceu a maiorliberdade de que os gregos gozaram.Dessa forma, a capital da filosofia gregafoi a capital da liberdade grega.

Resta ainda uma última observação.Com a constituição e a consolidação da

Pólis, isto é, da Cidade-Estado, o grego dei-xou de sentir qualquer antítese e qualquervínculo à própria liberdade; ao contrário,descobriu-se essencialmente como cidadão.Para o grego, o homem passou a coincidircom o cidadão. Dessa forma, o Estado tor-nou-se o horizonte ético do homem gregoe assim permaneceu até a era helenística.Os cidadãos sentiram os fins do Estadocomo seus próprios fins, o bem do Estadocomo seu próprio bem, a grandeza doEstado como sua própria grandeza e aliberdade do Estado como sua próprialiberdade.

Sem levarmos isso em conta, não po-deremos compreender grande parte dafilosofia grega, particularmente a ética etoda a política da era clássica e, depois,também os complexos desdobramentos daera helenística.

Depois desses esclarecimentospreliminares, estamos agora em condiçõesde enfrentar a questão da definição do

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. . . . .■ 1 1Cãpltulo primeiro ~ ú\ênese, natureza e desenvolvimento da filosofia antiga

II I. íSonceito e objetivo da

filosofia antiga

•  A filosofia (= amor pela sabedoria) tem por objeto a totalidade das coisas (toda arealidade, o "todo") e nisto confina com a religião; usa um método racional, e nisto tem contatoscom a ciência (com a qual por certo' período se identifica); além disso, tem como escopo a pura"contemplação da verdade", ou seja, o conhecimento da verdade enquanto tal, e nisto se dife-Objeto e método rencia das artes, que têm intuito prevalentemente prático. da filosofia

 A contemplação da verdade - que é aspiração natural do ■§ 1 2 homem - é vista comofundamento da moral e também da vida política no seu mais alto sentido; e os filósofosconsideram-na o momento supremo da vida do homem, fonte da verdadeira felicidade.

da filosofia antiga

UH y\ filosofia como "cxmov- de sabedoria”

Conforme a tradição, o criador do ter-mo “filo-sofia” foi Pitágoras, o que, embora

não sendo historicamente seguro, é noentanto verossímil. O termo certamente foicunhado por um espírito religioso, quepressupunha ser possível só aos deusesuma “sofia” (“sabedoria”), ou seja, a possecerta e total do verdadeiro, enquantoreservava ao homem apenas umatendência à sofia, uma contínuaaproximação do verdadeiro, um amor aosaber nunca totalmente saciado — deonde, justamente, o nome “filosofia”, ouseja, “amor pela sabedoria”.

 Todavia, o que entendiam os gregospor essa amada e buscada “sabedoria”?

Desde seu nascimento, a filosofiaapresentou três conotações, referentes:

a) ao seu conteúdo-,b) ao seu método;c) ao seu objetivo.

El O conteúdo da filosofia■

No que se refere ao conteúdo, afilosofia quer explicar a totalidade dascoisas, ou seja, toda a realidade, semexclusão de partes ou momentos dela. Afilosofia, portanto, se distingue das

ciências particulares, que assim sechamam exatamente porque se li

mitam a explicar partes ou setores da reali-dade, grupos de coisas ou de fenômenos. Ea pergunta daquele que foi e é consideradocomo o primeiro dos filósofos — “Qual é o princípio de todas as coisas?” — mostra aperfeita consciência desse ponto. A filoso-fia, portanto, propõe-se como objeto a to-talidade da realidade e do ser. E, como vere-mos, alcança-se a totalidade da realidade

e do ser precisamente descobrindo anatureza do primeiro “princípio”, isto é, oprimeiro “por que” das coisas.

KH O método da filosofia

No que se refere ao método, afilosofia procura ser “explicaçãopuramente racional daquela totalidade”que tem por objeto. O que vale em filosofiaé o argumento da razão, a motivaçãológica, o logos. Não basta à filosofiaconstatar, determinar dados de fato ou

reunir experiências: ela deve ir além dofato e além das experiências, paraencontrar a causa ou as causas apenascom a razão. E justamente este o caráterque confere “cientificidade” à filosofia.Pode-se dizer que tal caráter é comumtambém às outras ciências, que, enquantotais, nunca são mera constatação empírica,mas são sempre pesquisa de causas e derazões. A diferença, porém, está no fato deque, enquanto as ciências particulares sãopesquisa racional de realidades e setoresparticulares, a filosofia, conforme

dissemos, é pesquisa racional detoda a

realidade (do princípio ou dos princípios de

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Primeira parte - /\s origens gregas do pensamento ocidental

Com isso, fica esclarecida a diferençaentre filosofia, arte e religião. A grande

arte e as grandes religiões também visama captar o sentido da totalidade do real,mas elas o fazem, respectivamente, uma,com o mito e a fantasia, outra, com acrença e a /e, ao passo que a filosofiaprocura a explicação da totalidade do real precisamente em nível de logos.

KE 1 O escopo da filosofia

O escopo ou fim da filosofia está no puro desejo de conhecer e contemplar a ver-dade. Em suma, a filosofia grega é desinte-

ressado amor pela verdade.Conforme escreve Aristóteles, os ho-mens, ao filosofar, “buscaram o conhecer afim de saber e não para conseguir algumautilidade prática”. Com efeito, a filosofianasceu apenas depois que os homensresolveram os problemas fundamentais dasubsistência e se libertaram dasnecessidades materiais mais urgentes.

E Aristóteles conclui: “Portanto, é evi-dente que nós não buscamos a filosofia pornenhuma vantagem a ela estranha. Aocontrário, é evidente que, comoconsideramos homem livre aquele que é

fim para si mesmo, sem estar submetido aoutros, da mesma forma, entre todas asoutras ciências, só a esta consideramoslivre, pois só ela é fim a si mesma.”

E fim a si mesma porque tem porobjetivo a verdade, procurada,contemplada e desfrutada como tal.

Compreendemos, portanto, a afirma-ção de Aristóteles: “Todas as outras ciên-cias serão mais necessárias do que esta,mas nenhuma será superior.” Umaafirmação que todo o helenismo tornouprópria.

Bfifl C-onc\usôe.s sobre o conceito

grego de filosofia

Impõe-se aqui uma reflexão. A “con-templação”, peculiar à filosofia grega, nãoé um otium vazio. Embora não se submetaa objetivos utilitaristas, ela possui relevân-cia moral e também política de primeiraordem. Com efeito, é evidente que, ao secontemplar o todo, mudam necessariamen-te todas as perspectivas usuais, muda a vi-são do significado da vida do homem, euma nova hierarquia de valores se impõe.

Em resumo, a verdade contempladainfunde enorme energia moral. E, como ve-

remos, com base precisamente nessaenergia moral Platão quis construir seuEstado ideal. Todavia, só mais adiantepoderemos desenvolver e esclareceradequadamente esses conceitos.

Entretanto, resultou evidente a abso-luta originalidade dessa criação grega. Ospovos orientais também tiveram uma “sa-bedoria” que tentava interpretar o sentidode todas as coisas (o sentido do todo), masnão submetida a objetivos pragmáticos.

 Tal sabedoria, porém, estava permeada derepresentações fantásticas e míticas, oque a levava para a esfera da arte, da

poesia ou da religião. Ter tentado essaaproximação com o todo fazendo usoapenas da razão (do logos) e do métodoracional, foi, podemos concluir, a grandedescoberta da “filo-sofia” grega. Umadescoberta que, estruturalmente e demodo irreversível, condicionou todo o

ii2ii ^ f^°sof'a

como necessidade primária do

espírito kumarvo

Alguém poderá perguntar: Por que ohomem sentiu necessidade de filosofar? Osantigos respondiam que tal necessidade seenraíza estruturalmente na própria nature-za do homem. Escreve Aristóteles: “Por na-tureza, todos os homens aspiram ao saber.” E ainda: “Exercitar a sabedoria e oconhecer são por si mesmos desejáveisaos homens: com efeito, não é possívelviver como homens sem essas coisas.”

E os homens tendem ao saber porque

se sentem cheios de “estupor” ou de “ma-ravilhamento”. Diz Aristóteles: “Os homenscomeçaram a filosofar, tanto agora comona origem,  por causa do maravilhamento:no princípio, ficavam maravilhados diantedas dificuldades mais simples; em seguida,progredindo pouco a pouco, chegaram a secolocar problemas sempre maiores, comoos relativos aos fenômenos da lua, do sol edos astros e, depois, os problemas relativosà origem de todo o universo. ”

Assim, a raiz da filosofia éprecisamente esse “maravilhar-se”,

surgido no homem que se defronta com o Todo (a totalidade),

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Cãpítulo primeiro - í^ênese, natu^esa e desenvolvimento da filosofia antiga

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Este mosaico do início do séc. IV representaOrfeu que atrai os animais com o canto(Palermo, Museu Arqueológico Nacional).

perguntando-se qual a origem e ofundamento do mesmo, bem como o lugarque ele próprio ocupa nesse universo.Sendo assim, a filosofia é indispensável eirrenunciável, justamente porque não sepode extinguir o deslumbramento diante doser nem se pode renunciar à necessidadede satisfazê-lo.

Por que existe tudo isso? De onde sur-giu? Qual é sua razão de ser? Esses são

problemas que eqüivalem ao seguinte: Por que existe o ser e não o nada? É u mmomento particular desse problema geral éo seguinte: Por que existe o homem? Porque eu existo?

 Trata-se, evidentemente, deproblemas que o homem não pode deixarde se propor ou, pelo menos, sãoproblemas que, à medida que sãorejeitados, diminuem aquele que os rejeita.E são problemas que mantêm seu sentidopreciso mesmo depois do triunfo dasciências particulares modernas, porque

nenhuma delas consegue resolvê-los, uma

Por essas razões, portanto, podemosrepetir, com Aristóteles, que não apenas naorigem, mas também agora e sempre, a an-

tiga pergunta sobre o todo tem sentido — eterá sentido enquanto o homem se maravi-lhar diante do ser das coisas e diante do seupróprio ser.

;As fases e os períodos da

kis+ória da filosofia

antiga

A filosofia antiga grega e greco-roma-na tem uma história mais que milenar. Par-te do século VI a.C. e chega até o ano de529 d.C., ano em que o imperador Jus-tiniano mandou fechar as escolas pagãs edispersar seus seguidores. Nesse espaçode tempo, podemos distinguir os seguintesperíodos:

1) O período naturalista, caracteriza-do pelo problema da  physis (isto é, danatureza) e do cosmo, e que, entre osséculos VI e V a.C., viu sucederem-se os

 Jônios, os Pitagóricos, os Eleatas, osPluralistas e os Físicos ecléticos.

2)O período chamado humanista,que, em parte, coincide com a última faseda fi losofia naturalista e com suadissolução, tendo como protagonistas osSofistas e, sobretudo, Sócrates, que pelaprimeira vez procura determinar aessência do homem.

3) O momento das grandes síntesesde Platão e Aristóteles, que coincide com oséculo IV a.C., caracterizando-se sobretudopela descoberta do supra-sensível e pelaexplicitação e formulação orgânica devários problemas da filosofia.

4) Segue-se o período caracterizadopelas Escolas Helenísticas, que vai da con-quista de Alexandre Magno até o fim daera pagã e que, além do florescimento doCinismo, vê surgirem também os grandesmovimentos do Epicurismo, do Estoicismo,do Ceticismo e a posterior difusão doEcletismo.

5) O período religioso do pensamentovéteropagão desenvolve-se quase inteira-mente em época cristã, caracterizando-sesobretudo por um grandioso renascimentodo Platonismo, que culminará com o movi-mento neoplatônico. O reflorescimento dasoutras escolas será condicionado de vários

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Primeira parte - y\s origens gregas do pensamento ocidental

6) Nesse período nasce e sedesenvolve o pensamento cristão, que tentaformular racionalmente o dogma da novareligião e defini-lo à luz da razão, comcategorias derivadas dos filósofos gregos.

A primeira tentativa de síntese entreo Antigo Testamento e o pensamento gregoserá realizada por Fílon, o Judeu, em Ale-xandria, mas sem prosseguimento. A vitó-ria dos cristãos imporá sobretudo um re-pensamento da mensagem evangélica à luz

das categorias da razão.Este momento do pensamento antigoconstitui, porém, um coroamento do pen

samento grego, mas assinala, antes, aentrada em crise e a superação de suamaneira de pensar e, assim, prepara acivilização medieval e as bases do que seráo pensamento cristão “europeu”.

Esse momento do pensamento,portanto, mesmo considerando os laçosque tem com a última fase do pensamentopagão que se desenvolvecontemporaneamente, deve ser estudado àparte, precisamente como pensamento

véterocristão, e deve ser consideradoatentamente, nas novas instâncias queinstaura, como premissa e fundamento do

A acrópole de Atenas, com o Partenon na parte mais alta. Este complexo arquitetônicoconstitui o símbolo e o santuário de Atenas, que os gregos consideraram como capital dafilosofia, e como tal assume significado emblemático.

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 A FUNDAÇÃO DOPENSAMENTOFILOSÓFICO

?t

■ Os Naturalistas pré-socráticos

I

i

“As coisas visíveis são umaclaridade sobre o invisível.”

Demócrito e Anaxágoras

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Capítulo segundo

Os “Naturalistas” ou filósofos da “physis”

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(Sapí+ulo segundo

Os ^/Vla+ui^alistas''7

ou filósofos da "pkysis//

I. Os pnmeii^os ^ôkvíos :

e a questão do ^princípio” de todas as coisas

• Tales de Mileto (fim do VII - primeira metade do séc. VI a.C.) é o criador, do ponto devista conceitual (mesmo que não ainda do ponto de vista lexical), do problema concernente ao"princípio" (arché), ou seja, a origem de todas as coisas. O "princípio" é, propriamente, aquilode que derivam e em quese resolvem todas as coisas, e aquilo que permanece imutável o princípio de mesmo nasvárias formas que pouco a pouco assume. Tales iden- toda? as co/sas tificou o princípiocom a água, pois constatou que o elemento é a á9ua líquido está presente em todo lugar em

que há vida, e onde não 5 existe água não existe vida.Esta realidade originária foi denominada pelos primeiros filósofos de  physis, ou seja,

"natureza", no sentido antigo e originário do termo, que indica a realidade no seu fundamento."Físicos", por conseguinte, foram chamados todos os primeiros filósofos que desenvolveramesta problemática iniciada por Tales.

•  Anaximandro de Mileto (fim do VII - segunda metade do séc. VI) foi provavelmentediscípulo de Tales e continuou a pesquisa sobre o princípio. Criticou a solução do problemaproposta pelo mestre, salientando sua incompletude pela falta de explicação das razões e domodo pelo o princípio qual do princípio derivam as coisas. é indefinido-

Se o princípio deve poder tornar-se todas as coisas que são infinito diversas tanto por qualidade como por quantidade, deve em si (= ápeiron) ser privado de determinaçõesqualitativas e quantitativas, deve § 2 ser infinito espacialmente e indefinido qualitativamente:conceitos, estes, que em grego se expressam com o único termo, ápeiron. O princípio

- que pela primeira vez Anaximandro designa com o termo técnico de arché - é, portanto, oápeiron. Dele as coisas derivam por uma espécie de injustiça originária (o nascimento dascoisas está ligado com o nascimento dos "contrários", que tendem a subjugar um ao outro) e aele retornam por uma espécie de exp/ação (a morte leva à dissolução e, portanto, à resoluçãodos contrários um no outro).

•  Anaxímenes de Mileto (séc. VI a.C.), discípulo de Anaximandro, continua a discussãosobre o princípio, mas critica a solução proposta pelo mestre: o arché é o ar infinito, difuso por toda parte, em perene movimento. O ar sustenta e governa o universo, e gera todas as coisas, transfor- O princípio mando-semediante a condensação em água e terra, e em fogo é ar infinito pela rarefação.

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18 Segunda pavte - y\ fundação do pensamento filosófico

A grande porta sul da ágora de Mileto. Na cidade da Jônia, entre o fim do séc. VII e o fim do séc. VIa.C., floresceram Tales, Anaximandro e Anaxímenes.

 Tales de Mileto

O pensador ao qual a tradição atribuio começo da filosofia grega é Tales, que vi-veu em Mileto, na Jônia, provavelmentenas últimas décadas do séc. VII e naprimeira metade do séc. VI a.C. Além defilósofo, foi cientista e político sensato.Não se tem conhecimento de que tenhaescrito l ivros. Só conhecemos seupensamento através da tradição oralindireta.

 Tales foi o iniciador da filosofia da physis, pois foi o primeiro a afirmar a exis-tência de um princípio originário único,causa de todas as coisas que existem,sustentando que tal princípio é a água.

Essa proposição é importantíssima,como logo veremos, podendo com boadose de razão ser qualificada como “aprimeira proposta filosófica daquilo que secostuma chamar de civilização ocidental”.A compreensão exata dessa proposição

fará compreender a grande revolução

“Princípio” (arché) não é termo de Tales (talvez tenha sido introduzido porseu discípulo Anaximandro), mas écertamente o termo que indica, melhorque qualquer outro, o conceito daquelequid do qual todas as coisas derivam.Como nota Aristóteles em sua exposiçãosobre o pensamento de Tales e dosprimeiros físicos, o “princípio” é “aquilo doqual derivam originariamente e no qual seresolvem por último todos os seres”, “umarealidade que permanece idêntica no

trans- mutar-se de suas alterações”, ouseja, uma realidade “que continua a existirde maneira imutada, mesmo através doprocesso gerador de todas as coisas”.

O “princípio” é, portanto:a) a fonte e a origem de todas as

coisas;b) a foz ou termo último de todas as

coisas;c) o sustentáculo permanente de

todas as coisas (a “substância”, podemosdizer, usando um termo posterior).

Em suma, o “princípio” pode ser

definido como aquilo do qual provêm,a uilo no ual se concluem e a uilo elo

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Cãpítulo segundo - Os "/Slaturallstas” ou filósofos da "pkysis”

Os primeiros filósofos (talvez o pró-prio Tales) denominaram esse princípio

com o termo  physis, que indica natureza,não no sentido moderno do termo, mas nosentido originário de realidade primeira efundamental.

Assim, os filósofos que, a partir de Ta-les até o fim do séc. V a.C., indagaram arespeito da  physis foram denominados “Fí-sicos” ou “Naturalistas”. Portanto, somenterecuperando a acepção arcaica do termo ecaptando adequadamente as peculiarida-des que a diferenciam da acepçãomoderna será possível entender ohorizonte espiritual desses primeirospensadores.

 Todavia, resta ainda esclarecer osentido da identificação do “princípio” coma “água” e as suas implicações.

A tradição indireta diz que Tales de-duziu sua convicção “da constatação deque a nutrição de todas as coisas éúmida”, que as sementes e os germes detodas as coisas “têm natureza úmida”, ede que, portanto, a secura total é a morte.Assim como a vida está ligada à umidade eesta pressupõe a água, então a água é afonte última da vida e de todas as coisas.

 Tudo vem da água, tudo sustenta sua vida

com água e tudo termina na água. Tales,portanto, fundamenta suas asserçõessobre o raciocínio puro, sobre o logos;apresenta uma forma de conhecimentomotivado com argumentações racionaisprecisas.

De resto, a que nível de racionalidade Tales já se elevara, tanto em geral comoem particular, pode ser demonstrado pelofato de que ele havia pesquisado osfenômenos do céu a ponto de predizer(para estupefação de seus concidadãos)um eclipse (talvez o de 585 a.C.). Ao seunome está ligado também um célebre

teorema de geometria.Mas não se deve acreditar que a água

de Tales seja o elemento físico-químicoque hoje bebemos. A água de Tales deveser pensada de modo totalizante, ou seja,como a  physis líquida originária da qualtudo deriva e da qual a água que bebemosé apenas uma de suas tantasmanifestações. Tales é um “naturalista” nosentido antigo do termo e não um“materialista” no sentido moderno econtemporâneo. Com efeito, sua “água”coincidia com o divino. Desse modo,

introduz-se nova concepção de Deus: trata-se de uma concepção na qual predomina a

Ao afirmar posteriormente que “tudoestá cheio de deuses”, Tales queria dizer

que tudo é permeado pelo princípiooriginário. E como o princípio originário évida, tudo é vivo e tudo tem alma(panpsiquismo). O exemplo do ímã queatrai o ferro era apresentado por ele comoprova da animação universal das coisas (aforça do ímã é a manifestação de suaalma, ou seja, precisamente, de sua vida).

Com Tales, o logos humano rumoucom segurança pelo caminho da conquistada realidade em seu todo (a questão doprincípio de todas as coisas) e em algumasde suas partes (as que constituem o objetodas “ciências particulares”, como hoje as

chamamos). rangi 1 ii 2' i s3---------II--------1

y\naxiwcirvdro de TVlileto

Provavelmente discípulo de Tales,Anaximandro nasceu por volta de fins doséc. VII a.C. e morreu no início da segundametade do séc. VI. Elaborou um tratadoSobre a natureza, do qual chegou umfragmento até nós. Trata-se do primeiro

tratado filosófico do Ocidente e doprimeiro escrito grego em prosa. A novaforma de composição literária tornava-senecessária pelo fato de que o logos deviaestar livre do vínculo da métrica e doverso para corresponder plenamente àssuas próprias instâncias. Anaximandro foiainda mais ativo que Tales na vida política.

 Temos, de fato, conhecimento de quechegou até a “comandar a colônia quemigrou de Mileto para Apolônia”.

Com Anaximandro, a problemática doprincípio se aprofundou. Ele sustenta que a

água já é algo derivado e que, ao contrá-rio, o “princípio” (arché) é o infinito, ou se- ja, uma natureza (physis) in-finita e in-de-finida, da qual provêm todas as coisas queexistem.

O termo usado por Anaximandro é á- peiron, que significa aquilo que está  pri-vado de limites, tanto externos (ou seja,aquilo que é espacialmente e, portanto,quantitativamente infinito), como internos(ou seja, aquilo que é qualitativamente in-determinado). Precisamente por ser quan-titativa e qualitativamente i-limitado, oprin- cípio-ápeiron pode dar origem a todas

as coisas, de-limitando-se de váriosmodos. Esse rincí io abarca e circunda,

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Segunda pavte - fundaçao do pensamento filosófico

tenta tudo, justamente porque, como de-li-mitação e de-terminação dele, todas as

coisas geram-se a partir dele, nele con-sistem e nele existem.Em Anaximandro, como em Tales,

portanto, Deus torna-se o Princípio, ao pas-so que os deuses tornam-se os mundos, osuniversos que, como veremos, sãonumerosos; todavia, enquanto o Princípiodivino não nasce nem perece, os universosdivinos, ao contrário, nascem e perecemciclicamente.

 Tales não se pusera a pergunta sobreo como e o  por que do princípio derivam to-das as coisas, e por que todas as coisas secorrompem. Anaximandro, porém, põe a

questão, e responde que a causa daorigem das coisas é uma espécie de“injustiça”, enquanto a causa da corrupçãoe da morte é uma espécie de “expiação”de tal injustiça. ProvavelmenteAnaximandro pensava no fato de que omundo é constituído por uma série decontrários, que tendem a  predominar um

do etc.). A injustiça consistiria precisamen-te nessa predominância.

Nessa concepção (como muitos estu-diosos notaram), parece inegável terhavido uma infiltração de concepçõesreligiosas de sabor órfico. Como vimos, aidéia de uma culpa originária e de suaexpiação e, portanto, a idéia da justiça queequilibra, é central no Orfismo.

Assim como o princípio é infinito, tam-bém os mundos são infinitos, conforme jásalientamos, tanto no sentido de que estenosso mundo nada mais é que um dos inu-meráveis mundos em tudo semelhantesaos que os precederam e aos que osseguirão (pois cada mundo tem

nascimento, vida e morte) como tambémno sentido de que este nosso mundocoexiste ao mesmo tempo com uma sérieinfinita de outros mundos (e todos elesnascem e morrem de modo análogo). ^

Eis como se explica a gênese do cos-mo. De um movimento, que é eterno, gera-ram-se os primeiros dois contrários funda-

Relevo comretrato deAnaximandro(nascido pelo fimdo séc. VII efalecido nosinícios dasegunda metadedo séc. VI a.C.j, omais significativodos três filósofosda Escola de

Mileto. Encontra-se em Roma, no

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Cãpítulo SCgUTldo - Os “Alaturalis+as” ou filósofos da “physis”

mentais: o frio e o calor. Originalmente denatureza líquida, o frio teria sido em partetransformado pelo fogo-calor, que formavaa esfera periférica, no ar. A esfera do fogoter-se-ia dividido em três, originando aesfera do sol, a esfera da lua e a esferados astros. O elemento líquido ter-se-iarecolhido nas cavidades da terra,constituindo os mares.

Imaginada como tendo forma cilíndri-ca, a terra “permanece suspensa sem ser

sustentada por nada, mas continua firmepor causa da igual distância de todas aspartes”, ou seja, por uma espécie deequilíbrio de forças. Sob a ação do sol,devem ter nascido do elemento líquido osprimeiros animais, de estrutura elementar,dos quais, pouco a pouco, ter-se-iamdesenvolvido os animais mais complexos.

O leitor superficial se enganaria casosorrisse disso, considerando pueril talvisão, pois, como os estudiosos jásalientaram há muito tempo, ela éfortemente antecessora. Basta pensar, porexemplo, na arguta representação da terraque não necessita de sustentação material(já para Tales ela “flutuava”, ou seja,apoiava-se na água), sustentando-se porum equilíbrio de forças. Além disso, note-se também a “modernidade” da idéia deque a origem da vida tenha ocorrido comanimais aquáticos e, em conseqüência, obrilhantismo da idéia de evolução dasespécies vivas (embora concebida de modoextremamente primitivo). Isso é suficientepara mostrar todo o caminho já percorridopelo logos avançado para além do mito.

 jJLa ^naxímenes de /vAile+o

 Também em Mileto floresceu Ana-xímenes, discípulo de Anaximandro, noséc. VI a.C., de cujo escrito Sobre a natu-reza, em sóbria prosa jônica, chegaram-nos

três fragmentos, além de testemunhosindiretos.

Anaxímenes pensa que o “princípio”deva ser infinito, sim, mas que deva serpensado como ar infinito, substância aéreailimitada. Escreve ele: “Exatamente comoa nossa alma (ou seja, o princípio que dá avida), que é ar, se sustenta e se governa,assim também o sopro e o ar abarcam ocosmo inteiro.” E o motivo pelo qualAnaxímenes concebe o ar como “o divino”

é agora claro com base no que já dissemossobre os dois filósofos anteriores de Mileto.

Resta a esclarecer, no entanto, arazão pela qual Anaxímenes escolheu o arcomo “princípio”. E evidente que ele sentianecessidade de introduzir uma realidadeoriginária que dela permitisse deduzirtodas as coisas, de modo mais lógico emais racional do que fizera Anaximandro.Com efeito, por sua natureza de grandemobilidade, o ar se presta muito bem (bemmais do que o infinito de Anaximandro)para ser concebido como em perenemovimento. Além disso, o ar se prestamelhor do que qualquer outro elemento àsvariações e transformações necessáriaspara fazer nascer as diversas coisas. Ao secondensar, resfria-se e se torna água e, de-pois, terra; ao se distender (ou seja, rarefa- zendo-se) e dilatar, esquenta e torna-sefogo.

A variação de tensão da realidade ori-ginária dá, portanto, origem a todas as coi-sas. Em certo sentido, Anaxímenes repre-senta a expressão mais rigorosa e maislógica do pensamento da Escola de Mileto,porque, com o processo de “condensação”

e “rarefação”, ele introduz a causadinâmica da qual Tales ainda não haviafalado e que Anaximandro determinaraapenas inspirando-se em concepçõesórficas. Anaxímenes fornece, portanto,uma causa em perfeita harmonia com o“princípio”.

Compreendemos, portanto, por queos pensadores posteriores se refiram a

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Segunda parte - y\ ^unc\c\ção do pensamento filosófico

II. Hemclito de (Sfeso■

• Heráclito de Éfeso (sécs. Vl-V a.C.) herda dos milésios o conceito dedinamismo universal, mas o aprofunda de modo conspícuo. "Tudo escorre" é

a proposição emblemát ica de Heráclito, e indica o fato deque o devir é uma característica estrutural de toda a reali-dade. '

Não se trata de devir caótico, mas de passagem dinâmicaordenada de um contrário ao outro: é uma guerra de opostos,que no conjunto se compõe em harmonia de contrários. O mun-do é, portanto, guerra nos particulares, mas paz e harmoniano conjunto, como a harmonia do arco e da lira que nasce dacomposição equilibrada de forças e tensões opostas.

O princípio para Heráclito se identifica ctftfrô

é perfeita expressão do movimento perene, e justamente nadinâmica da guerra dos contrários (o fogo vive da morte do combustível, trans-formando-o continuamente em cinzas, mas se manifesta harmonicamente comochama de modo constante). O fogo está estreitamente ligado com o conceitode racionalidade (= logos), razão de ser da harmonia do cosmo.

Heráclito foi levado a salientar a alma em relação ao corpo, e também a assu-mir algumas posições órficas.

"Tudoescorre", oinundo édirigido pelaluta doscontráriosque secompoe emharmonia.O principio

1 O “OUSÍMW'!’” 'Herúoli+o

Heráclito viveu entre os séculos VI e Va.C., em Éfeso. Tinha caráterdesencontradoe temperamento esquivo e desdenhoso.Nãoquis de modo nenhum participar da vidapública: “Solicitado pelos concidadãos aela-borar leis para a cidade — escreve umafon-te antiga — recusou-se, porque ela já caíra

em poder da má constituição.” Escreveuumlivro intitulado Sobre a natureza, do qualchegaram até nós numerosos fragmentos,talvez constituído de uma série deaforismose intencionalmente elaborado de modoobs-curo e com estilo que recorda as sentençasoraculares, “para que dele seaproximassemapenas aqueles que conseguiam” e o vulgopermanecesse longe.

Fez isso para evitar o desprezo e a ca-

oada da ueles ue lendo coisas a arente-

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Cãpítulo segundo - CDs V^aturalis+as^ ou filósofos da ^pkysis”

>-2 y\ doutrina do “tudo escorre'7

Os filósofos de Mileto haviam notadoo dinamismo universal das coisas, que nas-cem, crescem e perecem, bem como domundo, ou melhor, dos mundossubmetidos ao mesmo processo. Alémdisso, haviam pensado o dinamismo comocaracterística essencial do próprio“princípio” que gera, sustenta e reabsorvetodas as coisas. Entretanto, não haviamlevado adequadamente tal aspecto darealidade ao nível temático. E éprecisamente isso que Heráclito fez. “Tudose move”, “tudo escorre” ( panta rhei), nada

permanece imóvel e fixo, tudo muda e setransmuta, sem exceção. Em dois de seusmais famosos fragmentos podemos ler:“Não se pode descer duas vezes no mesmorio e não se pode tocar duas vezes umasubstância mortal no mesmo estado, pois,por causa da impetuosidade e davelocidade da mudança, ela se dispersa ese reúne, vem e vai. (...) Nós descemos enão descemos pelo mesmo rio, nóspróprios somos e não somos.”

E claro o sentido desses fragmentos:o rio é “aparentemente” sempre o mesmo,

mas, “na realidade”, é constituído poráguas sempre novas e diferentes, quesobrevêm e se dispersam. Por isso, não sepode descer duas vezes na mesma água dorio, precisamente porque ao se descer pelasegunda vez já se trata de outra água quesobreveio. E também porque nós própriosmudamos: no momento em quecompletamos uma imersão no rio, já nostornamos diferentes de como éramosquando nos movemos para nele imergir.Dessa forma, Heráclito pode muito bem di-zer que nós entramos e não entramos nomesmo rio. E pode dizer também que nós

somos e não somos, porque, para ser aquiloque somos em determinado momento,devemos não-ser-mais aquilo que éramosno momento anterior, do mesmo modoque, para continuarmos a ser, devemoscontinuamente não-ser-mais aquilo que

3 ;A doutrinada ^Karmonia dos contrários ,/

 Todavia, para Heráclito, isso é apenasa constatação de base, o ponto de partida

para outras inferências, ainda mais pro

fundas e argutas. O devir ao qual tudo estádestinado caracteriza-se por contínua pas-

sagem de um contrário ao outro: as coisasfrias se aquecem, as quentes se resfriam,asúmidas secam, as secas tornam-seúmidas,o jovem envelhece, o vivo morre, masdaqui-lo que está morto renasce outra vida

 jovem,e assim por diante. Há, portanto, guerraper-pétua entre os contrários que seaproximam.Mas, como toda coisa só tem realidade

pre-cisamente no devir, a guerra (entre osopos-tos) se revela essencial: “A guerra é mãedetodas as coisas e de todas as coisas érainha. ”

 Trata-se, porém, de uma guerra que, aomesmo tempo, é paz, e de um contrastequeé, ao mesmo tempo, harmonia. O pereneescorrer de todas as coisas e o deviruniver-

sal revelam-se como harmonia de contrá-rios, ou seja, como perene pacificação debeligerantes, permanente conciliação decon-tendores (e vice-versa): “Aquilo que é opo-sição se concilia, das coisas diferentesnasce

identificação do //princípio ,/ com

o fogo e com a inteligência

Heráclito indicou o fogo como “prin-cípio” fundamental, e considerou todas ascoisas como transformações do fogo. Tam-bém é evidente por que Heráclito atribuiuao fogo a “natureza” de todas as coisas: ofogo expressa de modo exemplar as carac-terísticas de mudança contínua, do con-traste e da harmonia. Com efeito, o fogoestá continuamente em movimento, é vidaque vive da morte do combustível, é contí-nua transformação deste em cinzas, fuma-ça e vapores, é perene “necessidade esaciedade”, como diz Heráclito a respeitode seu Deus.

Texto Q

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^ Segunda parte - y\ fundação do pensamento filosófico

Esse fogo é como “raio que governatodas as coisas”. E aquilo que governa

todas as coisas é “inteligência”, é “razão”,é “logos”, é “/e/ racional”. Assim, a /íféw c/eiraíe- ligência, que nos filósofos de Miletoestava apenas implícita, associa-seexpressamente ao “princípio” de Heráclito.Um fragmento particularmente significativosela a nova posição de Heráclito: “O Uno, oúnico sábio, quer e não quer ser chamadoZeus.” Não quer ser chamado Zeus se porZeus se entende o deus de formashumanas próprio dos gregos; quer serchamado Zeus se por esse nome se enten-de o Deus e o ser supremo.

Em Heráclito já emerge uma série deelementos relativos à verdade e aoconhecimento. E preciso estar atento emrelação aos sentidos, pois estes se detêmna aparência das coisas. E também épreciso precaver-se quanto às opiniões doshomens, que estão baseadas nasaparências. A Verdade consiste em captar,para além dos sentidos, a inteligência quegoverna todas as coisas. E Heráclito sente-se como o profeta dessa inteligência — daí o caráter oracular de suas sentenças e o

5 AJa+ureza da almaÍ1SS8I1 . . .

e destino do komem

Devemos ressaltar uma última idéia.Apesar da disposição geral de seupensamento, que o levava a interpretar aalma como fogo e, portanto, a interpretar aalma sábia como a mais seca, fazendo ainsensatez coincidir com a umidade,Heráclito escreveu, sobre a alma, uma dasmais belas sentenças que chegaram aténós: “Jamais poderás encontrar os limites

da alma, por mais que percorras seuscaminhos, tão profundo é o seu logos. ”Mesmo no âmbito de um horizonte “físico”,Heráclito, com a idéia da dimensão infinitada alma, abre uma fresta em direção aalgo ulterior e, portanto, não físico. Mas éapenas uma fresta, embora muito genial.

Parece que Heráclito acolheu algumasidéias dos Órficos, afirmando o seguinte

sobre os homens: “Imortais-mortais,mortais- imortais, vivendo a mortedaqueles, morrendo a vida daqueles.” Essaafirmação parece expressar, na linguagemde Heráclito, a idéia órfica de que a vidado corpo é mortificação da alma e a mortedo corpo é vida da alma. Ainda com osÓrficos, Heráclito acreditava em castigos eprêmios depois da morte: “Depois damorte, esperam pelos homens coisas queeles não esperam nem imaginam.”Entretanto, não podemos estabelecer deque modo Heráclito procurava conectaressas crenças órficas com sua filosofia da

h sis. ssaa

O filósofo Heráclito, retratado em atitude absorta.Considerado “obscuro ” pelos seus aforismosherméticos, deixou-nos máximas de altasabedoria, como as referentes à natureza e aodestino da alma humana.

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Cãpttulo segundo - Os 'TMa+u^alisfas” ou filósofos da “pkysis^25

III. Os Pitágoricos

e o número como princípio

O princípio dascoisas são onúmero e oselementos dosquais o númeroderiva —»§ 2-3

• Os Pitagóricos herdam dos predecessores a problemática do princípio, masa deslocam sobre um plano novo e mais elevado. O princípio da realidade e paraos Pitagóricos não um elemento físico, mas o "númerõ".Explicam sua tese em base ao fato de que todos os fenô-menos mais significativos (em particular as harmonias musicais,os fenômenos astronômicos, climáticos e biológicos) acontecemsegundo regularidade mensurável e exprimível com números.O número, portanto, é causa de cada coisa e determina sua es-sência e a recíproca relação com as outras.Para exatidão, segundo os Pitagóricos não são os números

enquanto tais o fundamento último da realidade, mas os ele-mentos do número, ou seja, o "limite" (princípio determinado e determinante) eo "ilimitado" (princípio indeterminado). Cada número é síntese destes dois ele-mentos: nos números pares prevalece o ilimitado e nos ímpares o limite.Se tudo é número, tudo é "ordem" e o universo inteiroaparece como um kósmos (termo que significa justamente "or-dem") que deriva dos números, e enquanto tal é perfeitamentecognoscível também nas suas partes.Os Pitagóricos derivaram do Orfismo tanto o conceito demetempsicose quanto o conceito de vida como expiação/purifi-cação para poder retornar junto aos deuses, mas atribuíram avirtude catártica não a ritos e práticas, como queriam os Órficos, mas ao conheci-mento e à ciência, isto é, à "vida contemplativa" em grau supremo - chamada"vida pitagórica" - a qual eleva o homem e o leva à contemplação da verdade.

O mundo comokósmos e asinfluênciasórficas — >§ 4-5

—A— Pitáqoras e osm í ■ u

Pitágoras nasceu em Samos. Oapogeu de sua vida ocorre em torno de 530a.C. e sua morte no início do séc. V a.C.Crotona foi a cidade em que Pitágoras mais

operou. Mas as doutrinas pitagóricastambém tiveram muita difusão eminúmeras outras cidades da Itál iameridional e da Sicília: de Sibari a Reggio,de Locri a Metaponto, de Agrigento aCatânia. Além de filosófica e religiosa, co-mo vimos, a influência dos Pitagóricos tam-bém foi notável no campo político. O idealpolítico pitagórico era uma forma de aristo-cracia baseada nas novas camadasdedicadas especialmente ao comércio, que,como já dissemos, haviam alcançadoelevado nível nas colônias, antes ainda do

que na mãe-pátria. Conta-se que os

de, incendiaram o prédio em que ele sereunira com seus discípulos. Segundoalgumas fontes, Pitágoras teria morridonessas circunstâncias; segundo outros,porém, conseguiu fugir, vindo a morrer emMetaponto.

Muitos escritos são atribuídos aPitágoras, mas os que chegaram até nóscom seu nome são falsificações de épocas

posteriores. E possível que seuensinamento tenha sido apenas (oupredominantemente) oral.

Podemos dizer muito pouco, talvezpouquíssimo, sobre o pensamento originaldesse pensador. As numerosas Vidas dePitágoras posteriores não têm credibilidadehistórica, porque logo depois de sua morte(e talvez já nos últimos anos de sua vida),aos olhos de seus seguidores, nossofilósofo já perdera os traços humanos; eravenerado quase como um nume e suapalavra tinha quase valor de oráculo. Aexpressão com que se referiam à sua

- “

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26 ____ Segunda parte - ?\ fundação do  pay\scxn\e.y\\o filosófico

Pitágoras, que viveu entre a segundametade do séc. VI e os inícios do V a. C., foi

o fundador da matemática grega e o criadorda “vida contemplativa ”, que foi chamadapor seus seguidores, com simbólicaconsagração do seu nome, também “vidapitagórica”(Roma, Museus Capitolinos).

tos que lhe permitissem distinguirPitágoras de seus discípulos, e falava dos“assim chamados Pitagóricos”, ou seja, osfilósofos “que eram chamados” ou “que sechamavam Pitagóricos”, filósofos queprocuravam juntos a verdade e que,

portanto, não se diferenciavamindividualmente.

Não é possível, portanto, falar do pen-samento de Pitágoras, considerado indivi-dualmente, e sim do pensamento dos Pi-

 

Os números como

"princípio''

A pesquisa filosófica refinou-se no-

tavelmente, ao passar das colônias jônicasdo Oriente para as colônias do Ocidente,

onde emigraram as antigas tribos jônicas eonde se criara uma têmpera cultural dife-

rente. Com efeito, com clara mudança deperspectiva, os Pitagóricos indicaram o nú-mero (e os componentes do número) comoo “princípio”, ao invés da água, do ar ou dofogo.

O mais claro e famoso texto que resu-me o pensamento dos Pitagóricos é aseguinte passagem de Aristóteles, que seocupou muito e a fundo desses filósofos:“Os Pitagóricos foram os primeiros que sededicaram às matemáticas e as fizeramprogredir. Nutridos pelas mesmas,acreditaram que os princípios delas fossemos princípios de todas as coisas que

existem. E, uma vez que nas matemáticasos números são, por sua natureza, osprincípios primeiros, precisamente nosnúmeros eles acreditavam ver, mais queno fogo, na terra e na água, muitas seme-lhanças com as coisas que existem e segeram (...); e, além disso, como viam queas notas e os acordes musicais consistiamem números; e, por fim, como todas asoutras coisas, em toda a realidade,pareciam-lhes serem feitas à imagem dosnúmeros e que os números fossem aquiloque é primeiro em toda a realidade,

pensaram que os elementos do númerofossem elementos de todas as coisas, eque todo o universo fosse harmonia enúmero.”

À primeira vista, essa teoria podecausar estupefação. Na realidade, adescoberta de que em todas as coisasexiste regularidade matemática, ou seja,numérica, deve ter produzido umaimpressão tão extraordinária a ponto delevar à mudança de perspectiva da qualfalamos, e que marcou uma etapafundamental no desenvolvimento espiritualdo Ocidente. No entanto, deve ter sido

determinante para isso a descoberta deque os sons e a música, à qual osPitagóricos dedicavam grande atençãocomo meio de purificação e catarse, sãotraduzíveis em determinações numéricas,ou seja, em números: a diversidade dossons produzidos pelos martelos que batemna bigorna depende da diversidade depeso dos martelos (que é determinávelsegundo um número), ao passo que adiversidade dos sons das cordas de uminstrumento musical depende da diver-sidade de comprimento das cordas (que é

analogamente determinável segundo umnúmero). Além disso, os Pitagóricos

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- 27Capitulo Segundo - Os 'TMaturalis+as" ou filósofos da "pkys is" ______________________________ 

Não menos importante deve ter sido adescoberta da incidência determinante do

número nos fenômenos do universo: sãoleis numéricas que determinam os anos, asestações, os meses, os dias, e assim pordiante. Mais uma vez, são leis numéricasprecisas que regulam os tempos daincubação do feto nos animais, os ciclos dodesenvolvimento biológico e váriosfenômenos da vida.

E compreensível que, impelidos pelaeuforia dessas descobertas, os Pitagóricostenham sido levados a encontrar tambémcorrespondências inexistentes entre o nú-mero e fenômenos de vários tipos. Para al-guns Pitagóricos, por exemplo, a justiça,

enquanto tem como característica ser umaespécie de contrapartida ou de eqüidade,devia coincidir com o número 4 ou com onúmero 9 (ou seja, 2 x 2 ou 3 x 3, o qua-drado do primeiro número par ou o qua-drado do primeiro número ímpar); a inte-ligência e a ciência, enquanto têm ocaráter de persistência e imobilidade,deviam coincidir com o número 1, ao passoque a opinião mutável, que oscila emdireções opostas, devia coincidir com onúmero 2, e assim por diante.

De qualquer modo, é muito claro o

processo pelo qual os Pitagóricoschegaram a pôr o número como princípio detodas as coisas. Entretanto, o homemcontemporâneo talvez tenha dificuldadepara compreender profundamente osentido dessa doutrina, caso não procurerecuperar o sentido arcaico do “número”.Para nós o número é uma abstração mentale, portanto, ente da razão; para o antigomodo de pensar (até Aristóteles), porém, onúmero era coisa real e até mesmo a maisreal das coisas — e precisamente enquantotal é que veio a ser considerado o“princípio” constitutivo das coisas. Assim,

para eles o número não era um aspectoque nós mentalmente abstraímos dascoisas, mas sim a própria realidade, a

h sis das ró rias

tros “elementos”. Com efeito, os númerossão uma quantidade (indeterminada) que

pouco a pouco se de-termina ou de-limita:2, 3, 4, 5, 6... ao infinito. Assim, dois ele-mentos constituem o número: um, inde-terminado ou ilimitado; e outro, determi-nante ou limitante. Desse modo, o númeronasce “do acordo entre elementoslimitantes e elementos ilimitados” e, porsua vez, gera todas as outras coisas.

 Todavia, justamente porque são gera-dos por um elemento indeterminado e umelemento determinante, os números mani-festam certa prevalência de um ou outrodesses dois elementos: nos números  parespredomina o indeterminado (e, portanto, os

números pares são menos perfeitos paraos Pitagóricos), ao passo que nos ímparesprevalece o elemento limitante (e, por isso,são mais perfeitos).

Se nós, com efeito, representarmosum número com pontos geometricamentedispostos (basta pensar no uso arcaico deutilizar pequenos seixos para indicar o nú-mero e realizar operações, de onde deri-vou a expressão “fazer cálculos”, bemcomo o termo “calcular”, do latim “calcu-lus’\ que quer dizer “pedrinha, pequenoseixo”), podemos notar que o número par

deixa um campo vazio para a flecha quepassa pelo meio e não encontra um limite,o que mostra seu defeito (de ser ilimitado),ao passo que os números ímpares, aocontrário, apresentam sempre umaunidade a mais, que os de-limita e de-ter-

mina:

6• • •

etc.

7• • •

* • etc.

1^11 Os elementosdos quais derivam os números

 Todas as coisas derivam dos números.Entretanto, os números não são o  primum

absoluto, mas eles mesmos derivam de ou

Além disso, os Pitagóricos considera-vam o número ímpar como “masculino” e opar como “feminino”.

Por fim, consideravam os númerospares como “retangulares” e os númerosímpares como “quadrados”. Com efeito,dispondo em torno do número 1 asunidades que constituem os númerosímpares, obtemos quadrados, ao passoque, dispondo de modo análogo asunidades que constituem os númerospares, obtemos retângulos, como

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28Segunda parte - A fundação do pensamento filosóf-u

a primeira exemplificando os números 3, 5e 7, e a segunda os números 2, 4, 6 e 8.

O O O OOO "!o o o"|o'o olo

o_o_o_ oo ò~õ"oõ"|o o ób"|o'o

 

Foi assim que nasceu a teorização do“sistema decimal” (basta pensar na tábuapitagórica), bem como a codificação da

concepção da perfeição do 10, quepermanecerá operante por séculos: “Onúmero 10 é perfeito e, segundo anatureza, é justo que todos — tanto nós,gregos, como os outros homens — nosdefrontemos com ele em nosso numerar,

O “um” dos Pitagóricos não é par nemímpar: é um “parímpar”. Tanto é verdadeque dele procedem todos os números,tanto pares como ímpares: agregado a umpar, gera um ímpar; agregado a um ímpar,

gera um par. O zero, porém, eradesconhecido para os Pitagóricos e para amatemática antiga.

O número perfeito foi identificadocom o 10, que visualmente erarepresentado como um triângulo perfeito,formado pelos primeiros quatro números etendo o número 4 em cada lado (atetraktys):

• •• • •

• • • •

A representação mostra que o 10 éigual al + 2 + 3 + 4. Mas não é só isso: nadécada “estão contidos igualmente ospares (quatro pares: 2, 4, 6 e 8) e osímpares (quatro ímpares: 3, 5, 7, e 9), semque predomine uma parte”. Além disso,“resultam iguais os números primos e nãocompostos (2, 3, 5 e 7) e os númerossegundos e compostos (4, 6, 8 e 9)”.

 Também “possui igualdade de múltiplos esubmúltiplos: com efeito, há trêssubmúltiplos, até o 5 (2, 3 e 5), e trêsmúltiplos deles, de 6 a 10 (6, 8 e 9)”. Ade-mais, “no 10 estão todas as relaçõesnuméricas: a de igualdade, a de menos-mais, a de todos os tipos de números, oslineares, os quadrados e os cúbicos. Comefeito, o 1 eqüivale ao ponto, o 2 à linha, o3 ao triângulo, o 4 à pirâmide — e todosesses números são princípios e elementosprimos das realidades a eles homogêneas”.Considere o leitor que esses cômputos sãoconjecturais e que os intérpretes sedividem muito sobre a questão, uma vezque não é certo que o número 1 seja

excetuado nas diversas séries. Na

th: ^sogem "úmero ^

às coisas e fundamentação do

conceito de cosmo

 Tudo isso leva a uma ulteriorconquista fundamental. Se o número éordem (“acordo entre elementos ilimitadose limitados”) e se tudo é determinado pelonúmero, então tudo é ordem. E como“ordem” se diz kósmos em grego, osPitagóricos chamaram o universo de“cosmo”, ou seja, “ordem”. Nossostestemunhos antigos dizem: “Pitágoras foio primeiro a chamar de cosmo o conjuntode todas as coisas, por causa da ordemque nele existe. (...) Os sábios

(Pitagóricos) dizem que céu, terra, deusese homens são mantidos juntos pela ordem(...) e é precisamente por tal razão queeles chamam esse todo de ‘cosmo’, ouseja, ordem. ”

É dos Pitagóricos a idéia de que oscéus, girando, precisamente segundo onúmero e a harmonia, produzem “celestemúsica de

% Harmonia. E um conccito

tipica- ' mente helèmco, que osgregos estendiam nào só aomundo em seu conjunto, mastambém a alma humana e aosseus produtos (arte, literatura,

' política).:; Por mais que tivesse sido

tematizado pela primeira vez porHeráclito como "harmonia doscontrários", assumiu sua maiscompleta explicitação nosPitagoricos, para os quais todo ocosmo c harmonia, porque éordenado pelos números e por

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Cãpítulo Segtittdo - CDs 11 a+u k a I i s f a sou filósofos da “physis”

esferas, belíssimos concertos, que nossosouvidos não percebem ou não sabem mais

distinguir, por estarem habituados desdesempre a ouvi-los”.

Com os Pitagóricos o pensamento hu-mano realizou um passo decisivo: o mundodeixou de ser dominado por obscuras eindecifráveis forças, tornando-se número,que expressa ordem, racionalidade everdade. Como afirma Filolau: “Todas ascoisas que se conhecem têm número: semeste, não seria possível pensar nemconhecer nada. (. .. ) Jamais a mentirasopra contra o número.”

Com os Pitagóricos o homem apren-

deu a ver o mundo com outros olhos, ouseja, como a ordem perfeitamente

Pitágoras, o Orfismo e

a “vida pitagórica”

Conforme dissemos, a ciência pita-górica era cultivada como meio para alcan-çar um fim. O fim consistia na prática deum tipo de vida apto a purificar e a libertar

a alma do corpo.Pitágoras parece ter sido o primeirofilósofo a sustentar a doutrina da metem- psicose, ou seja, a doutrina segundo a quala alma, devido a uma culpa originária, éobrigada a reencarnar-se em sucessivasexistências corpóreas (e não apenas emforma humana, mas também em formasanimais) para expiar aquela culpa. Ostestemunhos antigos registram, entreoutras coisas, que ele dizia recordar-se desuas vidas anteriores. Como sabemos, adoutrina provém dos Órficos. Mas osPitagóricos modificaram o Orfismo, ao

menos no ponto essencial que agoraexemplificamos. O fim da vida é libertar aalma do corpo, e para alcançar tal fim é

-

te na escolha dos instrumentos e meios depurificação que os Pitagóricos se diferen-

ciaram claramente dos Órficos.Uma vez que o fim último era o de

voltar a viver entre os deuses, osPitagóricos introduziram o conceito do retoagir humano como tornar-se “seguidor deDeus”, como viver em comunhão com adivindade. Conforme registra um antigotestemunho: “Tudo o que os Pitagóricosdefinem sobre o fazer e o não fazer temem vista a comunhão com a divindade:esse é o princípio e toda a vida deles seordena a esse objetivo de deixar-se guiarpela divindade. ”

Desse modo, os Pitagóricos foram osiniciadores daquele tipo de vida que sechamaria (ou que eles próprios jáchamavam) de bíos theoretikós, “vidacontemplativa”, ou seja, uma vidadedicada à busca da verdade e do bematravés do conhecimento, que é a maisalta “purificação” (comunhão com odivino). Platão daria a esse tipo de vida a

# ' ' É assim chamada doutrina que admite a transmgiaçao da alma em mais corpos. Sbentende em geral uma concepçànegativa do corpo (dualismo antr pologico) e um ideal ético que tenda purificar a alma e a separá-la o mapossível do corpo.Os Órficos foram os primeiros a intro-duzir esta crença, c em seguidaPitagoricos a tornaram própria. Mnesta assunção modificaram o conceto de purificação, não mais confiado-a às práticas rituais, mas ã ciènci- sobretudo à matemática - enquanto

purifica e eleva a alma.

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SegUndíZ pa.Vte - y\ fundação do pensamento filosófico

IV. /Kenófanes de (Sólofon

 A nova concepção " Xenófanes de Cólofon (nascido por volta de 570 a.C.) de Deus e do divinocritica pela primeira vez de modo sistemático e radical toda ^ § j-3 forma deantropomorfismo. Indica o elemento "terra" como princípio, não porém de todo o cosmo, e simdo nosso planeta.

não foi o fundador

da (Sscola de déia

Xenófanes nasceu na cidade jônica deCólofon, em torno de 570 a.C. Por volta dosvinte e cinco anos de idade, emigrou paraas colônias itálicas, na Sicília e na Itáliameridional. Depois continuou viajando, semmoradia fixa, até idade bem avançada,cantando como aedo suas própriascomposições poéticas, das quais algunsfragmentos chegaram até nós.

 Tradicionalmente Xenófanes foi consi-derado fundador da Escola de Eléia, mas

isso com base em interpretações incorretasde alguns testemunhos antigos. Noentanto, ele próprio nos diz que ainda eraandarilho sem morada fixa até a idade denoventa e dois anos. Ademais, suaproblemática é de caráter teológico ecosmológico, ao passo que os eleatas,como veremos, fundaram a problemáticaontológica. Assim, justamente, Xenófanes éhoje considerado pensador independente,tendo apenas algumas afinidades muitogenéricas com os eleatas, mas certamentesem ligação com a fundação da Escola de

lisfê C'í+;ca à

tradicional dos deuses

O tema central desenvolvido nos ver-sos de Xenófanes é constituído sobretudopela crítica ã concepção dos deuses queHomero e Hesíodo haviam fixado de modoexemplar e que era própria da religião pú-blica e do homem grego em geral. Nossofilósofo identifica de modo perfeito o errode fundo do qual brotam todos os absurdos

ligados a tal concepção. E esse erroconsiste no antropomorfismo, ou seja, ematribuir aos deuses formas exteriores,características psicológicas e paixões

iguais ou análogas às que são próprias doshomens, apenas quantitativamente maisnotáveis, mas não qualitativamentediferentes. Agudamente, Xenófanes objetaque se os animais tivessem mãos epudessem fazer imagens de deuses, os fa-riam em forma de animal, assim como osEtíopes, que são negros e têm o narizachatado, representam seus deuses negrose com o nariz achatado, ou os Trácios, quetêm olhos azuis e cabelos ruivos,representam seus deuses com taiscaracterísticas. Mas, o que é ainda mais

grave, os homens também tendem aatribuir aos deuses tudo aquilo que elesmesmos fazem, não só o bem, mas tam-bém o mal, e isso é inteiramente absurdo.

Assim, de um só golpe são contesta-dos, do modo mais radical, não só acredibilidade dos deuses tradicionais, mastambém a de seus aclamados cantores. Osgrandes poetas, sobre os quais os gregostradicionalmente se haviam formadoespiritualmente, agora declaram-se porta-vozes de mentiras.

De modo análogo, Xenófanes tambémdemitiza as várias explicações míticas dos

fenômenos naturais que, como sabemos,atribuíam-se a deuses. Por exemplo, a deu-sa íris (o arco-íris) é demitizada e identifi-cada racionalmente com “uma nuvem, pur-púrea, violácea, verde de se ver”.

A breve distância de seu nascimento,a filosofia mostra a sua forte cargainovadora, desmontando crenças secularesque se consideravam muito sólidas, massomente porque se enraíza no modo depensar e de sentir tipicamente helênico;contesta-lhes qualquer val idade erevoluciona inteiramente o modo de ver

Deus que fora próprio do homem antigo.Depois das críticas de Xenófanes, o homem

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Cãpítulo SegUfldo - (Ds 'T^afuralis+as” ou filósofos da "pkysis"

Mas as categorias de que Xenófanesdispunha para criticar o antropomorfismoe denunciar a falácia da religiãotradicional eram as categorias derivadasda filosofia da  physis e da cosmologia

 jônica. Por conseguinte, é compreensívelque ele, depois de negar com argumentosmuito adequados que Deus possa serconcebido com formas humanas, acabaafirmando que Deus é o cosmo, o qual “éuno, Deus, superior entre os deuses e oshomens, nem por figura nem porpensamento semelhante aos homens”.

Se o Deus de Xenófanes é o Deus-cos- mo, então podemos compreenderclaramente as outras afirmações do

filósofo, ou seja, de que Deus “tudo vê,tudo pensa, tudo ouve”; mas “semesforço, com a força de sua mente, tudofaz vibrar”; e que, por fim, “permanecesempre no mesmo lugar sem se mover demodo algum, pois não lhe é próprio andarora em um lugar, ora em outro”.

 

com sua estabilidade, são atribuídos aDeus, não em uma dimensão humana, e

sim em uma dimensão cosmológica. fl*S?fgli7l|

 Te ag ua como princi pios

Essa visão não contrasta com asinformações dos antigos de queXenófanes pôs a terra como “princípio”,nem com suas precisas afirmações: “Tudonasce da terra e na terra termina”; “Todasas coisas que nascem e crescem são terrae água”.

 Tais afirmações, com efeito, não sereferem ao cosmo inteiro, que não nasce,não morre e não entra em devir, e sim àesfera da nossa terra. E Xenófanes aindaapresenta provas bastante inteligentes desuas afirmações, como a presença defósseis marinhos nas montanhas, sinal de

Xenófanes de Cólofon é conhecido principalmente pela sua crítica da concepção antropomórficados deuses. Com ele o logos filosófico mostra sua incisividade na crítica construtiva da concepçãomitológica do Divino. Na imagem reproduz-se a Asia Menor assim como é descrita em um códicegrego da Geografia de Ptolomeu, do séc. XIV, conservado na Biblioteca Ambrosiana de Milão.Na parte meridional da costa ocidental encontra-se a região da Jônia onde nasceu Xenófanes.

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32Segunda parte - y\ fundação do pensamento filosófico

V. CDs âeatas e a

descoberta do ser

• Parmênides de Eléia (sécs. VI-V a.C.), fundador da Escola eleática, no seupoema Sobre a natureza, que se tornou célebre, descreve três vias de pesquisa:

1) a da verdade absoluta;2) a das opiniões falazes;3) a da opinião plausível. A primeira via afirma que "o ser existe e não pode não exis-

tir", e que "o não-ser não existe", e disso tira toda uma série de

conseqüências. Primeiramente, fora do ser não existe nada e,portanto, também o pensamento é ser (não é possível, paraParmênides, pensar o nada); em segundo lugar, o ser é não-gera-do (porque de outro modo deveria derivar do não-ser, mas o não-ser não existe); em terceiro lugar, é incorruptível (porque de ou-tro modo deveria terminar no não-ser). Além disso, não tempassado nem futuro (de outro modo, uma vez passado, não exis-tiria mais, ou, na espera de ser no futuro, ainda não existiria), eportanto existe em um eterno presente, é imóvel, é homogêneo

(todo igual a si, porque não pode existir mais ou menos ser), é perfeito (e portanto pensávelcomo esferiforme), é limitado (enquanto no limite se via um elemento de perfeição) e uno.Portanto, aquilo que os sentidos atestam como em devir e múltiplo, e conseqüentemente tudoaquilo que eles testemunham, é falso.

 A segunda via é a do erro, a qual, confiando nos sentidos, admite que exista o devir, e

cai, por conseguinte, no erro de admitir a existência do não-ser. A terceira via procura certa mediação entre as duas primeiras, reconhecendo que

também os opostos, como a "luz" e a "noite", devam identificar-se no ser (a luz "é", a noite "é",e portanto ambas "são", ou seja, coincidem no ser). Os testemunhos dos sentidos devem,portanto, ser radicalmente repensados e redimen- sionados em nível de razão.

Parmênides:

o ser nãopode nãoser, o não-ser nãopode ser e odevir nãoexiste ^§1

• Zenão de Eléia (sécs. Vl-V a.C.), discípulo de Parmênides, defendeu a teoriado mestre, e em particular a tese da não existência do movimento e da mul-tiplicidade, mostrando a inconsistência e a contraditoriedade das

posições dos adversários (ou seja, daqueles que admitiam a plu-ralidade e o movimento das coisas).

Criou o método da "refutação dialética" da tese oposta à

tese que se quer sustentar, aquilo que depois se chamará de "de-monstração pelo absurdo".Muito famosos se tornaram alguns argumentos seus, em par-

ticular o chamado "de Aquiles" e o "da flecha".

Zenão: osabsurdos emque cai quem

admitemultiplicidade emovimento^

• Melisso de Samos (sécs. Vl-V a.C.) desenvolve e completa o pensamento deParmênides. Sustenta que o ser é infinito tanto espacialmente, enquanto não existe nada queo possa delimitar, como numericamente, Melisso: enquanto é uno e tudo, e tambémcronologicamente, enquan-o ser é uno,  to "sempre era e sempre será". Por estes motivos é definido infinito,

também "incorpóreo", acentuando o fato de que ele é priva-incorpóreo do das formas e dos limites que determinam os corpos (é priva- 53 do, istoé, das conotações que caracterizam os corpos enquan

to tais).

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4-»; PamAê"ides

e seu  poe.ma sobre o ser

Parmênides nasceu em Eléia (hojeVelia, entre Punta Licosa e Cabo Palinuro)na segunda metade do séc. VI a.C. emorreu em meados do séc. V a.C. Em Eléiafundou a Escola chamada justamenteEleática, destinada a ter grande influênciasobre o pensamento grego. O pitagóricoAmínias encaminhou-o para a filosofia. Diz-se que foi político ativo, dotando a cidadede boas leis. Do seu poema Sobre anatureza sobreviveram até nossos dias oprólogo inteiro, quase toda a primeira

parte e fragmentos da segunda.No âmbito da filosofia da  physis, Par-mênides se apresenta como inovador ra-dical e, em certo sentido, como pensadorrevolucionário. Efetivamente, com ele, acos- mologia recebe como que um

néfico abalo do ponto de vista conceitual,transformando-se em uma ontologia (teoriado ser).

Parmênides põe sua doutrina na bocade uma deusa que o acolhe benignamente.(Ele imagina ser levado à deusa por umcarro puxado por velozes cavalos e emcompanhia das fi lhas do Sol, que,alcançando primeiro o portão que leva àssendas da Noite e do D ia, convencem a

 Justiça, severa guardiã, a abri-lo e depois,ultrapassando a soleira fatal, é guiado atéa meta final.)

A deusa (que, sem dúvida, simbolizaa verdade que se revela) indica três vias:

1) a da verdade absoluta;2) a das opiniões falazes (a doxa fa-

laz), ou seja, a da falsidade e do erro;3) finalmente, uma via que se

poderia chamar da opinião plausível (adoxa plausível).

Percorreremos esses caminhos junto

A p nmeira via

Parmênides, que viveu em Eléia entrea segunda metade do séc. VI a.C. e aprimeira metade do séc. V a.C., é ofundador da Escola eleática e o pai da

ontologia ocidental.

O grande princípio de Parmênides,que é o próprio princípio da verdade (o“sólido coração da verdade robusta”), éeste: o ser é e não pode não ser; o não-ser 

não é e não pode ser de modo nenhum.“Ser” e “não-ser”, portanto, são

tomados no significado integral e unívoco:o ser é o  positivo puro e o não-ser é onegativo puro, um é o absolutocontraditório do outro.

De que modo Parmênides justificaesse seu grande princípio?

A argumentação é muito simples:tudo aquilo que alguém pensa e diz, é. Nãose pode pensar (e, portanto, dizer) a nãoser pensando (e, portanto, dizendo) aquiloque é. Pensar o nada significa não pensar

de fato, e dizer o nada significa não dizernada. Por isso, o nada é impensável eindizível. Assim, pensar e ser coincidem:“... pensar e ser é o mesmo ”.

Há muito que os intérpretes aponta-ram nesse princípio de Parmênides aprimeira grande formulação do princípioda não- contradição, isto é, daqueleprincípio que afirma a impossibilidade deque os contraditórios coexistam ao mesmotempo. E os dois contraditórios supremossão precisamente o “ser” e o “não-ser”; seexiste o ser, é necessário que não exista onão-ser. Parmênides descobriu esse

rincí io sobretudo em sua valência

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Segunda parte - A fundação do pensamento filosófico

cias lógicas, gnosiológicas e lingüísticas,constituindo o pilar principal de toda a ló-

gica do Ocidente. Tendo presente esse significadointegral e unívoco com o qual Parmênidesentende o ser e o não-ser e, portanto, oprincípio da não-contradição, pode-secompreender muito bem os “sinais” ou as“conotações” essenciais, ou seja, osatributos estruturais do ser que, no poema,são pouco a pouco deduzidos com umalógica férrea e com uma lucidezabsolutamente surpreendente, a ponto dePlatão ainda sentir seu fascínio, chegandoa denominar nosso filósofo de “venerandoe terrível”.

Em primeiro lugar, o ser é “não-gera-do” e “incorruptível”. E não-gerado vistoque, se fosse gerado, deveria ter derivadode um não-ser, o que seria absurdo, dadoque o não-ser não existe, ou então deveriater derivado do ser, o que é igualmente ab-surdo, porque então ele já existiria. E poressas mesmas razões também é impossível

O ser não tem, conseqüentemente,um “passado”, porque o passado é aquilo

que não existe mais, nem um “futuro”, queainda não existe, mas é “presente” eterno,sem início nem fim.

Por conseguinte, o ser é também imu-tável e imóvel, porque tanto a mobilidadequanto a mudança pressupõem um não-serpara o qual deveria se mover ou no qualdeveria se transformar. Assim, o ser deParmênides é “todo igual”; “o ser seamalga- ma com o ser”, sendo impensávelum “mais de ser” ou um “menos de ser”,que pressuporiam uma incidência do não-ser.

Aliás, várias vezes Parmênides

proclama seu ser como limitado e finito, nosentido de que é “completo” e “perfeito”.E a igualdade absoluta, a finitude e acompletude lhe sugerem a idéia de esfera,ou seja, a figura que já para os Pitagóricosindicava a perfeição.

 Tal concepção do ser postulavatambém o atributo da unidade, que

Em Eléia, na atual Basilicata, nasce Parmênides, ao redor do qual constituiu-se a Escolaeleática, uma das mais significativas expressões do pensamento antigo.Na imagem é reproduzida a Itália como descrita em um códice grego, do séc.XIV, da Geografia de Ptolomeu, conservado na Biblioteca Ambrosiana de Milão.

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Cãpítulo Segundo - Os "AJa+ufalistas" ou filósofos da "pkysis"

A única verdade, portanto, é o sernão- gerado, incorruptível, imutável,

imóvel, igual, esferiforme e uno. Todas asoutras coisas não passam de nomes vãos:

"...por isso todos só nomes serão,postos pelos mortais,

convictos de que eram verdadeiros:nascer e perecer, ser e não-ser, trocar delugar e tornar-se luminosa cor”.

Texto R*1]

m segunda vi a

O caminho da verdade é o caminho darazão (a senda do dia), ao passo que o ca-

minho do erro, substancialmente, é o cami-nho dos sentidos (a senda da noite). Comefeito, os sentidos pareceriam atestar onão- ser, à medida que parecem atestar aexistência do nascer e do morrer, domovimento e do devir. Por isso, a deusaexorta Parmênides a não se deixar enganarpelos sentidos e pelo hábito que elescriam, contrapondo aos sentidos a razão eseu grande princípio:

“Afasta o pensamentodesse caminho de

busca e que o hábito nascido

de muitas experiênciashumanas não te force, nesse caminho,a usar o olho que não vê,

o ouvido que retumba e a língua:mas, com o pensamento, julga a

prova que te foi fornecida com múltiplasrefutações. Um só caminho resta aodiscurso:

que o ser existe”.

É evidente que anda pelo caminho doerro não só quem expressamente diz que“o não-ser existe”, mas também quem crêpoder admitir juntos o ser e o não-ser e

quem crê que as coisas passem do ser aonão-ser e vice-versa. Com efeito, essaposição (que é obviamente a maisdifundida) inclui estruturalmente aanterior. Em suma: o caminho do erroresume todas as posições daqueles que, dequalquer modo, admitem expressamenteou fazem raciocínios que impliquem o não-ser, que, como vimos, não existe, porqueimpensável e indizível.

HEI y\ tefceim via

Mas a deusa fala também de um ter-

ceiro caminho, o das “aparênciaslausíveis”. Resumidamente Parmênides

nhecer a liceidade de certo tipo dediscurso que procurasse dar conta dos

fenômenos e da aparência das coisas, coma condição de que tal discurso não sevoltasse contra o grande princípio e nãoadmitisse, juntos, o ser e o não-ser. Assim,entende-se por que, na segunda parte dopoema (infelizmente, perdida em grandeparte), a deusa fizesse uma exposiçãocompleta do “ordenamento do mundoconforme ele aparece”.

Mas como é possível dar conta dos fe-nômenos de modo plausível semcontrapor- se ao grande princípio?

As cosmogonias tradicionais foramconstruídas com base na dinâmica dos

opostos, dos quais um fora concebidocomo positivo e como ser e o outro comonegativo e como não-ser. Ora, segundoParmênides, o erro está em não se tercompreendido que os opostos se devempensar como incluídos na unidade superior do ser: ambos os opostos são “ser”. Assim,Parmênides tenta uma dedução dosfenômenos, partindo da dupla de opostos“luz” e “noite”, mas proclamando que“com nenhuma das duas está o nada”, ouseja, que ambas são “ser”.

Os fragmentos que nos chegaram são

muito escassos para que possamos recons-truir as linhas dessa dedução do mundodos fenômenos. Entretanto, está claro quenela, assim como o não-ser estavaeliminado, também estava eliminada amorte, que é uma forma de não-ser.Efetivamente, sabemos que Parmênidesatribuía sensibilidade ao cadáver, maisprecisamente “sensibilidade para o frio,para o silêncio e para os elementoscontrários”. O que significa que o cadáver,na realidade, não é tal. A obscura “noite”(o frio) em que o cadáver se encontra nãoé o não-ser, isto é, o nada; por isso, o

cadáver permanece no ser e, de algumaforma, continua a sentir e, portanto, aviver.

É evidente, porém, que essa tentativadestinava-se a chocar-se contrainsuperáveis aporias (isto é, problemas).Uma vez reconhecidas como “ser”, luz  enoite (e os opostos em geral) deviamperder qualquer caráter diferenciador etornar-se idênticas, precisamente porqueambas são “ser” e o ser é “todo idêntico”.O ser de Parmênides não admitediferenciações quantitativas nem

qualitativas. Assim, enquanto assumidosno ser, os fenômenos não só se encontram

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Segundã pãrte - y\ fundação do pensamento filosófico

lado, salvava o ser, mas não osfenômenos. E isso ficará ainda mais claro

nas posteriores deduções dos discípulos.

2enãoe o nascimento da dialética

ES Zenão e a defesa dialética de Pafmênides

As teorias de Parmênides devem tercausado grande espanto e suscitado vivaspolêmicas. Mas como, partindo do princípio

 já exposto, as conseqüências se impõem

necessariamente e, portanto, suas teoriasse tornam irrefutáveis, os adversáriospreferem adotar outro caminho, isto é,mostrar no concreto, com exemplos bemevidentes, que o movimento e amultiplicidade são inegáveis.

Quem procurou responder a essastentativas foi Zenão, nascido em Eléiaentre o fim do séc. VI e o princípio do séc.V a.C. Zenão foi homem de naturezasingular, tanto na doutrina como na vida.Lutando pela liberdade contra um tirano,foi aprisionado. Submetido à tortura paraconfessar os nomes dos companheiros comos quais tramara o complô, cortou a línguacom os próprios dentes e a cuspiu na facedo tirano. Já uma variante da tradição dizque ele denunciou os mais fiéis partidáriosdo tirano e, desse modo, fez com quefossem eliminados pela própria mão dotirano que, assim, se auto- isolou e seautoderrotou. Essa narração refletemaravilhosamente o procedimento dialé-tico que Zenão seguiu na filosofia. De seulivro só nos chegaram alguns fragmentos etestemunhos.

Zenão, portanto, enfrentou de peito

aberto as refutações dos adversários e astentativas de ridicularizar Parmênides. Oprocedimento que adotou consistiu em fa-zer ver que as conseqüências derivadasdos argumentos apresentados para refutarParmênides eram ainda mais contraditóriase ridículas do que as teses que pretendiamrefutar. Ou seja, Zenão descobriu arefutação da refutação, isto é, ademonstração por absurdo. Mostrando oabsurdo em que caíam as teses opostas aoEleatismo, estava defendendo o próprioEleatismo. Desse modo, Zenão fundou ométodo da dialética, usando-o com talhabilidade que maravilhou os antigos.

Seus argumentos mais conhecidos sãoos que refutam o movimento e a multipli-

cidade. Comecemos pelos primeiros.

K£1 Os a^wmentos d e Zenão con +^a o

movimento

Pretende-se (contra Parmênides) que,movendo-se de um ponto de partida, umcorpo possa alcançar a meta estabelecida.No entanto, isso não é possível. Com efei-to, antes de alcançar a meta, tal corpodeveria percorrer a metade do caminhoque deve percorrer e, antes disso, ametade da metade e, antes, a metade dametade da metade, e assim por diante, aoinfinito (a metade da metade da metade...nunca chega ao zero).

Esse é o primeiro argumento, chama-do “da dicotomia”. Não menos famoso é o“de Aquiles”, o qual demonstra queAquiles, conhecido por ser “o pé veloz”,nunca poderá alcançar a tartaruga,conhecida por ser muito lenta. Com efeito,caso se admitisse o oposto, seapresentariam as mesmas dificuldadesvistas no argumento anterior.

Um terceiro argumento, chamado “da

flecha”, demonstrava que uma flecha lan-çada do arco, que a opinião comum crê es-tar em movimento, na realidade está para-da. Com efeito, em cada um dos instantesem que o tempo de vôo é divisível, a flechaocupa um espaço idêntico; mas aquilo queocupa um espaço idêntico está emrepouso; então, se a flecha está emrepouso em cada um dos instantes, deveestar também na totalidade (na soma) detodos os instantes.

Um quarto argumento tendia a de-monstrar que a velocidade, consideradacomo uma das propriedades essenciais do

movimento, não é algo objetivo, mas simrelativo, e que, portanto, o movimento doqual é propriedade essencial também érelativo e não objetivo.

BI Os at*0Mmentos de Zeuàocontva a multiplicidade

Não menos famosos foram seus argu-mentos contra a multiplicidade, que leva-ram ao primeiro plano a dupla de conceitosmúltiplos, que em Parmênides estava maisimplícita do que explícita. Na maior parte

dos casos, esses argumentos procuravamdemonstrar que, para haver multiplicidade,

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Capitulo SegUYldo - CDs ^Tvla+umlis+as” ou filósofos cia ^pkysis”

Busto conjecturalmenteatribuído a Zenão de Eléia(que viveu nos sécs. VI-Va.C.) e conservado em Roma,nos Museus Vaticanos.

multiplicidade é precisamentemultiplicidade de unidades). Mas oraciocínio (contra a experiência e os dadosfenomênicos) demonstra que tais unidadessão impensáveis, porque comportaminsuperáveis contradições, sendo portantoabsurdas e, por isso, não podem existir.

Outro argumento interessante negavaa multiplicidade baseando-se sobre o com-portamento contraditório que muitas coisas

 juntas têm em relação a cada uma delas

(ou parte de cada uma). Por exemplo: cain-do, muitos grãos fazem barulho, ao passoque um grão só (ou parte dele) não faz.Contudo, se o testemunho da experiênciafosse verdadeiro, tais contradições não po-deriam subsistir e um grão deveria fazerbarulho (na devida proporção), como o fa-zem muitos grãos.

Longe de serem sofismas vazios,esses argumentos constituem poderososempinos do logos, que procura contestar aprópria experiência, proclamando aonipotência de sua lei. E logo teremosoportunidade de verificar quais foram os

efeitos benéficos desses empinos do logos.

ém  AAelisso de Sam°s

e. a sis+ematÍ2ação

do é^leatismo

Melisso nasceu em Samos entre finsdo séc. VI e os primeiros anos do séc. Va.C. Foi marujo experiente e político hábil.Em 442 a.C., nomeado estratego por seusconcidadãos, derrotou a frota de Péricles.

Escreveu um livro Sobre a natureza ousobre o ser, do qual alguns fragmentoschegaram até nós.

Em prosa clara e procedendo com ri-gor dedutivo, Melisso sistematizou a dou-trina eleática, ao mesmo tempo em que acorrigiu em alguns pontos. Em primeiro lu-gar, afirmou que o ser deve ser “infinito”(e não finito, como dizia Parmênides),porque não tem limites temporais nemespaciais, e também porque, se fossefinito, deveria se limitar com um vazio e,portanto, com um não-ser, o que éimpossível. Enquanto infinito, o ser

também é necessariamente uno: “com

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Segunda parte - y\ fundação do pensamento filosófico

ser infinitos, pois um deveria ter seu limiteno outro”.

Ademais, Melisso qualificou esse uno-infinito como “incorpóreo”, não no sentidode que é imaterial, mas no sentido de queé privado de qualquer figura que determineos corpos, não podendo, portanto, sequerter a figura perfeita da esfera, como queriaParmênides. (O conceito de incorpóreo nosentido de imaterial nascerá só comPlatão.)

Outro ponto em que Melisso corrigiuParmênides consiste na total eliminação docampo da opinião, com um raciocínio denotável acuidade especulativa: o hipotéticomúltiplo poderia existir apenas se pudesse

ser como o Ser-Uno: “Se os muitos existis-sem — diz ele expressamente — cada umdeles deveria ser como é o Uno.”

Dessa forma, o Eleatismo acaba naafirmação de um Ser eterno, infinito, uno,igual, imutável, imóvel, incorpóreo (nosentido preciso) e com a explícita ecategórica negação do múltiplo —negando, portanto, o direito dosfenômenos ã pretensão de umreconhecimento veraz. E claro que apenasum ser privilegiado (Deus) poderia sercomo o Eleatismo exige, mas não todo ser.

O grande problema que os Eleatasdeixavam para os sucessores era oseguinte: era necessário reconhecer àrazão as suas razões, mas, ao mesmotem o deviam ser reconhecidas também

testemunha (sob certos aspectos) ocontrário. Tratava-se, em resumo, de

salvar o princípio de Parmênides, mas desalvar, junto com ele, também os

Esta moeda de bronze,encontrada em Samos,remonta ao séc. III d.C.e conserva-se no Museu Nacional de

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Capitulo S6gUfído - CDs “/sla+uralis+as" ou filósofos da “pkysis”

VI. CDs físicos Pluralistas e

os físicos Ecléticos

• Empédocles (*484/481 -1424-421), o primeiro dos "Pluralistas", herda dosEleáticos o conceito da impossibilidade do nascer  como um derivar do ser a partir do não-ser e do  perecer  como passagem do ser ao não-ser. Todavia, procura supe-rar a paradoxalidade desta tese, que vai contra aquilo que a experiência atesta,recorrendo a uma pluralidade de princípios, cada um dos quaismantém as características do ser eleático."Nascer" e "perecer", como desejava Parmênides, não con-sistem em "vir do" ou em "ir no" não-ser, e sim no "agregar-

se" e "compor-se" e no "desagregar-se" e "decompor-se" dosquatro elementos originários ("raízes de todas as coisas"), quesão ar, água, terra, fogo. Cada um desses elementos é incor-ruptível, homogêneo, eterno, inalterável, ou seja, tem as ca-racterísticas fundamentais do ser eleático. Com a recíproca agre-gação e desagregação, esses elementos dão lugar a um mundomúltiplo e em devir. Água, ar, terra e fogo são movidos e governados por duasforças cósmicas, o Amor e o Ódio: uma agrega, a outra desa-grega. Quando prevalece o Amor, temos perfeita unidade (o Esfero); quando pre-valece o Ódio em sentido extremo, temos ao invés o máximo de desagregação (oCaos). Nas fases de relativo predomínio do Ódio, gera-se o cosmo.

Empédocles procurou também explicar o conhecimento, sustentando que dascoisas se desprendem eflúvios que atingem os sentidos. Como nossos sentidos são

feitos dos mesmos elementos de que é composto o mundo, o fogo que está emnós reconhece o fogo que está nas coisas, a terra reconhece a terra, e assim por diante. Conseqüentemente, é válido o princípio geral que osemelhante conhece o semelhante.Empédocles sofreu também a influência órf ica e acredita-va que a alma humana fosse um demônio caído no corpo por uma culpa originária, destinado a reencarnar-se mais vezes, atésua purificação definitiva.

•  Anaxágoras de Clazômenas (por volta de 500-428 a.C.),como Empédocles, herda dos Eleáticos a convicção de que nas-cimento e morte não implicam passagem do não-ser ao ser e do ser ao não-ser,mas derivam do agregar-se e do desagregar-se de realidades originárias. Taisrealidades que se agregam e se desagregam são sementes (depois chamadas de

homeomerias) que constituem o "originário qualitat ivo" (assementes de todas as qualidades). A composição das homeomerias é produzida por uma In-teligência cósmica, "ilimitada, independente e não misturada",isto é, diversa das substâncias sobre as quais atua.Com o agregar-se das sementes, nascem todas as coisasque existem. E em cada uma das coisas que assim se produ-zem estão presentes, em diversas proporções, todas as ho-meomerias; as que prevalecem determinam as diferenças es-pecíficas. De tal modo, em todas as coisas estão presentestraços de todas as qualidades ("tudo está em tudo"), e destemodo se explica a razão pela qual as coisas podem se trans-formar uma na outra.

Anaxágoras:nascimento emortedependem daagregação oudesagregaçãodashomeomeriasque sãomovidas porumaInteligência

^

Osemelhanteconhece osemelhante.Asinfluências

Empédocles:nascer e

perecerdependem daagregação oudesagregaçãodos elementosimutáveis,movidospor Amor e

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^ Segunda parte - y\ fundação do pensamento filosófico

• Leucipo (nascido em Mileto, pela metáde do séc. V a.C.) e Demócrito (nasci-

do talvez por volta de 460 a.C.), fundadores da Escola atomista, constituem a últi-ma tentativa de resolver a aporia eleática. O ser que não nasce, não morre e nãoentra em devir, se não se adapta à realidade sensível, adere porém aos fundamen-tos da realidade sensível, isto é, aos átomos. Átomo (= "indivisível") é uma reali-dade captável apenas com o intelecto, não tem qualidade, masLeucipo apenas forma geométrica, e é naturalmente dotado de movimen-e Demócrito: to. As coisas sensíveis nascem, morrem e sofrem mutação, apenaso Atomismo em virtude da agregação ou desagregação dos átomos e, portan-to, toda a realidade pode ser explicada em sentido mecanicista apartir dos átomos e do vazio.

Os Atomistas explicaram o conhecimento recorrendo à teoria dos eflúvios,isto é, admitindo a existência de fluxos de átomos que, destacando-se das coisas,se imprimem sobre os sentidos. Nesse contato, os átomos semelhantes que estãofora de nós impressionam os átomos semelhantes que estão em nós, fundando -

de modo não diferente de Empédodes - o conhecimento.Demócrito, em particular, formulou algumas profundas má-ximas morais, centradas sobre o conceito de alma como referênciada nossa atividade ética.

• Os últimos Naturalistas criticam os Pluralistas e retornam àbusca de um princípio único.

Diógenes de Apolônia combina as teses de Anaxímenes comas de Anaxágoras, afirmando que o princípio seja ar-inteligência,de natureza infinita. Introduz na explicação do mundo o conceito

de fim: o escopo que as coisas têm depende da inteligência do princípio do qualderivam.

 Arquelau de Atenas assume uma posição muito próxima à de Diógenes de Apolônia. Foimestre de Sócrates.

Diógenes eArquelau: oretorno aomonismodosprimeirosfilósofos —>

 jjjJlj dmpédoclese as quatro “raízes

m ^As Vaízes de todas as coisas”

O primeiro pensador que procurou re-solver a aporia eleática foi Empédocles,nascido em Agrigento em torno de 484/481a.C. e falecido por volta de 424/421 a.C. Depersonalidade fortíssima, além de filósofofoi também místico, taumaturgo, médico eativo na vida pública. Compôs um poema5o- bre a natureza e um Carme lustrai, dosquais chegaram até nós fragmentos. Osrelatos sobre seu fim pertencem à lenda:segundo alguns, teria desaparecidodurante um sacrifício; conforme outros, aocontrário, ter- se-ia jogado no Etna.

Para Empédocles, da mesma formaque para Parmênides, o “nascer” e o“perecer”, entendidos como um vir do

nada e um ir ao nada, são impossíveis,porque o ser existe e

o não-ser não existe. Assim, não existem“nascimento” e “morte”: aquilo que os ho-mens chamaram com esses nomes, aocontrário, são o misturar-se e o dissolver-se de algumas substâncias quepermanecem eternamente iguais eindestrutíveis. Tais substâncias são a água,o ar, a terra e o fogo, que Empédocleschamou “raízes de todas as coisas”.

Os Jônios haviam escolhido ora umaora outra dessas realidades como “princí-pio”, fazendo as outras derivarem delaatravés de um processo de transformação.A novidade de Empédocles consiste no fatode proclamar a inalterabilidade qualitativa ea intransformabilidade de cada uma.

Nasce assim a noção de “elemento”,precisamente como algo de originário e de“qualitativamente imutável”, capaz apenasde unir-se e separar-se espacial e me-canicamente em relação a outra coisa. Co-mo é evidente, trata-se de uma noção quesó poderia nascer depois da experiência

eleática, justamente como tentativa de su

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Cãpítulo SCgUfldo - CDs 'T^aturalistas” ou filósofos da “pkysis"

peração das dificuldades por ela encon-tradas.

De tal modo toma forma a assim cha-mada concepção pluralista, que superao monismo dos Jônios e o monismo dosEleatas. Com efeito, também o “pluralismo”enquanto tal, no plano de consciência críti-ca (assim como o conceito de “elemento”),só podia nascer como resposta às drásticasnegações dos Eleatas.

K£1 y\ y\mizade e o Ódiocomo forças motrizes, sua

dinamica e seus efeitos

Há, portanto, quatro elementos que,unindo-se, dão origem à geração das coisase, separando-se, dão origem à sua corrup-ção. Mas quais são as forças que osunem e separam}

Empédocles introduziu as forças cós-micas do Amor ou da Amizade {pbilía) edo Ódio ou Discórdia (neikos),respectivamente, como causa da união eda separação dos elementos. Tais forças,segundo uma alternância, predominamuma sobre a outra e vice-versa porperíodos de tempo constantes, fixados pelodestino. Quando predomina o Amor ou aAmizade, os elementos se reúnem emunidade; quando predomina o Ódio ou aDiscórdia, ao contrário, eles se separam.

Contrariamente ao que poderíamospensar à primeira vista, o cosmo não nascequando prevalece o Amor ou Amizade, por-que a predominância total dessa força fazcom que os elementos se reúnam, forman-do unidade compacta, que Empédocles cha-ma de Um ou “Esfero” (que lembra de per-to a esfera de Parmênides).

Quando, ao invés, o Ódio ou Discórdiaprevalece absolutamente, os elementos

ficam completamente separados — e tam-bém neste caso as coisas e o mundo nãoexistem.

O cosmo e as coisas do cosmo nascemnos dois períodos de transição, que vão dopredomínio da Amizade ao da Discórdia e,depois, do predomínio da Discórdia ao daAmizade. E em cada um desses períodos te-mos progressivo nascer e progressivodestruir- se de um cosmo, o que,necessariamente, pressupõe a açãoconjunta de ambas as forças.

O momento da perfeição se tem nãona constituição do cosmo, mas na consti-tuição do Esfero. IMKlããl

Empédocles, nascido em Agrigentopor volta de 484/481 a.C.e falecido em torno de 424/421,foi o primeiro a procurar resolver a aporiaeleática.Afirma-se que esta imagem,tirada de “A Escola de Atenas"

 

El■ Os processos cognoscitivos

São muito interessantes as reflexõesde Empédocles sobre a constituição dosorganismos, de seus processos vitais, e,sobretudo, suas tentativas de explicar osprocessos cognoscitivos.

Das coisas e dos seus poros saemeflú- vios que atingem os órgãos dossentidos, de modo que as partessemelhantes de nossos órgãos reconhecemas partes semelhantes dos eflúviosprovenientes das coisas: o fogo conhece ofogo, a água conhece a água, e assim pordiante (na percepção visual, porém, oprocesso é inverso, pois os eflúvios partemdos olhos; entretanto, permanece oprincípio de que o semelhante conhece osemelhante).

Nessa visão arcaica do conhecimento,o pensamento tem seu veículo no sangue esua sede no coração. Conseqüentemente, o

pensamento não é prerrogativa exclusivado homem.

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Segunda parte - A fundação do pensamento filosófico

K£l Os destinos do Komem

No Carme lustrai, Empédoclestornou suas e desenvolveu as concepçõesórficas, apresentando-se como seu profetae mensageiro. Em sugestivos versos,expressou o conceito de que a alma dohomem é um demônio que foi banido doOlimpo por causa de sua culpa originária, e

 jogado à mercê do ciclo dos nascimentos,sob todas as formas de vida, para expiarsua culpa:“Também eu sou um desses,

errante e fugitivo dos deuses,porque confiei na furiosa contenda...Porque um dia fui menino e menina,

arbusto e pássaro e mudo peixe do mar...”No poema, dá as normas de vida

aptas para purificar-se e libertar-se do ciclodas re- encarnações, e para retornar entreos deuses, “das humanas dores libertados,indenes, inviolados”.

No pensamento de Empédocles, física,mística e teologia formam unidade compac-ta. Para ele, são divinas as quatro “raízes”,ou seja, a água, o ar, a terra e o fogo; divi-nas são as forças da Amizade e da Discór-dia; Deus é o Esfero; as almas sãodemônios, almas que, como todo o resto,

são constituídas pelos elementos e forçascósmicas. Ao contrário do que muitos julgaram, há unidade de inspiração entre osdois poemas de Empédocles, não havendode modo algum antítese entre dimensão“física” e dimensão “mística”. Quandomuito, a dificuldade é a oposta: nesteuniverso em que tudo é “divino”, até aprópria Discórdia, não se vê que coisa nãoo seja, nem como “alma” e “corpo” possamestar em contraste, já que derivam dasmesmas “raízes”. Só Platão tentará dar

y\naxágoms

de a azômehas:

a descoberta

das /,komeomenas//

e da Jnteligência ordenadora

Efifl dou+Hna das "sementes”ou “Komeomerias"

Anaxágoras deu prosseguimento àtentativa de resolver a grande dificuldadesuscitada pela filosofia eleática. Nascido

volta de 500 a.C. em Clazômenas efalecido em torno de 428 a.C., Anaxágoras

viveu durante três décadas em Atenas.Provavelmente, foi exatamente seu omérito de ter introduzido o pensamentofilosófico nessa cidade, destinada a tomar-se a capital da filosofia antiga. Eleescreveu um tratado Sobre a natureza,do qual nos chegaram fragmentossignificativos.

Anaxágoras também se declara per-feitamente de acordo sobre a impossibilida-de de que o não-ser exista e, portanto, deque “nascer” e “morrer” constituam even-tos reais. Escreve ele: “Mas os gregos nãoconsideram corretamente o nascer e o mor-

rer: com efeito, coisa alguma nasce emorre, mas sim, a partir das coisas queexistem, se produz um processo decomposição e divisão. Portanto, elesdeveriam chamar corretamente o nascer de compor-se e o morrer de dividir-se.”

Essas “coisas que existem”, as quais,compondo-se e decompondo-se, originam onascer e o morrer de todas as coisas, nãopodem ser apenas as quatro raízes deEmpédocles. Com efeito, a água, o ar, aterra e o fogo estão bem longe de terem

condições de explicar as inumeráveisqualidades que se manifestam nosfenômenos. As “sementes” (.spérmata)ou elementos dos quais derivam as coisasdeveriam ser tantas quantas são asinumeráveis quantidades das coisas,precisamente “sementes com formas,cores e gostos de todo tipo”, ou seja,infinitamente variadas. Assim, taissementes são o originário qualitativopensado eleaticamente, não apenas comoincriado (eterno), mas também comoimutável (nenhuma qualidade setransforma em outra, exatamente à medida

que é originária). Esses “muitos”originários são, em suma, cada um, comoMelisso pensava, o Uno.

 Todavia, tais sementes não sãoapenas infinitas em número tomadas emseu conjunto (infinitas qualidades), mastambém infinitas quando tomadas cadauma separadamente, ou seja, são infinitastambém em quantidade: não têm limites nagrandeza (são inexauríveis) nem napequenez, porque podem ser divididas aoinfinito sem que a divisão chegue a umlimite, ou seja, sem que se chegue ao nada

(dado que o nada não existe). Assim, pode-se dividir qualquer semente que se queira

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Cãpítulo SCgUndo - Os "AJaf u Iisftisou filósofos da “pkysis”

são-sempre-iguais é que as “sementes” fo-ram chamadas “homeomerias” (o termo

aparece em Aristóteles, mas não éimpossível que seja de Anaxágoras), quequer dizer “partes semelhantes”, “partesqualitativamente iguais” (obtidas quandose divide cada uma das “sementes”).

Inicialmente, essas homeomeriasconstituíam a massa em que tudo era“misturado junto”, de modo que “nenhumase dis- tinguia”. Posteriormente, umaInteligência (da qual logo falaremos)produziu um movimento que, da misturacaótica, produziu mistura ordenada, daqual brotaram todas as coisas.Conseqüentemente, cada uma e todas as

coisas são misturas bem-ordena- das, emque existem todas as sementes detodas as coisas, embora em medidareduzidíssima, diversamente proporcionais.É a prevalência desta ou daquela sementeque determina a diferença das coisas. Porisso, diz justamente Anaxágoras: “Tudoestá em tudo.” Ou ainda: “Em cada coisahá parte de toda coisa.” No grão de trigoprevalece determinada semente, mas neleestá tudo, em particular o cabelo, a carne,o osso etc. Diz ele: “Efetivamente, como se

oderia roduzir cabelo da uilo ue não é

carne daquilo que não é carne?” Portanto,é por esse motivo que o pão (o grão), comi-

do e assimilado, torna-se cabelo, carne, etudo o mais: porque no pão existem as “se-mentes de tudo”. Dessa forma o filósofo deClazômenas tentava salvar a imobilidadetanto “quantitativa” como “qualitativa”:nada vem do nada nem vai para o nada,mas tudo está no ser desde sempre e parasempre, também a qualidadeaparentemente mais insignificante.lEHSlããl

t£MA dou+^mada JUnteligência cósmica

Dissemos que o movimento que faznascer as coisas a partir da mistura caóticaoriginária realiza-se por uma Inteligênciadivina.

Eis como Anaxágoras a descreve, emum fragmento que chegou até nós e queconstitui um dos vértices do pensamentopré-socrático: “Todas as outras coisas têmparte de cada coisa, mas a inteligência éilimitada, independente e não misturadaa coisa alguma, mas encontra-se apenasem si mesma. Com efeito, se ela não

Uma visão de conjunto do templo grego da Concórdia, em Agrigento.

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Segunda parte - A fundação do pensamento filosófico

si, mas misturada com alguma outra coisa,participaria de todas as coisas, caso

estivesse misturada com alguma. De fato,em tudo se encontra parte de cada coisa,como já disse, e as coisas misturadasseriam um obstáculo para ela, de modo quenão teria poder sobre alguma coisa comotem encontrando-se apenas em si mesma.Com efeito, ela é a mais sutil e amais pura de todas as coisas e

 possui pleno conhecimento de tudo etem força imensa. E todas as coisas quetêm vida, as maiores e as menores, sãotodas dominadas pela inteligência”.

O fragmento — muito conhecido e jus-tamente celebrado — contém uma intuição

verdadeiramente grandiosa, ou seja, aintuição de um princípio que é realidadeinfinita, separada de todo o resto, a “maissutil” e “mais pura” das coisas, igual a simesma, inteligente e sábia.

Com isso alcançamos um refinamentonotável do pensamento dos Pré-socráticos:ainda não estamos na descoberta do ima-terial, mas certamente estamos noestá io ue imediatamente o recede.

DemócH+o e o atomismo

m doutrino dos átomos

A última tentativa de responder aosproblemas propostos pelo Eleatismo,permanecendo no âmbito da filosofia da

 physis, foi realizada por Leucipo eDemócrito, com a descoberta do conceitode átomo.

Nativo de Mileto, Leucipo foi paraEléia, na Itália (onde conheceu a doutrina

eleática), por volta de meados do século Va. C. De Eléia foi para Abdera, ondefundou a Escola que seria elevada ao seumais alto nível por Demócrito, nascidonesta mesma cidade.

Demócrito era pouco mais jovem queseu mestre. Nasceu em Abdera talvez porvolta de 460 a.C. e morreu muito idoso, al-guns lustros depois de Sócrates.

Foram-lhe atribuídos numerosos escri-tos, mas, provavelmente, o conjunto dessasobras constituía o corpus da escola, para oqual confluíram as obras do mestre e de al-

guns discípulos. Realizou longas viagens eadquiriu vasta cultura, em diversos

talvez a maior que até aquele momento al-gum filósofo houvesse alcançado.

 Também os atomistas reafirmam a im-possibilidade do não-ser, sustentando que onascer nada mais é do que “um agregar-sede coisas que existem” e o morrer “um de-sagregar-se”, ou melhor, um separar-sedasmesmas. Mas a concepção dessas realida-des originárias é muito nova. Trata-se deum“número infinito de corpos, invisíveis pelapequenez e volume”.

 Tais corpos são indivisíveis, e, porisso,são á-tomos (em grego, “átomo” significa

“o não-divisível”) e, naturalmente, incria-dos, indestrutíveis e imutáveis. Em certosen-tido, tais “átomos” estão mais próximos doser eleático do que das quatro “raízes” ouelementos de Empédocles, e das“sementes”ou homeomerias de Anaxágoras, porquesãoqualitativamente indiferenciados; todoselessão um ser-pleno do mesmo modo, e sãodiferentes entre si apenas na forma ou figu-

ra geométrica e, como tais, mantêm aindaa

Características específicas dos átomos

Para o homem moderno, a palavra“átomo” evoca inevitavelmentesignificados que o termo adquiriu na físicapós-Galileu. Para os abderitas, porém, oátomo levava o selo do modo de pensarespecificamente grego. Indica uma formaoriginária, e é, portanto, átomo-forma, ouseja, forma indivisível. O átomo se

diferencia dos outros átomos pela figura,e também pela ordem e pela posição. Eas formas, assim como a posição e aordem, podem variar ao infinito. Natural-mente, o átomo não é perceptível pelossentidos, mas somente pela inteligência. Oátomo, portanto, é a forma visível aointelecto.

É claro que, para ser pensado como“pleno” (de ser), o átomo pressupõe neces-sariamente o “vazio” (de ser, portanto, onão-ser). Assim, o vazio é tão necessáriocomo o pleno: sem vazio, os átomos-formasnão poderiam diferenciar-se nem mover-se.

Átomos, vazio e movimento constituem aex lica ão de tudo.

 Texto

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Capitulo Segundo - Os wAJatumlistas w ou filósofos da “pkysis”

Busto em bronze de artehelenística que representapresumivelmente Demócrito(Abdera, cerca de 460-370 a.C.),o filósofo que desenvolveu demodo sistemático e levou aopleno sucesso a doutrinaatomista.

No entanto, é claro que os atomistasprocuraram superar a grande aporia eleá-tica, buscando salvar ao mesmo tempo a“verdade” e a “opinião”, ou seja, os “fe-

nômenos”. A verdade é dada pelos átomos,que se diversificam entre si somente pelasdiferentes determinações geométrico-me-cânicas (figura, ordem e posição), bemcomo do vazio; os vários fenômenos ulte-riores e suas diferenças derivam do diferen-te encontro dos átomos e do encontro pos-terior das coisas por eles produzidas comos nossos sentidos. Como escrevia Demó-crito: “É opinião o frio e opinião o calor;verdade os átomos e o vazio.” Certamen-te, essa foi a mais engenhosa tentativa de

 justificar a opinião (a doxa, como a chama-

vam os gregos) que ocorreu no âmbito dosPré-socráticos.

#/'.- " É uma das mais significati■ vascriações do pensamento grego.

Significa "indivisível", e para Leucipo eDemócrito - e a seguir também paraEpicuro - indica o princípio de toda arealidade.O átomo não é visível a não ser peloolho do intelecto. Não tem qualidade,mas apenas formas geométricas,ordem e posição. É imutável, incor-ruptível, naturalmente dotado demovimento. Os átomos são infinitosem número. Todas as realidades nas-cem por agregação de átomos e mor-rem pela sua desagregação.

O movimento dos átomos,, a gênese dos

mundos e o mecanicismo

E necessário, porém, outro esclareci-mento acerca do movimento. Os estudosmodernos mostraram que é preciso distin-guir três formas de movimento noatomismo originário.

a) O movimento primigênio dos áto-mos devia ser um movimento caótico, com

os volteios em todas as direções dados pela

poeira atmosférica que se vê nos raios desol que se filtram através da janela.

b) Desse movimento deriva um movi-mento em vórtice, que leva os átomos se-melhantes a se agregarem entre si e osdiversos átomos a se disporem de modosdiversos, gerando o mundo.

c)Por fim, há um movimento dos áto-mos que se libertam de todas as coisas(que são compostos atômicos), formando

os eflú- vios (um exemplo típico é o dos

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Segunda patte - ?\ fundação do pensamento filosófico

É evidente que, a partir do fato de queos átomos são infinitos, também são infini-

tos os mundos que deles derivam, diferen-tes uns dos outros (mas, por vezes,também idênticos, pois, na infinitapossibilidade de combinações, é possívelverificar-se uma combinação idêntica).

 Todos os mundos nascem, se desenvolveme depois se corrompem, para dar origem aoutros mundos, de forma cíclica e sem fim.

Os atomistas passaram para a históriacomo aqueles que puseram o mundo “aosabor do acaso”. Mas isso não quer dizerque eles não atribuem causas ao nascer domundo (causas que, de fato, são as já expli-cadas), e sim que não estabelecem uma

causa inteligente, uma causa final. Aordem (o cosmo) é efeito de encontromecânico entre os átomos, não projetado enão produzido por uma inteligência. Aprópria inteligência segue-se ao e nãoprecede o composto atômico. Isso, porém,não impediu que os atomistas indicassem aexistência de átomos em certo sentidoprivilegiados: lisos, esferi- formes e denatureza ígnea, os constitutivos da alma eda inteligência. E, segundo testemunhosprecisos, Demócrito teria até mesmoconsiderado tais átomos como divinos.

3I 0

°9ícas e. morais

O conhecimento deriva dos eflúviosdos átomos que se desprendem de todas ascoisas (como já dissemos), entrando emcontato com os sentidos. Nesse contato, osátomos semelhantes fora de nósimpressionam os semelhantes que estãoem nós, de modo que o semelhanteconhece o semelhante, analogamente aoque já havia dito Empédocles. MasDemócrito insistiu também na diferença

entre conhecimento sensorial econhecimento inteligível: o primeiro nos dáapenas a opinião, ao passo que o segundonos dá a verdade, no sentido que já apon-tamos.

Demócrito também ficou famoso porsuas esplêndidas sentenças morais que, noentanto, parecem provir mais da tradiçãoda sabedoria grega do que de seus princí-pios ontológicos. A idéia central dessa éticaé a de que “a alma é a morada da nossasorte” e que é precisamente na alma e nãonas coisas exteriores ou nos bens do corpoque está a raiz da felicidade ou da infeli-

cidade. Por fim, há certa máxima sua quemostra como á amadurecera nele uma vi

são cosmopolita: “Todo país da terra estáaberto ao homem sábio, porque a pátria do

homem virtuoso é o universo inteiro.”

involução em sentido

eclético dos últimos físicos e

a volta ao monismo

m Diógenes de .^polônia

As últimas manifestações da filosofia

da  physis assinalam, pelo menos emparte, uma involução em sentido eclético.Ou seja, tende-se a combinar as idéias dosfilósofos anteriores. Alguns o fizeram demodo evidentemente inábil. Bem séria foi atentativa de Diógenes de Apolônia, queexerceu sua atividade em Atenas entre 440e 423 a.C. Diógenes sustentou anecessidade de retornar ao monismo doprincípio, porque, em sua opinião, se osprincípios fossem muitos e de naturezadiferente entre si, não se poderiammisturar nem agir um sobre o outro. Assim,

é necessário que todas as coisas nasçampor transformação a partir do mesmoprincípio. Esse princípio é “ar infinito”, masé “dotado de muita inteligência”.

Aqui estão combinados Anaxímenes eAnaxágoras.

Nossa alma é, naturalmente, o ar-pen-samento que respiramos, e que se exalacom o último suspiro, quando morremos.

 Tendo identificado a inteligência como princípio-ar, Diógenes fez uso sistemáticodela, exaltando a visão finalística do uni-verso que, em Anaxágoras, era limitada.Ademais, a concepção teleológica de Dió-

genes teve notável influência no meio ate-niense, constituindo um dos pontos de par-tida do pensamento socrático.

ESM jA^quelau de ;A+enas

Atribui-se concepção análoga a Arque-lau de Atenas. Com efeito, parece que eletambém falava, entre outras coisas, de “arinfinito” e de “Inteligência”. Numerosasfontes o identificam como “mestre de Só-crates”.

Aristófanes caricaturou Sócrates nas

Nuvens. E as nuvens são precisamente ar.

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Sócrates desce das nuvens e invoca asnuvens, isto é, o ar. Os contemporâneos de

Sócrates, portanto, relacionavam-no comesses pensadores e com os Sofistas. E,

se pode prescindir desses pensadores paracompreender Sócrates em todos os seus as-

pectos e também aquilo que as fontes delenos referem, como adiante veremos.

Demócrito de Abdera, aquirepresentado cm antigo desenho,foi marcante na história dopensamento filosófico não só pelateoria atomista, mas também poruma série de reflexões morais quederivam, mais do que dela, datradição sapiêncial grega,especialmente dos poetas.

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48...... Segundd pãtte - ;A fundação do pensamento filosófico

OS NATURALISTAS

. Qual é oprincípio

Como delederivam .is coisas

------ --------- TALES► É a água

 À ANAXIMANDROr i

É o ápeiron

MONISTAS (há um

princípio que se

encontra ou se deduz

da natureza)

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, 49Capitulo segundo - Os "naturalistas* ou filósofos da wphisis*

T ALES

D O iníciodo pensar filosófico

Conforme os informações mais antigos quetemos. Tales nõo escreveu nada (ao menos defilosofia) e, portanto, seu ensinamento foi transmitidona dimensão da oral idade.

Rs informações mais significativas foram

conservadas por Rristóteles que, na Metafísica, nosrefere o quanto segue.

R maior parte dos que por primeiro filosofarampensaram que os princípios de todas as coisas fossemapenas os materiais. Com efeito, afirmam que aquilo d©que todos os seres são constituídos e oquilo de quederivam origi- nariamente e em que terminam por último,é elemento e é princípio dos seres, enquanto é umarealidade que permanece idêntica mesmo com atransmutação de suas afecções. €, por esta razão,crêem que nada se gere e que nado se destrua, pois tal

realidade sempre se conserva. € como não dizemos queSócrates gera- se em sentido absoluto quando se tornabelo ou músico, nem dizemos que perece quando perdetais modos de ser, pelo fato de que o substrato — ouseja, o próprio Sócrates — continuo o existir, tambémdevemos dizer que não se corrompe, em sentidoabsoluto, nenhuma das outras coisas: deve haver, pois,alguma realidade natural (uma só ou mais de uma) daqual derivam todas as outras coisas, enquanto elacontinua a existir imutável.

Todavia, estes filósofos não estão todos deacordo sobre o número e a espécie de tal princípio.Tales, iniciador deste tipo de filosofia, diz que talprincípio é a água (por isso afirma também que a terra

navega sobre a água), deduzindo sua convicçãoindubitavelmente da constatação de que o alimento detodas as coisas é úmido, e que até o calor gera-se doúmido e vive no úmido. Ora, aquilo de que todas ascoisas são geradas é, justamente, o princípio de tudo.Cie deduz, portanto, sua convicção deste fato e do fatode que as sementes de todos as coisas têm naturezaúmida e a água é o princípio da natureza dos coisasúmidas.

Há ainda alguns que crêem que também osantiquíssimos que por primeiro trataram dos deuses,muito antes da presente geração, tenham tido essa

mesma concepção da realidade natural. Com efeito,puseram Oceanoe Tétis como autores da geração dascoisas, e disseram que aquilo pelo que os deuses juramé a água, a qual é por eles chamado Cstige. Com efeito,o que é mais antigo é também mais digno de respeito,” eoquilo sobre o qual se jura é, justamente, o que é maisdigno de respeito. Todavia, que tal concepção darealidade natural tenha sido assim originária e assimantiga, não aparece de fato de modo cloro; ao contrário,afirma-se que Tales foi o primeiro a professar essadoutrina a respeito da causa primeira.

 Aristóteles, Metafísica, livro I, 3 (=Tales, tex. 12 Diels-Kranz).

Tudo é vivoe tudo está cheio de deuses

 Alguns afirmam que a alma está misturada comtudo. € talvez justamente por esta razão Talesconsidera que todas as coisas estão cheias dedeuses.

 Aristóteles, fí alma, livro I, 5 (=Toles, tex. 22 Díels-Kranz).

Do que foi lembrado parece que também paraTales a alma fosse algo de movente, pois dizia que atéo magneto tem uma olmo, uma vez que ele move oferro.

 Aristóteles, fí alma, livro I, 2.

2

Tales tornou-se muito famoso por suaconcepção "panpsiquista", ou seja, pela teoria

segundo a qual todas as coisas são animados, mesmoas que aporentemente não pareceriam ser, como osminerais.

fílém disso, considerava que tudo estivesse"cheio de deuses'': coisa que concordavaperfeitamente com suo concepção do princípio-águaentendido como o divino por excelência, dado que oprincípio é fonte e foz de todas as coisas e, alémdisso, sustenta todas elos e, portanto, está presente,em toda coisa que existe.

Cis dois testemunhos de Rristóteles sobre estetema e um de Récio.

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Segunda parte - A fundação do pensamento filosófico

Talas julgou que deus fosse a inteligência docosmo 0 que tudo fosse dotodo de alma e cheio de

deuses, e que umo potência divina escorresse atravésdo elemento úmido e que fosse motriz dele.

flécio 17, 11 (= Tales, tex. 23 Diels-Kranz).

 ANAXIMANDRO

O "in-finito"como princípio

fínoximondro, provavelmente discípulo deTales, aprofundou o pensamento do mestre,considerando que a água Fosse já algo de derivado,ou seja, não princípio, mas principiado. O princípiodeve ser in-determina- do, i-limitado, in-fínito. Deletudo deriva, a ele tudo retorno e nele tudo con-síste. €ste princípio, portanto, coincide com o próprio divino.

 €is, a propósito, uma passagem da Física defíristóteles.

3

El Como as coisas derivam

do princípio

De fínaximandro possuímos os primeirosbrevíssimos Fragmentos diretos, ou seja, as primeiraspalavras escritas em prosa, de puro Filosofia, que noschegaram e, portanto, documentos de inestimávelvalor.

Dos dois Fragmentos que têm sentidocompleto, o mais signiFicativo diz o que segue: ascoisas são geradas sempre por obra de contrários quetendem a subjugar um ao outro e, portanto, dessaForma, cometem uma espécie de injustiça; por conseguinte, a dissolução e a morte são como a pena

que resgata tal subjugação originário.6 evidente a inFluência do pensamento

órFico ampliFicado em dimensão cósmica.

O princípio dos seres é o infinito [...] Naquilo deque os seres extraem sua origem, aí se realizatambém sua dissolução, conforme a necessidade:com efeito, reciprocamente descontam a pena epagam a culpa cometida, segundo a ordem do tempo.

 Anaximandro, fr. 1 Diels-Kranz.

Com razõo todos consideram o infinito comoprincípio, pois não é possível nem que ele exista em vão,nem que a ele convenha outra potência que a deprincípio. Tudo, com efeito, ou é um princípio ou derivade um princípio: mas do infinito não há princípio, porquenesse caso haveria um limite. € também é não- gerado eincorruptível, do mesmo modo que um princípio, pois o

que é gerado tem necessariamente também um fim, etoda corrupção tem seu termo. Por isso dizíamos que doinfinito não há princípio, mas que ele parece ser o princí-pio de toda outra coisa e compreender em si todas ascoisas e ser guia para todas as coisas, como dizemtodos os que não admitem outras causas, como a menteou o amor, além do infinito. € tal princípio parece ser odivino,- e é, com efeito, imortQi e imperecível, como dizemfínaximandro e a maioria dos filósofos da natureza.

 Aristóteles, física, livro III, 4 (=flnaximondro, tex. 15 Diels-Kranz).

A terra, <e

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Capítulo Segundo - (Ds "naturalistas^ ou filósofos da "pkisis*51

 ANAXÍMENES

O princípio é o ar 

fínoxímenes moveu-se na mesmo esteiro domestre Flnaximandro (e, portanto, de Tales),modificando ulteriormente a concepção do princípio,que ele considerou ser o ar. Vivemos respirando; o ar que respiramos nos dá vido e nos sustém (morremos,com efeito, não respirando mais), físsim devemosconceber o cosmo inteiro.

 €is o seu fragmento direto que chegou até nós.

Como Q nosso olmo, sendo ar, nos mantém

vivos, da mesma forma o sopro o o ar sustentam o

cosmo inteiro.

 Anaxímenes, ir. 2 Diels-Kranz.

Como do ar derivamas coisas

Também nas pesquisas científicas, fínaxímenesseguiu as linhas traçadas pela 6scoia de Mileto,conforme nos referem os dois testemunhos deTeofrosto e de Hi- pólito.

 Anaxímenes de Mileto, filho de £urístrato, foiamigo de flnaximandro e como este também ele punhacomo substrato uma única substância primordial e

ilimitada, mas não indeterminada como a deflnaximandro, e sim determinada: dizia, com efeito, queera o ar. Çste se diferencia nas várias substâncias con-forme o grau de rarefação e de condensação: e assim,dilatando-se, dá origem ao fogo, enquantocondensando-se dá origem ao vento e depois à nuvem:em maior grau de densidade forma a água, depois aterra e daí as pedras; as outros coisas derivam depoisdestas. Também Anaxímenes admite a eternidade domovimento, por obro do qual ocorre o transformação.

Teofrosto, Opinião dos Físicos, fr. 2(= Rnaxímenes, tex. 5 Diels-Kranz).

1. Anaxímenes, filho de €urístrato, era tambémde Mileto. Punho como princípio o ar infinito, do qual

foram gerados os coisas que existem, que existiram eque existirão, e os deuses e os seres divinos, e todas asoutros coisas derivam por suo vez destas. 2. O caráter específico do ar é este: quando ele é distribuído demodo absolutamente uniforme é invisível, mas semanifesto por meio do frio, do quente, do úmido e domovimento. €le está sempre em movimento e, comefeito, se não houvesse movimento, não se produziriamtodas as transformações que ocorrem. 3. Por via decondensação e de rarefação assume diversas formas:quando se dilata até alcançar forte grau de rarefaçãotorna-se, com efeito, fogo, e se, ao invés, se condensa,torno-se vento; adensando- se, torno-se nuvem; emuma densidade ainda maior se transformo em água e

mais além em terra; chegando ao grau máximo decondensação torna-se pedra. Assim presidem ã geraçãoos contrários, o quente e o frio. 4. A terra é de formachata e é levada pelo ar, do mesmo modo que o sol, alua e os outros astros que são todos de natureza ígneae que se sustentam sobre o ar por causa de sua formachata.5. Os astros nasceram da terra, cuja umidade,levantando-se da superfície terrestre e dilatando-se,produziu o fogo que, elevando-se ao alto, formou osastros. Mas na região dos astros há também corpos denatureza terroso que giram junto com eles. 6. Anaxímenes diz que os astros não se movem sob aterra como outros supõem, mas em torno da terra, do

mesmo modo que o boné se vira ao redor de nossacabeça. O sol desaparece de nossa vista não porquepasse sob a terra, mas porque é coberto pelas regiõesmais elevadas dela e também por causa da maior distância de nós. Os astros não esquentam por causade sua distância. 7. Os ventos se formam quondo o ar,condensando-se, é impulsionado a mover-se; compri-mido e ainda mais condensado, o ar dá origem àsnuvens e a seguir se transforma em água. O granizo seforma quando a água que desce das nuvens gela; aneve, ao invés, quando essa água gelada contém maisumidade. 8. O relâmpago se produz quando as nuvensse laceram por causa de ventos; essa laceração dasnuvens provoca um clarão luminoso e ofogueado. Oarco-íris é produzido pelos raios do sol que encontramar condensado. O terremoto ocorre se o terra sofrevariações fortes demais depois de aquecimento eresfriamento. 9. £stas são as opiniões de Anaxímenesque nasceu no primeiro ano da 58° olimpíada [548/44].

Hi pó li to, Refutações, 17 (=Rnaxímenes, tex. 7 Diels-Kranz).

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Segunda parte - .A fundação do pensamento filosófico

HERÁCLITO

'Tudo escorre"(ponta rhei)

O dinomismo da realidade, implícito nopensamento dos três milenses, é explicitado por Heráclito de modo acentuado.

 €is seus três Fragmentos mais célebres arespeito.

 A quem desce no mesmo rio sobrevêm águas

sempre novas.Heráclito, fr. 12 Diels-Kranz.

Não se pode descer duas vezes no mesmo rio enão se pode tocar duas vezes uma substância mortal nomesmo estado, mas, por causa da impetuosidade e davelocidade da mudança se espalha e se reúne, vem evai.

Heráclito, fr. 91 Diels-Kranz.

Descemos e não descemos no mesmo rio, nósmesmos somos e não somos.

Heráclito, fr. 49a Diels-Kranz.

O desenvolvimento dodoutrino heroditiono

Tal doutrina foi indevidamente levada por algunsseguidores òs suas extremas conseqüências, comocomprova este testemunho de Rristóteles.

fllém disso, esses [aqueles que negam apossibilidade de alcançar a verdade], vendo que toda arealidade sensível está em movimento e que daquiloque muda não se pode dizer nada de verdadeiro,concluíram que não é possível dizer a verdade sobreaquilo que muda em todo sentido e de toda maneira.Dessa convicção derivou a mais radical das doutrinasmencionadas: a que professam aqueles que se dizemseguidores de Heráclito e que também Crátílocondividia. €ste acabou por se convencer de que não sedevia nem mesmo falar,

e se limitava a simplesmente mover o dedo, reprovandoaté Heráclito por ter dito que não é possível banhar-seduas vezes no mesmo rio: Crátilo, com efeito, pensava

que não fosse possível nem mesmo uma vez. Aristóteles, Metafísico, livro IV, B.

fi harmonia dos opostossegundo a qual o devir sedesenvolve

Para Heráclito, o "tudo escorre"não era o pontode chegada, mas o ponto de partida do qual se moviapara alcançar uma ousado e importantíssimainferência.

é foto que o devir e, portanto, o ser, implicacontínuo passar de um contrário ao outro e, portanto,ele pareceria a atuação de contínua luta dos contrários,como dizia Rna- ximandro; todavia, destes contrários,diz Heráclito, nasce uma harmonia e, portanto,maravilhosa síntese unitária.

Gs os mais célebres fragmentos, ad-miradíssimos em todos os tempos.

O conflito ( pólemos) é pai de todas as coisas erei de todas as coisas; a uns põe como deuses, aoutros como homens, torna uns escravos e outroslivres.

Heráclito, fr. 126 Diels-Kranz.

O que é oposição se concilia e das coisasdiferentes nasce a mais bela harmonia, e tudo égerado por via de contraste.

Heráclito, fr. 8 Diels-Kranz.

Ges [os que são ignorantes] não compreendemque aquilo que é diferente concorda consigo mesmo:harmonia de contrários, como a harmonia do arco e dalira.

Heráclito, fr. 51 Diels-Kranz.

fi doença torna doce a saúde, a fome torna docea sociedade e a fadiga torna doce o repouso.

Heráclito, fr. 111 Diels-Kranz.

Não conheceriam sequer o nome da justiça se

não existisse a ofensa.Heráclito, fr. 23 Diels-Kranz.

O caminho para cima e o caminho para baixosão o único e mesmo caminho.

Heráclito, fr. 60 Diels-Kranz.

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Cãpítulo Segundo - Os "naturalistas" ou filósofos da "pkisis”

Comum no círculo é o princípio e o fim.Heráclito, Fr. 103 Diels-Kranz.

fi m0sma coisa é o vivo 0 o morto, o desperto 0o adorm0cido, o jov0m 0 o valho, por- qua tais coisas,pela mutação, são aquelas 0 aqu0las por suo vez, palamutação, são estos.

Heráclito, fr 88 Diels-Kranz.

 €is as conjunções: inteiro não-inteiro, concordediscorde, harmônico des-harmônico: 0 a partir de todas

as coisas o uno 0 a partir do uno todas as coisas.Heráclito, fr. 10 Diels-Kranz.

Não ouvindo a mim, mas ouvindo o logos, é sábio

admitir que tudo 0 uno.Heráclito, fr. 50 Diels-Kranz.

Dous é dia-noite, é inverno-verão, é guer- ra-paz,0 saci0dade-fom0, 0 muda como o fogo quando semistura aos p0rfum0s 0 toma nome do aroma de cadaum deles. ■

Heráclito, fr. 67 Diels-Kranz

1 , O fogo-inteligência,princípio supremo detodas as coisas

"Nado" mais que o Jogo", na dimen- j ' soo Físicaem que se colocava a FilosoFia de í : Heráclito, podiaexprimir a perene mudança, \ o contraste-e-harmonia, anecessidade-e- í : sociedade, de que Falam osFragmentos que \ \ lemos.

i € o Fogo é o Deus-inteligência que sus- i ; tenta e

governa as coisas.

Todas as coisas são troca do fogo, e o fogo umatroca de todas as coisas, assim como as m0rcadoriassão troca do ouro 0 o ouro uma troca das mercadorias.

Heráclito, fr. 90 Diels-Kranz.

 €sta ordem, qu© 0 idêntica para todas as coisas,não foi feita por nenhum dos deuses nem dos homens,mas existia sempre 0 é e S0rá fogo 0ternam0nt0 vivo,que segundo a medida s© acende 0 segundo a medidase apaga.

Heráclito, fr. 30 Diels-Kranz.

O raio governa todas as coisas.Heráclito, fr. 64 Diels-Kranz.

Mutações do fogo: 0m primeiro lugar mar, ametade dele terra, a metade vanto ardente.

Heráclito, fr. 31 Diels-Kranz.

Sobrevindo, o fogo julgará e condenará todas ascoisas.

Heráclito, fr. 66 Diels-Kranz.

O uno, único sábio, não quer e quer também ser 

chamado de Zeus.

Heráclito, fr. 32 Diels-Kranz.

 A natureza humana não tem conhecimentos{gnomas), a natureza divina sim.

Heráclito, fr. 78 Diels-Kranz.

Cxiste uma só sabedoria: reconhecer a in-

teligência (gnomen) que governa todas as coisasatravés de todas as coisas.

Heráclito, fr. 45 Diels-Kranz.

Recepção e desenvolvimentosde pensamentos órficos emHeráclito

J Heráclito retoma pensamentos órFicos | 0 osdesenvolve por suo conta. Do alma ele \ diz que nãotem confíns, ou seja, que ultra-  j passa a dimensão doFísico. Do homem diz \ que é mortal-imortol ou imortal-mortal, con- | Forme o consideremos em seu corpo(mor-i tal) ou em suo alma (imortal). € alude comi clareza ao além.

Os confins da alma não poderás jamoisencontrar, por mais que percorras seus caminhos, tão

profundo é seu logos. Heráclito, fr. 45 Diels-Kranz.

Imortais-mortais, mortais-imortais, vivendo omorte daquelas, morrendo a vida da- quoles.

Heráclito, fr. 62 Diels-Kranz.

Depois da morta aguardam os homens coisas que elesnão esperam nem imaginam.Heráclito, fr. 27 Diels-Kranz.

Difícil é a luta contra o desejo, pois aquilo que ele quer ele o compra à custa da alma.

Heráclito, fr. 85 Diels-Kranz.

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Segunda parte - A fundação do pensamento filosófico

OsPITAGÓRICOS

Os números e os elementosdos números são os princípiosde todos as coisas

fís doutrinas dos Pitagóricos devem ser consideradas em seu conjunto. Com efeito,fíristóteles já notava isso muito bem, falando dos"assim chamados Pitagóricos”, ou seja, depensadores nõo identificáveis como pessoassingulares, mas apenas como grupo. M. TimpanaroCardini explicou este ponto com muita clareza.

fíristóteles põe em relevo particular o "assimchamado": "[...] porque se encontra diante de um fatosingular: os outros anteriormente citados filósofosrepresentavam cada um o si mesmo; tinhamcertamente alunos e seguidores, mas sem ligaçõesparticulares de tscola. Os Pitagóricos, porém, cons-tituem fenômeno novo: estudam e trabalham, j parausar um termo moderno, em equipe: o nome deles éum programa, uma sigla: por fim, é um termo técnicoque indica determinada orientaçõo mental, certa

visão da realidade sobre a qual concordam homens emulheres de pátrios e de condições diver- SGS.

fíristóteles percebe tal característica, sente que,introduzindo no discurso os Pita- góricos, deve emcerto sentido prevenir alguma estranheza de quemouve ou lê: como oté o múmento se apresentaramfiguras bem ihdividuadas de filósofos, cada um comsuas visões pessoais: e agora aparece este gru- j po,com nome de grupo, mas anônimo em rélação aosindivíduos que o compõem? Justamente assim sechamam, assegura fíristóteles,, tal é a denominaçãooficioI que eles têm como €scolo, e que, no decorrer do tempo, representa a unidade e a continuidade desua doutrina''}

fíristóteles, que tinha estudado a fundo osPitagóricos, resume bem seu pensamento noprimeiro livro de sua Metafísica (que representa oprimeira história do filosofia. organizada a partir deum preciso ponto de vista teorético), em umapassagem que j merece ser lida por inteiro.

 j

. ..5M. Tímponoro Cardini, IPitogorici. Testimonionze e frommenti, 'iâ NüOVO Md.

12

Contemporâneos o estes filósofos, e tambémanteriores a eles, são os assim chamados Pitagóricos.

Cies primeiro se aplicaram às matemáticas e as fizeramprogredir e, nutridos pelas mesmas, creram que osprincípios delas fossem princípios de todos os seres. C,como nas matemáticas os números são por sua natu-reza os princípios primeiros, e exatamente nos númeroseles afirmavam ver, mais que no fogo, na terra e noágua, muitas semelhanças com as coisas que existem esão geradas: afirmavam, por exemplo, que dadapropriedade dos números fosse o justiça, outra, aocontrário, a alma e o intelecto, outra ainda o momento eo ponto justo, e similarmente, logo, para coda uma dasoutras: além disso, por ver que as notas e os acordesmusicais consistiam nos números; e, por fim, porquetodas as outras coisas, em toda a realidade, parecio-

lhes que fossem feitas à imagem dos números e que osnúmeros fossem aquilo que é primeiro em toda arealidade, pensaram que os elementos dos númerosfossem elementos de todas as coisas, e que o céuinteiro fosse harmonia e número. C todas asconcordâncias que conseguiram mostrar entre osnúmeros e os acordes musicais e os fenômenos e aspartes do céu e a ordem inteira do universo, eles osreuniam e as sistematizavam. C se alguma coisafaltava, eles procuravam introduzi-la, de modo a tornor sua tratação inteiramente coerente. Por exemplo: comoo número dez parece ser perfeito e parece compreender em si toda a realidade dos números, eles afirmavam quetambém os corpos que se movem no céu deviam ser 

dez; mas, a partir do momento que se vêem apenasnove, então introduziam um décimo: o Antiterra.

Tratamos tais questões em outras obras commaior cuidado. Aqui voltamos a elas a fim de ver,também nestes filósofos, quais são os princípios queeles apresentam e de que modo estes entram no âmbitodos causas de que falamos. Também esses filósofosparecem afirmar que o número é princípio nõo só comoconstitutivo material dos seres, mas também comoconstitutivo dos propriedades e dos estados dosmesmos. Cies colocam, depois, como elementosconstitutivos do 'número o par e o ímpar; destes, oprimeiro é ilimitado, enquanto o segundo é limitado. OUno deriva de ambos estes elementos, porque é, junto,par e ímpar. Do Uno, portanto, procede o número, e osnúmeros, como se disse, constituiriam o universo inteiro.

Outros Pitagóricos afirmaram que os princípiossão dez, distintos em série de contrários:

1. limite-ilimite,2. par-ímpar,

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„ , , , . 5.5Capitulo Segundo - Os 'Via+uralis+as* ou filósofos da “pRisis* —_ 

3. uno-múltiplo,4. direita-esquerda,

5. macho-fêmea,6. parado-movido,7. reto-curvo,8. luz-treva,9. bom-mau,10. quadrado-retângulo.Desse modo parece que pensava também

RIcméon de Crotona, seja por ter ele tomado tal doutrinados Pitagóricos, seja porque estes a tenham deletomado: o fato é que Rlcméon esteve no auge quandoPitágoras era ancião e professou uma doutrina muitosemelhante à dos Pitagóricos. £le dizia, de fato, que asmúltiplas coisas humanas formam pares de contrários,que ele porém agrupou não como os Pitagóricos de

modo bem determinado mas ao acaso, como por exemplo: branco-preto, doce-amargo, bom-mau, grande-pequeno. fez, portanto, afirmações desordenadas a res-peito de todos os pares de contrários, enquanto osPitagóricos disseram claramente quais e quantos são.

De um e outros podemos reter apenas oseguinte: os contrários são os princípios dos seres: aoinvés, quantos e quais são eles encontramos apenasnos Pitagóricos. Todavia, nem pelos Pitagóricos taiscontrários foram analisados de forma clara a ponto depoder estabelecer de que modo seja possível levá-los àscausas de que falamos; parece, contudo, que elesatribuam a seus elementos a função de maté

ria: com efeito, dizem que a substância é composta econstituída por estes elementos, como partes imanentes

dela. firistótsles,Metafísico, livro I, 5.

Os princípios dos números

Para os Pitagóricos todos QS coisas de-

é necessário que todas as realidades sejam oulimitantes ou ilimitadas, ou ao tempo limitantes eilimitadas. Não poderiam$®r ; apenas ilimitadas ouapenas limitantes. Aparece claro, portanto, que ascoisas que existem não podem ser constituídassomente de elementos limitantes nem somente deelementos ilimitados e, assim, é evidente que ouniverso e as coisas que nele existem são constituídaspela mediação harmônica de elementos limitantes e deelementos ilimitados.

Filolau, fr. 2 Diels-Kranz.

13

pendem dos números, mas os números, por sua vez, têm elementos ou princípios dosquais derivam. Todos os números se dividemem pares e ímpares: estes, porém, ainda nõo

são os elementos últimos.O pitogórico Filolau precisa que tais ele-mentos dos quais derivam todos os númerossão o limitante e o ilimitado (ou sejo, aquiloque de-fine e o in-finito).

O cosmo

O número que constitui, sustenta e governa atotalidade das coisas, torno o universo inteiro uma

espécie de unidade orgÔ- nica e bem-ordenada. ftpalavra "ordem" ern grego corresponde oo termoNósmos, Dele deriva a denominação “cosmo" quedamos ao universo. *

6is a passagem de Plotõo que explico esteponto.

Os conhecedores dizem [...} que céu, terra,deuses e homens são mantidos juntos pela ordem,pela sabedoria e pela retidão: é exatamente por talmotivo [...] que chamam tudo isso de cosmo [ou seja,

ordem], . Platão, Górgias. 5Q7o-50$a.

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Retomada da doutrina da reencarnação

Que já o próprio Pitágoras tivesse oceito a doutrino órFico do metempsicose é testemunhado pelo seguinte textode XenóFanes.

Contam que, certa vez, Pitágoras passava enquanto um cão era espancado.Teve compaixão dele e disse estas palavras:“Pára, não o espanques, porque é o alma de um homem que foi meu amigo; eu a reconheci ouvindo-agemer".

Xenófanes, fr. 7 Diels-Kranz.

Símbolos e preceitosmorais e religiosos

Concluindo, ieiamos alguns importantes !

trechos de  Vidas dos filósofos, de Diógenes !

Laércio, em que sõo enumerados olguns pre- j

ceitos morais e religiosos pitagóricos. Precei- ;

tos que permaneceram por muito tempo se- ;

eretos, como de resto os outros ensinomentos ide Pitágoras. i

Dizem que foi o primeiro a revelar que a alma,conforme um ciclo de necessidade, ora se ligue a umser vivo, ora a outro; e o primeiro também a introduzir naGrécia medidas e pesos, como diz Rristóxeno o Músico;e o primeiro a identificar Vésper com lúcifer, conformediz Parmênides.

Seus símbolos eram os seguintes: não otiçar ofogo com uma faca, não fazer pender a balança, não sesentar sobre a vasilha [medi

do para grãos], não comer o coração, ajudar a depor acarga e não o aumentá-la, ter as cobertas sempreligadas junto, não andar com imagem de divindadeesculpida no anel, não deixar na cinza a marca dopanela. Com o símbolo “não atiçar o fogo com a faca"queria dizer: não provocar a ira e o orgulho altivo dospoderosos; com o outro: "não fazer pender a balanço",não violar a eqüidade e a justiça; com o outro: "não sesentar sobre a vasilha", cuidar também do futuro, pois avasilha é a ração de um dia. Com "não comer o

coração" queria significar: não consumir a alma comafãs e dores.Proibia oferecer vítimas aos deuses, permitia

venerar apenas o altar purificado de sangue. Nem sedeve jurar pelos deuses; é necessário, com efeito, tornar a si mesmo digno de fé. é preciso honrar os anciãos,porque aquilo que cronologicamente vem antes merecemaior honra; assim como no mundo a aurora precede opôr-do-sol, também na vida humana o princípio precedeo fim, e na vida orgânica o nascimento precede a morte.

Diógenes Laércio, Vidas dos FilósoFos, V, III.

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XENÓFANES

Deus e o divino

Estes Fragmentos representam a primeira apresentação FilosóFico do concepção de Deus.

Um só Deus, sumo entre os deuses e os homens,nem por figuro nem por pensamento semelhante aos homens.

Xenófanes, fr. 23 Diels-Kranz.

Tudo vê, tudo pensa, tudo ouve. .Xenófanes, fr. 24 Diels-Kranz.

Sem fadiga, com a força da mente faz tudo vibrar.Xenófanes, fr. 25 Diels-Kranz.

Permanece sempre no mesmo lugar sem de qualquer modo se mover, nem lhe fica bem girar ora

em um lugar ora em outro.Xenófanes, fr. 26 Diels-Kranz.

crítica da concepção antropomórfica dos deuses

XenóFanes critica as concepções tradicionais do divino, que eram antropomórFicas.

Se os bois, cavalos e leões tivessem mãosou se pudessem pintar e realizar as obras que os homens fazem com as mãos, os cavalos pintariamimagens dos deuses semelhantes aos cavalos e os bois semelhantes aos bois, e plasmariam os corpos dosdeuses semelhantes ao aspecto que cada um deles tem.

Xenófanes, fr. 15 Diels-Kranz.

Os Ctíopes dizem que seus deuses são negros e de nariz achatado.Os Trácios dizem, ao contrário, que têm olhos azuis e cabelos ruivos.

Xenófanes, fr. 16 Diels-Kranz.

 Aos deuses, Homero e Hesíodo atribuem •tudo aquilo que para os homens é desonra e vergonha: roubar, cometer adultério, enganar-semutuamente.

Xenófanes, fr. 11 Diels-Kranz.

Diz Xenófanes a respeito de Homero e Hesíodo: narrammuitíssimas ações não lícitas dos deuses: roubar, cometer adultério, enganar-se mutuamente.De fato Crono, sob o qual dizem que houve a era feliz, mutilou o pai e devorou os filhos, e Zeus, filho dele, odepôs e o "colocou sob a terra".

Xenófanes, fr. 12 Diels-Kranz.

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P ARMÊNIDES

O proêmio do Poema sobre a natureza

No proêmio do poema, que é verdadeiramente sugestivo e muito abrangente, Parmênides imagina ser transportado, sobre um carro puxado por éguas prudentes e guiado por jovens Filhas do Sol, das casas da noitepara a luz e levado diante da deusa (que personifica a verdade), que lhe revela a própria verdade em seucomplexo. Dike e Têmis, que se mencionam como Forças que guiaram Parmênides, são as leis supremas do reale, portanto, do pensar e do viver, e neste sentido constituem as Forças mais propícias que conduzem no caminhoda verdade e impulsionam a percorrê-lo. Neste proêmio, nos últimos cinco versos, expõe-se também, por acenos, omapa conceitual do pensamento do €leata, ou seja, a distinção das três vias do conhecimento: a da verdade ("o

coração sólido" da verdade), a da opinião Folaz ("as opiniões dos mortais"), e a da opinião plausível ("como ascoisas que aparecem era preciso que verdadeiramente existissem").

 As éguas que me levam até onde meu desejo quer chegar,me acompanharam, depois que me conduziram e me puseram no caminho que diz muitas coisas, que pertence àdivindade e que leva por todos os lugares o homem que sabe. fui levado para lá. Com efeito, lá me levaram prudenteséguas puxando meu carro, e jovens indicavam o cominho.O eixo das rodas soltava um silvo agudo,inflamando-se — enquanto era premido por dois círculos que giravam de uma parte e do outra —, quando apressavamo curso paro acompanhar-me, as jovens filhas do Sol, após deixar as casas da Noite, para a luz, afastando com os

mãos os véus da cabeça.Lá está a porta dos caminhos do Noite e do Dia,tendo nos dois extremos uma arquitrave e um limiar de pedra;e a porto, erguida no éter, é fechada por grandes batentes.Destes, Justiça, que muito pune, tem as chaves que abrem e fecham.Rs jovens, então, dirigindo-lhe suaves palavras,com prudência a persuadiram, a fim de que, para elas, a barra do ferrolho sem demora tirasse da porto.C esta, abrindo-se imediatamente,produziu grande abertura dos batentes, fazendo girar nos gonzos, em sentido inverso, os eixos de bronzefixados com pregos e tachas. De lá, imediatamente, através da porta,direto pela estrada principal as jovens guiaram carro e éguas.6 a deusa me acolheu benevolente, e com sua mão tomou minha mão direita, e começou a falar assim e me disse;“Ó jovem, tu que, companheiro de imortais guias, com as éguas que te carregam chegas à nossa moradia, alegra-te,pois não foi sorte infausta que te levou a percorrer este caminho — com efeito,ele está foro do caminho percorrido pelos homens —,mas lei e justiça divinas. € preciso que aprendas tudo:tonto o sólido coração do verdade bem redondacomo as opiniões dos mortais, nas quais não há verdadeira certeza.C também isto aprenderas: como as coisas que aparecemera preciso que verdadeiramente existissem, sendo todas em todo sentido".

Parmênides, Poema sobre a notureza, fr. 1.

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SegUndd parte - jA fundação do pensamento filosófico

3. O ser é imóvel e de nada carece

Mos imóvel, nos limites de grandes ligações é sem um princípio e sem um fim, pois

nascimento e morte foram expulsos paro longe e uma verdadeira certeza os rejeita. € permanecendo idêntico e no idêntico, em si mesmo jaz, e deste modo aípermanece, firme. Com efeito, necessidade inflexível o mantém nas ligações dolimite, que o encerra por todo lado, pois foi estabelecido que o ser não fique semrealização: com efeito, ele de nada carece; caso contrário, de tudo careceria.

4. Coincidência de ser e pensamento

O mesmo é o pensar e aquilo por causa do qual existe o pensamento, porque sem oser no qual é expresso,não encontrarós o pensar. Com efeito, nada mais existe ou existirá fora do ser, poisa Sorte o vinculou o ser um inteiro e imóvel. Por isso serão nomes todasas coisas que os mortais estabeleceram, convictos de que fossem verdadeiras: nascer eperecer, ser e não-ser, trocar de lugar e mudar luminosa cor.

5. O ser e a Figura da esfera

Rlém disso, por haver um limite extremo, ele é realizado por toda porte, semelhante a massa debem redonda esfera, a partir do centro igual em toda parte: com efeito, nem de algum modomaior nem de algum modo menor é necessário que seja, de uma parte ou da outra.Nem, com efeito, existe um não-ser que possa impedi-lo de chegar oo igual, nem é possível que o ser seja do ser mais de uma parte e menos da outra, porque é um todo inviolável.Com efeito, igual em todo porte, de modo igual está em seus confins.

Parmênides, Poema sobre o natureza, fr. 8.

Estas moedas de pratarcnuM Representam um

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ZENÃO DE ELÉIA

 As demonstrações por absurdo das teses doEleatismo

Zenão desempenhou a Função de atacante dosadversários da escola eleático. Com efeito, procuroudefender as teses de Parmênides mediantesistemáticas refutações das teses contrárias dos

adversários, paro reduzi-los oo silêncio. Nasceu comele a assim chamada demonstração por absurdo que,ao invés de demonstrar uma tese partindo dedeterminados princípios, procuro prová-la levando aoabsurdo a tese contraditória.

6/s o texto do Parmênides de Plotão, que ilustrobem a estrutura do método zeno- niano.

“Compreendo, Parmênides", disse Sócrates,"que nosso Zenão não quer ganhar teu afeto apenaspor outras coisas com o amizode, mas também com oescrito. Com efeito, em certo sentido, escreveu omesmo que escreveste; todavia, trocando de direção,procura iludir-nos de que está dizendo algo diferente.Tu, com efeito, no teu poema dizes que o todo é uno, edisso apresentas provas belas e boas. Zenão, por suavez, diz que os muitos não existem, e também ele aduzprovos bastante numerosas e grandes. Pois bem, o fatode que um de vós afirme o uno e que o outro, aocontrário, negue os muitos, 0 que cada um de vós falede modo a parecer não estar dizendo as mesmas coi-sas, embora dizendo quase as mesmas coisas,v dá-mea impressão de que vossos discursos estejam acima de

nós". "Sim, Sócrates", respondeu Zenão. "Contudo,não captaste inteiramente a verdade de meu escrito.Mas, como as cadelas da lacônia, ensinas bem eencontras os vestígios das coisas ditas. Todavia, antesde tudo, te foge isto: que o meu escrito não tem de fatoa pretensão de ser escrito com o propósito que dizes, ede modo a torná-lo obscuro oos homens, como se umagrande coisa fosse levada à realização. Tu, porém,folas de algo de marginal, enquanto, na verdade, estascoisos são um socorro ao discurso de Parmênides,contra aqueles que

procuram torná-lo cósmico, sustentando que, se o unoexiste, disso deriva que o discurso sofre muitas

conseqüências ridículas e em contraste com ele. Por isso este escrito refuta objeções contra aqueles queafirmam que os muitos existem, e contrapõe asmesmas coisas e também outras mo is, querendodemonstrar isto: que sofreria conseqüências aindamais ridículas a hipótese deles 'se os muitos existem'do que a hipótese 'se o uno existe', caso alguém asiga de modo adequado".

Platão, Parmênides, 128 a-d.

MELISSO

Os principais fragmentos daobra Sobre a natureza ousobre o ser 

Melisso foi o sistematizador do pensamento

eleático.Parmênides, com efeito, exprimindo-se em

poesia, não tinha enfrentado os problemas que adedução e a fundamentação de certos atributos do ser implicavam.

Zenão levou ao Geatismo o contributo dadefesa indireta pelo absurdo, refutando as tesesopostas às de Parmênides.

Melisso, ao contrário, deu ao pensamentoeleático uma forma sistemática, em umo bela prosabastante clara, deduzindo com muito rigor os atributose levando o pensamento eleático às extremas conse-qüências.

Citemos os três fragmentos-chave que noschegaram do seu escrito Sobre a natureza ou sobre oser.

1.O ser e sua eternidade

Sempre existia aquilo que existia e sempreexistirá. Com efeito, se fosse gerado, serio necessárioque, antes que fosse gerado, não fosse nada: e se,antes, não era nada, por nenhuma razão nada teriapodido se gerar do nada.

Melisso, fr. 1 Diels-Kranz.

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Segunda parte - yA fundação do pensamento filosófico

2. O ser e sua infinitucfe

 €, portanto, como não 50 gerou, é e sempre era

e sempre será, não tem princípio nem fim, mas é infinito.Com efeito, se tivesse se gerado, teria um princípio(teria, com efeito, começado a gerar-se em certomomento) e um fim (teria, com efeito, acabado de gerar-se em certo momento); mas, como não começou e nãoterminou, era e será sempre, não tem princípio nem fim.Não é, com efeito, possível que seja sempre aquilo quenão é tudo.

Se é infinito, deve ser uno. Com efeito, se fossemdois, não poderiam ser infinitos, mas um teria um limiteno outro.

Melisso, fr. 2 0 6 Diels-Kranz.

3. Atributos essenciais do

ser como uno-todo

1. físsim, portanto, é eterno, infinito, uno, todo

igual.2. € não pode nem perder algo nem se tornar 

maior, nem pode mudar de forma, e não experimentador, nem sofre peno. Com efeito, se sofresse algumadestas coisas, não seria mais uno. Com efeito, caso sealterasse, necessariamente o ser não seria igual, masdeveria perecer aquilo que era antes, e deveria nascer aquilo que não é. Se, portanto, se alterasse ainda queum só cabelo em dez mil onos, se destruiria tudo emtoda a duração do tempo.

3. Nem é possível que sofro mutação de forma;

com efeito, a forma que existia antes não perece, nem segera a que não é. Mas, como nada se acrescenta nemperece nem se

altera, como poderio algo sofrer mutação de forma? Se,com efeito, algo se tornasse diverso, sofreria sem maistambém mutação de formo.

4. € não experimenta dor, porque não poderiaser tudo, se provasse dor. Com efeito, uma coisa queexperimenta dor não pode ser sempre; nem poderia ter força igual a uma coisa que é sadia. 6 não seria tambémigual, se experimentasse dor: com efeito, sofreria sealgo lhe fosse tirado ou acrescentado e, portanto, nãoseria mais igual.

5. C aquilo que é sadio não poderia experimentar dor: com efeito, pereceria o que é sadio, isto é, o ser, ese geraria o não-ser.

6. € também para o sofrer vale o mesmoraciocínio que se fez para o experimentar dor.

7. € não há nenhum vazio: com efeito, o vazio

não é nada; e o que não é nada não pode ser. Cntão oser nem se move; com efeito, não pode deslocar-se emalgum lugar, mas é pleno. Com efeito, se houvesse ovazio, poderia deslocar-se no vazio; mas, como o vazionão existe, não tem onde se deslocar.

8. € não poderia ser denso e raro. Com efeito, oraro não pode ser pleno do mesmo modo que o denso,mas o raro é sem dúvida mais vazio que o denso.

9. € entre o pleno e o não pleno é preciso fazer aseguinte distinção: se algo dá lugar a alguma outra coisae a acolhe, não é pleno,• ao contrário, se não dá lugar ooutra coisa e não o acolhe, é pleno.

10. Portanto, é necessário que seja pleno, se ovazio não existe. € se, portanto, é pleno, não se move.

Melisso, fr. 7 Diels-Kranz.

A Grécia > 1do Trezenio< a Geograh

1  d Apenínsula h

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Cãpítulo SegUHdo - Os ^naturalistas* ou filósofos da wphisísff 

EMPÉDOCLES

O ser e os fenômenos

Com Cmpédocles abre-se a nova perspectiva dos filósofos "Pluralistas".Parmênides procurara, de algum modo, salvor os fenômenos com sua "terceira via" das aparências plausíveis ;

porém, só o conseguira oporeticamente. Com efeito, se luz e noite são "iguais" no ser, não se chega o compreender como uma possa ser  diferente da outra. €, assim como o ser é nõo-gerável e incorruptível, todo coisa que for absorvidano ser deverá ter as mesmas características. Se Parmênides salvava o ser, perdia, em substância, os fenômenos.

Empédocles, no poemo Sobre o natureza (do qual citamos três fragmentos essenciais), procurou justamentesalvar, além do ser, tombém os fenômenos.

1. Retomada do princípio eleático do "nada nasce” e "nada perece" e significado de"nascimento" e de "morte"

6 outro coisa eu te direi, que não existe geração para nenhum de todos osmortais, nem um termo de morte que os destrói; existe apenas mistura deelementos e separação de elementos misturados, mas isto os homenschamam de geração. [...]Gstes ingênuos! Não demonstram certamente engenho perspicaz com seus afãs,caso esperem que se crie aquilo que antes não existe,ou que algo possa perecer completamente e destruir-se totalmente.

Um homem sábio não pode conceber na sua mente tal pensamento,que enquanto os homens vivem aquela que chamamos justamente de sua existência,até aquele momento crêem existir, quando misérias e confortos estão ao lado deles;mas, ao contrário, de não existir de fato,antes de serem construídos e depois de serem dissolvidos.

Émpédoclcs, Sobre a natureza, fr. 8, 11, 15 Diels-Kranz = fr. 2 Gallavotti.

2. Os quatro elementos (água, ar, terra e fogo) como "raízes de tudo”

Ouve primeiro os quatro nomes que são as raízes de tudo: o resplandecente Zeus e Hera altiva, e fiidoneu eNéstide, que inunda de lágrimas o taça humana.

 €mpédodes, Sobre a natureza, fr. 6 Diels-Kranz = fr. 1, uu. 33-35 Gallavotti.

[...] Durante o ódio tudo é distorcido e contrastante,mas depois, durante o amor, estão próximos, e uns pelos outros se anseiam

os elementos de que resultam todos as coisas que existiram e que existem, e que existirão no futuro;e as árvores germinaram, e os homens e as mulheres,e as feras e os pássaros, e os peixes que vivem na água,e também os numes longevos de excelso posição.São apenas eles, com efeito, os elementos que existem, e correndo uns através dos outrostornam-se corpos de todo gênero; isto, justamente, que existe, a mistura transformada,como quando os pintores ilustram as paredes coloridas,espertos no seu trabalho pela sua inteligência:quando com as mãos conseguiram as variadas tinturas,que mesclam em harmonia, umas em maior medida e outras em menor,com estos cores eles modelam figuras semelhantes a tudo,e constroem as árvores e os homens e as mulheres.

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SegUtldíl parte - ;A fundação do pensamento filosófico

e qs feras 0 os pássaros, 0 os p©ixes qu© viv0m na água,0 também os num0s longevos d© 0xc0lsa posição.

Portanto, não prevaleça 0m t0u ânimo o 0ngano, que de outra origemseja a fonte dos corpos mortais, que agora são manifestos e se produzem ao infinito.Cmpédocles, Sobre o noturezo, fr. 21 0 23 Diels-Kranz = fr. 21 Gallavotti.

Governam por turno enquanto o ciclo se desenvolve, e uns nos outros terminam e crescem segundo o turno que lhescabe.Porque apenas estes existem, e transcorrendo uns nos outros tornam-se os homens e as estirpes de várias feras, àsvezes pela concórdia concorrendo em único cosmo, e às vezes depois cada um por sua conta arrastado pelo desafiodo rancor, até que, concentrando-se o cosmo, o todo único daí se manifeste.Desse modo, enquanto o uno aprendeu a gerar-se a partir de muitos, e depois resultam de novo muitos quando ouno se desfaz, por isso estão em devir e não é estável sua eterna vida; e enquanto estes jamais terminam, mudandocontinuamente, por isso eternamente são estes seres inamovíveis, dentro do ciclo.

Gmpédodes, Sobre o natureza, fr. 26 Diels-Kranz = fr. 22 Gallavotti.

3.0 "amor” ou "concórdia" e a "discórdia" ou "ódio” como princípios cósmicos

[...] Rssim jamais terminam estes elementos que se permutam continuamente, às vezes concorrendo todos no unopela concórdia,às vezes depois pelo desafio do ódio cada um por vias diferentes transportado. €, enquanto resultam de novo muitos, quando o uno se desfaz, por isso 0Stão em devir, e não é estável sua eternavida; e, enquanto jamais terminam, transformando-se continuamente, por isso eternamente são estes seresinamovíveis, dentro do ciclo. Agora ouve estas palavras, porque a doutrina te incrementa o ânimo.Como já anunciei antes, definindo os limites do meu discurso,apresentarei o duplo argumento, porque uma vez o uno se acresce a partir de mais elementos de forma a existir sozinho, outra vez depois se desfaz, de modo que muitos existem a partir do uno: o fogo, a água, a terra e o ar, odoce ápice,0 o ódio danoso, à parto, proporcional a toda massa deles, e a concórdia, equivalente a eles em toda a altura elargura.Mas Q concórdia, olha-a com a mente; não fiques estupefato com os olhos.Também em membros mortais se afirma que ela se gere,0 é assim qu© as p0ssoas nutrem pensamentos afetuosos, e realizam ações amorosas, chamando-a comos nomes de Alegria e de Afrodite; mas nenhum dos homens mortais aprendeu que redemoinha com tantamassa dos elementos.Ouve bem, contudo, a seqüência não enganosa de meu discurso. €st0s fatores todos se eqüivalem, e têm igual idade,mas cada um possui a própria posição, cada um tem índole própria,e alternadamente comandam durante o tempo que transcorre. Além destes, depois, nada se acrescenta, e nada também termina.Com efeito, s© perecessem na sucessão do tempo, já nõo mais existiriam.Ou isto que é o todo seria aumentado;mas com qual coisa, qu© também venha de algum lugar?No todo não há lugar que esteja vazio; de onde, portanto, alguma coisa pode sobrevir?

Nem há nada de vazio quando subsiste o uno, nem nada de sobejo. € então, como pode algo também vir a faltar, quando além de tudo isso nada foi abandonado?Por outro lado, existem apenas estes elementos, e uns transcorrendo através dos outros se apresentamsucessivamente em corpos diversos, mas, sempre iguais o si mesmos, permanecem perpetuamente.

Cmpédocles, Sobre a natureza, fr. 17, 13 0 14 Diels-Kranz = fr. 4 Gallavotti.

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Cãpítulo SCgUftdo - Os "naturalistas" ou filósofos da ff plvsis#

 ANAXÁGORAS

R tentativa de superar o €leatismo com a teoria das"homeomerias"

fínaxágoros ossume em relação ao princípio deParmênides o mesma posição tomada por Cmpédocles,mas propõe uma solução diferente do aporia em que oCiea- tismo se debatia. Não há um noscer e um morrer,porque não há um não-ser. O noscer é sempre um vir 

por composição, de coisas que existem, as quais sãocomo as sementes de todas as coisas, ou seja, ashomeomerias. Cias são descritas como segue.

flssim estando as coisas, é preciso considerar que muitas coisos e de todo gênero se encontrem emtudo aquilo que vem a ser por aglomeração e sementesque têm forma, cores e gostos de todo tipo. € secondensaram homens e todos os seres vivos que têmsensibilidade. € estes homens têm cidades habitadas 0

obras de manufatura, como nós, e têm o sol e a lua etodas as outras coisos como nós, e a terra produz suasmuitas coisas e de todo gênero, das mais úteis dasquais fazem uso, depois de recolhê-las em sua moradia.Disse isso sobre a formação por separação, porque nãoapenas entre nós é possível o processo de formação,mas também em outros lugares.

 Antes que tais coisas se formassem, estando juntas todas as coisas, não se distinguia nenhuma cor.Havia, com efeito, o obstáculo do mistura de todos ascoisas, do úmido e do enxuto, do quente e do frio, doluminoso e do escuro e de muito terra que aí seencontrava, e das sementes ilimitadas em quantidade,em nada semelhantes uma à outra. Com efeito, nem

mesmo dos outros coisas em nada uma se assemelho àoutra. Dessa forma, é preciso considerar que no todo seencontra tudo.

 Anaxágoras, fr 4 Diels-Kranz.

Com efeito, como o cabelo poderio se produzir opartir daquilo que não é cabelo, e a carne a partir daquilo que não é carne?

 Anaxágoras, fr. 10 Diels-Kranz.

fl concepção daInteligência cósmica

Da originária mistura de todas os ho-meomerias, o cosmo nasce mediante um movimentoa elos impresso por uma Inteligência, que é_arealidade "mais final" e "mais pura", separada de todoo resto, e que justamente enquanto tal imprimemovimento à massa das homeomerias misturadastodas juntas, e faz nascer as coisas. C certamenteesta a mais poderosa intuição de fínoxá- goros,mesmo que ele não tenha conseguido desenvolvê-laadequadamente.

Leiamos inteiros os fragmentos que falam daInteligência cósmica.

 €m cada coisa se encontra parte de toda coisa,exceto a inteligência, mas há coisas nas quais seencontra também a inteligência.

 Anaxágoras, fr. 11 Diels-Kranz.

Todas as outras coisas têm parte de cada coisa,mos a inteligência é ilimitada, independente e não émisturada a alguma coisa, mas permanece sozinha emsi. Com efeito, se não estivesse em si, mas misturada aqualquer outra coisa, participaria de todas as coisas,caso estivesse misturada a alguma. Cm tudo, com efei-

to, se encontra parte de coda coisa, como disse antes, eas coisas misturadas lhe constituiriam obstáculo, demodo que não teria poder sobre alguma coisa, como otem por permanecer sozinha em si. Com efeito, é a maissutil e a mais pura de todos as coisas e possui plenoconhecimento de tudo e tem enorme força. € as coisasque têm vida, tanto as maiores como as menores, todassão dominadas pela inteligência. € à rotação universaldeu impulso a inteligência, de modo que desde oprincípio atuasse de modo rotatório. € primeiro a partir do pequeno iniciou o movimento de rotação, e emdireção ao grande se desenvolve e se desenvolveráainda mais. C todos as coisas que se formaram por composição e as que se formaram por separação e as

que se dividiram, todas foram reconhecidas pelainteligência, eas que estavam para ser e as que eram eque agora não são, e quantas agora são e quais serão,todas forom dispostas pela inteligência, e a rotação queogora é percorrida pelos astros, pelo sol, pela lua e por aquela parte de ar e de éter que se vai formando. C é justamente a rotação que empreendeu o processo deformação. 6 por separação se forma a partir do

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ScgUTldã parte - jA fundação do pensamento filosófico

raro o denso, do frio o quente, do escuro o luminoso edo úmido o enxuto. C há muitas partes de muitos.

Completamente, porém, nada se forma, nem se dividemas coisas uma da outra a não ser pela inteligência. € ainteligência é toda semelhante, tanto a maior como amenor. Mas, por outro lado, nada é semelhante a nada;contudo, coda singular é e era constituído das coisasmais vistosas das quais mais participa.

finoxágoros, fr. 12 Diels-Kranz.

fl Inteligência cósmica,

causa das coisas, não semantém sepermanecermos no planofísico

Grande esperanço teve Platão no primeiroimpacto com o livro de Rnaxógoras, .que introduzia oInteligência como causo de todas as coisas. Mas aesperança logo se desiludiu, porque Rnaxógoras,embora tendo introduzido uma Inteligência cósmica, per-maneceu no plono físico, e continuou a dar o máximorelevo oos elementos Físicos. Todavia, deveria ter 

mostrado como  a Inteligência, enquanto tal, age emfunção do melhor, ou seja, do Bem, que implica umadimensão do ser que está além da puramente Física.

fí Inteligência, portanto, se tomoda sozinha juntocom os elementos Físicos, não é suficiente para "ligar" e"manter juntas" as coisas: é necessário  ganhar outradimensão que leve à “verdadeira causa", que é justa-mente aquilo a que a verdadeira Inteligência se reFere. €esta é a dimensão do inteli- gfvel, que se pode gonhor apenas com um tipo de método diFerente do seguidopelos ' Físicos, um tipo de método que leve para ' alémdo físico.

I

Esta crítico, opesar do relevo dodo oo ;pontoFraco da doutrina de Rnaxógoras, con- \ Firma a grondeimportância da Inteligência \ cósmica.

I

"Certo dia, ouvi alguém que lia um livro, queafirmava ser de Rnaxógoras, o qual dizia que é aInteligência que ordena e causa todas as coisas.Gostei do assunto e pareceu-me bem que, em certo

sentido, era bom pôr a Inteligência como causa detudo, e dentro de mim pen

26

sei que, se isso fosse verdade, a Inteligênciaordenadora teria de ordenar todas as coisas e dispor 

cada uma delas da maneira que para elas é a melhor possível; e, portanto, pensei que, se alguém quisessedescobrir a causa de cada coisa, isto é, o causa pelaqual cada uma delas se gera, perece e existe, teria dedescobrir justamente qual seja para cada coisa estacausa, ou seja, qual seria sua melhor condição de ser,de sofrer ou de fazer alguma coisa. Com base nesteraciocínio, eu pensava que ao homem não convinhaconsiderar, a respeito de si próprio e das outras coisas,a não ser aquilo que é perfeito e ótimo,- e,naturalmente, o homem deveria conhecer também opior, porque a ciência do melhor e do pior, em relaçãoàs mesmas coisas, é a mesma. € raciocinando destemodo, contente, acreditava ter encontrado em

Rnaxógoras o mestre qu® me teria ensinado ascausas das coisas que existem, justamente segundoaquilo que era o meu entendimento; e acreditava queele me teria ensinado, em primeiro lugar, se a terra éplana ou redonda, e, depois disto, que também meteria ensinado a causa pela qual é assim, mostrando-me o melhor, isto é, mostrando-me que para a terra omelhor era justamente ser assim como era. € pensavaque, se depois me tivesse dito que a terra estava nomeio, ter-me-ia explicado também como fosse melhor para ela estar no meio; e se me tivesse explicado isso,eu estaria disposto a não exigir mais nenhuma espéciede causa. € assim, eu, também do sol estaria pronto anão exigir outra espécie de causa; e também da lua e

dos outros astros e de suas relações de velocidade edas revoluções e dos vários outros fenômenos: teriabastado que me explicasse de que modo paro cadaum deles o melhor era que fizesse aquilo que faz e quesofra aquilo que sofre. Com efeito, eu não teria acre-ditado jamais que alguém, que sustentava que estascoisas foram ordenadas pela Inteligência, atribuísse aelas outra causa que não fosse esta, ou seja, que omelhor para elas era ser como são. Cm resumo, euacreditava que ele, atribuindo a causa a cada coisa emparticular e a todas em comum, teria explicado aquiloque é o melhor para cada uma delas e aquilo que é omelhor que é comum a todas. 6 a tais esperanças eunão teria renunciado por nenhuma razão ao mundo!Tomei, portanto, seus livros com a maior solicitude, eos li o mais depressa possível, para poder conhecer omais rápido possível o melhor e o pior.

Todavia, desta maravilhosa esperança, ó amigo,eu me sentia arrancado, porque, enquanto procedia naleitura do livro, via que nosso homem de fato não seservia da Inteli

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Capítulo segundo - Os "naturalistas" ou filósofos da "pkisis"

Esta moeda,encontrada emClazômenas,representa (no verso)Anaxágoras (conserva-se no Bntish Museum

gência e nõo lhe atribufa nenhum papel d© causo noexplicação da ord©nação das coisas; atribuía, aocontrário, o pap©l de causa ao ar, ao éter, à águo e amuitos outras coisos estranhas à Inteligência. € parecia-me que ©I© caísse no mesmo equívoco daquele quedissesse que Sócrates faz tudo o qu© foz com aInteligência, mas depois, quando tivesse de dizer emconcreto os causas d© codo uma das coisas que faço,dissesse, antes, que eu estou sentado aqui porqu© omeu corpo é feito de ossos e d© nervos, © porque osossos são sólidos e têm junturas que os separam uns

dos outros, © os nervos são capazes d© distender- se ede relaxar-se e envolvem os ossos junto com o carne ea pele que os recobre; e, umo vez que os ossos sãomóveis nas suas junturas, graças ao relaxamento edistensão dos nervos, fazem com-que eu seja ora capazde dobrar os membros, 0 por esta razão justa- ment©©u dobrsi os membros e por conseguinte estou agoraaqui sentado; e assim também se, querendo explicar omeu conversar convos- co, ©le indicasse causas destegênero, como o voz, o ar e o ouvido, e aduzisse outrasinfinitas causas deste tipo, descurando dizer o ver-dadeira causo, isto é, que, uma vez que os ateniensesconsideraram melhor condenar-me, por isso também amim pareceu melhor estar aqui sentado e mais justo

estar no cárcere cumprindo o pena que estabeleceram.Porque, corpo d© um cõo, ©stou convicto quejá há tem-po estes meus nervos © estes meus ossos es- tariamem Mégara ou ©m Beócia, levados pela opinião domelhor, se, em vez de esquivar-me e fugir para o exílio,eu não tivess© julgado mais justo © mais belo pagar àcidad© alguma p©na qu© ©Ia m© infligisse. Maschamar causa coisas como estas é algodemasiadamente

fora de lugar. Ora, se alguém dissesse que, s© nãotivesse estas coisas, isto é, ossos, nervos 0 todas asoutras partes do corpo qu© tenho, não teria condiçõesde fazer aquilo qu© quero, diria bem; mas se dissesseque faço as coisas que faço exatamente por causa des-tas, e que, fazendo as coisas qu© faço, eu posso agir,sim, com a minha inteligência, mas não ©m virtud© daescolha do melhor, este raciocinaria com grandeleviandade. Isto quer dizer que nõo é capaz d©distinguir que outra é a verdadeira causa e outro é omeio sem o qual a causa jamais poderia ser causa. £

parece-me que os demais, andando às apalpadelascomo nas trevas, usando um nome que não lhesconvém, chamam deste modo o meio, como se fosse aprópria causa. € é este o motivo pelo qual alguém,pondo em torno da terra um vórtice, supõe qu© a terrapermaneça firme por efeito do movimento do céu,enquanto outros lhe põem debaixo o ar como susten-táculo, como se a terra fosse uma amassadeira chata.Mas a força pela qual terra, ar e céu agora têm a melhor posição que pudessem ter, isso não buscam, nemcrêem que tenha uma potência divina, mas crêem ter encontrado um Atlante mais poderoso, mais imortal emais capaz de sustentar o universo, e não crêem de

fato que o bem e o que convém sejam aquilo queverdadeiramente liga e mantém junto. €u com grandeprazer seria discípulo de alguém para poder aprender qual seja esta causa; todavia, uma vez que me vejoprivado dela 0 não m© foi possível descobri-la por mimmesmo nem aprendê-la d© outros, queres então qu© t©exponha, Cebes, a segunda navegação que empreendipara buscar esta causa?". "é cloro que desejo!",respondeu.

Platão, Fédon, 97b-99d.

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68Segunda parte - ;A fundação do pensamento fiiosófic

LEUCIPO E DEMÓCRITO

Rs ligações entre o Rtomismoe o Cleatismo

fí "física" dos otomistos é o mois engenhosotentativo de salvoro Princípio de Parmênides e oomesmo tempo explicor os Fenômenos (Leucipo Forodiscípulo direto dos ; Beatas). Os átomos sõo umoespécie de j despedoçamento do ser eleático em infini- j

tos “seres-unos", um diFerenciondo-se do ‘ outro nãopelo qualidade, mas pela Figura ; geométrica. \

Do conjunção e da desagregação dos I átomosderivam o nascer e o perecer, fí cau- • sa do conjunçãodos átomos derivo do movi- j mento mecânico que elestêm por sua natu- i reza. O ser uno-múltiplo dos átomostorna-se ! possível pelo vazio, que justamente separa \átomo de átomo. ;

 €is umo passagem de fíristáteles que , explicabem as relações entre o fítomismo e : o Beatismo. \

leucipo e Demócrito explicaram a natureza doscoisas sistematicamente, na maioria dos casos, 0ambos com a mesma teoria, pondo um princípio que éexatamente conforme à natureza, Porque alguns dosantigos filósofos [os €leatas] conceberam o ser comonecessariamente uno e imóvel: diziam, com efeito, queo vazio é o não-ser, e não podia portanto haver o mo-vimento, pois não existia o vazio distinto [da matéria];nem podio existir a multiplicidade, por não existir nadoque separasse as coisas [...].

Leucipo, ao contrário, afirmou ter encontrado o

caminho de raciocínios que, dando uma explicação deocordo com a percepção sensível, não levassem anegar nem a geração, nem a destruição, nem omovimento, nem a multiplicidade das coisos. €nquantode um lado ele harmoniza suas doutrinas com osfenômenos, do outro, àqueles que sustentam o Unoporque não pode existir o movimento sem o vazio, eleconcede que o vazio é não-ser e que do ser nada énão-ser, uma vez que o ser em sentido próprio é oabsolutamente pleno. Todavia, este absolutamentepleno não é Uno, e sim um infinito número de corpos,indivisíveis pela pequenez de seu volume. € estescorpos estão em

27

movimento no vazio (para ele existe de fato o vazio) e,reunindo-se, dão lugar à geração e, separando-se, à

destruição. €les exercem e recebem ações enquantoentram em contato, o que prova, de fato, que não sãouno. 6 geram as coisas ligando-se e entrelaçando-se,enquanto do Uno "na verdade" não deriva multi-plicidade nem da real multiplicidade a unidade, pois issoé impossível; todavia, como €mpé- docles e outrosdizem que os corpos sofrem modificações através dosporos, também [Leucipo diz que] toda mutação e todoefeito sofrido se produzem deste modo, isto é, pela se-paração e destruição que são determinadas por meiodo vazio, e pelo acréscimo que analogamente severifica quando nos vazios se insinuam outros sólidos.Também Gmpédocles deve, portanto, dizer mais oumenos o mesmo que Leucipo. Com efeito, há sólidos,

mas indivisíveis, se é fato que os poros não são ab-solutamente ininterruptos. Que sejam ininterruptos éimpossível, porque não existiria mais outro sólido a nãoser os próprios poros, isto é, tudo seria vazio. Oscorpos que entram em contato, portanto, devemnecessariamente ser indivisíveis; e vazios seusintervalos (que [(ímpédocles] chamou de poros). (Eassim também se exprime Leucipo a respeito doexercer e receber ações.

 Aristóteles, Geração e corrupção, livro I, 8 (=Leucipo, test. 7 Diels-Kranz).

R ética de Demócrito

 j Demócrito Foi bastante sensível aos | problemaséticos, aos quais sua époco se , tornara particularmenteatenta. Todavia, ele í aFirmo coisas muito belas eproFundas, mas j principalmente em nível de máximas,que se \ impõem como tais, bem mois que pelos Fun-damentos otomistos de sua Física.

 €m porticulor, ele exalta a justa medida queFora o ideal dos gregos a partir dos poetas gnômicos(e tombém já em grande parte de Hesíodo) e aFirmacom energia que a Felicidade não está nos prazeresdo corpo, mas nos da alma.

Rlcança-se a tranqüilidade de espírito peloequilíbrio nos prazeres e pela moderação em geral navida: o demasiado e o pouco são fáceis de mudar e,

portanto, de produzir grandes perturbações no espírito.6 os espíritos que es-

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. 69Cãpítulo Segundo - Os "naturalistas” ou filóso fos da "pkisis” ---------------

:co sempre ogitodos entre os extremos opostos nõo soofirmes nem tranqüilos. Deve-se, portanto, voltar a mente

para as coisas possíveis e contentar-se com aquilo qu0se tem, nõo se preocupando com as pessoas quepercebemos invejadas e admiradas 0 S0m ficar pen-sando nelas; 0 S0 deve olhar, de preferência, para avida que l0vam aqu0les que estõo carregados deaborrecimentos, refletindo seriamente sobre o quesuportam, 0 então o tanto que possuímos no presentenos aparecerá grande 0 invejável, 0 não nosacont0c0rá mais de sofrer 0m nosso coração p0lod0S0jo de bens maiores. Com 0f 0ito, se alguém admiraos ricos e todos os que são considerados pelos outroshomens como afortunados 0  0m todo momento seupensamento se dirige a eles, será forçado a perseguir continuamente o novo e até a desejar realizar alguma

ação irremediável, uma das ações qu© são proibidosp0las leis. Por isso, é preciso não buscar tudo o quevemos, mas contentar-nos com aquilo qu© t0mos,comparando nossa vida com a daqu©l0s qu© s© en-contram em condições piores, e considerarmo-

nos felizes, pensando o quanto eles suportam © oquanto melhor do que o deles é nosso estado. € se

efetivamente te otiveres o este modo de considerar ascoisas, viverás com espírito verdadeiramente tranqüilo eexpulsarás de ti durante a vida não poucas inspiraçõesfunestos, como a inveja, a ambição e a malquerença.

Demócrito, fr. 191 Diels-Kranz.

SQ Rlguns pensamentossobre a felicidade esobre a virtude

 A olma pertencem a felicidade e a infelicidade.Demócrito, fr. 170 Diels-Kranz.

R felicidade não consiste nos rebanhos ou no ouro; a

alma é a moradia de nosso sorte.Demócrito, fr. 171 Diels-Kranz.

Rosto de uma hermaconjecturalmenteatribuído a Demócrito;

 Jas numerosas obras dofilósofo, nascido em Abdera, na

Trácia, restam-nos mais deduzentos fragmentos

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Segunda parte * ,A fundação do pensamento filosófico

Quem prefere os bens do olmo escolhe aquilo quetem valor mois divino; quem prefere os bens do corpo,

escolhe bens humanos. Demócrito, fr. 37 Diels-Kranz.

Os homens nõo se tornam felizes pelos dotesfísicos nem pelos riquezas, mas pela retidão e pelaprudência.

Dsmócrito, fr. 40 Diels-Kranz.

Valoroso nõo é apenas aquele que vence csinimigos, mas também aquele que sabe dominar seuspróprios desejos. Há homens qu© dominam sobrecidades e sõo escravos das mulheres.; Demócrito, fr. 214 Diels-Kranz.

Verdadeira bondade não é o simples foto de não

cometer ações injustas, mas o nõo querer sequer cometê-las.

V Demócrito, fr 62 Diels-Kranz.

' :; Nõo se deve envergonhar-se mais diante? doshomens do que diante de si mesmo; e

não se deve fazer o mal mais facilmente quandoninguém ficará sabendo que quando todos o saberão;

mas é preciso envergonhar-se sobretudo diante d0 simesmo e imprimir no alma esta norma, de modo a nadofazer de inconveniente.

Demócrito, fr. 264 Diels-Kranz.

Rbstém-te das culpas não por medo, mas porque

se deve.Demócrito, fr. 41 Diels-Kranz.

l\lão digas nem faças nada de mal, mesmo qu©©stejas só; aprende a envergonhar-te muito mais diantede ti mesmo do que diante dos outros.

Demócrito, fr. 244 Diels-Kranz.

Todo país da terra está aberto ao homem sábio:porque a pátria do espírito virtuoso é o universo inteiro.

Demócrito, fr. 247 Diels-Kranz.

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 A DESCOBERTADO HOMEM

■ Os Sofistas

■ Sócrates e os Socráticos

■  A medicina hipocrática

“A alma nos ordena conhecer aquele que nos adverte:

‘Conhece-te a ti mesmo’.”

Sócrates

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Capítulo terceiro

A Sofistica e o deslocamento do eixo da pesquisa filosófica

do cosmo para o homem

Capítulo quarto

Sócrates e os Socráticos menores

Capítulo quinto

O nascimento da medicina como saber científico autônomo

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Capítulo terceiro

y\ Sofistica e o deslocamento do eixo da

pesquisa filosófica do cosmo para okomem

I. OHgens, natureza e finalidade do movimento sofista

• "Sofista" significa sábio, e precisamente sábio em cada um dos problemas que dizemrespeito ao homem e à sua posição na sociedade.

 A Sofistica constitui radical inovação da problemática filosófica, deslocando o eixo das pesquisas do cosmo para o homem. Inaugura, portanto, o período chamado "humanista" dafilosofia grega.

Esta nova orientação deve-se, além de a causas filosóficas Quem é o Sofista - os filósofosda natureza não souberam dar uma resposta eoque satisfatória ao problema do princípio -,também a causas é a Sofistica sociopolíticas: a crise da aristocracia e a ascensão de nova cias-§ 1~5  se social.

Os Sofistas proclamaram possuir a arte de educar os homens e de prepará-los para avida política, oferecendo-lhes novas idéias e novos instrumentos.

 A Sofistica se agrupa em quatro expressões:

a) a primeira geração dos mestres (Protágoras, Górgias, Pródico);b) os Erísticos;c) os Sofistas políticos;d) um grupo de Sofistas ligados aos mestres da primeira geração, que constituiu a

Escola "naturalista", assim chamada porque, como veremos a seguir, contrapunha a lei naturalà positiva.

 ■■ Si gn\f\cac\odo termo st a "

“Sofista” é um termo que significa“sábio”, “especialista do saber”. A acepçãodo termo, que em si mesma é positiva,tornou-se negativa sobretudo pela tomadade posição fortemente polêmica de Platão eAristóteles. Durante muito tempo oshistoriadores da filosofia adotaram, alémdas informações fornecidas por Platão eAristóteles sobre os sofistas, também assuas avaliações, de modo que, geralmente,o movimento sofista foi desvalorizado econsiderado predominantemente comomomento de grave decadência do pen

samento grego. Somente no século XX foipossível uma revisão sistemática desses

 juízos e, conseqüentemente, uma radicalreavaliação histórica dos sofistas; e aconclusão à qual se chegou é que ossofistas constituem um elo essencial na

Deslocamento do interesse

da naiut*e.za para o komem

Os Sofistas, com efeito, operaram ver-dadeira revolução espiritual (deslocando oeixo da reflexão filosófica da physis e docosmo para o homem e àquilo que

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Terceira parte - y\ descoberta do komem

à vida do / •■ mem como membro deuma sociedade) e, portanto, centrando

seus interesses sobre a ética, a política, aretórica, a arte, a língua, a religião e aeducação, ou seja, sobre aquilo que hojechamamos a cultura do homem. Portanto, éexato afirmar que, com os Sofistas, inicia-seo período humanista da filosofia antiga.

Esse deslocamento radical do eixo dafilosofia se explica pela ação conjunta deduas diferentes ordens de causas. De umlado, como vimos, a filosofia da  physispouco a pouco exauriu todas as suaspossibilidades. Com efeito, todos oscaminhos já haviam sido palmilhados e opensamento “físico” chegara aos seus

limites extremos. Desse modo, era fatal abusca de outro objetivo. Do outro lado, noséc. V a.C. manifestaram-se fermentossociais, econômicos e culturais que, aomesmo tempo, favoreceram odesenvolvimento da Sofistica e, por seu

^Vludarvças sociopolíticas

que -f-civo^ece^am o

nascimento da Sofistica

Antes de mais nada, recordemos alenta mas inexorável crise da aristocracia,acompanhada  pari passu pelo sempre

poder do demos, do povo; o afluxo cadavez mais maciço de estrangeiros às cida-

des, especialmente em Atenas, com a am-pliação do comércio, que, superando os li-mites de cada cidade, levava cada umadelas ao contato com um mundo maisamplo; a difusão dos conhecimentos eexperiências dos viajantes, que levavam àinevitável comparação entre usos,costumes e leis helêni- cos, e usos,costumes e leis totalmente diferentes.

 Todos esses fatores contribuíram for-temente para o surgimento da problemáti-ca sofistica. A crise da aristocracia implicoutambém a crise da antiga areté, os

valores tradicionais, que eramprecisamente os valores apreciados pelaaristocracia. A crescente afirmação dopoder do demos e a ampliação dapossibilidade de aceder ao poder a círculosmais vastos fizeram desmoronar aconvicção de que a areté estivesse ligadaà nascença, isto é, que se nascia virtuoso enão se tornava, pondo em primeiro plano aquestão de como se adquire a “virtudepolítica”. A ruptura do círculo restrito da

 pólis e o conhecimento de costumes, usose leis opostos deveriam constituir apremissa do relativismo, gerando aconvicção de que aquilo que era considera-do eternamente válido, na verdade não ti-nha valor em outros meios e em outras cir-

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Capítulo terceiro - /\ Sofís+ica

lér Posições assumidassiSMiPs»» I__________ ^ f 

pelos Sofistas

e suas avaliações opostas

Os Sofistas souberam captar de modoperfeito essas instâncias da épocaconturbada em que viveram, sabendoexplicitá-las e dar-lhes forma e voz. E issoexplica por que alcançaram tanto sucesso,especialmente entre os jovens: elesrespondiam a reais necessidades domomento, propondo aos jovens a palavranova que esperavam, já que não estavammais satisfeitos com os valores tradicionaisque a velha geração lhes propunha nem

com o modo como os propunha. Tudo isso permite compreendermelhor certos aspectos dos Sofistas, poucoapreciados no passado ou até julgadosnegativamente, em particular seu modo dedifundir cultura, o fato de tornar estadifusão uma profissão, de percorrer váriascidades-Esta- do, sua liberdade de espíritoe a crítica em relação à tradição.

Os diversos grupos de Sofistas

Os Sofistas não constituem, de modoalgum, um bloco compacto de pensadores;todavia, visavam às mesmas finalida

des com esforços independentes e commeios análogos, a fim de responder a al-

gumas necessidades sentidas naquela épo-ca. Já vimos quais eram essasnecessidades. Resta examinar esses“esforços independentes” e esses “meiosanálogos”. Mas, para nos orientarmospreliminarmente, precisamos distinguirquatro grupos de Sofistas:

1) os grandes e famosos mestres daprimeira geração, que não estavam em ab-soluto privados de reservas morais, e queo próprio Platão considerou dignos de certorespeito;

2) os “Erísticos”, que levaram o as-pecto formal do método à exasperação,perderam interesse pelos conteúdos etambém perderam a reserva moral quecaracterizava os mestres;

3) os “Político-sofistas”, que utiliza-ram idéias sofistas em sentido “ideológi-co”, como diríamos hoje, ou seja, com fi-nalidades políticas, caindo em excessos devários tipos e chegando até a teorização doimoralismo;

4) uma escola particular de Sofistas,que não se identifica com a dos mestres daprimeira geração, e tomou o nome de“naturalista”, enquanto contrapunha a leipositiva à natural, privilegiando a última erelativizando a primeira.

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Terceira parte - A descoberta do ko mem

II. Os mestres:

l~Vota goras, (górgias, T-Vódico

• Protágoras de Abdera (nascido entre 491 e 481 a.C.) foi o fundador do"relativismo" ocidental, que ele expressou na célebre fórmula "o homem é medi-

da de todas as coisas", com isso entendendo que não existe cri-tério absoluto para julgar o verdadeiro e o falso, o bem e o mal,mas que cada homem julga conforme o próprio modo de ver ascoisas.

Para cada tese é portanto possível trazer à baila argumen-

tos a favor e contra (antilogia) e, por conseguinte, é possível,com técnica apropriada, da qual Protágoras se dizia mestre, tor-nar mais forte o argumento mais fraco: nisso justamente consis-tia a "virtude", ou seja, a habilidade do homem. Assim, o "ver-

dadeiro" e o "falso", e o "bem" e o "mal" perdem qualquer determinação abso-luta.

Todavia, nem tudo para Protágoras é relativo: com efeito, se o homem é"medida" da verdade, é "medido" pelo "útil" e pelo "danoso": estes, portanto,tornam-se referências últimas das quais Protágoras se proclamava mestre.

• Górgias de Leontini (nascido por volta de 485/480 a.C.) herda de Parmênidesa temática ontológica (o ser existe, e o não-ser não existe), mas inverte os termos(o ser não existe, e o não-ser existe). Os pontos-chave de seu pensamento se expri-mem nas três proposições seguintes:

1) "O nada existe": isto se deduz do fato de que do ser (doprincípio) os filósofos precedentes deram definições diversas eopostas, demonstrando, com isso, que ele não existe.

2) "Mesmo que existisse, não seria cognoscível": o pensa-mento, com efeito, não se refere necessariamente ao ser - comoqueria Parmênides -, mas existem coisas pensadas que são nãoexistentes (como, por exemplo, a Quimera).

3) "Mesmo que fosse pensável, o ser não seria exprimível": a palavra, sendo um som,significa quando muito um som, mas não aquilo que deriva dos outros sentidos, como por exemplo uma cor ou um odor.

Esta doutrina toma o nome de "niilismo", enquanto põe o nada como fundamento de tudo. A palavra, perdendo qualquer relação com o ser, não é mais veículo de verdade, mas

torna-se portadora de persuasão e sugestão: se esta ação tem propósito prático (por exemplo,

convencer o público em uma assembléia, os juizes em um processo), temos a retórica(oratória); se, ao invés, tem propósito puramente estético, temos a arte.

• Pródico de Céos (nascido por volta de 470/460) tornou-se célebre pela descoberta datécnica da sinonímia, ou seja, da pesquisa dos termos sinônimos e das

diferentes nuanças de seus significados. Esta permitia elabo- Pródico:

rar discursos sutis e convincentes nos debates públicos e nas asa sinonímia sembléias.e o utilitarismo Retomou o utilitarismo de Protágoras, ilustrando-o em umaético reinterpretação do mito do "Hércules na encruzilhada", que se

^ 7 tornou muito célebre.

Górgias:oniilismo,aretórica

Protágoras: ohomem comomedida detodas ascoisas; aantilogia e orelativismo ->§

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Capítulo terceiro - A Sofistica

l-Votágo^as:11o komem é a medida

de todas as coisas”

O mais famoso e celebrado sofista foiProtágoras, nascido em Abdera na décadade 491-481 a.C., e que morreu pelos fins doséculo. Viajou por toda a Grécia e esteveem Atenas várias vezes, onde alcançougrande sucesso. Também foi muitoapreciado pelos políticos (Péricles confiou-lhe a tarefa de preparar a legislação para anova colônia de Turi em 444 a.C.).  As

 Antilogias constituem sua principal obra,

da qual nos chegaram apenas testemunhos.A proposta basilar do pensamento deProtágoras era o axioma “o homem é amedida de todas as coisas, das que são poraquilo que são e das que não são por aquiloque não são” (princípio do homomensura). Por “medida”, Protágorasentendia a “norma de juízo”, enquanto por“todas as coisas” entendia todos os fatos etodas as experiências em geral. Tornando-se muito célebre, o axioma foi considerado— e efetivamente é — quase a magnacarta do relativismo ocidental. Com efeito,com esse princípio, Protágoras pretendianegar a existência de um critérioabsoluto que discrimine ser e não-ser,verdadeiro e falso. O único critério ésomente o homem, o homem individual:“Tal como cada coisa aparece para mim, talela é para mim; tal como aparece para ti,tal é para ti.” Este vento que está so-prando, por exemplo, é frio ou quente? Se-gundo o critério de Protágoras, a resposta éa seguinte: “Para quem está com frio, éfrio; para quem não está, não é.” Então,sendo assim, ninguém está no erro, mastodos estão com a verdade (a sua

Os mciocínios opostos e o

toma** mais fo^te o

argumento mais jVaco

O relativismo expresso no princípio dohomo mensura terá um aprofundamentoadequado na obra mencionada,  As Anti-logias, que demonstra que “em torno decada coisa há dois raciocínios que se con-trapõem”, isto é, em torno de cada coisa épossível dizer  e contradizer, ou seja, é

vel apresentar razões que se anulamreciprocamente. E esse, precisamente, será

o nó górdio do ensinamento de Protágoras.Registra-se também que Protágorasensinava “a tornar mais forte o argumentomais fraco”. O que não quer dizer queProtágoras ensinasse a injustiça e a iniqüi-dade contra a justiça e a retidão, mas, sim-plesmente, que ele ensinava os modoscomo, técnica e metodologicamente,era possível sustentar e levar à vitória oargumento que, em determinadascircunstâncias, podia ser o mais fraco nadiscussão (qualquer que fosse o conteúdoem exame).

A “virtude” que Protágoras ensinava

era exatamente essa “habilidade” de saberfazer prevalecer qualquer ponto de vistasobre a opinião oposta. O sucesso de seusensinamentos deriva do fato de que, forta-lecidos com essa habilidade, os jovensconsideravam que poderiam fazer carreira

O utilitansmo de

1-Votágoms

Para Protágoras, portanto, tudo é re-lativo: não existe um “verdadeiro” absolutoe também não existem valores moraisabsolutos (“bens” absolutos). Existe, entre-tanto, algo que é mais útil, maisconveniente e, portanto, maisoportuno. O sábio é aquele que conheceesse relativo mais útil, maisconveniente e mais oportuno, sabendoconvencer também os outros a reconhecê-lo e pô-lo em prática.

Dessa forma, porém, o relativismo deProtágoras recebe forte limitação. Comefeito, pareceria que, enquanto é medida

e mensurador em relação à verdade e àfalsidade, o homem seja medido em

Significa contradição, <segundo Protágoras, designa o métedo de aduzir argumentos pro etra sobre qualquei questáo, para tcnar mais forte o argumentofraco. Protágoras se professavatre em tal arte.

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Terceira parte - A descoberta do Komem

utilidade, ou seja, que, de alguma forma,a utilidade venha a se apresentar como

objetiva. Em suma, pareceria que, paraProtágoras, o bem e o mal seriam,respectivamente, o útil  e o danoso; e o“melhor” e o “pior” seriam o “mais útil” e o“mais danoso”.

Entretanto, com base em tudo o quenos foi legado de sua teoria, está claro queProtágoras não soube dizer em que basese em que fundamentos o sofista possareconhecer tal “útil” sociopolítico. Parafazê-lo, precisaria ter escavado maisprofundamente na essência do homem,para determinar sua natureza. Mas,

CÃórgias: o niilismo

Górgias nasceu em Leontini, na Sicília,por volta de 485/480 a.C., e viveu em per-feita saúde física mais de um século. Viajoupor toda a Grécia, alcançando amplos con-sensos em torno de si. A sua obra filosóficamais importante intitula-se Sobre anature-

 za ou sobre o não-ser  (que é umainversãodo título da obra de Melisso).

Enquanto Protágoras parte do relati-vismo para implantar o método daantilogia, Górgias parte do niilismo paraconstruir o edifício de sua retórica. Otratado Sobre a natureza ou sobre onão-ser  é uma espécie de manifesto doniilismo ocidental, baseando-se nas trêsteses seguintes:

1) Não existe o ser, ou seja, nadaexiste. Com efeito, os filósofos que falaramdo ser determinaram-no de tal modo quechegaram a conclusões que se anulam

reciprocamente, de modo que o ser nãopode ser “nem uno, nem múltiplo, nemincriado, nem gerado” e, portanto, seránada.

2) Se o ser existisse, “não poderia sercognoscível”. Para provar essa afirmação,Górgias procurava impugnar o princípio deParmênides segundo o qual o pensamento ésempre e só pensamento do ser e o não-seré impensável. Há pensados (por exemplo,podemos pensar em carruagens correndosobre o mar) que não existem e há não-existentes (Cila, a Quimera etc.) que sãopensados. Portanto, há divórcio e rupturaentre ser e pensamento.

 

sa nenhuma que não seja ela própria: “Co-mo é que (...) alguém poderia expressar

com a palavra aquilo que vê? Ou como éque isso poderia tornar-se manifesto paraquem o escuta sem tê-lo visto? Com efeito,assim como a vista não conhece sons,igualmente o ouvido não ouve as cores,mas os sons; e diz o certo quem diz, masnão diz uma cor nem uma experiência.”

Eliminada a possibilidade de alcançaruma “verdade” absoluta (a alétheia),parece que só restou a Górgias o caminhoda “opinião” (doxa). Ele, porém, negoutambém a opinião, considerando-a “a maispérfida das coisas”. Procura então umterceiro caminho, o da razão que se limita a

iluminar fatos, circunstâncias e situaçõesda vida dos homens e das cidades na suaconcreti- tude e na sua situaçãocontingente, sem chegar a dar a estes umfundamento adequado.

nova dotA^rina

da Vetórica”

Sua posição em relação à retórica é

nova e original. Se não existe verdadeabsoluta e tudo é falso, a palavraadquire então autonomia própria,quase ilimitada, porque desligada dosvínculos do ser. Em sua independênciaonto-veritativa, torna-se (ou pode tornar-se) disponível para tudo. E eis que Górgiasdescobre, precisamente no plano teorético,aquele aspecto da palavra pelo qual(prescindindo de toda verdade), ela  podeser portadora de persuasão, crença esugestão. A retórica é exatamente a arteque desfruta a fundo esse aspecto da

palavra, podendo ser definida como a artede ersuadir, que no séc. V a.C. tinha

....% ...% Niilismo. É a teoria filosófica quese fundamenta sobre a admissão deque náo existe o ser, e portanto onada existe. Em geral, do niilismometafísico segue-se o relativismognosio- lógico e moral, enqiwnto, naausôn- cia do ser, náo é possível fixaruma verdade e um bem absolutos.

 ■ . ..

 Texto

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Capítulo terceiro - y\ Sofís+ica

tância política. O político, então, era cha-mado também de “retor”.

Para Górgias, portanto, ser retor con-siste em “ser capaz de persuadir os juizesnos tribunais, os conselheiros no Conselho,os membros da assembléia popular na As-sembléia e, da mesma forma, qualquer ou-tra reunião que se realize entre cidadãos”.

doutrina

gorgiana da ai*te

Por fim, Górgias foi o primeiro filósofoque procurou teorizar aquilo que hojechamaríamos de valência “estética” da pa-lavra e a essência da poesia, que eledefiniu como produção de sentimentos

Górgias, nascido em Leontini, naSicília, e expoente da teoria doniilismo, que põe o nada comofundamento de tudo. Na imagem éreproduzida a Sicília como descrita na

Como a retórica, portanto, a arte émoção de sentimentos, mas, ao

contrário da retórica, não visa a interessespráticos, mas ao engano poético (apáte)em si e por si (“estética apatética”). E tal“engano” é, evidentemente, a pura “ficçãopoética”. De modo que Górgias podia muitobem dizer que, nessa espécie de engano,“quem engana está agindo melhor do quequem não engana, e quem é enganado émais sábio do que quem não é enganado”.Quem engana, ou seja, o poeta, é melhorpor sua capacidade criadora de ilusõespoéticas, e quem é enganado é melhorporque é capaz de captar a mensagem

PVódico e a sinonímia

Nativo de Céos em torno de 470-460a.C., Pródico lecionou com sucesso em Ate-nas. Sua obra-prima intitulava-se Horai (talvez as deusas da fecundidade).

 Também Pródico foi mestre na arte dediscursar, e Sócrates chegou a recordá-lo

 jocosamente como “seu mestre”. A técnicaque propunha baseava-se na sinonímia,ou seja, na distinção entre os váriossinônimos e na determinação precisa dasnuanças de seu significado. Essa técnicanão deixou de exercer influências benéficassobre a metodologia socrática, comoveremos, tendo em vista a busca de “o queé”, ou seja, a essência das várias coisas.

No campo da ética, ficou famoso poruma sua reinterpretação, na chave própriada doutrina sofista, do célebre mito repre-sentando Hércules na encruzilhada, ouseja, diante da escolha entre a virtude e ovício. Nessa reinterpretação, a virtude éapresentada como o meio mais idôneo para

alcançar a verdadeira “vantagem” e averdadeira “utilidade”.

Sua interpretação dos deuses foi origi-nalíssima. Segundo Pródico, os deuses sãoa hipostatização (isto é, a absolutização) doútil e do vantajoso: “Em virtude da vanta-gem que daí derivava, os antigosconsideraram como deuses o sol, a lua, asfontes e, em geral, todas as forças queinfluem sobre nossa vida, como, porexemplo, os egípcios fizeram em relação aoNilo.”

 Texto

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Terceira parte - descoberta do komem

III. íSrís+i cos e Sofistas-políticos

•  Alguns Sofistas, abusando da técnica de refutação, sem ter qualquer ideal a realizar,perderam-se na pesquisa de Jogos de conceitos e na formulação de dilemas insolúveis, dotipo dos raciocínios que ainda hoje  A Erística, chamamos de sofismas. Tais Sofistassãochamados de "Erísticos",degeneração homens empenhados na briga de palavras. da Sofistica

5 1 • Alguns Sofistas, denominados "Sofistas políticos", aplicaram a arte dialética à práxis política e a forçaram à conquista do  poder,

pondo-se contra a moral e a fé tradicional de modo provocativo.Crítias, particularmente, dessacralizou o conceito dos deu- í/ca ses,

reduzindo-os a "guardas que vigiam interiores", criados pe- dc^poder  *os P°derosos para ter o

controle sobre os subalternos. Teorizou§ 2 também o princípio pelo qual o justo mais não é do que a vontade do mais forte sobre o mais fraco.

Nesta mesma perspectiva Trasímaco de Calcedônia afirmou que "o justo é a vantagemdo mais poderoso".

Os érVísticos

Corrompendo-se, a antilogia de Protá-goras gerou a erística, a arte da controvér-sia com palavras que tem por fim a contro-vérsia em si mesma. Os Erísticos cogitaramuma série de problemas, que eram formula-dos de modo a prever respostas tais quefossem refutáveis em qualquer caso;dilemas que, mesmo sendo resolvidos,tanto em sentido afirmativo como negativo,levavam a respostas sempre contraditórias;hábeis jogos de conceito construídos comtermos que, em virtude de sua polivalênciasemântica, levavam o ouvinte sempre a

uma posição de xeque-mate. Em resumo,os Erísticos cogitaram todo aquele arsenalde raciocínios capciosos e enganososchamados de “sofismas”. Platão representaa erística de modo perfeito em Eutidemo,mostrando todo o seu vazio.

Os Sofistas-políticos

Os assim chamados Sofistas-políticosderivam suas armas do niilismo e da retóri-ca gorgiana, quando não da contraposiçãoentre natureza e lei.

Crítias, na segunda metade do séc. Va.C., dessacralizou o conceito dos deuses,considerando-os uma espécie deespantalho habilmente introduzido por umhomem político particularmenteinteligente, para fazer respeitar as leis,que, por si, não têm força para se impor,sobretudo naqueles casos em que oshomens não são vistos pelos guardiões da

lei.  Trasímaco da Calcedônia, nas últimasdécadas do séc. V a.C., chegou até mesmoa afirmar que “o justo é a vantagem domais forte”.

E Cálicles, protagonista do Górgiasplatônico — que, se não é personagemhistórico, pelo menos espelha o modo depensar dos Sofistas-políticos —, chegou asustentar que é por natureza justo queo forte domine o fraco, subjugando-ointeiramente.

Mas, conforme dissemos, esses são os

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Capítulo terceiro - y\ Sofistica

IV. corren

te

•  A corrente naturalista da Sofistica contrapõe a lei de natureza, que reúne todos oshomens, à lei positiva (ou seja, aquela feita pelo homem), que ao invés os divide.

Hípias e Antifonte foram os dois maiores representantes desta corrente da Sofistica, echegaram, sobre estas bases, a formular Lei de natureza uma forma de "cosmopolitismo" e"igualitarismo" entre os homens, e lei positiva baseados justamente sobre a lei de natureza,colocada acima da -»§ 1-2 lei positiva.

■Híp ias de Êlida

É lugar-comum a afirmação segundo aqual os Sofistas teriam contraposto a “lei” à“natureza”. Na realidade, tal contraposiçãonão existe nem em Protágoras, nem emGórgias, nem em Pródico, mas, aocontrário, aparece em Hípias de Elida e emAntifonte, ativos pelo fim do séc. V a.C.

Hípias é conhecido por ter propostouma forma de conhecimento enciclopédicoe por ter ensinado a arte da memória (mne-motécnica). Entre as matérias de ensino eledava amplo espaço à matemática e às ciên-cias da natureza, pois pensava que oconhecimento da natureza fosseindispensável para a boa conduta na vida, aqual deve seguir justamente as leis danatureza, mais que as leis humanas. Anatureza une os homens, enquanto a leifreqüentemente os divide. Portanto,desvaloriza-se a lei quando e à medida quese opõe à natureza.

Nasce assim a distinção entre um di-reito ou uma lei de natureza e um direito

positivo, posto pelos homens. O primeiro éeternamente vál ido, o segundo écontingente. Desse modo lançam-se aspremissas que levarão a uma totaldessacralização das leis humanas, queserão consideradas fruto de arbítrio. Hípias,porém, da distinção operada tira maisconseqüências positivas que negativas. Emparticular, salienta como, sobre a base danatureza (da lei de natureza), não têmsentido as discriminações das leis positivasque dividem os cidadãos de uma cidadedos cidadãos de outra, ou que dividem oscidadãos dentro da mesma cidade. Nascia,

assim, um ideal cosmopolita e igualitário,

y^n+iforv+e

Antifonte radicaliza a antítese entre“natureza” e “lei”, afirmando com termoseleáticos que a “natureza” é a “verdade” ea “lei” positiva é a “opinião”, e que, por-tanto, uma está quase sempre em antítesecom a outra. Chega a dizer, por conseguin-te, que se deve seguir a lei de natureza e,quando isso puder ser feito impunemente,transgredir a lei dos homens.

 Também as concepções igualitárias ecosmopolitas já presentes em Hípias sãoradicalizadas por Antifonte, que chega aafirmar até a paridade de todos os homens,sem distinção de suas origens, “uma vezque por natureza somos todosabsolutamente iguais, tanto gregos,como bárbaros”.

O “iluminismo” sofistico, portanto,dissolveu não só os velhos preconceitos decasta da aristocracia e o tradicional fe-chamento da  pólis, mas também o maisradical preconceito comum a todos os gre-gos a respeito da própria superioridade

sobre outros povos: cada cidadão de qual-quer cidade é igual ao de outra, cada ho-mem de qualquer classe é igual ao de ou-tra, cada homem de qualquer país é igualao de outro, porque  por naturezaqualquer homem é igual  a qualqueroutro homem. Infelizmente Antifonte nãochega a dizer em que consiste taligualdade: no máximo, nos impele a dizerque todos somos iguais porque todostemos as mesmas necessidadesnaturais, todos respiramos com a boca,com as narinas etc. Mais uma vez precisa-mos esperar Sócrates para uma solução doproblema.

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Terceira parte - y\ d es coberta do l\omein

v. (Conclusões sobi^e a Sofistica

•  A Sofistica atuou complexivamente uma profunda ação Valor e limites

crítica sobre a moral (em sentido relativístico, niilístico e uti- da Sofistica  litarístico), sobre oconhecimento (o logos não leva a uma verda- >§ 1 de isenta de controvérsias), e sobre areligião, mas não soube

construir alternativa filosófica válidã para substituir as criticadas.

O contributo da Sofistica

 Já vimos que, embora de modos diver-sos, os Sofistas realizaram umdeslocamentodo eixo da pesquisa filosófica do cosmoparao homem. Precisamente nesse deslocamen-to está seu mais relevante significado histó-rico e filosófico. Eles abriram caminho paraa filosofia moral, embora não tenham sabi-do alcançar seus fundamentos últimos, por-que não conseguiram determinar anatureza do homem enquanto tal.

Mas também certos aspectos da Sofis-tica, que para muitos pareceram excessos

puramente destrutivos, têm sentido positi-vo. Com efeito, era preciso que certas coi-sas fossem destruídas para que pudessemser reconstruídas sobre bases novas esólidas, assim como era preciso que certoshorizontes estreitos fossem violados paraque se abrissem outros mais amplos.

Vejamos os exemplos mais significa-tivos.

a)Os Naturalistas criticaram as velhasconcepções antropomórficas do Divino,identificando este com o seu “princípio”. OsSofistas rejeitaram os velhos deuses, mas,

tendo rejeitado também a busca do“princípio”, encaminharam-se para umanegação do Divino. Protágoras permaneceuagnóstico, Górgias foi mais além com seuniilismo, Pródico entendeu os deuses comohiposta- tização do útil e Crítias comoinvenção “ideológica” de um hábil político.Naturalmente, depois dessas críticas não sepodia voltar atrás: para pensar o Divino,seria preciso procurar e encontrar umaesfera mais elevada onde colocá-lo.

b)O mesmo pode ser dito sobre a ver-dade. Antes do surgimento da filosofia, a

Naturalistas contrapuseram o logos àsaparências, e só nele reconheceram averdade. Mas Protágoras cindiu o logos

nos “dois raciocínios”, descobrindo que ologos diz e contradiz. E Górgias rejeitouo logos como pensamento e só o salvoucomo palavra mágica, mas encontrou umapalavra que pode dizer tudo e o contráriode tudo, não podendo, portanto, expressarverdadeiramente nada. Como já disse umagudo intérprete dos Sofistas, essasexperiências são “trágicas”: e nósacrescentamos que se descobrem trágicasprecisamente porque o pensamento e apalavra perderam seu objeto e sua norma,perdendo o ser e a verdade. E a correntenaturalista da Sofistica, que, de algumaforma, mesmo que confusamente, intuiuesse fato, iludiu-se de poder encontrar umconteúdo que fosse de alguma forma obje-tivo no enciclopedismo. Mas, enquanto tal,esse enciclopedismo revelou-se completa-mente inútil.  A palavra e o

 pensamento deveriam recuperar averdade em um nível mais elevado.

c)E o mesmo vale também para o ho-mem. Os Sofistas destruíram a velhaimagem de homem própria da poesia e datradição pré-filosófica, mas não souberamreconstruir uma nova. Protágoras entendeu

o homem predominantemente comosensibilidade e sensação relativizante,Górgias como sujeito de emoções móveis,suscetível de ser arrastado em qualquerdireção pela retórica, e os própriosSofistas, que se vincularam à natureza,falaram do homem sobretudo comonatureza biológica e animal, suben-tendendo e, de qualquer modo, silenciandoa natureza espiritual. Para sereconhecer, o homem deviaencontrar uma base mais sólida.

Veremos agora como Sócrates soube

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Capítulo terceiro - A Sofistica

OS SOFISTASO HOMEM E SUA VIRTUDE

 J OS SOFISTAS V

- deslocam o interesse da filosofia da natureza parao homem '- instauram um clima cultural que se poderia chamarcom o moderno termo “iluminista”- criticam a religião em perspectiva também atéia- criticam o conceito de verdade e de bem- destroem a imagem tradicional do homem- consideram a virtude como objeto de ensino- apresentam-se como mestres de virtude

- são expressão da crise da aristocracia e da ascensão- política das novas classes s

Qual é o bem e o mal para o homem? Qual é a virtude para o homem f 

PROTÁGORAS

- O indivíduo é “medida de todas as coisas” e,portanto, também do bem e do mal, do verdadeiroe do falso- mas está vinculado pelo critério do útil

Esta é a primeira forma de relativismo

GÓRGIAS

- Não existem bem e mal, verdadeiro e falso- porque nada existe- e, mesmo que existisse, não seria cognoscível- e, mesmo que fosse cognoscível, não seria comu-nicável

Esta é a primeira forma de niilismo

PRÓDICO DE CÉOS

- Interpreta em chave utilitarista a moral e parti-cularmente o conceito de bem

HÍPIAS E ANTIFONTE

- Verdade (e bem) é aquilo que está conforme à leide natureza

- opinião é aquilo que está conforme à lei positiva- enquanto a primeira oferece firme referência éti-ca e leva ao igualitarismo, a segunda leva às dis-criminações entre os homens

Nascem os conceitos de lei de natureza e lei positiva

ERÍSTICOS E SOFISTAS-POLÍTICOS

- Dessacralizam a religião- fazem uso instrumental e ideológico da retórica,em vista da conquista do poder- deformam a técnica da antilogia para construirsofismas capciosos

é a força da razão com a qual pode-se tornar forte o argumento maisfraco (= antilogia) e buscar o útil dacidade

é a retórica, ou seja, a capacidadede usar a palavra e o discurso e dedesfrutar a capacidade de sugestãoe de persuasão com fins próprios

é o conhecimento da arte dasinonímia, que permite encontrar ossinônimos para tornar os discursosmais convincentes

viver segundo a natureza

a vontade do mais forte que seimpõe sobre o mais fraco

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Terceira parte - ;A descoberta do komem

PROTÁGORAS

nU O princípio protagórico do homem

como "medido de todos oscoisos"

fí proposição-chave do pensamento protagóricoconsistia na seguinte afirmação: "O homem é medidade todas as coisas, das que existem por aquilo quesão, e das que não existem por aquilo que não são”.

fí medida de que Fala Protágoras é a norma de julgamento e as coisas são todos os fatos, semexceção. Esta proposição é, em certo sentido, como a''carta magna “ do relativismo ocidental.

Os textos mais belos que ilustram este pontosão de Platão: do Teeteto citamos o mais importante.

ftfirmo, com efeito, que a verdade é comoescrevi: cada um de nós, de fato, é medida das coisas

que existem e das que não existem, mas há diferençaenorme entre um e outro, justamente por isto, porquepara um existem e parecem certas coisas, para outroexistem 0 parecem coisas diferentes. 6 estou tão longede negar que existam sabedoria e homem sábio, que,ao contrário, chamo sábio justamente quem para um denós, ao qual parecem e para o qual certas coisastambém são más, trocando as posições, as faz pqrecer,© também ser, boas. De tua parte, não rejeites meudiscurso, tomando-o literalmente, mas procura entender assim, sempre mais claramente, o que quero dizer. Por exemplo, procura recordar, naquilo que antes se dizia,que ao doente parece amargo o que come, e assimtambém é para ele, enquanto para quem está sadio é e

parece o contrário. Não é preciso, portanto, considerar nenhum destes mois sábio que o outro (com efeito, nãoé possível), nem se deve afirmar que o doente éignorante porque tem tal opinião, ou que o sábio é sábioporque tem opinião diferente, mas é preciso mudar umacondição na ou- trq, pois a segunda condição é melhor.Rssim, também na educação é preciso produzir apassa- ,:Qem de um modo de ser para o melhor. €stamudança, porém, 0 médico a produz com fármocos ed'sofista com discursos. € isso, porque ninguémcônseguiu fazer com que, depois, tivesse opiniõesverdadeiras alguém que antes as tinha falsas, vis

to que não é sequer possível ter opiniões sobre aquiloque não existe, nem ter opiniões diferentes em relação

às impressões que alguém recebe, porque estas sãoverdadeiras em todo caso. Todavia, creio, quem temopiniões afins à má condição de sua alma, uma almaválida pode fazer com que tenha opiniões diferentes eválidas: são estas, justamente, as representações quealguns, por inexperiência, chamam de verdadeiras, en-quanto eu digo que algumas são melhores que asoutras, mas nem por isso mais verdadeiras. G ossábios, caro Sócrates, estou bem longe de chamá-losde pigmeus; ao contrário, em relação aos corpos oschamo de médicos, e em relação às plantas os chamode agricultores. Rfirmo, com efeito, que os agricultoresintroduzem nas plantas, quando alguma delas adoece,sensações boas e sadias (e, portanto, também

verdadeiras), no lugar de sensações más, e que osprofessores de retórica, aqueles sábios e bons, fazemcom que às cidades pareçam justas as coisas vantajo-sas no lugar das prejudiciais. Isto porque o que a cadacidade parece justo e belo, assim é para ela, até que oreconheça como tal: mas é o sábio que, no lugar dascoisas que são más, faz com que para os cidadãosdesta ou daquela cidade sejam e pareçam como coisasvantajosas. Seguindo o mesmo raciocínio, também osofista, que seja capaz de dar esta formação a seusdiscípulos, é sábio, e merece grandes compensaçõesdaqueles que por ele foram formados. £ assim algunssão mais sábios que outros e ninguém tem opiniõesfalsas, e tu, queiras ou não, deves aceitar ser "medida",

porque é nestas considerações que está a salvação domeu discurso.

Platão, Teeteto, 166d-167d.

fl imagem de Protágorascomo Sofista

6/s as mais significativas páginas de Platãosobre o figura e sobre a profissão de Protágorascomo Sofista.

1.Para Protágoras a arte sofistatorna melhores os jovens

logo que entramos, portanto, depois de demorar ainda um pouco contemplando o espetáculo,aproximamo-nos de Protágoras. £u disse: "Protágoras,eu e este jovem chamado Hipócrates viemos falar contigo".

“d quereis falar-me a sós", disse, "ou na

presença dos outros também?"

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85

Capítulo terceiro - .A Sofistica _________ 

"Paro nós é o mesmo", respondi; "depois deouvires com quol finalidade viemos, tu mesmo julgarás".

"C qual é, portanto, a finalidade pela qualviestes?", perguntou.

"Cste jovem chamado Hipócrates é um com-patriota, filho de Rpolodoro, de família rica e nobre, e por natureza pessoalmente dotado, parece-me nõo menosdo que seus coetâneos. 61® aspira — pelo que sei —tornar-se ilustre na cidade, e está convicto de que issolhe acontecerá, sobretudo se puder freqüentar tua com-panhia. figora julga tu se deves falar destas coisas a sós,ou na presença dos outros".

"Fazes bem, Sócrates", respondeu, "de usar tantacautela em relação o mim. Com efeito, um forasteiro quevai às grandes cidades e nelas persuade os melhores jovens a deixar a companhia dos outros, tanto dos

concidadãos como dos forasteiros, tanto dos mais jovenscomo dos mais velhos, e o freqüentar apenas a ele parapoder tornar-se melhores, justamente por causa da suacompanhia, deve ser muito cauto. Cm torno dessascoisas nascem invejas, inimizades e hostilidadescertamente não pequenas, flfirmo que a sofistica é arteantiga, mas que os antigos que a praticavam, temendo aodiosidade que ela suscita, usaram como máscara paraproteger-se ora a poesia, como Homero, Hesíodo eSimô- nides; ora os ritos e vaticínios, como Orfeu, Museue seus seguidores; e percebi alguns que usaram comocenário até a ginástica, como Ico de Taranto e o nossocontemporâneo Cródico de Selímbria, megarense deorigem, sofista não inferior a ninguém. Usaram, ao

contrário, como cenário a música vosso flgátocles, que égrande sofista, Pitóclides de Ceo e muitos outros. Todosestes, como dizia, por medo da inveja se serviramdesses artifícios como proteções; todavia, sobre isso,nõo estou de acordo com eles e nõo creio que elestenham alcançado o fim que pretendiam; com efeito, aosque detêm o poder nas cidades nõo escapa a finalidadedesses pretextos; a maioria, na verdade, nado percebe,e apenas repete em coro oquilo que aqueles proclamam.Ora, é empresa maluca tentar escapar sem conseguir edeixar-se ao invés descobrir, e, naturalmente, faz comque os outros fiquem muito mais irritados, porquepensam que quem faz isso seja, além do mais, tambémenganador. Por isso eu tomei um caminhocompletamente oposto ao seguido por eles; admitoabertamente ser um sofista e educar os homens e pensoque esta, isto é, admitir abertamente ao invés de negar,seja cautela melhor do que a outra. C, além desta, tomeitambém ulteriores precauções, de modo a nõo sofrer,com o auxílio de Deus, nenhum mal, pelo foto de admitir abertamente que sou um

sofista, flpesar de tudo, exerço esta arte já há anos, emeus anos colocados juntos são muitos; nõo há

ninguém entre vós do qual eu, por idade, nõo possa ser pai. Portanto, ficarei muito satisfeito se quiserdes falar da questão diante de todos os que estõo aquipresentes".

C eu — suspeitando que ele quisesse fazer boafigura diante de Pródico e de Hípias e mostrar quetínhamos vindo porque influenciados pela atração queele exercia — disse; "€n- tão, por que não convidamostambém Pródico e Hípias e os que estõo com eles, paraque possam ouvir-nos?"

"Muito beml", disse Protágoras."Quereis então", perguntou Cália, “que eu mande

preparar os assentos, de modo que possamos discutir sentados?".

R coisa pareceu oportuna, e, assim, todos nós,alegres com o pensamento que iríamos ouvir aquelessábios, tomamos assentos e bancos e os dispusemosem ordem ao lado de Hípias, onde se encontravam jáoutros assentos. Cxata- mente naquele instantechegaram Cália e Rlcibía- des, trazendo consigoPródico, que tiraram da cama, e todos os que estavamcom Pródico.

2. O problema de fundo:em quê o Sofista torna os jovens melhores?

Quando estávamos todos sentados, Protágorasdisse; “Rgora que estão presentes também eles,

Sócrates, repete o que antes me ace- navas a propósitodeste jovem".Cntão respondi: “R finalidade pela qual viemos,

Protágoras, é o de que há pouco te falava. Cste jovemchamado Hipócrates arde de desejo de freqüentar tuacompanhia. Pois bem, ele gostaria de ouvir de ti qualvantagem terá, caso freqüente tua companhia! Denossa parte é o que temos a te dizer".

Cntão Protágoras, em troca, disse: “Jovem, caso mefreqüentes, terás a vantagem, desde

o primeiro dia que passares em minha companhia, devoltar para casa melhor do que antes, e o mesmo nosegundo dia, e, assim, dia após dia farás contínuosprogressos para o melhor".

Cu, ouvindo-o, disse; “Prptágoras, o que dizesnão é nada extraordinário, mas é normal, uma vez quetambém tu, embora sendo assim avançado em anos etõo sábio, se alguém devesse ensinar-te alguma coisaque não sabes, tornar-te-ias melhor. Mas não é destemodo que deves responder, e sim desta outra forma.Supõe que Hipócrates mudasse de desejo e quisessefreqüentar aquele jovem que há pouco veio paraRtenas, Zeusipo de Heracléia, e que, indo a ele, comoagora veio a ti, ouvisse dizer as mesmas coisas queouviu de ti, ou seja, que

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Terceira pãrte - y\ descoberta do komem

a cada dia, freqüentando-o, tornar-se-ia melhor e.progrediria; pois bem, Zeusipo responderia

certamente que se tornaria melhor na pintura. € supõe agora que fosse a Ortágoras de Tebas ©

ouviss© dizer as mesmas coisas que ouviu d© ti © quelhe perguntasse posteriormente no quê, freqüentando-o,se tornaria melhor  Q  cada dia; pois b©m, ©I©respond©ria qu© s© tornaria melhor ©m tocar flauta.D©st© modo, portanto, deves responder também tu aeste jqvéme a mim que te pergunto no lugar dele. NossoHipócrates, freqüentando Protágoras, desde o primeirodia de freqüência voltará para casa melhor, © assimprogredirá a cada dia; mas ©m relaçõo a que coisa e arespeito de qual coisa se tornará melhor, Protágoras?"

3. Protágoras torna os jovens melhoresna arte política

Protágoras, depois de ouvir minhas palavras,disse;- “Interrogas bem, Sócrates, © ©u respondo comprazer a quem interroga bem. Se Hipócrates vier a mim,não Ih© acontecerá aquilo que sucederia sefreqüentasse outro sofista; com ©feito,,, os outrossofistas danificam os jovens, porque, enquanto estesfogem das várias ciências particulares, eles osempurram e os jogou dentro d© novo © contra a vontadedeles, ensinando a eles cálculo, astronomia, geometria emúsica (e neste momento olhou para Hfpios); se, aocontrário, vier a mim, não aprenderá outra coisa a nãoser aquilo para o qu© yéio. € o meu ensinamento

concerne à sagacidade, tanto nos assuntos privados —ou seja, éímetoór ntodo d© administrar a própria casa..-S como nos assuntos públicos — ou seja, o modo detornar-se em sumo grau hábil no governo da coisapública, nos atos e nas palavras".

 €ntõo respondi: “Se bem compreendi o quedisseste, parece-me que estás falando da arte política ©que declaras formar bons cidadãos".

“Exatamenteesto, Sócrates", disse ele, 'e aprofissão qu© abertamente professo!"

4. Protágoras pede um pagamentoproporcional a seus ensinamentos

[..,]€ se há alguém que se distingo ainda quepouco em saber guiar à virtude, devemos com isso nosalegrar. € creio ser eu justamente um destes e de ajudar o tornar-s© bom © virtuoso. mais do que todos os outrose em medida correspondente à recompensa que exijo, eem medido também maior, como o próprio discípuloconsidero. Por isso, estabeleci que meu po§amento sejafeito do seguinte modo: depois que alguém aprendeucomigo, s© quiser,

paga-me a soma que peço; do contrário, entra ©m umtemplo, presta juramento, e entrega aqui a soma qu©

©I© julgar qu© os meus ensinamentos valham.Platão, Protágoras, 31óa-319a e 328a-c.

O grande discurso de Protagorassobre os origens do homem e doarte político no diálogohomônimo de Platão

■ Platão certamente não reproduziu literal-Í

 mente o discurso, mas, hábil como era na arteSdo simulação irônica, imitou Protágoras nas suasl  afirmações, para não dizer nos seus silêncios,

> movimentos e suas características mais típicos, ,■ "recriando" afinal todo um clima particular, comI as acentuações e saliências oportunos dos tro- ;ços em que queria Fixar as idéias do soFista.

' Fl idéia de Fundo de Protágoras, ou sejo,, que o homem pode conviver com os outros : homensopenas com o "respeito" e com a "jus- ; tiça", é exato.Mas o respeito e a justiça requereriam perspectivaséticas e teóricas bem | diversos dos de Protágoras. 6portanto, o que ; é narrado sobre Protágoras não é mais

que ! belo Fábulo alusiva. Para realizá-la seria ne- \cessório bem mais do que Protágoras diz.

Houve um tempo em que existiam os deusesmas não existiam as estirpes mortais. Quando tambémpara ©stas chegou o tempo marcado pelo destino parasua geração, os deuses as plasmaram no interior daterra, fazendo mistura de terra e de fogo, e dos outroselementos qu© s© podem unir com o fogo e com aterra. € quando chegou o momento de fazê-las vir à iuz,confiaram a Prometeu e a Çpimeteu a tarefa defornecer e de distribuir as faculdades a cada raça demodo conveniente. Mas €pimeteu pediu a Prometeu o

poder de distribuí-las sozinho: “Quando tiver terminadoa distribuição — acrescentou — tu virás ver". 6 assim,persuadindo-o, entregou-se à obra d© distribuição. Ralgumas roços deu a força sem a velocidade, eforneceu ao contrário às raças mais fracas avelocidade, fl outras atribuiu armas de defesa, enquantopara outras ainda, às quais dera uma natureza inerme,excogitou outras faculdades, para garantir suasalvação.

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87Capítulo terceiro - A Sofistica _________ 

Com efeito, àquelas raças que ele revestiu depequenez, deu a capacidade de Pugir com as asas, ou

de esconder-se sob a terra; porém às que forneceu agrandeza, deu a possibilidade de salvar-se justamentecom ela. C também distribuiu as outras faculdades dessemodo, de maneira que se equilibrassem. C excogitouestas coisas atento para que uma raça não viesse a seextin- guir. C, tendo munido as várias raças com os mei-os para fugir às destruições recíprocas, excogitou umexpediente a fim de que se defendessem contra asintempéries das estações que Zeus manda, revestindo-as de pêlos abundantes e espessa pele, capazes dedefender do frio e em grau de protegê-las do calor, e taisque, quando se deitavam nas suas tocas, estasservissem como cobertores naturais, próprios para codauma delas. R algumas forneceu cascos paro os pés, a

outras peles duras e sem sangue.Sucessivamente, forneceu alimentos diversos

para as diversas raças: a algumas deu as ervas da terra,a outras os frutos das árvores, a outras as raízes. C háraças às quais concedeu devorar outras raças deanimais para se nutrir; e providenciou que as primeirastivessem escassa prole e as que deviam ser devoradaspor estas tivessem, ao contrário, prole numerosa,assegurando a conservação da raça. Todavia,Cpimeteu, que não era demasiado sábio, não percebeuque esgotara todas as faculdades paro os animais: e aeste ponto ainda lhe restava a raça humana, desprovidade tudo, e não sabia como remediar. Cstando ele nestasituação embaraçosa, Prometeu veio ver a distribuição,

e percebeu que todas as raças dos outros animais es-tavam convenientemente providas de tudo, enquanto ohomem estava nu, descalço, descoberto e inerme. Cagora se aproximava o dia marcado pelo destino em quetambém o homem devia sair da terra para a luz. CntãoPrometeu, nesta embaraçosa situação, não sabendoqual meio de salvação excogitar para o homem, roubade Héfesto e de Rtená sua sabedoria técnica junto como fogo (sem o fogo era, com efeito, impossível adquirir eutilizar aquela sabedoria), e a dá ao homem. Dessemodo, o homem teve a arte necessária para a vida, masnão teve a sabedoria político, porque esta se encontrava junto de Zeus, e a Prometeu não era mais possívelentrar na acrópole, moradia de Zeus; além do mais,havia também os terríveis guardas de Zeus. Cntra,portanto, furtivamente na oficina de Rtená e de Héfesto,em que eles praticavam juntos sua arte, e, roubando aarte do fogo de Héfesto e a de Rtená, as dá ao homem.Daqui vieram para o homem seus recursos para a vida,mas Prometeu, por causa de Cpimeteu, a seguir, comose conta, sofreu a punição pelo furto.

Como o homem se tornou participante da sortedivina, em primeiro lugar, em virtude ífeÉá; conexão que

chegou a ter com o divino, único entre os animaisacreditou nos deuses, eüxm-t- çou a construir altares e afazer imagens de deuses. Cm segundo lugar,rapidamente com a arte soltou a voz e articuloupalavras, inventou habitações, vestes, calçados, leitos etirou os alimentos do terra. Rssim providos, os homens,desde o princípio, habitavam espalhados aqui e lá, e nõoexistiam cidades. Portanto, pereciam por causa dasferas, uma vez que eram bem menos poderosos queelas: a arte que possuíam era para eles auxílioadequado para providenciar alimento, mas não erasuficiente para a guerra contra as feras. Com efeito, nãopossuíam ainda a arte político, da qual a arte da guerraé parte. Portanto, procuravam reunir-se junto e salvar-se

fundando cidades; mas, quando se reuniam juntos,praticavam injustiças mutuamente, porque nõopossuíam a arte política, de modo que, espalhando-senovamente, pereciam.

Cntão Zeus, temendo que nossa estirpe pudesseperecer inteiramente, mandou Hermes trazer aoshomens o respeito e a justiça, para que fossemprincípios ordenadores de cidades e relações produtorasde amizade. Cntão Hermes perguntou a Zeus de quemodo deveria dar aos homens a justiça e o respeito."Devo distribuir esses como foram distribuídas as artes?Rs artes foram distribuídas deste modo: um só quepossui a arte médica basta para muitos que nõo apossuem, e assim é também para os outros que

possuem uma arte. Pois bem, devo distribuir aoshomens também a justiça e o respeito deste modo, oudevo distribuí-los a todos?". "R todos", respondeu Zeus."Que todos participem deles, porque nõo poderiamsurgir cidades, se apenas poucos homens delesparticipassem, assim como acontece para as outrasartes. Rliás, põe como lei em meu nome que quem nõosouber participar do respeito e da justiça s«ja mortocomo um mal da cidade". .

"Dessa forma, Sócrates, e justamente por estasrazões, os atenienses, e também os outros, quandoestiver em questão a habilidade da arte de construir oude quajquer outra arte, consideram que poucos devamtomar parte nas deliberações. C se alguém que nõo for desses poucos quer dar conselhos, nõo o suportam,como dizes, e por boa razão, acrescento eu. Masquando se reúnem em assembléia por questõesatinentes à política, e se deve portanto proceder exclusivamente segundo a justiça e o sabedoria, énatural que eles aceitem o conselho de qualquer um,convictos de que todos, por necessidade, participemdessa virtude, de outra forma nõo existiriam cidades.Csta, Sócrates, é a

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Terceira parte - A de.SiZobe.Ha do komem

razõo disso. Mas, poro que nõo creias ser enganado,quando afirmo que todos efetivamente sustentam que

coda homem participe da justiço e de cada virtudepolítica, trago-te esta outra prova. Cm todos as outrashabilidades, como dizes, se alguém sustenta ser,suponhamos, hábil na arte da flauta ou em qualquer outra arte, quando não o é, todos dele caçoam ou comele se irritam, e os mais íntimos acorrem e o consideramlouco, flo contrário, quando se tratar de justiça ou detoda outra virtude política, também quando todos vêemque alguém é injusto, ao dizer contra si a verdade diantede todos, pois bem, o que no caso precedente todosconsideravam sabedoria, ou seja, dizer a verdade, nestecoso o consideram loucura; e sustentam que, dequalquer modo, todos devem dizer que são justos, sejaque de fato o sejam, ou não, e que é louco quem não

simula ser justo. G isto na convicção d® que énecessário que cada um, sem exceção, participe dequalquer modo da justiça, ou que não permaneça entreos homens".

Platão, Protágoras, 320c.-323c.

GÓRGIAS

■I O niilismo

fí obra de Górgias Sobre a natureza ou sobre onão-ser foi freqüentemente considerada apenas hábil jogo retórico, fí uma leitura historiográfica e teoréticamais atenta, ela resulta ao invés um texto de interessefilosófico essencial. Com efeito, nõo só mostra como agrande Sofistica parte de uma crítica do Eleatismo,mas apresenta, pela primeira vez, o niilismo como êxito

do crise dos fundamentos especulativos.Substancialmente, Górgias mostra que, a partir 

das premissas eleáticas, pode-se sustentar tudo e ocontrário de tudo, com êxito que é destrutivo poraqualquer asserção veritativa, no plano ontológico,gnosiológico e até na comunicação interpessoal, fíúnico saída possível, à luz desta demolição, é umaantropologia privada de qualquer fundamento que nõoseja inteligente uso da retórica.

fíbre-se, então, o caminho para o relativismo dasegunda geração dos Sofistas.

Górgias de Leontini pertencia ao mesmo grupodaqueles que rejeitam o critério, não porém sobre a

base do raciocínio daqueles que seguem Protágoras.Na obra Sobre a natureza ou sobre o não-ser elesustenta três teses fundamentais colocadas uma depoisda outra. Uma, que é também a primeira, é que "nadaexiste"; a segunda, que "mesmo que algo exista, não écaptável por um ser humano"; a terceira, que "mesmoque seja captável, todavia não pode ser comunicado ouexplicado a outro".

Que nada existe Górgias demonstra-o destemodo: se algo existe, é ou ente ou não- ente ou então éente e não-ente ao mesmo tempo; mas o ente nãoexiste, como demonstrará, nem o não-ente, comoconfirmará, e nem sequer o ente e o não-ente aomesmo tempo, como também explicará. Portanto, algo

não existe.O não-ente não existe certamente. Se, com

efeito, o não-ente é, ao mesmo tempo será e não será:enquanto é pensado como não- ente não será,enquanto é não-ente, por sua vez será. Gcompletamente absurdo que algo seja e ao mesmotempo não seja; portanto, o não-ente não existe.

De outro ponto de vista, se o não-ente existe, oente não será: com efeito, estes são termosreciprocamente contraditórios, e se ao não-ente atribui-se o ser, ao ente se atribuirá o não-ser. Não é, porém,verdadeiro que o ente não é, razão pela qual nem o não-ente será.

fllém disso, nem sequer o ente existe. Se, com

efeito, o ente é, é ou eterno ou gerado ou eterno egerado ao mesmo tempo; mas não é eterno nem geradonem ambas as coisos ao mesmo tempo, comodemonstraremos. Portanto, o ente não existe.

Se, com efeito, o ente é eterno (é precisocomeçar por esta tese) ele não tem nenhum início. Comefeito, tudo o que é gerado tem algum início, enquantoaquilo que é eterno, sendo não-gerado, não tem início.Não tendo início, é infinito. Se é infinito, não está emalgum lugar. Se, com efeito, está em algum lugar, aunidade na qual se encontra resulta diverso dele e,assim, o ente não será mais infinito enquanto estácontido em alguma coisa: com efeito, o continente émaior que o conteúdo, enquanto nada é maior que oinfinito, razão pela qual o infinito não está em algumlugar. Rlém disso, não está sequer contido em simesmo. Neste caso, serão idênticos o continente e oconteúdo, e o ente se tornará duas coisas, o lugar e ocorpo (o continente é, com efeito, o lugar, o conteúdo ocorpo). Isso é absurdo. Portanto, o ente não está sequer em si próprio.

Por conseguinte, se o ente é eterno, é infinito; seé infinito, não está em algum lugar; se

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89Capítulo terceiro - A Sofistica _-a

nõo está em algum lugar, nõo existe. Portanto, se o enteé eterno, ele não existe de modo absoluto.

Mas o ente nõo pode sequer ser gerado. Se, comefeito, foi gerado, certamente foi gerado ou pelo ente oupelo não-ente; mas não foi gerado nem pelo ente — se,com efeito, o ente é, não foi gerado mas já existe — nempelo não-ente: com efeito, o nõo-ente não pode sequer gerar algo porque necessariamente aquilo que gera algodeve participar de alguma existência. Portanto, o entenão é sequer gerado.

Pelas mesmas razões, nõo pode ser ambas ascoisas, ao mesmo tempo eterno e gerado. Cstes termos,com efeito, se destroem reciprocamente: se o ente éeterno, ele não é gerado; se é gerado, não é eterno.Portanto, se nõo é eterno, nem gerado nem ambas ascoisas ao mesmo tempo, o ente nõo será.

De outro ponto de vista, se o ente existe, é ou umou muitos; mas nõo é nem um nem muitos, como serádemonstrado. Portanto, o ente nõo existe.

Se, com efeito é uno, é ou quantidade discreta ouquantidade contínua ou grandeza ou corpo. Seja destesqual for, nõo é uno. Se for quantidade discreta seráseparado, se for quantidade contínua será dividido;analogamente, se o pensamos como grandeza não seráindivisível. Se devesse ser corpo, seria tridimensional:com efeito, teria comprimento, largura e profundidade.Por outro iodo, é absurdo dizer que o ente não énenhuma dessas coisas; portanto, o ente nõo é uno.

Riem disso, nõo é sequer muitos. Se, com efeito,nõo é uno, não é sequer muitos; com efeito, a

multiplicidade é síntese de várias unidades, razõo pelaqual, uma vez que seja eliminada a unidade tambémanula-se ao mesmo tempo a multiplicidade. Mas entõotorna-se claro por estes argumentos que nõo existe nemo ente nem o nõo-ente. .

Por outro lado, que nõo existam sequer ambos aomesmo tempo, o ente e o não-ente, é fácil deargumentar. Se, com efeito, o não- ente é e o ente é, onão-ente será idêntico ao ente e também ao ser; por conseguinte, nenhum dos dois existe. Com efeito, antesconcordamos que o nõo-ente não é; depois demonstra-mos que a este é idêntico o ente, que, portanto, por suavez, não existirá. Nõo só, mas se o ente é idêntico aonõo-ente, nõo é possível que existam ambos os termos.Com efeito, se ambos existem, não há identidade; se háidentidade, não existem os dois termos.

R partir desses argumentos segue-se que nadaexiste. Com efeito, se nõo existe nem o

ente nem o nõo-ente, nem ambos ao mesrtiO: tempo —nõo podemos pensar outra possibilidade além destas —

nada existe.'

■6 preciso a seguir demonstrar que, mesmo que

algo exista, isto nõo é cognoscível nem pensável por umser humano. Com efeito — diz. Górgias — se osconteúdos do pensamento não são entes, o ente não épensado. Também isto é logicamente correto: comefeito, se atribuímos aos conteúdos de pensamento abrancura, atribuímos também à brancura apensabilidade; analogamente, se atribuímos aosconteúdos de pensamento o não-ser, necessariamenteatribuiremos aos entes a não pensabilidade. Por isso, aconclusão "se os conteúdos do pensamento não são

entes, o ente não é pensado” torna-se justa ecorretamente adquirida.

Os conteúdos de pensamento (é preciso partir daqui) não sõo entes, como demonstraremos, portanto oente não é pensado. Cntão é claro que os conteúdos dopensamento não são entes. Com efeito, se osconteúdos do pensamento sõo entes, todos ospensamentos existem, seja qual for o modo com que ospensemos. Isso é absurdo. Não é porque alguém pensaum homem que voa ou carruagens que correm sobre aságuas do mar que de repente um homem voa oucarruagens correm no mar. Portanto, os conteúdos dopensamento não são entes.

Rinda mais: se os conteúdos do pensamento são

entes, os não-entes não serõo pensados. R realidadescontrárias se atribuem predicados contrários, e ao enteé contrário 0 não-ente. Por isto, se oo ente se atribui apensabilidade, ao não-ente se atribuirá absolutamente anão-pensabilidade. Mas isso é absurdo: com efeito,pensamos Cila, a Quimera, e muitos outros nõo-entes.Portanto, o ente não é pensado.

Como os conteúdos da visão são chamadosrealidades visíveis exatamente por isso, porque sãovistos, e os conteúdos da audiçõò realidades audíveisexatamente por isso, porque são ouvidos, e nãoeliminamos as realidades visíveis pelo fato de nõoserem ouvidas nem rejeitamos as realidades audíveispelo fato de nõo serem vistos (com efeito, cada umadeve ser julgada pelo próprio órgão de sentido, e nãopelo outro), também os conteúdos do pensamento,mesmo que não sejam vistos pela visão nem ouvidospela audição existirão, pois são concebidos por seupróprio critério. Portanto, se alguém pensa carros quecorrem sobre as águas do mar, mesmo que nõo os vejadeve crer que existem carros que correm no mar. Isso éabsurdo. Portanto, o ente não é pensado nemconcebido.,

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Terceira parte - .A descoberta do Komem

C, mesmo admitindo qu© seja concebido, nõopod© s©r comunicado o outro. Com ©feito, s© os entes,

os qu© ©xistsm foro d© nós, são visíveis, audíveis e emgeral perceptíveis, © destes os visíveis soo captáveiscom a visão, os audíveis com o audição e não ocontrário, como é possível então manifestá-los a outro?Com efeito, aquilo com que manifestamos é a palavra,mas a palavra não coincide com os entes concretamenteexistentes. Portanto, aos outros não manifestamos os©nt©s, mas o palavra qu© é div©rsa dos ©ntesconcretos. Cntão, como a realidade visível não pode setornar audível © vice-versa, também o ent© qu© s©concretiza fora de nós não pod© se tornar palavranosso. l\lão sendo uma palavra, o ent© não pod© s©r evidenciado a outro.

Sexto Empírico, Contra os matemáticos, VII,

65-87.

 A arte da retórica como sumopoder do homem

Górgios, exatamente como conseqüên- \ cia doseu niilismo, dirigiu sua atenção pora o poder da

palavra do homem, não conside- [ rada comoexpressão de verdade, mas como : portadora d©persuasão psicológica, de sugestão, e criadora decrenças.

;

6/s como Platão põe na boca de ; Górgias as

1.A arte retórica é determinantepara provocar decisões políticos

GÓRGIRS. Procurarei, Sócrates, revelar-te todo opoder da retórica: tu mesmo me indicaste o caminho.

Bem sobes que estes arsenais ©

©st©s muros dos atenienses e também a construçãodos portos foram feitos por conselho de Temístocles e,

em parte, também de Péricles, e não por conselho detécnicos.

SÓCRATÊS. Isto se diz, Górgias, de Temís- tocl©s.Péricles, d©pois, ©u próprio o ouvi, quando aconselhavaa construção do muro central.

GÓRGIAS. Portanto, também quando se dev©tomamlguma decisão sobre as coisas d© qu© há poucofalavas, Sócrates, vê bem que são os retores os queaconselham e fazem prevalecer seus pareceres.

SócRflTcs. Cxatament© porque me maravilhodisso, Górgias, há algum tempo estou te perguntandoqual é o podar da retórica: considerando-o deste modo,com ©feito, apresenta- s©-me d© grandezaverdadeiramente divina.

2. fl arte retórica sabe persuadir o homem emtodas as coisas

GÔRGIRS. Se soubesses tudo, Sócrates! Saberiasque essa, em certo sentido, abraça e contém em sitodos os poderes! Apresento-te uma prova notável.Muitas vezes fui com meu irmão e outros médicos aalgum doente que não queria absolutamente tomar oremédio, ou deixar-se operar ou cauterizar pelo médico.Pois bem, enquanto o médico ©ra incapaz de persuadi-lo, eu, ao contrário, consegui persuadir apenas com aarte da retórica. € digo também que se um médico e umretor fossem a uma cidade qualquer e tivessem de

discutir na assembléia popular ou em qualquer outrareunião qual dos dois deveria ser escolhido comomédico, o médico não venceria, e seria escolhidoaquel© qu© é hábil ©m falar, uma vez qu© o quisesse. €assim, se devesse competir com qualquer outro técnico,o retor persuadiria a escolher a ele antes de outroqualquer, porque não há nada de que o retor, diante damultidão, não saiba falar de maneira mais persuasiva doque qualquer outro técnico. Tanto e tal é o poder destaarte!

Platão, Górgias, 455d-45óc.

5

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(Sapítulo quarto

Sócrates e os Socraticos menores

I. Sócrates e a fundação da filosofia moml ocidental

• Sócrates (470/469 - 399 a.C.) não deixou escritos, mas confiou seu saber aos discípulosmediante o diálogo, na dimensão da pura oralidade. Daí a dificuldade de reconstruir suadoutrina, servindo-se de múltiplos testemunhos freqüentemente divergentes entre si, porquecada uma das testemunhas colhiaapenas alguns aspectos do ensinamento do mestre, aqueles que  A questão lheinteressavam. socrática

Entre as fontes de Sócrates, por exemplo, Platão, pelo fato -»§ 1 de idealizar o mestre,coloca-se no oposto de Aristófanes, que ao invés o põe em ridículo; Xenofonte, pelo fato detender a banalizar os motivos filosóficos, se contrapõe a Aristóteles, que ao invés os tornaexcessivamente rigorosos.

Para conhecer o pensamento de Sócrates é, portanto, necessário levar em conta todos ostestemunhos, considerando em particular as novidades que se registram em campo filosófico,em geral, depois de Sócrates, e que nascem como efeitos do seu ensinamento.

•  A sabedoria humana de que Sócrates se diz mestre consiste na busca de justificaçãofilosófica (isto é, de um fundamento) da vida moral. Este fundamento consiste na próprianatureza ou essência do homem. À diferença dos Sofistas, Sócrates chega a estas conclusões:o homem é a sua alma. E por alma eleentendia a consciência, a personalidade intelectual e moral (hoje o homem diríamos acapacidade de entender e de querer). "Conhecer a é sua alma si mesmo" significa,portanto, reconhecer tal verdade. - > § 2  

• Se o homem é a alma, a virtude do homem se atua com a "cura da alma", fazendo comque ela se realize da melhor forma possível. E como a alma é atividade cognoscitiva, a virtude

será essencialmente potencializaçãodessa atividade, ou seja, será "ciência", "conhecimento".  A mor a / f unc  j ac i a

Dado que o corpo é instrumento da alma, também os va- Sobre a alma

lores ligados ao corpo serão instrumentais em relação aos da _> § 3 alma e,portanto, a eles subordinados.

• Se a virtude é ciência, temos duas conseqüências: o intelectualismo

1) existe uma só virtude, que é, ao mesmo tempo, o mini- ético  modenominador comum e o fundamento de todas as múlti- § 4 pias virtudes em que ogrego acreditava;

2) ninguém pode pecar voluntariamente, porque quem peca se engana sobre o valor daquilo a que a própria ação tende; considera um bem aquilo que é mal,

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Terceira parte - descoberta do komem

aquilo que é bem apenas na aparência. Bastaria mostrar a quem erra a verdade, e estecorrigiria o próprio erro.

• Ainda do conceito de  psyché  deriva a descoberta socrática da liberdade, en-tendida como liberdade interior e, em última análise, como "autodomínio". Uma vez quea alma é racional, ela alcança sua liberdade quando se livra de tudo o que é

irracional, ou seja, das paixões e dos instintos. Dessa forma, o  A

liberdade homem se liberta o mais possível das coisas que pertencem ao5  mundo externo e que alimentam suas paixões.

• Também a felicidade assume valência espiritual e se realiza quando na almaprevalece a ordem. Tal ordem se realiza justamente mediante a virtude. Dessa

forma, afirma-se o princípio ético que a virtude é prêmio para si  A

felicidade mesma, e deve ser buscada por si mesma.-^§6

• Dessa forma, assume relevo considerável o tema da "per-suasão" e da educação espiritual. Nas relações com os outros a A não-violência violência

 jamais vence: o verdadeiro vencer consiste em "con- § 7 vencer" (tema da não-violência).

• Sócrates também teve uma particular concepção de Deus, deduzida daconstatação de que o mundo e o homem são constituídos de modo tal - isto é, segundotal ordem e tal finalidade - que exige uma causa adequada. Esta Causa é

 justamente Deus, entendido como inteligência ordenadora e .providência. Uma providência que, porém, não se ocupa do ho-

 A t s°J 0 q ia mem 'ndividual, mas do homem em geral, fornecendo-lhe o quelhe permite a sobrevivência. Todavia, enquanto Deus é bom, ocupa-

se, ao menos indiretamente, também do homem bom, como acontece no casoespecífico de Sócrates com a voz divina (o daimónion) que lhe indica algumas coisas a

evitar.• O método usado por Sócrates no seu ensinamento foi o do diálogo articulado em

dois momentos: o irônico-refutatório e o maiêutico.Além disso, seu método era montado sobre a figura do não-saber. Com efeito, ele

não recorria a discursos de parada e a longos monólogos, mas seguia com seusinterlocutores um método de pergunta-resposta, apresentando-se como aquele que nãosabe e pede para ser instruído, e - pelo fato de efetivamente afirmar que todo homem,em relação a Deus, é não-sapiente -, muito freqüentemente esta atitude era umasimulação irônica, para constranger o adversário a expor completamente suas teses.

Sócrates, representando o aluno, começava o diálogo com ométodo o interlocutor, apresentado na falsa parte do mestre, e cons-socrático trangia este a definir de modo preciso os termos de seu discur-

 § 10-13 so e a escandir logicamente suas passagens. No mais das vezes,

o resultado era que o interlocutor se confundia e caía em incuráveiscontradições. E, de tal modo, atuava-se a "refutação", e o interlocutor obrigava-se areconhecer os próprio erros.

Neste ponto Sócrates punha em ação a  pars construens do seu ensinamento e,sempre mediante perguntas e respostas, conseguia fazer nascer a verdade na alma dodialogante, quando esta dela estava grávida. Notemos a expressão: "fazer nascer";como em grego a arte de fazer nascer própria da obstetra se diz "maiêutica", Sócratescaracterizou justamente com tal nome este momento conclusivo de seu método.

• Nestas operações dialógicas Sócrates punha em ato uma série de elementoslógicos de primeira ordem, alguns dos quais constituíam verdadeiras e próprias

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Cãpítulo quarto - Sócrcx tes e os Socráticos menores

antecipações de figuras lógicas explicitadas e desenvolvidas emépocas sucessivas: por exemplo, o conceito, a definição (o "o

que é") e o procedimento indutivo.Trata-se de antecipações significativas, mas não de desco-bertas verdadeiras, pelo simples motivo que o interesse deSócrates era de tipo ético e não lógico, e tais formas não eram ofim da sua especulação, mas o meio para obter determinado escopo, justamentemoral ou educativo.

A antecipaçãode elementosque constituirãoa ciência lógica->§14

• Sócrates levou o pensamento filosófico a um plano bastante mais elevado emrelação ao dos Sofistas, mas levantou uma série de questões que, por sua vez, pu-nham ulteriores problemas que ele não resolveu. Ancorou a moralno conceito de alma, mas definiu a alma apenas em termos fun-cionais, indicou suas atividades e não a natureza, ou seja, qualé seu ser. O mesmo pode-se dizer de Deus: disse como Deus age,mas não precisou sua natureza ontológica. Desses problemasPlatão e Aristóteles apresentarão soluções detalhadas.

Valores e limitesdo pensamentosocrático

- > § 7 5

vida de Sócrates e a

questão socrática (o

problema das fontes)

Sócrates nasceu em Atenas em470/469 a.C. e morreu em 399 a.C., após

condenação por “impiedade” (foi acusadode não crer nos deuses da cidade e decorromper os jovens; mas, por trás de taisacusações, escondiam-se ressentimentosde vários tipos e manobras políticas). Erafilho de um escultor e uma obstetra. Nãofundou uma Escola, como os outrosfilósofos, realizando o seu ensinamento emlocais públicos (nos ginásios, praçaspúblicas etc.), como uma espécie depregador leigo, exercendo imenso fascínionão só sobre os jovens, mas também sobrehomens de todas as idades, o que lhecustou inúmeras aversões e inimizades.

Parece sempre mais claro que sedevam distinguir duas fases na vida deSócrates. Na primeira fase, ele estevepróximo dos Físicos, particularmente deArquelau, que, como vimos, professavauma doutrina semelhante à de Diógenes deApolônia (que misturava ecleticamenteAnaxímenes e Anaxágoras). Sofrendo ainfluência da Sofistica, tornou próprios seusproblemas, embora polemizandofirmemente contra as soluções dosmesmos, dadas pelos maiores Sofistas.Assim sendo, não é estranho o fato de que

Aristófa- nes, na célebre comédia  Asnuvens re resentada no ano de 423

de vida), tenha apresentado um Sócratesbem diferente do apresentado por Platão eXenofonte, que é o Sócrates da velhice.

Sócrates nada escreveu, considerandoque a sua mensagem era transmissível pelapalavra viva, através do diálogo e da “ora-lidade dialética”, como já se disse muitobem. Seus discípulos fixaram por escrito

uma série de doutrinas a ele atribuídas.Mas tais doutrinas freqüentemente nãoconcordam entre si e, por vezes, até secontradizem.

Aristófanes caricatura um Sócratesque, como vimos, não é o de suamaturidade última.

Na maior parte de seus diálogos,Platão idealiza Sócrates e o torna porta-voztambém de suas próprias doutrinas: dessemodo, é dificílimo estabelecer o que éefetivamente de Sócrates nesses textos e oque, ao contrário, representarepensamentos e reelabo- rações de Platão.

Em seus escritos socráticos, Xenofonteapresenta um Sócrates de dimensões redu-zidas, com traços que às vezes beiram atémesmo a banalidade (certamente, seria im-possível que os atenienses tivessemmotivos para condenar à morte um homemcomo o Sócrates descrito por Xenofonte).

Aristóteles fala de Sócrates ocasional-mente. Entretanto, suas afirmações sãoconsideradas mais objetivas. MasAristóteles não foi contemporâneo deSócrates. Pôde ter-se documentado sobre oque registra, mas faltou-lhe o contato

direto com o personagem, contato que, nocaso de Sócrates, revela-se insubstituível.

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Terceira parte - /\ d es coberta do Komem

Por fim, os vários Socráticos, funda-dores das assim chamadas “Escolas socrá-

ticas menores”, deixaram pouco, e essepouco lança luz apenas sobre um aspectoparcial de Sócrates.

Desse modo, alguns chegaram a sus-tentar a tese da impossibilidade de recons-truir a figura “histórica” e o pensamentoefetivo de Sócrates. Por alguns lustros aspesquisas socráticas caíram em séria crise.Mas hoje está abrindo caminho, não o cri-tério da escolha entre as várias fontes oude sua combinação eclética, mas sim ocritério que pode ser definido como “aperspectiva do antes e depois de Sócrates”.

Expliquemos melhor. A partir do mo-

mento em que Sócrates atua em Atenas,pode-se constatar que a literatura em geral,

e particularmente a filosófica, registramuma série de novidades de porte

bastante considerável, que depois, noâmbito do helenis- mo, permaneceriamcomo aquisições irreversíveis e pontos dereferência constantes.

Mas há mais: as fontes a que nos refe-rimos (e também outras fontes, além dasmencionadas) concordam na indicação deSócrates como o autor de tais novidades,seja de modo explícito, seja implícito.Assim, podemos creditar a Sócrates, comelevado grau de probabilidade, asdoutrinas que a cultura grega recebeu nomomento em que Sócrates atuava emAtenas e que os nossos documentos a ele

creditam. Relida com base nesse critério, afilosofia socrática revela ter exercido pesotal no desenvolvimento do pensamentogrego, e do pensamento ocidental em

descoberta da essência do

Komem

(o Komem é a sua rtpsycKé //)

Sócrates é o descobridor da essência dohomem como psyché. Tornou-se o símboloda própria filosofia, a partir de Platão,que o tornou protagonista da maior partede seus diálogos(Roma, Museu Nacional Romano).

Depois de um período de tempo

ouvindo a palavra dos últimos Naturalistas,mas sem se considerar de modo algumsatisfeito, como já dissemos, Sócratesconcentrou definitivamente seu interessena problemática do homem. Procurandoresolver os problemas do “princípio” e da

 physis, os Naturalistas se contradisserama ponto de sustentar tudo e o contrário detudo (o ser é uno, o ser é múltiplo; nada semove, tudo se move; nada se gera nem sedestrói, tudo se gera e tudo se destrói), oque significa que se propuseram problemasinsolúveis para o homem.

Conseqüentemente, Sócrates seconcentrou no homem, como os Sofistas,mas, ao contrário deles, soube chegar aofundo da questão, a ponto de admitir,malgrado sua afirmação geral de não-saber(da qual falaremos adiante), que era sábionessa matéria: “Na verdade, atenienses,por nenhuma outra razão eu granjeei estenome senão por causa de certa sabedoria.E que sabedoria é essa? Essa sabedoria éprecisamente a sabedoria humana (ouseja, a sabedoria que o homem pode tersobre o homem), e pode ser que, dessasabedoria, eu seja realmente sábio.”

Os Naturalistas procuraram responderà se uinte uestão: “O ue é a natureza ou

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Capítulo quarto - Sócrates e. os Soc^á+icos menot*es

a realidade última das coisas?” Sócrates,ao contrário, procura responder à questão:

“O que é a natureza ou realidade última dohomem?”, ou seja: “O que é a essência dohomem?”. A resposta é, finalmente, precisae inequívoca: o homem é a sua alma,enquanto é precisamente sua alma que odistingue especificamente de qualqueroutra coisa. E por “alma” Sócrates entendea nossa razão e a sede de nossa atividadepensante e eticamente operante. Empoucas palavras: para Sócrates a alma é oeu consciente, ou seja, a consciência e a

 personalidade intelectual e morai Conseqüentemente, com essa descoberta,como foi justamente salientado, Sócrates

criou a tradição moral e intelectual sobre aqual a Europa espiritualmente se construiu.

É evidente que, se a essência dohomem é a alma, cuidar de si mesmosignifica cuidar da própria alma mais doque do corpo. E ensinar os homens acuidarem da própria alma é a tarefasuprema do educador, precisamente atarefa que Sócrates considera ter recebidode Deus, como se lê na  Apologia: “Queesta (...) é a ordem de Deus; e estoupersuadido de que não há para vós maiorbem na cidade cio que esta minha obediên-

cia a Deus. Na verdade, não é outra coisa oque faço nestas minhas andanças a não serpersuadir a vós, jovens e velhos, de quenão deveis cuidar do corpo, nem dasriquezas, nem de qualquer outra coisaantes e mais do que da alma, de modo queela se torne ótima e virtuosíssima; e de quenão é das riquezas que nasce a virtude,mas da virtude nascem a riqueza e todasas outras coisas que são bens para oshomens, tanto individualmente para oscidadãos como para o Estado.”

Um dos raciocínios fundamentais deSócrates para provar essa tese é o

seguinte: uma coisa é o “instrumento” quese usa e outra é o “sujeito” que usa oinstrumento. Ora, o homem usa o própriocorpo como instrumento, o que significaque o sujeito, que é o homem, e oinstrumento, que é o corpo, são coisasdistintas. Assim, à pergunta “o que é ohomem?”, não se pode responder que é oseu corpo, mas sim que é “aquilo que seserve do corpo”. Mas “o que se serve docorpo é a  psyché, a alma (= ainteligência)”, de modo que a conclusão éinevitável: “A alma nos ordena conhecer

aquele que nos adverte: Conhece a ti mesmo." Sócrates levou esta sua doutrina

que chegou a deduzir todas as conseqüên-cias que logicamente dela brotam, como

veremos.

O novo significado de “virtude”e o novo quadro dos valores

Aquilo que hoje chamamos de “virtu-de” os gregos denominavam areté, signifi-cando aquilo que torna uma coisa boa eperfeita naquilo que é; ou, melhor ainda,areté significa a atividade ou modo de serque aperfeiçoa cada coisa, fazendo-a seraquilo que deve ser. (Os gregos, portanto,falavam de virtude dos váriosinstrumentos, de virtude dos animais etc.Por exemplo: a “virtude” do cão é a de serum bom guardião, a do cavalo é a de corrervelozmente e assim por diante.)Conseqüentemente, a “virtude” do homemoutra não pode ser senão aquilo que fazcom que a alma seja tal como sua naturezadetermina que seja, isto é, boa e perfeita.E, segundo Sócrates, esse elemento é a“ciência” ou o “conhecimento”, ao passo

que o “vício” seria a privação de ciência oude conhecimento, ou seja, a “ignorância”.

Desse modo, Sócrates opera uma re-volução no tradicional quadro de valores.Os verdadeiros valores não são os ligadosàs coisas exteriores, como a riqueza, o po-der, a fama, e tampouco os ligados ao cor-po, como a vida, o vigor, a saúde física e abeleza, mas somente os valores da alma,que se resumem, todos, no“conhecimento”. Naturalmente, isso nãosignifica que todos os valores tradicionaistornam-se necessariamente “desvalores”;significa, simplesmente, que “em si  mesmos não têm valor”. Tornam-se ounão valores somente se forem usados comoo “conhecimento” exige, ou seja, emfunção da alma e de sua areté-, em simesmos, nem uns nem outros têm valor.

Os paradoxos da

ética socrática

A tese socrática que apresentamosimplicava duas conseqüências, que foramlogo consideradas como “paradoxos”, mas

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Terceira parte - A descoberta do komem

são muito importantes e devem seroportunamente clarificadas.

1) A virtude (cada uma e todas as vir-tudes: sabedoria, justiça, fortaleza,temperança) é ciência (conhecimento), e ovício (cada um e todos os vícios) éignorância.

2) Ninguém peca voluntariamente;quem faz o mal, fá-lo por ignorância dobem.

Essas duas proposições resumem tudoo que foi denominado “intelectualismo soerático”, enquanto reduzem o bem moral aum dado de conhecimento, uma vez que seconsidera impossível conhecer o bem e nãofazê-lo. O intelectualismo socrático influen-

ciou todo o pensamento grego, a ponto detornar-se quase um mínimo denominadorcomum de todos os sistemas, seja naépoca clássica, seja na época helenística.Entretanto, malgrado seu excesso, as duasproposições enunciadas contêm algumasinstâncias muito importantes.

1) Em primeiro lugar, cabe destacar aforte carga sintética da primeira proposi-ção. Com efeito, a opinião corrente entre osgregos antes de Sócrates (até mesmo a dosSofistas, que, no entanto, pretendiam ser“mestres da virtude”) considerava asdiversas virtudes como uma

 pluralidade (uma coisa é a “justiça”,outra a “santidade”, outra a “prudência”,outra a “temperança”, outra a“sabedoria”), mas da qual não sabiamcaptar o nexo essencial, ou seja, aquelealgo que faz com que as diversas virtudessejam uma unidade (algo que façaprecisamente com que todas e cada umasejam “virtudes”). Além disso, todos viamas diversas virtudes como coisas fundadasnos hábitos, no costume e nas convençõesaceitas pela sociedade. Sócrates, noentanto, tenta submeter a vida humana

e os seus valores ao domínio darazão (assim como os Naturalistas haviamtentado submeter o cosmo e suas ma-nifestações ao domínio da razão). E como,para ele, a própria natureza do homem ésua alma, ou seja, a razão, e as virtudessão aquilo que aperfeiçoa e concretizaplenamente a natureza do homem, ou seja,a razão, então é evidente que as virtudesrevelam-se como uma forma de ciência ede conhecimento, precisamente porque sãoa ciência e o conhecimento queaperfeiçoam a alma e a razão, como jádissemos.

2) Mais complexas são as motivações

realidade não o faz  porque se trate domal, mas porque espera daí extrair umbem. Dizer que o mal é “involuntário”significa que o homem engana-se aoesperar dele um bem e que, na realidade,está cometendo um erro de cálculo e,portanto, se enganando. Ou seja, emúltima análise é vítima de “ignorância”.

Ora, Sócrates tem perfeitamenterazão quando diz que o conhecimento écondição necessária para fazer o bem(porque, se não conhecermos o bem, nãopoderemos fazê- lo), mas engana-se aoconsiderar que, além de condiçãonecessária, seja também condiçãosuficiente. Em suma, Sócrates cai em

excesso de racionalismo. Com efeito, parafazer o bem também é necessário o concur-so da “vontade”. Mas os filósofos gregosnão detiveram sua atenção na “vontade”,que se tornaria central e essencial na éticados cristãos. Para Sócrates, porconseguinte, é impossível dizer “vejo eaprovo o melhor, mas no agir me atenho aopior”, porque quem vê o melhornecessariamente também o faz. Emconseqüência, para Sócrates, como paraquase todos os filósofos gregos, o  pecadose reduz a um “erro de cálculo”, a um “errode razão” ustamente a “i norância” do

l||j| y\ descoberta socrática do

conceito de liberdade

A mais significativa manifestação daexcelência da  psyché ou razão humanase dá naquilo que Sócrates denominou de“autodomínio” (enkráteia), ou seja, nodomínio de si mesmo nos estados deprazer, dor e cansaço, no urgir das paixõese dos impulsos: “Considerando oautodomínio como a base da virtude, cadahomem deveria procurar tê-lo.”Substancialmente, o autodomínio significadomínio da própria racionalidade so-bre a própria animalidade, significatornar a alma senhora do corpo e dosinstintos ligados ao corpo.Conseqüentemente, podemos compreenderperfeitamente que Sócrates tenhaidentificado expressamente a liberdadehumana com esse domínio da racionalidadesobre a animalidade. O verdadeiro homemlivre é aquele que sabe dominar seus

instintos, o verdadeiro homem escravo éa uele ue não sabendo dominar seus ins-

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Capitulo quarto - Sócrates e os Socráticos menores

Estreitamente ligado a esse conceitode autodomínio e de liberdade encontra-seo conceito de “autarquia”, isto é, de “auto-nomia”. Deus não necessita de nada, e osábio é aquele que mais se aproxima desseestado, sendo portanto aquele que procurater necessidade apenas de muito pouco.Com efeito, para o sábio que vence osinstintos e elimina todas as coisassupérfluas, basta a razão para viver feliz.

Como justamente ressaltou-se,estamos aqui diante de uma novaconcepção de herói. O herói,tradicionalmente, era aquele que é capazde vencer todos os inimigos, os perigos, asadversidades e o cansaço externos. Já o

novo herói é aquele que sabe vencer osinimigos interiores, que se lhe aninham na

O novo conceito

de felicidade

A maior parte dos filósofos gregos, e justamente a partir de Sócrates, apresentouao mundo sua mensagem como mensagem

de felicidade. Em grego, “felicidade” sediz “eudaimonía ”, que, originalmente,significava ter tido a sorte de possuir umdemônio- guardião bom e favorável, quegarantia boa sorte e vida próspera eagradável. Mas os Pré- socráticos já haviaminteriorizado esse conceito. Heráclitoescrevia que “o caráter moral é overdadeiro demônio do homem” e que “afelicidade é bem diferente dos prazeres”,ao passo que Demócrito dizia que “não setem a felicidade nos bens exteriores” e que“a alma é a morada de nossa sorte”.

Com base nas premissas que ilustra-mos, o discurso de Sócrates aprofunda efundamenta esses conceitos de modo

sistemático. A felicidade não pode vir dascoisas exteriores, do corpo, mas somenteda alma, porque esta e só esta é a suaessência. E a alma é feliz quando éordenada, ou seja, virtuosa. Diz Sócrates:“Para mim, quem é virtuoso, seja homemou mulher, é feliz, ao passo que o injusto emalvado é infeliz”. Assim como a doença ea dor física são desordem do corpo, asaúde da alma é ordem da alma, e essaordem espiritual ou harmonia interior é afelicidade.

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Terceira parte - y\ descoberta do Komem

pode sofrer nenhum mal, nem na vida, nemna morte”. Nem na vida, porque os outros

podem danificar-lhe os haveres ou o corpo,mas não arruinar-lhe a harmonia interior ea ordem da alma. Nem na morte, porque,se existe um além, o virtuoso será premia-do; se não existe, ele já viveu bem noaquém, e o além é como um ser no nada.De qualquer forma, Sócrates possuía firmeconvicção de que a virtude já tem o seuprêmio em si mesma, isto é,intrinsecamente. Portanto, vale a pena servirtuoso, porque a própria virtude jáconstitui um fim. E, sendo assim, paraSócrates o homem pode ser feliz nestavida, quaisquer que sejam as

circunstâncias em que lhe cabe viver e sejaqual for a situação no além. O homem é overdadeiro artífice de sua própria felicidade

Iglu jA revoluçãoda //não-violênciaw

Muitíssimo se discutiu sobre as razõesque levaram Sócrates à condenação. Doponto de vista jurídico, está claro que oscrimes que lhe foram imputadosprocediam. Ele “não acreditava nos deusesda cidade” porque acreditava num Deussuperior, e “corrompia os jovens” porquelhes ensinava essa doutrina. Entretanto,depois de se ter defendido corajosamenteno tribunal, tentando demonstrar queestava com a verdade, mas não tendoconseguido convencer os juizes, aceitou acondenação e recusou-se a fugir docárcere, apesar dos amigos terem organi-zado tudo para a sua fuga. Suasmotivações eram exemplares: a fuga teriasignificado violação do veredito e, portanto,

violação da lei. A verdadeira arma de que ohomem dispõe é a sua razão e, portanto, a

 persuasão. Se, fazendo uso da razão, ohomem não consegue alcançar seusobjetivos com a persuasão, então deveconformar-se, porque, como tal, a violênciaé coisa ímpia. Platão põe na boca deSócrates: “Não se deve desertar, nemretirar-se, nem abandonar o posto, massim, na guerra, no tribunal e em qualquerlugar, é preciso fazer aquilo que a pátria ea cidade ordenam, ou então persuadi-lasem que consiste a justiça, ao passo quefazer uso da violência é coisa ímpia”.E Xenofonte escreve: “Preferiu morrer,

Ao dotar Atenas de leis, Sólon já pro-clamara em alta voz: “Não quero valer-me

da violência da tirania”, mas sim da justiça.Mas a posição assumida por Sócrates foiainda mais importante. Com ele, além deser explicitamente teorizada, a concepçãoda revolução da não-violência foidemonstrada até com a própria morte,sendo desse modo transformada em“conquista para sempre”. Também MartinLuther King, o líder negro norte-americanoda revolução não-violenta, evocavaprincípios socráticos, além dos princípios

A teologia socrática

E qual era a concepção de Deus queSócrates ensinava, a ponto de oferecer aseus inimigos o pretexto para condená-lo àmorte, já que era contrária aos “deuses emque a cidade acreditava”? Era a concepçãoindiretamente preparada pelos filósofosnaturalistas, culminando no pensamento deAnaxágoras e de Diógenes de Apolônia: oDeus-inteli- gência ordenadora. Sócrates,porém, desliga essa concepção dos

pressupostos próprios desses filósofos(sobretudo de Diógenes), “des-fisicizando-a” e deslocando-a para um plano o maispossível afastado dos pressupostospróprios da “filosofia da natureza” anterior.

Sobre esse tema, pouco sabemos porPlatão, ao passo que Xenofonte nos infor-ma amplamente. Eis o raciocínio registradonos Memorabilia, que constitui aprimeira prova racional da existência deDeus que chegou até nós e que constituiráa base de todas as provas posteriores.

a) Aquilo que não é simples obra doacaso, mas constituído para alcançar um

objetivo e um fim, pressupõe umainteligência que o produziu por razõesevidentes. Ademais, observandoparticularmente o homem, notamos quecada um e todos os seus órgãos estãoconstituídos de tal modo que não podemser absolutamente explicáveis como obrado acaso, mas apenas como obra de umainteligência que idealizou expressamenteessa constituição.

b) Contra esse argumento, poder-se-ia objetar que, ao contrário dos artíficesterrenos, que podem ser vistos ao lado de

suas obras, essa Inteligência não se vê. Todavia 

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Capítulo quarto - Sócrates e. os S>oov-cà\c.os menores 99

: r M

Sócrates foi condenado à morte em 399 a.C., por “impiedade”.Por trás das acusações apresentadas escondiam-se ressentimentos de vários tipos e manobraspolíticas, como nos diz Platão na Apologia de Sócrates e no prólogo do Eutífron.Acima, “A morte de Sócrates”, óleo sobre tela de Ch. A. Dufresnoy (1611-1668).

sustenta, porque nossa alma (=inteligência) também não se vê e,mesmo assim, ninguém ousa afirmarque, pelo fato de a alma (= inteligência)não ser vista, também não existe, e quefazemos ao acaso (= sem inteligência)

tudo o que fazemos.c) Por fim, segundo Sócrates, épossível estabelecer, com base nosprivilégios que o homem tem em relaçãoa todos os outros seres (como, porexemplo, a estrutura física mais perfeitae, sobretudo, a posse de alma e deinteligência), que o artífice divino cuidoudo homem de modo inteiramente par-ticular.

Como se vê, o argumento gira emtorno deste núcleo central: o mundo e ohomem são constituídos de tal modo(ordem, finalidade) que apenas uma

causa adequada (ordenadora, finalizante-

esse raciocínio que nós possuímosparte de todos os elementos que estãopresentes em grandes massas nouniverso, coisa que ninguém ousanegar; como então poderíamospretender que nós, homens, nos

assenhoreás- semos de toda ainteligência que existe, não podendohaver nenhuma outra inteligência forade nós? E evidente a incongruência ló-gica dessa pretensão.

O Deus de Sócrates, portanto, é ainteligência que conhece todas ascoisas sem exceção, e é atividadeordenadora e Providência. E umaProvidência, porém, que se ocupa domundo e dos homens em geral, comotambém do homem virtuoso emparticular (para a mentalidade antiga, osemelhante tem comunhão com o

semelhante, razão pela qual Deus tem

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Terceira parte - descobeH-a do homem

surgiria uma Providência que seocupa com o indivíduo enquanto tal.

O "daimónion'' socmtico

Entre as acusações contra Sócratesestava também a de que era culpado“de introduzir novos daimónia”, novasentidades divinas. Na  Apologia Sócratesdiz, a propósito da questão: “A razão(...) é aquela que muitas vezes e emdiversas circunstâncias ouvistes dizer,ou seja, que em mim se verifica algo de

divino e demoníaco, precisamenteaquilo que Melito (o acusador), jocosa-mente, escreveu no seu ato deacusação: é como uma voz que se fazouvir dentro de mim desde quando eramenino e que, quando se faz ouvir,sempre me impede de fazer aquilo queestou a ponto de fazer, mas que nuncame exorta a fazer.”

O daimónion socrático era,portanto, “uma voz divina” que lhevetava determinadas coisas: ele ointerpretava como espécie de sortilégio,

que o salvou várias vezes dos perigosou de experiências negativas.Os estudiosos ficaram muito

perplexos diante desse daimónion, e asexegeses que dele foram propostas sãoas mais díspares. Alguns pensaram queSócrates estivesse ironizando, outrosfalaram de voz da consciência, outrosdo sentimento que perpassa o gênio. Eaté se poderia incomodar a psiquiatriapara entender a “voz divina” como fatopatológico ou então interpelar as cate-gorias da psicanálise. Mas é claro que,assim fazendo, caímos no arbítrio.

Se quisermos nos limitar aos fatos,devemos dizer o que segue.

Em primeiro lugar, deve-sedestacar que o daimónion nada tem aver com o campo das verdadesfilosóficas. Com efeito, a “voz divina”interior não revela em absoluto aSócrates a “sabedoria humana” de queele é portador, nem qualquer daspropostas gerais ou particulares de suaética. Para Sócrates, os princípiosfilosóficos extraem sua validade dologos e não da revelação divina.

Em segundo lugar, Sócrates nãorelacionou com o daimónion nem

dos eventos e ações particulares.É exatamente a esse campo que se

referem todos os textos à disposiçãosobre o daimónion socrático. Trata-se,portanto, de um fato que diz respeito aoindivíduo Sócrates e aos aconte-cimentos particulares de suaexistência: era um “sinal” que, comodissemos, o impedia de fazer coisasparticulares que lhe teriam acarretadoprejuízos. A coisa da qual o afastoumais firmemente foi a participação ativana vida política.

Em suma, o daimónion é algo quediz respeito à personalidade excepcionalde Sócrates, devendo ser posto no

mesmo plano de certos momentos deconcentração muito intensa, bastantepróximos aos arre- batamentos deêxtase em que Sócrates mergulhavaalgumas vezes e que duravam lon-gamente, coisa da qual nossas fontesfalam expressamente. Portanto, odaimónion não deve ser relacionadocom o ensamento e a filosofia de

ifc CD método dialético de

Sócrates e sua

finalidade

O método e a dialética de Sócratestambém estão ligados à sua descobertada essência do homem como  psyché,porque tendem de modo consciente adespojar a alma da ilusão do saber,curando-a dessa maneira a fim de torná-la idônea a acolher a verdade. Assim, asfinalidades do método socrático sãofundamentalmente de natureza ética eeducativa, e apenas secundária emediatamente de natureza lógica egnosio- lógica.

Em suma: dialogar com Sócrateslevava a um “exame da alma” e a umaprestação de contas da própria vida, ouseja, a um “exame moral”, como bemdestacavam seus contemporâneos.Podemos ler em um testemunhoplatônico: “Quem quer que estejapróximo de Sócrates e em contato comele para raciocinar, qualquer que seja oassunto tratado, é arrastado pelasespirais do discurso e inevitavelmenteforçado a seguir adiante, até ver-se

prestando contas de si mesmo, dizendoinclusive de que modo vive e de que

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Capítulo quarto - Sócrates e os Socráticos menores

E precisamente a esse “prestarcontas da própria vida”, que era o fimespecífico do método dialético, é queSócrates atribui a verdadeira razão quelhe custou a vida: para muitos, calarSócrates pela morte significava libertar-se de ter que “desnudar a própriaalma”. Mas o processo posto emmovimento por Sócrates já se tornara ir-reversível. A supressão física de suapessoa não podia mais, de modo algum,deter esse processo.

E agora que estabelecemos afinalidade do “método” socrático,devemos identificar sua estrutura.

A dialética de Sócrates coincide

com o seu próprio dialogar (dia-logos),que consta de dois momentosessenciais: a “refutação” e a“maiêutica”. Ao fazê-lo, Sócrates valia-se da máscara do “não saber” e da

“ ”

riÉ °' 'não sabet*" socrático

Os Sofistas mais famosos relaciona-vam-se com os ouvintes na soberba

atitude de quem sabe tudo. Sócrates, aocontrário, colocava-se diante dosinterlocutores na atitude de quem nãosabe e de quem tem tudo a aprender.

 Todavia, cometeram-se muitosequívocos em relação a esse “nãosaber” socrático, a ponto de se ver neleo início do ceticismo. Na realidade, elepretendia ser uma afirmação de ruptura:

a) em relação ao saber dosNaturalistas, que se revelara vão;

b)em relação ao saber dos Sofistas,que logo se revelara mera presunção;

c) em relação ao saber dos políticos

e dos cultores das várias artes, quequase sempre se revelava inconsistentee acrítico.

Há mais, porém. O significado daafirmação do não-saber socrático podeser avaliado mais exatamente se, alémde relacioná- lo com o saber doshomens, o relacionarmos também com osaber de Deus. Como veremos, paraSócrates Deus é onisciente, e seuconhecimento estende-se do universo aohomem, sem qualquer espécie derestrição. Ora, é precisamente quando

comparado com a estatura desse saberdivino que o saber humano mostra-se

aquele saber ilusório de que falamos,mastambém a própria sabedoria humanasocrá-tica revela-se um não-saber.

De resto, na  Apologia,interpretandoa sentença do Oráculo de Delfos,segundoo qual ninguém era mais sábio do queSócrates, o próprio Sócrates explicitaesseconceito: “Unicamente Deus é sábio. E éissoo que ele quer significar em seuoráculo: a

sabedoria do homem pouco ou nadavale.Considerando Sócrates como sábio, nãoquer se referir, creio eu, propriamente amim,Sócrates, mas somente usar o meunome co-mo um exemplo. E quase como sehouvessequerido dizer: ‘Homens, é sapientíssimodentre vós aquele que, como Sócrates,tiverreconhecido ue na verdade sua

;A ironia socrática

A ironia é a característica peculiarda dialética socrática, não apenas doponto de vista formal, mas também doponto de vista substancial. Em geral,ironia significa “simulação”. Em nossocaso específico, indica o jogobrincalhão, múltiplo e variado dasficções e dos estratagemas realizados

por Sócrates para levar o interlocutor adar conta de si mesmo.Em suma: a brincadeira está

sempre em função de um objetivo sérioe, portanto, é sempre metódica.

Note-se que, às vezes, em suassimulações irônicas, Sócrates fingia atémesmo acolher como próprios osmétodos do interlocutor, especialmentequando este era homem de cultura,particularmente um filósofo, e brincavade engrandecê-los até o limite dacaricatura, para derrubá-los com amesma lógica que lhes era própria e

amarrá-los na contradição. 

 Texto

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Terceira parte - y\ descob»ev\c\ do komem

pre visíveis os traços da máscaraessencial, a do não-saber e daignorância, de que falamos: podemosaté dizer que, no fundo, as máscaraspolicromáticas da ironia socrática eramvariantes da máscara principal, asquais, com hábil e multiforme jogo dedissolvências, no fim das contas semprerevelavam a principal.

Restam ainda por esclarecer osdois momentos da “refutação” e da“ ”

^ VeMação" ^ ^

e a "maie-uHca" socráticas

A “refutação” (élenchos) constituía,em certo sentido, a  pars destruens dométodo, ou seja, o momento em queSócrates levava o interlocutor areconhecer sua própria ignorância.Primeiro, ele forçava uma definição doassunto sobre o qual a investigaçãoversava; depois, escavava de váriosmodos a definição fornecida, explicitavae destacava as carências e contradições

nova definição, criticando-a e refutando-a com o mesmo procedimento; e assimcontinuava procedendo, até o momentoem que o interlocutor se declaravaignorante.

É evidente que a discussãoprovocava irritação ou reações aindapiores nos sabichões e nos medíocres.Nos melhores, porém, a refutaçãoprovocava efeito de purificação dasfalsas certezas, ou seja, um efeito depurificação da ignorância, a tal pontoque Platão podia escrever a respeito:“(...) Por todas essas coisas, (...)devemos afirmar que a refutação é amaior, a fundamental purificação. E

quem dela não se beneficiou, mesmotratando-se do Grande Rei, não pode serpensado senão como impuro das maisgraves impurezas, privado de educaçãoe até mesmo feio, precisamentenaquelas coisas em relação às quaisconviria que fosse purificado e belo nomáximo grau, alguém queverdadeiramente quisesse ser homemfeliz.”

E, assim, passamos ao segundo mo-mento do método dialético. ParaSócrates a alma ode alcan ar a

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Capítulo quarto - Sócrates e os Socráticos menores

menos, um saber constituído pordeterminados conteúdos. Mas, damesma forma que a mulher que estágrávida no corpo tem necessidade daparteira para dar à luz, também odiscípulo que tem a alma grávida de ver-dade tem necessidade de uma espéciede arte obstétrica espiritual, que ajudeessa verdade a vir à luz, e essa é

“ ”

Sócrates

e a açao d a lógica

Durante muito tempo, considerou-se que Sócrates, com seu método,descobrira os princípios fundamentaisda lógica do Ocidente, ou seja, oconceito, a indução e a técnica doraciocínio. Hoje, entretanto, os es-tudiosos mostram-se muito maiscautelosos. Sócrates pôs emmovimento o processo que levaria àdèscoberta da lógica, contribuindo demodo determinante para essa desco-berta, mas ele próprio não a alcançoude modo reflexo e sistemático.

A pergunta “o que é?”, com queSócrates martelava seus interlocutores,como hoje se vai reconhecendo sempremais no plano dos estudosespecializados, não implicava já umganho do conceito universal com todasas implicações lógicas que estepressupõe. Efetivamente, com suapergunta, ele queria pôr em movimentotodo o processo irônico-maiêutico, semquerer em absoluto chegar a definiçõeslógicas. Sócrates abriu o caminho quedeveria levar à descoberta do conceitoe da definição e, antes ainda, à

descoberta da essência platônica, eexerceu também notável impulso nessadireção, mas não estabeleceu aestrutura do conceito e da definição,visto que lhe faltavam muitos dosinstrumentos necessários para esseobjetivo, e estes, como dissemos,foram descobertas posteriores(platônicas e aristotélicas).

A mesma observação vale apropósito da indução, que Sócrates,sem dúvida, aplicou amplamente, como seu constante levar o interlocutor do

caso particular à noção geral, valendo-se sobretudo de exemplos e analogias,

picamente aristotélica, pressupondotodas as aquisições dos Analíticos.

Em conclusão, Sócrates foi de umformidável engenho lógico, mas, emprimeira pessoa, não chegou a elaboraruma lógica em nível técnico. Em suadialética encontramos os germes defuturas descobertas lógicasimportantes, mas não descobertaslógicas enquanto tais, conscientementeformuladas e tecnicamente elaboradas.

E assim se explicam os motivospelos quais as diferentes Escolassocráticas encaminharam-se paradireções tão diversas: algunsseguidores concentraram-se exclusiva-

mente nas finalidades éticas,desprezando as implicações lógicas;outros, como Platão, desenvolveramexatamente as implicações lógicas e

(Sorvclusões sobre Sócrates

O discurso de Sócrates trouxe umasérie de aquisições e novidades, mastambém deixou em aberto uma série

de problemas.Em primeiro lugar, seu discursosobre a alma, que se limitava adeterminar a obra e a função daprópria alma (a alma é aquilo pelo qualnós somos bons ou maus), exigia umasérie de aprofundamentos: se ela seserve do corpo e o domina, isso querdizer que é outra coisa que não ocorpo, ou seja, distingue-se deleontologicamente. Sendo assim, o queé? Qual é o seu “ser”? Qual a suadiferença em relação ao corpo?

Análogo discurso deve ser feito emrelação a Deus. Sócrates conseguiu“desfisici- zá-lo”: o seu Deus é bemmais puro do que o ar-pensamento deDiógenes de Apolônia e, em geral,coloca-se decididamente acima dohorizonte dos Físicos. Mas o que é essaDivina Inteligência? Em que sedistingue dos elementos físicos?

 Também a ilimitada confiançasocrática no saber, no logos em geral(e não no seu conteúdo particular), foiduramente abalada pelo êxitoproblemático da maiêutica. Em última

análise, o logos socrático não está emcondi ões de fazer ual uer alma arir

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Terceira parte - A descoberta do Komem

dialógico que se funda inteiramente nologos não bastam para produzir ou, pelo

menos, para fazer com que a verdadeseja reconhecida e para fazer com quese viva na verdade. Muitos voltaram ascostas para o logos socrático: porquenão estavam “grávidos”, diz o filósofo.Mas então quem fecunda a alma, quema torna grávida? É uma pergunta queSócrates não se colocou e à qual, comcerteza, não teria podido responder.Olhando bem, o cerne dessa dificuldadeé o mesmo apresentado pelo compor-tamento do homem que “vê e conhece omelhor” mas, no entanto, “faz o pior”. Ese, posta dessa forma, Sócrates

acreditou contornar a dificuldade comseu intelec- tualismo, posta de outraforma ele não soube contorná-la,eludindo-a com a imagem da“gravidez”, belíssima, mas que nadaresolve. Uma última aporia esclareceráainda melhor a forte tensão interna dopensamento de Sócrates. Nosso filósofoapresentou sua mensagem aosatenienses, parecendo de certa formafechá-la nos estreitos limites de umacidade. Sua mensagem não foi por eleapresentada expressamente como

mensagem para toda a Grécia e paratoda a humanidade. Evidentemente,-

ros de Atenas, valendo para o mundo in-teiro.

Ao identificar na alma a essênciado homem, no conhecimento averdadeira virtude e no autodomínio ena liberdade interior os princípioscardeais da ética, Sócrates levava àproclamação da autonomia do in-divíduo enquanto tal. Contudo, apenasos Socráticos menores extrairão emparte essa dedução, e só os filósofos daera helenística lhe darão umaformulação explícita.

Sócrates poderia ser chamado de“Her- mas bifacial”: de um lado, seunão-saber parece indicar a negação da

ciência, do outro parece ser via deacesso a uma autêntica ciênciasuperior; de um lado, sua mensagempode ser lida como simples exortaçãomoral, do outro lado como aberturapara as descobertas platônicas dametafísica; de um lado, sua dialéticapode parecer até mesmo sofistica eerística, do outro como fundação dalógica científica; de um lado, suamensagem parece circunscrita aosmuros da  pólis ateniense, do outro seabre ao mundo inteiro, em dimensões

cosmopolitas.Com efeito, os Socráticos menorese aram uma das faces de Hermas e

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Cãpítulo CjUãTtO - Sócrates e os Socráticos menores

II. Os Socráticos menores

• Os Socráticos menores (sécs. V-IV a.C.) atingiram da mensagem de Sócratesàs vezes alguns conceitos éticos, outras alguns elementos lógico-dialéticos, desen-volvendo de modo original os primeiros (mas com certa superficialidade), e emparte também os segundos (mas também caindo na erística).

Foram todos discípulos diretos de Sócrates, e são*chamados "menores", por-que entenderam, ou desenvolveram de modo parcial, e freqüentemente imper-feito, seu pensamento.1)  Antístenes, fundador da Escola Cínica, desenvolveu ostemas éticos da liberdade e do autodomínio; em lógica elabo-rou uma teoria particular, que negava a possibilidade de defi-nir as coisas simples.2)  Aristipo, fundador da Escola Cirenaica, afastou-se nãopouco de Sócrates, e identificou no prazer o sumo bem.3) Euclides, iniciador da Escola Megárica, assumindo tam-bém alguns princípios da Escola de Eléia, identificou o Bem como Uno, e desenvolveu em sentido erístico a técnica lógico-refutatória de Sócrates.

4) Fédon, fundador da Escola de Élida, retomou tanto o aspecto lógico-dialético como oético do mestre, mas sem desenvolvimentos de particular importância.

Os Cínicos,

osCirenaicos,

osMegáricos e

a Escola de

O círculo dos Socráticos

Platão põe na boca de Sócrates aprofecia de que, depois de sua morte, osatenienses não teriam mais de se havercom um filósofo apenas, pedindo-lhescontas de suas vidas, mas sim commuitos filósofos, com todos os seusdiscípulos, que até aquele momento elehavia retido.

Em sua Vidas dos filósofos,Diógenes Laércio, dentre todos osamigos de Sócrates, aponta sete comoos mais representativos e ilustres:Xenofonte, Esquines, Antístenes,

Aristipo, Euclides, Fédon e o maior detodos, Platão. Excetuando-se Xenofontee Esquines, que não tiveram habilidadepropriamente filosófica (o primeiro foipredominantemente historiador, osegundo, literato), os outros cinco foramfundadores de Escolas filosóficas.

São muito diversos o sentido e adimensão de cada uma dessas Escolas,como também diversos são osresultados que alcançaram. Entretanto,cada um de seus fundadores deviasentir-se um autêntico (quando não oúnico autêntico) herdeiro de Sócrates.

história e à literatura do que à históriada filosofia. Estudaremos, contudo, logoa seguir, Antístenes, Aristipo, Euclides,

Fédon e suas Escolas, que veremos ser,por muitas razões, Escolas socráticas“menores”. Já a Platão dedicaremostodo um longo capítulo, devido aosgrandes resultados de sua especulação.

De resto, os antigos já haviamdiferenciado claramente Platão dosdemais discípulos de Sócrates, narrandoesta belíssima fábula: “Conta-se queSócrates sonhou que tinha sobre os

 joelhos um pequeno cisne, que logocriou asas e levantou vôo, cantandodocemente. No dia seguinte, quandoPlatão se apresentou a ele como aluno,

Sócrates disse-lhe que o pequeno cisne”

2 ;Ar\tístenese o prelúdio do Ci nismo

A figura de maior relevo entre osSocráticos menores foi Antístenes, queviveu na passagem entre os sécs. V e IVa.C., filho de pai ateniense e mãe trácia.Freqüentou inicialmente os Sofistas,tornando-se discípulo de Sócrates

apenas em idade um tanto

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106Terceira parte - A descoberta do i\omem

avançada. Das numerosas obras que lhesão atribuídas, apenas alguns

fragmentos chegaram até nós.Antístenes destacou sobretudo aextraordinária capacidade prático-moralde Sócrates, como a capacidade debastar-se a si mesmo, a capacidade deautodomínio, a força de ânimo, acapacidade de suportar o cansaço.Limitou ao mínimo indispensável osaspectos doutrinários, opondo-se dura-mente ao desenvolvimento lógico-metafísico que Platão imprimira aoSocratismo.

A lógica de Antístenes, portanto,revela-se um tanto redutiva. Segundo

nosso filósofo, não existe uma definiçãodas coisas simples: nós as conhecemoscom a percepção e as descrevemos pormeio de analogias. No que se refere àscoisas complexas, sua definição maisnão é que a descrição dos elementossimples de que são constituídas. Ainstrução deve concentrar-se na “buscados nomes”, isto é, no conhecimentolingüístico. De cada coisa só é possívelafirmar o nome que lhe é próprio (porexemplo, o homem é “homem”) e,portanto, só se pode formular juízos

tautológicos (afirmar o idêntico peloidêntico).Antístenes fundou sua Escola no

ginásio de Cinosarge (= “cão ágil”), deonde talvez a Escola tenha tomado onome com que ficou conhecida. Outrasfontes relatam que Antístenes eradenominado “cão puro”. Diógenes deSínope, ao qual o Cinismo deve o seuflorescimento máximo, denominou-se

y\risfipo

e a Escola Ci renaica

Aristipo nasceu em Cirene e viveudas últimas décadas do séc. V até aprimeira metade do séc. IV a.C. Viajoupara Atenas a fim de aprender comSócrates. Mas a vida agitada e rica quelevara em Cirene, e os hábitoscontraídos antes de encontrar Sócrates,condicionaram sua aceitação da men-sagem socrática.

Em primeiro lugar, fixou-se nele aconvicção de que o bem-estar físicoseria o bem supremo, a ponto de chegar

Em segundo lugar, também pelasmesmas razões, Aristipo assumiu em

relação ao dinheiro posicionamento que,para um socrático, era absolutamenteabusado: com efeito, chegou a cobrarsuas lições, exatamente como faziam osSofistas, a ponto de os antigoschamarem-no simplesmente de“Sofista”.

Com base nos testemunhos quechegaram até nós, é difícil, para nãodizer impossível, distinguir opensamento de Aristipo do de seussucessores imediatos. Sua filha Areterecebeu em Cirene a herança espiritualpaterna e a passou ao filho, a quem deu

o mesmo nome do avô (o qual, assim,passou a ser denominado Aristipo o Jo-vem). É provável que o núcleo essencialda doutrina cirenaica tenha sido fixado

 justamente pela tríade Aristipo-Arete-Aristipo o Jovem. Posteriormente aEscola dividiu- se em diversas correntesde escasso relevo, chefiadas por

(r-uclides

e a (Sscola de /vAégara

Euclides nasceu em Mégara, ondefundou a Escola que recebeu o nome dacidade. Conjecturalmente, os estudiososconsideram que sua vida transcorreuentre 435 a 365 a.C. Sua ligação aSócrates foi muito grande. Com efeito,conta-se que, quando se deterioraramas relações entre Mégara e Atenas, osatenienses decretaram a pena de mortepara os megarenses que entrassem na

cidade; apesar disso, Euclides continuoua freqüentar regularmente Atenas,entrando durante a noite na cidadedisfarçado com roupas femininas.

Euclides movia-se entre oSocratismo e o Eleatismo, como revelamclaramente nossas escassas fontes. Paraele o Bem é Inteligência, Sabedoria eDeus, como Sócrates afirmava, massustenta também que o Bem é o Uno,concebendo-o com as característicaseleáticas da absoluta identidade e igual-dade de si consigo mesmo.

Euclides e os megarenses

posteriores deram amplo espaço à

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Cãpítulo (JUãrtO - SócfQ+es e os Socráticos menores

embebiam nos Eleáticos; mas, a bem daverdade, deve-se dizer que o próprio

Sócrates prestava-se amplamente a serutilizado nesse sentido. ProvavelmenteEuclides atribuiu caráter de purificaçãoética à dialética, como Sócrates. Amedida que a dialética destrói as falsasopiniões dos adversários, ela purifica doerro e da infelicidade que se segue aoerro.

Os sucessores de Euclides,particularmente Eubúlides, Alexino,Diodoro Cronos e Estilpão, adquiriramfama sobretudo por suas afiadíssimasarmas dialéticas, que freqüentemente

IfÉlllj ^ ^~dov\e a éSscola de Êlida

Pelo menos a julgar pelo pouco quenos foi legado sobre ele, Fédon foi o me-nos original dos Socráticos menores (aele, no entanto, Platão dedicou o seumais belo diálogo). Diz sobre eleDiógenes Laércio: “Fédon de Elida, dosEupátridas, foi capturado quando da

queda de sua pátria, sendo obrigado apermanecer em uma casa detransgressores. Mas, fechando a porta,conseguiu fazer contato com Sócrates.Por fim, estimulados por Sócrates,Alcibíades, Crí- ton e seus amigos oresgataram. A partir daí ficou livre,dedicando-se à filosofia.” Escreveudiálogos, entre os quais  Zópiro e Simão,que se perderam. Depois da morte deSócrates, fundou uma Escola em sua ci-dade natal, Elida. Os testemunhosindicam bastante claramente que eleseguiu duas direções em sua

especulação: a erístico-dialé- tica e aética, destacando-se sobretudo nestaúltima.

A Escola de Elida teve breveduração. A Fédon sucedeu Plisteno,nativo da mesma cidade. Mas, umageração mais tarde, Menedemo,proveniente da Escola do megarenseEstilpão, recebeu a herança da Escola deElida e mudou-a para Erétria,imprimindo-lhe, juntamente comAsclepíades de Fliunte, uma direçãoanálo a à da Escola Me arense ri-

(Conclusões

sobre os Socráticos menores

 Tudo o que dissemos sobre osSocráticosfaz compreender como as váriasqualifica-ções que se lhes deram, de “menores”,de“semi-socráticos” ou de “Socráticosunilate-rais”, são bastante adequadas. Algunsestudio-sos tentaram refutá-las, maserroneamente.

Eles são qualificáveis de “menores”se considerarmos os resultados a quechegaram, comparados com os dePlatão, que são inegavelmente muitomais significativos, como a exposiçãosobre Platão o demonstrará.

Eles são qualificáveis de “semi-socráticos” porque os Cínicos e osCirenaicos permanecem meio Sofistas, eos Megarenses, meio Eleáticos.Ademais, não realizam entre Sócrates eas outras fontes de inspiração umaverdadeira mediação sintética, mas per-manecem oscilantes, porque não sabem

dar ao seu discurso um fundamentonovo.São qualificáveis de “Socráticos

unilaterais” porque, em seu prisma,filtram um único raio, por assim dizer,da luz que se desprende de Sócrates, ouseja, exaltam único aspecto da doutrinaou da figura do mestre em prejuízo dosoutros e, portanto, fatalmente odeformam.

Além disso, devemos destacar quenos Socráticos menores “a influência doOriente, até então semprecontrabalançada no espírito grego pelatendência racionalista, afirma-secruamente no pensamento deAntístenes, o filho da escrava trácia, ede Aristipo, o grego africano”.

Por fim, devemos notar que os So-cráticos menores antecipam in nuceposições que se desenvolverão na erahelenística: os Cínicos são precursoresdos estóicos, os Cirenaicos dosEpicuristas e, paradoxalmente, osMegarenses forneceram abundantesarmas para os Céticos.

 

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Terceira parte - y\ descoberta do K ornem

SÓCRATESO HOMEM E SUA ALMA

Alma

A alma é a consciência e apersonálidade intelectual e moral,sobretudo razão e conhecimento.O corpo é instrumento da alma

Virtudea virtude da alma (ou

seja, aquilo que a tomaperfeita) é ciência e

conhecimento-, ,manifesta-se como

^autodomíniodomínio da

 _  liberdadelibertação da parte

racional (=verdadeiro homem)

em relação àpassional.

Corresponde à

não-violência a

razão seimpõe pela

Vícioo vício é ignorância, por

isso:• ninguém peca

voluntariamente (pecado= erro)

- as diversasvirtudes sãorecondutíveis à unidade(= ciência do bem e domal) e, também, o vício

 A CURA DA ALMA

da figura do“não saber ”

para induzir ointerlocutor a

expor o própriosaber

A alma sepurifica nodiálogo (=dialética)

Ironia-refutaçãopara purificar aalma do falso

saber, por meio

do metódicodisfarce de

assumir as tesesdo adversário a

fim dedemonstrar sua

da refutaçãopara fazer o

adversário cairem contradição

e induzi-lo adeixar as falsas

Maiêuticapara fazer

emergir, medianteperguntas erespostas, a

verdade que estáem cada um de

convicções

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Cãpítulo quarto - Sócrates e os Socfáticos menores

SÓCRATES

SÓCRAT6S COMO O "PRRflDIGMfl" DO FILÓSOFO ............—- ---------------------------------------------------O filósofo Von Humboldt diz que os homens grandes e extraordinários simbolizam uma idéia, que

foi possível alcançar apenas porque a realizaram concretamente na suo vida. E a idéia de fundo queSócrates simbolizou e realizou no sua vido é esta: é preciso despojar a alma, ou seja, submetê-la à justoprova, para podê-la curar, para tentar torná-la o mais possível melhor, a fim de que o homem possa serealizar no seu justo valor.

Tenhamos presente o fato de que poro os gregos filosofar nunca é puro buscar abstrato, mas é umbuscar o verdadeiro para descê-lo na realidade, fís idéias têm sentido apenas quando e à medida que setornom vida. fí verdade alcançada com o pensamento é justamente a que, inserida na vido, leva o homemao seu fim (télosj, ou seja, à felicidade (eudaimonfa,).

Exatamente neste sentido podemos dizer que Sócrates personifica de modo perfeito o filósofocomo os gregos o entendiam, isto é, como aquele que busca o verdadeiro e o torna substância da sua

vida, conduzida com absoluta coerência, até a aceitação da condenação à morte.Camus dizia: "Paro que um pensamento mude o mundo, é preciso que mude a vida daquele que o

exprime. Que mude como exemploE a vida de Sócrates foi de fato um "exemplo": exemplo-modelo por excelência, justamente como o vê e representa Platão na  Apologia.

Todavia, o próprio Sócrates, de algum modo, tinho compreendido isso, e o diz com seu modoirônico: "O deus [fípolo] parece falar justamente de mim, e ao invés faz uso do meu nome, servindo-se demim como exemplo (paradéigmaj". .

 € a figura de Sócrotes se impõe como "paradigma", obviamente, não em sentido metafísicoabstrato, mos exatamente como encarnação existencial exemplar do modelo ideol do filósofo.

O "não saber" de Sócrates, o responso do oráculo deDelfos e seu significado

Um dos traços mais significativos do pensamento de Sócrates é a sua declaração sistemático de"não saber". Este "não saber" nado tem o ver com o ceticismo ou com oproblematicismo de tipo moderno.

Em confronto com os Físicos, seu não saber queria ser o denúncia de uma tentativa que vai alémdas capacidades humanas. Em confronto com os Sofistas queria ser a denúncia da presunção de saber quase sem limites.

Na passagem da Rpologia que citamos Sócrates toma até como objetivo polêmico os políticos, ospoetas e os cultores das diversas artes. Salienta a inconsistência quase total de todas essas formospresumidas de "saber", derivante do fato de que os políticos, os poetas e os artesãos permaneceram omais dos vezes na superfície dos problemas, procederam por pura intuiçõo ou disposição natural, ou

creram saber tudo pelo fato de dominar uma arte particular. Ora, se estos são as formas de saber reconhecidas pelos homens como tois, o de Sócrates ê, justamente, um nõo-saber, no sentido de que seusaber nõo se identifica com oquelas formos de saber.

Mas o significado da afirmação de nõo-saber se avalio exatamente apenas quando, além da ciênciodos homens, nós o medimos também com a ciência divina. Ora, justamente quando comparado com osober divino, o humano se mostro em toda a sua fragilidade e em todo a sua exigüidade, como aconclusão da passagem que citamos evidencia muito bem.

Em todo caso tenha-se presente o fato de que Sócrates deslocou inteiramente o eixo da buscafilosófica da physis, isto é, da natureza, para o homem e para os valores do homem. Isto ele próprio oadmite, dizendo justamente no início da passagem que citamos possuir "certa sabedoria", e precisamentea "sabedoria humana", não só no sentido de sabedoria relativa, mas sobretudo de sabedoria que se refereao homem e à qual o homem ospira. Nesta perspectiva deve ser lida a passagem que segue.

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^ ^ Terceira parte - descoberta do Komem

1.  A sabedoria humana de Sócrates

Oro, algum de vós poderia fazer esta con-sideração: “Mas então, Sócrates, qual é tuaocupação? De onde vieram estas calúnias contra ti?Certamente não porque não te ocupa- vas de nadade mais extraordinário que os outros apareceramestes comentários e uma fama tão grande. Nãoteriam aparecido caso não tivesses feito nada dediferente em relação aos outros. Dizs-nos, portanto,o que é, para que não te julguemos de mododesconsiderado".

Quem sustenta isso me parece dizer o qu® é justo. € eu procurarei fazer-vos ver o que deu origema esta má fama e a esta calúnia contra mim.

Portanto, ouvi-me! Talvez pareça a algum de

vós que eu esteja brincando. Mas sabei bem: eu vosdirei toda a verdade. €u, cidadãos atenienses, cheguei a esta fama

apenas por causa de certa sabedoria.Qual é esta sabedoria? Aquela que, provavelmente, é uma sabedoria

humana. Com efeito, desta provém o fato de quetalvez eu seja mesmo sábio.

fio contrário, aqueles de que há pouco eufalava, ou serão sábios de uma sabedoria superior em relação à humana, ou eu não sei o que dizer. Cu,certamente, não conheço essa sabedoria. 6 quemdiz, ao invés, que eu a conheço, mente: e diz issopara caluniar-me.

2. O responso do oráculo de Delfos sobrea sabedoria de Sócrates

figora não façais barulho, cidadãos ate-nienses, mesmo que vos pareça que eu digagrandes coisas. Com efeito, o que eu vos referireinão é um discurso meu, mas o atribuirei àquele queo disse, bem digno de confiança de vossa parte.

Da minha sabedoria, se de fato é sabedoria equal for, eu vos trarei como testemunha o deus deDelfos.

Certamente conheceis Querefontes. Cste foimeu amigo desde a juventude e foi amigo de vosso

partido popular, e neste último exílio foi para o exílioconvosco e convosco retornou. € sabeís tambémque tipo era Querefontes e como era decidido emtudo o que empreendia.

Pois bem, certo dia, indo a Delfos, teve aousadia de interrogar o oráculo sobre isto.

Como disse, cidadãos ateninenses, não façaisbarulho.

Querefontes perguntou, de fato, se existiaalguém mais sábio que eu.

 A Pítia respondeu que mais sábio que eu nãohavia ninguém.

Dessas coisas vos testemunhará seu irmãoque está aqui, uma vez que Querefontes morreu.

3. Para compreender o oráculo,Sócrates submete a exame os políticos

 Agora estai atentos ao motivo pelo qual vosdigo estas coisas. Com efeito, preparo-me paraexplicar de onde surgiu a calúnia.

Depois que ouvi o vaticínio, fiz as seguintesconsiderações: “O que diz o deus e ao que aludepor enigma? Com efeito, tenho clara consciência,pelo que a mim se refere, de não ser sábio, nemmuito nem pouco. Cntão o que pretende dizer o

deus, afirmando que sou sa- pientíssimo?Certamente nõo diz mentira, porque isto, para ele,nõo é lícito”.

C por muito tempo permaneci embaraçadosobre o que o deus pretendesse dizer. Cm seguida,com fadiga empreendi uma pesquisa a este respeitodo seguinte modo.

Fui até um daqueles que são consideradossábios, com a convicção de que apenas nestecírculo, de algum modo, teria refutado o vaticínio emostrado ao oráculo o que segue: “Cste é maissábio do que eu; tu, ao invés, afir- maste que soueu”.

Ora, enquanto eu examinava este homem

— não é preciso que eu vos diga o nome dele; eraum dos homens políticos, em relação ao qual,fazendo o meu exame e discutindo com ele, chegueiàs seguintes impressões —, pareceu-me quetivesse fama de sábio junto a muitos outros homense sobretudo que ele próprio se considerasse tal,mesmo que, na realidade, de fato não o fosse. C,portanto, procurei demonstrar-lhe que se julgavasábio, mas que na realidade não era.

Como conseqüência, tornei-me inimigo tantodele quanto de muitos daqueles que estavampresentes. € enquanto ia embora, tirei então asconclusões que, em relação a este homem, eu eramais sábio. Dava-se o caso, com efeito, que nem

um nem o outro de nós dois soubesse nada de bomnem de belo: mas ele estava convicto de saber enquanto não sabia, e eu, ao contrário, como nãosabia, também não julgava saber.

De todo modo, pareceu-me ser mais sábio doque esse homem, ao menos nesta pequena coisa,ou seja, pelo fato de que aquilo que eu nõo sei,também nõo afirmo saber.

Imediatamente depois, fui até outro daquelesque eram considerados mais sábios do que aquele,e tive as mesmas impressões.

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, 111 MCapitulo quarto - 5ócrates e os Socráticos menores ........

 € também neste caso tornei-me inimigo tantodele como de muitos outros.

4. Sócrates submete a exametambém os poetas

Depois disso, continuei com ordem minhaspesquisas, percebendo, porém, com dor e medo,que me tornava odioso. Rpesar disso parecia-meque fosse necessário ter em grandíssimaconsideração o oráculo do deus. Para tentar com-preender o que o oráculo dizia, eu devia procurar todos os que pensam saber alguma coisa.

Pois bem, cidadãos atenienses — é precisoque lhes diga a verdade —, o que me aconteceu é oque segue. Os que tinham maior fama, continuando

a minha pesquisa por causa do oráculo do deus,pareceram-me ser quase todos privados desabedoria em grau supremo; e, ao contrário, outrosque eram considerados de menor valor, eramhomens que se encontravam mais perto dasabedoria.

Mas devo mostrar-vos minha vagabundageme as fadigas que suportei, para que o dito do oráculose tornasse irrefutável.

Depois de ter examinado os homens políticosme dirigi aos poetas, os que compõem tragédias eos que escrevem ditirambos e também os outros, naconvicção de que neste círculo conseguiria, verificar para além de qualquer dúvida o fato de que sou mais

ignorante do que eles. Tomava seus poemas, os queme pareciam compostos do melhor modo eperguntava a eles o que pretendiam dizer, a fim depoder também eu aprender deles alguma coisa.

 €nvergonho-me de dizer-vos a verdade,cidadãos. Mas é preciso que a digal

Todos os outros que estavam presentes, por assim dizer, falavam quase melhor do que elessobre as coisas a respeito das quais eles tinhamcomposto poesias.

Portanto, também dos poetas cheguei logo aconhecer isso, ou seja, que eles não por sabedoriacompunham as coisas que compunham, mas por certo dom de natureza e porque eram inspirados por 

um deus, como os vates e os adivinhos. Tambémestes, com efeito, dizem muitas e belas coisas, masnão sabem nada do que dizem. Um fenômeno destetipo pareceu- me ser também o que se refere aospoetas. €, ao mesmo tempo, percebi que os poetas,por causa de sua poesia, se consideravam os maissábios dos homens também nas outras coisas emque não o eram.

Rfastei-me, portanto, também destes, com apersuasão de valer mais pelo mesmo motivo peloqual valia mais que os homens políticos.

5. Por último, Sócrates submete a exametambém os artesãos

Concluindo, fui até os artesãos. Com efeito, euestava perfeitamente consciente de não saber nadodisto, para dizê-lo brevemente, enquanto estavaconvencido de que encontraria estes comconhecimentos de muitas e belos coisas. .,

Quanto a isso, não me enganei. De fato, elestinham conhecimentos que eu não tinho e, emrelação a mim, nisto eram mais sábios.

Todavia, cidadãos atenienses, pareceu- meque os poetas e vários artífices tinham o mesmodefeito. Com efeito, pelo motivo de saberemexercitar bem sua arte, cada um deles estavaconvencido de ser sapientíssimo também em outrascoisas grandíssimas, e justamente este defeito

punha em segundo plano a sabedoria que de fatopossuíam.

Por isso, considerando o responso do oráculo,coloquei a mim mesmo o pergunta se teria aceitopermanecer no estado em que me encontrava, ouseja, de ser nem sábio na sabedoria deles, nemignorante na ignorância deles, ou de ter ambas ascoisas que eles tinham.

R resposta que dei a mim e ao oráculo foi que,para mim, era melhor permanecer no estado em queme encontrava.

6. O significado do vaticínio:

Sócrates é o mais sábio dos homens porquesabe que a sabedoria humana é um nada

De tal exame acurado, cidadãos atenienses,me provieram muitas inimizades, perigosís- simas egravíssimas, a ponto de surgirem delas muitascalúnias, e também me coube tal reputação, ou seja,de ser sábio. Com efeito, a cada vez, todos os queestavam presentes pensavam que eu fosse sábionoquelas coisas sobre as quais refutavo o outro.

Ro contrário, cidadãos, dá-se o caso que, narealidade, sábio é o deus e que seu oráculo quer dizer justamente isto, ou seja, que a sabedoriahumana tem pouco ou nenhum valor.

 € o deus parece falar justamente de mim,Sócrates, mas, ao contrário, faz uso do meu nome,servindo-se de mim como de exemplo, como sedissesse: "Homens, entre vós é sapientíssimo quem,como Sócrates, percebeu que, no que se refere asua sabedoria, não vale nada".

Cxatamente por isto também agora, dandovoltas, procuro e pergunto, a partir daquilo que odeus disse, se posso julgar sábio algum doscidadãos e dos estrangeiros. €, a partir do

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Terceira parte - A descoberta do ko mem

momento que nõo me parece que seja tal, so-correndo o deus, demonstro que não existe um

sábio. .

7. Efeitos produzidos pelo examerealizado por Sócrates

 €, justamente por causa deste meu empenho,não tive à minha disposição o tempo livre para fozer alguma das coisas da cidade que fosse digna deconsideração nem de minhas coisas privadas. 6 meencontro em grave pobreza, por causa deste serviçoque prestei oo deus.

 Além disso, os jovens que me seguem por espontâneo vontade, os jovens que mais que todostêm tempo livre e que sõo filhos dos mais ricos,

alegram-se ao ouvir como estes homens sãosubmetidos por mim o exame, e muitas vezes elespróprios me imitam e, portanto, procuram submeter aexame também outros. € então — creio —encontram grande número de homens que estãoconvictos de saber alguma coisa e que, ao contrário,sabem pouco ou nada.

Por conseguinte, os que são submetidos aexame por eles irritam-se contra mim e não com elespróprios, e afirmam que Sócrates é em sumo grauabominável e que corrompe os jovens. € quandoalguém pergunta a eles o que Sócrates faz e o queensina, nada têm a dizer e nõo o sabem. 6 para nãodar a impressão de que nõo o sabem, dizem as

coisas costumeiras que sõo ditas contra todos osfilósofos, ou seja, que "faz pesquisas sobre as coisasque estão sob a terra", que “nõo crê na existênciados deuses" e que "torna mais forte o raciocínio maisfraco".

fl verdade — parece-me — eles nõo que-reriom dizê-la, ou seja, que é resultado evidente qu®eles têm a presunção de saber tudo e, ao contrário,nõo sabem nada.

 € a partir do momento que — penso — sõoambiciosos, violentos e numerosos, ® falam de mimde modo firme e convincente, encheramcompletamente vossos ouvidos há tempo,caluniando-me gravemente.

 €m base a isto, Meleto, Anito e Licão selançaram contra mim: Meleto, indignado em nomedos poetas: finito, em nome dos artistas e dospolíticos: Licõo, em nome dos oradores.

Portanto, como vos dizia desde o princípio, eume maravilharia s® fosse capaz de arrancar de vós

esta calúnia em tõo breve tempo, dado que cresceutanto.

fl verdade, cidadãos atenienses, é esta! 6 eu adigo a vós, sem vos esconder nada, nem muito nempouco, ® sem simulação. Todavia, estou quasecerto de que por tais motivos sou odiado. Aqui ®stáoutra prova do fato de que digo a verdade e que justamente esta é a calúnia que me prejudica e taissão as causas. € se pesquisardes agora ou mais àfrent®, cons- tatareis qu® é justamente assim.

Platão, Flpologia de Sócrates.

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, 113Cüpitulo quarto - Sócrates e os Socráticos menot*es -.......................................................................................................

O método de Sócrates:

ironia-refutação emaiêutica

O método de Sócrates tem como marca deFundo o ironia, que indica o jogo múltiplo evariado de disfarces e ficções que ele utilizo poraforçar o interlocutor a perceber a si mesmo emtodos os sentidos.

Por trás das várias máscaras que ele poucoa pouco assumia eram sempre bem visíveis ostraços da máscoro principal do nõo sober e daignorância. Poder-se-io também dizer que, em

certo sentido, as Figuras poli- cromos da ironiasocrática sõo substancialmente variantes destaprincipal, e que com um multiforme jogo dedissolvências encabeçam esta. €ra justamenteisso que deixava furiosos muitos de seusinterlocutores: a máscara da ignorância queSócrates assumia era o meio mais eficaz parodesmascarar o aparente saber dos outros e parorevelar suo ignorância, ou seja, paro refutá-los.

Pora ilustrar o efeito que provocava estemomento essencial do método socrático citamosa passagem do bonachõo Eutifrônio, quecomparava Sócrates ao Dédalo que faz giror todas as definições e nõo deixo que nenhuma

permaneça firme.fío momento refutatário-irônico seguia omomento maiêutico.

Sócrates, professando-se ignorante,negava resolutamente estar em grau de co-municar um saber aos outros. €le afirmava ter aocontrário outra capacidade que se assemelhava,no plano espiritual, à arte que suo mãe, obstetra,exercia. 6 esta é justamente o "maiêutica" deSócrates.

fí passagem do Teeteto que citamos éesplêndida descrição em todos os particularesdesta celebrada arte socrática e, por tal motivo,tornou-se famosíssima.

1. O momento refutatório-irônico

 €UTIFRÔNIO  — Sócrates, não sei mais comodizer-te o que tenho em mente: qualquer definiçãoque propomos nos gira, não sei como, sempre aoredor, e não quer permanecer firme no lugar emque a colocamos.

SócRfrres — fls definições que deste,Cutifrônio, parecem assemelhar-se às obras domeu progenitor Dédalo. €, caso eu formulasse epropusesse tais definições, talvez pudesses

ridicularizar-me, como se, por causa do parentescoque tenho com ele, minhas obras feitas de palavras

escapassem e não quisessem permanecer firmesno lugar em que as colocamos. Ora, ao contrário,as definições propostas são tuas. Por isso, estaimagem brincalhona não convém ao teu caso: comefeito, não querem permanecer firmes para ti, comotu próprio confessas.

CUTIFRÔNIO  — Sócrates, parece-me, ao con-trário, que a imagem brincalhona convenha muitobem às minhas definições: com efeito, este girar delas e não querer permanecer firmes no mesmolugar, não sou eu que o produzo, e o Dédalo meparece que sejas exatamente tu, porque, por minhavontade, permaneceriam firmes assim.

SÓCRRTCS — €ntão, amigo, dá-se o caso de que

eu tenha me tornado mais hábil na arte do meuantepassado, a tal ponto que, enquanto ele sabiatornar móveis apenas as próprias obras, eu, comoparece, além das minhas, torno móveis também asdos outros. €, sem dúvida, o qu® de mais notávelexiste na minha arte é o fato de que sou hábil semquerer. £u desejaria, de fato, que meus discursospermanecessem firmes, e que estivessem imóveis,muito mais do que desejaria as riquezas de Tôntaloacrescentadas à habilidade de Dédalo.

Platão, €utifrônio.

2. O momento maiêutico

SÓCRATCS — é que tens as dores do parto, caroTeeteto, porque não estás vazio, mas grávido.TeeTêTO — Não sei, Sócrates. Digo-te, po-

rém, o que estou sentindo.SÓCRATCS  — Mas então, ridículo rapaz, não

ouviste dizer que sou filho de umo famosa e hábilparteiro, fenarete?

TCCTCTO — Já ouvi dizer isso.SÓCRATSS  — € ouviste dizer que pratico* a

mesma arte?TCÊTSTO — De modo nenhum.SÓCRATCS — Cntão, saibas que é assim. Porém

não o digas aos outros. Com efeito, amigo, mantiveescondido que possuo esta arte: eles, não sabendo

disso, não dizem isso de mim, e sim que eu sou umhomem estranhíssimo e deixo em embaraço osoutros. Ouviste dizer tombém isto?

TêeT€TO — Sim.SÓCRATCS — Digo-te, portanto, o motivo?TCCTCTO — Sim, por favor.SÓCRATCS  — Pensa bem em tudo o que se

refere à condição das parteiras, e aprenderás maisfacilmente o que quero dizer. Talvez saí-

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—m

114Terceira parte - y\ descoberta do Komem

bos, de foto, que nenhuma delas, enquanto elapróprio está em grau de ser fecundado e de parir,

serve como parteira para outros mulheres, mas ofazem oquelas que já não podem parir.

Terreo — é exatamente assim.SócfiflTes—O motivo disso, ao menos pelo

que se diz, é Artemis, porque, ela que é virgem, tevecomo destino a proteção do parto, fl mulheresestéreis, portanto, não concedeu servir comoporteiras, porque a natureza humana é demasiadofrágil para adquirir uma arte relativo òquilo de quenão tem experiência. Confiou essa tarefa, aocontrário, às mulheres que, pelo idade, nõo estãomais em grau de parir, para honrar sua semelhançacom ela.

Teeiero — é verossímil.

Sócflffres — Pois bem, também isso é ve-rossímil, ou melhor, inevitável, que as parteirasreconheçam, mais que as outras mulheres, as queestão grávidas e as que nõo estão?

Teerero — Certamente.SÓCRATCS—£ são sempre as parteiras que,

fornecendo filtros mágicos e fazendo encantamentos,conseguem estimular as dores do parto e também mitigá-las, se quiserem, fazendo parturir as gestantes emdificuldade, e fazendo abortar, se' lhes parecer oportuno,um feto imaturo? ^

TeeTCTO — é verdade. .SÓCRATCS  — Além disso, não notaste que são

também habilíssimas mediadoras de núpcias, dodoque sabem tudo sobre como reconhecer qual mulher com qual homem devo unir- se pora gerar ótimosfilhos?

TeaíTO — Disso nõo tenho nenhum conhe-cimento.

SÔCRATCS  — Mas saibas que disso se van-gloriam mais do que da sua habilidade em cortar ocordão umbilical. Com efeito, pensa: consideras queseja tarefa da mesma arte, ou de uma diferente,cuidar e recolher os frutos da terra e reconhecer emqual terra qual planta e qual semente devem ser colocadas?

Teerero — Não de uma arte diferente, mas damesma.

SÓCRATCS  — Cm relação às mulheres, amigo,pensas que seja uma a arte de semear, e outra,diferente, a de colher?

TÉSTCTO — Nõo creio que seja verossímil.SôCRRTês — De foto, não é. Mas, por causo

do acoplamento de um homem e uma mulher semnorma e sem arte (coisa que tem o nome de“alcovitagem"), as parteiras, que são mulheressérias, também evitam combinar núpcias justas,porque temem, por isso, incorrerem acusação,embora, ao menos conforme penso.

caiba apenas às verdadeiras parteiras tambémcombinar núpcias de modo correto.

TeeTSTO — Parece.SÓCRATCS  — Csta, portanto, é a grande tarefa

das parteiras, embora inferior à minha obra. Comefeito, às mulheres não ocorre parturir uma vezfantasmas e outra vez filhos verdadeiros, e isto nãoé demasiado fácil de distinguir. Com efeito, se talacontecesse, seria, para as parteiras, obra muitogrande e muito bela saber julgar o que é verdadeiroe o que não é. Não achas?

TCÇTCTO — Sim, acho.SócRATes — Minha arte de obstetra possui

todas as outras características que competem àsparteiras, mas delas difere pelo fato de que servecomo parteira para os homens 0 não para as

mulheres, e se aplica a suas almas partu- rientes,não aos corpos. € existe isso de absolutamentegrande na minha arte: ser capaz de pôr à prova detodo modo se o pensamento do jovem pare umfantasma e uma falsidade, ou um quê de vital e deverdadeiro. Uma vez que isso ao menos é comum amim e às parteiras: não posso gerar sabedoria,- oque muitos já me reprovaram é que eu, de fato,interrogo os outros, mas depois eu mesmo nãomanifesto nada sobre nenhum argumento, aduzindocomo causa o meu nõo ser sábio em nada —reprovação que corresponde à verdade. A causadisso é esta: o deus me força a servir como parteira,mas me proibiu gerar. Quanto a mim, portanto, nãosou de fato sábio em alguma coisa, nem tenhoalguma descoberta sábia que seja como um filhogerado da minha alma. Os que me freqüentam,porém, primeiro alguns parecem ignorantes, etambém muito, mas, depois, todos, continuando afreqüentar-me, ao menos aqueles aos quais o deusconcede, fazem progressos tão extraordinários, queeles próprios percebem e também os outros. € isto éclaro: de mim jamais aprenderam coisa alguma, massõo eles que, por si mesmos, descobrem e gerammuitas coisas bonitas. Todavia, fomos o deus e euque servimos para eles como parteiras. € isto o tornaevidente: muitos, que antes ignoravam este fato e

atribuíam todo mérito a si mesmos, desprezando amim, ou por si mesmos ou persuadidos por outros,se afastaram de mim antes do devido tempo; mas,afastados, fizeram abortar todo o resto, por causa deum acoplamento mau, levando falsidades e fan-tasmas em maior conta do que a verdade, eacabando por parecer ignorantes a si mesmos e aosoutros.

Platão, Teeteto.

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115Capítulo quarto - Sócrates e os Socráticos menores

fl conclusão do fípologia de Sócrates: o significado do morte

Depois do segunda votação e da definitiva condenação ò morte, Sócrates Faz breve discurso dedespedida, dividido em dois momentos: o primeiro, dirigido aos que o condenaram, e o segundo, dirigidoaos que, ao contrário, voltarom a seu Favor.

Fios que o condenaram (eram 360) Sócrates dirigiu duas mensagens importantes. €m primeiro lugar, põe em conFronto morte e maldade com esplêndido jogo de imagens, muito

tocante. Verdadeiramente difícil não é Fugir do morte, mas Fugir da maldade, porque a maldade corremuito mais veloz que a morte. 6 seus ocusodores, tão hábeis e rápidos, foram atingidos exatamente pelamaldade, que é a mais veloz, enquanto ele, Sócrates, fraco e lento, Foi alcançado pela morte, que é amais lenta.

 €m segundo lugar, faz uma predição. Fios juizes que o condenaram, com a esperança de libertar-se para sempre de quem os forçava a prestar contas da própria vida, acontecerá exatamente o contrário:muitos serão aqueles que no futuro farão aquilo que ele fez no passado, e serão tonto mais rigorososquanto mais jovens.

Çste é um conceito de extraordinário alcance veritativo: "matando um homem, nõo se mata a idéiaque 0I0 criou e pôs em ato, se aquela própria idéia é idéia devida. Com efeito, se tal idéia toca verdadesde fundo, ela se reforça justamente mediante a morte imposta a quem a sustentou".

fíos juizes que o absolveram (erom 140) Sócrates dirigiu ao invés algumas considerações geraissobre a morte e seu significado.

Sobre a imortalidade da olmo ele não podia ainda ter precisas idéias filosóficas, que implicavamdescobertas metafísicas alcançadas apenas por Platão. Fl posição de Sócrates devia ser justamenteaquelo oqui expressa no Rpologia.

Do ponto de vista racional pode-se dizer que a morte poderio ser uma destas duas coisas: ou umaespécie de noite eterna, ou seja, como um andar no nada absoluto, ou passagem para outra vida, um ir para outro lugor, onde existem juizes verdadeiros e onde se encontram todos os outros homens quemorreram, tornados imortais, e onde se vive umo vido feliz.

Pois bem, em ambos os casos a morte mostra-se um ganho: no primeiro caso, desaparecendotodas as coisas, desaparece também todo sofrimento; no segundo coso, 00 contrário, possa-se para

uma vida feliz. Com aquilo que chamamos de “fé", Sócrates certamente era propenso a crer no além,enquanto, do ponto de vista racional, era convicto de que a verdade sobre essas coisas era conhecidaapenas pela sabedoria de Deus e não pela do homem. € as últimas palavras da Apologia sãoemblemáticas: “Todavia, já chegou a hora de partir: eu para a morte, e vós, ao contrário, para a vida. Masquem de nós vai para aquilo que é melhor, é obscuro para todos, exceto para deus".

Uma frase que Sócrates pronuncia pouco antes exprime sua convicção de fundo, de modoverdadeiramente emblemático: “[...] para um homem bom nenhum mal pode acontecer, nem em vida nemem morte. As coisas que lhe cabem não são descuradas pelos deuses".

O Bem é a verdadeira dimensão do absoluto.

1. Fugir da morte é mais fácil que fugir damaldade

Por não querer esperar muito tempo, cidadãosatenienses, tereis a má fama e a culpa por partedaqueles que querem reprovar a cidade por ter condenado à morte Sócrates, homem sábio. Comefeito, dirão que sou sábio mesmo que não o seja,aqueles que de vós querem caçoar.

Se tivésseis esperado pouco tempo, a questãoter-se-ia resolvido por contra própria. Vede, comefeito, que minha idade já está avançada em vida, eestá próxima da morte.

C digo isso não a todos vós, mas aos quevotaram a minha morte.

 € justamente a eles digo também outra coisa.Talvez penseis, cidadãos atenienses, que eu tenhasido pego desprovido dos argumentos com que vosteria persuadido, caso considerasse necessáriofazer e dizer qualquer coisa a fim de escapar dacondenação à morte. Mas nõo é de nenhum modoassim, fui pego desprovido, nõo de argumentos,mas de audácia e descaramento, e por não querer dizer-vos coisas que gostaríeis de ouvir, enquantochorava e me lamentava e fazia e dizia muitasoutras coisas indignos de

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Terceira parte - .A descoberta do homem

mim, como vos disse, mas que costumais ouvir deoutros.

Todavia, nem então julguei dever fazer qualquer coisa de mesquinho para defender- me doperigo, nem agora me arrependo de ter- medefendido deste modo; prefiro, porém, morrer por ter-me defendido deste modo, em vez de viver por ter-me defendido doquele modo.

Nem em tribunal nem em guerra, nem eu nemqualquer outro deve valer-se destes estratagemaspara subtrair-se à morte em todos os modos. Comefeito, também nas batalhas freqüentemente pareceevidente que alguém se salvaria de morrer, casodeixasse as armas e se voltasse para suplicar àqueles que o perseguem. € há também muitosoutros estratagemas, em cada um dos vários

perigos, que possibilitam fugir da morte, se alguémousar fazer ou dizer qualquer coisa.

Contudo, vede bem, cidadãos, que isto não é omais difícil, ou seja, fugir da morte, mas que muitomais diffcil é fugir da maldade. Com efeito, amaldade corre muito mais veloz que a morte.

 € agora eu, que sou lento e velho, fui al-cançado por aquela que é mais lenta, enquantomeus acusadores, que são hábeis e rápidos, foramalcançados por aquela que é mais veloz, a maldade.

 € agora me vou, condenado por vós à pena demorte; enquanto estes se afastam, condenados pelaverdade da iniqüidade e da injustiça.

Cumpro minha punição e estes a deles. € talvez as coisas deviam se realizar exa-

tamente deste modo. Melhor: creio que se rea-lizoram na justa medida.

2. Predição de Sócrates aosque o condenaram

Todavia, a vós que me condenastes, querofazer esta predição sobre o que acontecerá depoisdisso.

 €ncontro-me já naquele momento em que oshomens têm sobretudo a capacidade de fazer predições, ou seja, quando estão para morrer.

 €u vos digo, cidadãos que me condenastes à

morte, que logo após a minha morte cairá sobre vósuma vingança, muito mais grave, por Zeus, do que aque infligistes a mim, condenando-me à morte. Comefeito, agora fizestes isso, convictos de libertar-vosde prestar contas de vossa vida. €, ao invés, digoque vos sucederá exatamente o contrário. Muitosserão os que vos porão à prova, ou seja, todosaqueles que eu entretinha; e vós percebíeis muitobem

isso. 6 serão tanto mais rigorosos quanto mais jovens; e ficareis ainda mais irritados!

Com efeito, se credes que, condenandohomens à morte, impedireis que alguém vos façareprovações porque não viveis de modo correto, nãopensais bem. Cste modo de libertar-se não écertamente possível, nem belo. flo contrário, ébelíssimo e facilíssimo não o tolher a palavra dosoutros, mas o procurar tornar-se bons o maispossível.

 €sta é a profecia que faço a vós, que mecondenastes.

 €, convosco, encerrei o assunto.

3. Mensagem de Sócrates aos juizes

que o absolveram: o que está parasuceder é provavelmente um bem

flo contrário, com aqueles que deram o votopara minha absolvição, discorrerei de bom gradosobre este fato que agora me ocorreu, enquanto osmagistrados ainda estão empenhados, e ainda nãochegou o momento em que eu vá para onde, umavez chegado, deverei morrer. Permanecei comigo,cidadãos, nesse tempo. Nada nos impede decontinuar des- correndo entre nós, enquanto épossível.

 A vós, enquanto meus amigos, quero fazer notar o sentido do que hoje me ocorreu.

Com efeito, juizes, e chamando-vos de juizes

eu vos chamo pelo nome, aconteceu-me um fatomaravilhoso. A voz profética que me é habitual, a dodaimon, por todo o tempo precedente era semprebastante freqüente, e se opunha muito também emcoisas pequenas, quando eu estava para fazer coisas de modo não justo. Agora aconteceram-mecoisas, como também vós percebeis, que podem ser tidas, e que são consideradas, como malessupremos. Ao contrário, o sinal do deus não se opôsa mim, nem enquanto saía de casa nem enquantosubia aqui para o tribunal, e nem sequer durante odiscurso, em nenhuma ocasião enquanto eu estavapara dizer alguma coisa. Todavia, em outrosdiscursos bloqueou-me no meio, enquanto falava. Agora, ao invés, em nenhum ponto, no decorrer detodo este processo, se opôs a mim em nada, nemem algum ato nem em alguma palavra.

Portanto, qual devo pensar que seja a causadisso?

£u vos direi. Talvez isso que me ocorreu sejaum bem. € não é possível que pensem de modo justo todos os que de nós afirmam que morrer sejaum mal.

Para mim houve uma prova cabal disto: não épossível que o sinol costumeiro não se

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, 11Cãpítulo quãfto - Sócrates e os Socráticos menores —_ 

opusesse a mim, se eu nõo estivesse a ponto defazer algo que é um bem.

4. O significado da morte

Consideremos também deste lado o fato deque há muita esperança de que o morrer seja umbem. Com efeito, uma destas duas coisas é omorrer: ou é como um nõo ser nada e quem morreunõo tem mais qualquer sensação de nada; ou então,conforme algumas coisas que se comentam, émudança e migração da alma deste lugar que é cáembaixo para outro lugar.

Ora, se a morte é não ter mais qualquer sensação, mas é como um sono que se tem quandoao dormir nõo se vê mais nada nem em sonho,

entõo a morte seria um ganho maravilhoso. Comefeito, considero que se alguém, depois de ter escolhido esta noite em que tivesse dormido tão bema ponto de nõo ver sequer um sonho, e, depois deter comparado com esta as outras noites e os outrosdias da sua vida, tivesse de fazer um exame 0 dizer-nos quantos dias e quantas noites tenha vivido demodo mais feliz e mais agradável do que aquelanoite durante toda a sua vido; pois bem, creio que talpessoa, mesmo que nõo fosse apenas um cidadãoordinário, mas o Grande Rei, também acharia queestes dias e noites sõo poucos a contar em relaçãoaos outros dias e às outras noites. Se, portanto, amorte é algo de tal gênero, digo que é um ganho.

Com efeito, seja qual for o tempo da morte, nõoparece ser mais que uma única noite. Fio contrário,se a morte é como um partir daqui para ir a outrolugar, e são verdadeiras as coisas que se contam,ou seja, que naquele lugar estão todos os mortos,qual bem, juizes, poderia ser maior do que este?

Com efeito, se alguém, chegando ao Hades,liberto dos que aqui se dizem juizes, encontrar verdadeiros, aqueles que se diz que lá pronunciamsentença: Minos, Radamante, Cacos, Triptólemo eoutros tantos semideuses que foram justos em suavida; pois bem, em tal caso, este passar para o alémseria talvez coisa pouco importante?

 € depois, quanto não estaria disposto a pagar 

cada um de vós para estar junto com Orfeu e Museu,com Homero e Hesíodo? Quanto a mim, estoudisposto a morrer muitas vezes, se isso for verdadeiro. Com efeito, para mim, seriaextraordinário transcorrer meu tempo, encontrando-me com Palamedes, com Ájax filho de Telamônio, ecom algum outro dos antigos que morreram por causa de um julgamento injusto, comparando meuscasos com os deles.

 € creio que isso de modo nenhum seriadesagradável.

Mas a coisa mais bela para mim seria sub-meter a exame aqueles que estão do lado de lá,interrogando-os como fazia com estes que estõoaqui, para ver quem é sábio e quem afirma ser tal,mas nõo o é.

Quanto alguém de vós estaria disposto apagar, juizes, para examinar quem levou a Tróia ogrande exército, ou entõo Odisseu ou Sísifo e outrasinumeráveis pessoas que se podem mencionar,tanto homens como mulheres?

 € discutir e estar lá junto com eles e interrogá-los, nõo seria de fato o supra-sumo da felicidade?

C sem dúvida, por isso, os de lá nõo con-denam ninguém à morte. Com efeito, os de lá, além

de ser mais felizes que os de cá, são igual- m0nt0para sempre imortais, caso sejam verdadeiras ascoisas que se dizem.

5. Mensagem conclusiva de Sócrates edespedida

Pois bem, juizes, é preciso que também vóstenhais boas esperanças diante da morte, e deveispensar que uma coisa é verdadeira de modoparticular, que a um homem bom nõo pode suceder nenhum mal, nem em vida nem em morte. As coisasque lhe tocam não sõo descuradas pelos deuses.

C também as coisas que agora me tocam não

sucederam por acaso; mas para mim isto éevidente: que a este ponto morrer e fibertar- me dosafõs era o melhor para mim. _ 

Por  0SS0 motivo o sinal divino nõo medesviou do caminho seguido.

Portanto, não tenho grande rancor contraaqueles que votaram minha condenação, nemcontra os meus acusadores, mesmo que me tenhamcondenado e acusado nõo certamente com talpropósito, mas com a convicção de prejudicar-me.Quanto a isso, merecem censura.

Todavia, peço-vos exatamente o seguinte.Quando meus filhos se tornarem adultos, puni-os,cidadãos, tratando-os com as mesmas dores com

que vos tratei, caso pareça a vós que cuidam dasriquezas ou de qualquer outra coisa mais do que davirtude.

Caso dêem ares de valer algo, enquanto nadavalem, reprovai-os como eu vos reprovei, porquenõo cuidam daquilo de que deveriam cuidar, eporque crêem valer algo, enquanto na realidadenada valem.

Se fizerdes isso, terei recebido de vós o que é justo: eu 0 meus filhos.

Todavia, chegou a hora de partir: eu para amorte, e vós, ao contrário, para a vida.

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Terceira parte - ;A descoberta do Ko mem

Mas quem de nós vai poro aquilo que émelhor, é obscuro para todos, exceto para deus.

Platão, Flpologia de Sócrates.

D fl mensageme a missão de Sócrates

No trecho que segue, lemos o autodefesa deSócrates no processo contra ele aberto por Finitoe Meleto, com a acusação de impiedade e decorrupção dos jovens. Nesta defesa nosso filósofo

apresenta sua vida como a atuação de umamissão que lhe foi confiada por deus e osignificado do seu viver filosofando.

fí mensagem que consto do seuensinamento é esta: o homem deve cuidar sobretudo de sua alma e não das coisas ex-teriores, e esforçar-se para que sua alma torne-seo mais possível melhor. Na alma, com efeito, estáa essência do homem. € ao difundir e-praticar estamensagem Sócrates está convicto de que, longede danificar os jovens, foz o maior bem para acidade; tanto mais que a tarefa que os deuses lhederam é justamente a de incitar os atenienses, es-timulando-os, exortando-os e corrigindo-os, o fim

de que cuidem da alma o mais possível.

1. O lugar atribuído por Deus a Sócrates: viver Filosofando

Portanto, cidadãos atenienses, parece-meque nõo há necessidade de longa defesa paraconvencer qu» eu não tenho a culpa que me éimputada no libelo de acusação de Meleto. Sãosuficientes estos coisas que disse. Mas o que vosdizia no início, ou seja, que contra mim surgiu em

muitos um grave ódio, saibais bem que isso éverdade.

€ o que me inflige condenação, caso hajacondenação, nõo são nem Meleto nem finito, e sima calúnia e a inveja de muitos. € estas coisasinfligiram condenação a tantos outros homens devalor e creio que a infligirão também no futuro. €nõo se espere que parem em mim.

fllguém poderia talvez me dizer: "Gntão,Sócrates, não te envergonhas de ter-te dedicado aesta otividode, por causa da qual estás em perigode morte?"fl estes eu poderia responder com justo raciocínio:“Não falas bem, amigo, se conside

ras que um homem que possa ajudar, mesmo quepouco, deva levar em conta também o perigo da

vida ou da morte e não deva, ao contrário, quandoage, olhar apenas para isso, ou seja, se pode fazer coisas justas ou injustas, e se as ações dele sõoações de um homem bom ou de um homem mau.Se levarmos em conta teu raciocínio, teriam sidopessoas de pouco valor todos,os semideuses quemorreram em Tróia. 6 como os outros também ofilho de Tétis, o qual, em vez de suportar a infâmia,desprezou o perigo a tal ponto que, quando a mõe,que era deusa, disse a ele, que desejava ar-dentemente matar Heitor, mais ou menos assim:'filho, se vingares a morte de teu amigo Pátroclo ematares Heitor, morrerás também tu, porque ao deHeitor imediatamente seguirá o teu destino, ao

ouvir tais palavras não se preocupou com o perigoe a morte. Ao contrário, temendo muito mais viver como covarde e não vingar o amigo, disse: 'Queeu morra imediatamente, logo que tenha punidoquem cometeu a culpa, em vez de permanecer vergonhosamente  junto às naves curvas, e inútil  peso da terra. € então, amigo, pensas que eletenha se preocupado com a morte e com operigo?"

 Assim são as coisos, cidadãos atenienses,conforme a verdade: no lugar em que alguémcolocar a si mesmo, considerando-o o melhor, ouem que tenha sido colocado por quem detém ocomando, justamente aí penso que deva

permanecer e enfrentar os perigos, sem levar emconta a morte nem qualquer outra coisa mais que adesonra.

 €u, portanto, cidadãos atenienses, teriarealizado ação terrível se enquanto, de um lado,quando os chefes, que escolhestes para comandar-me, me atribuíram um posto em Potidéia, em Anfípolis e em Delos, permaneci naquele posto queme atribuíram e corri perigo de morte, de outro lado,ao contrario, quando o deus me atribuiu o posto, aomenos como afirmei e acreditei, de viver filosofandoe submetendo a exame a mim mesmo e aos outros,por medo da morte ou de qualquer outra coisa,tivesse abandonado tal posto.

Seria coisa de fato terrível! 6 então com justarazõo ter-me-iam levado ao tribunal, pelo motivo denõo crer que os deuses existam, por desobedecer ao oráculo, ter medo da morte e estar convicto deser sábio, sem sê-lo de fato.

Com efeito, ter medo da morte, cidadãos, nãosignifica outra coisa que crer ser sábio, enquanto narealidade não se é: de fato, é crer que se sabe decoisas que nõo se sabe. Pois, ninguém sabe o queseja a morte e se esta não seja talvez, para ohomem, o maior de todos os bens: ao contrário, oshomens dela têm

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, 119Cãpítulo quartO - Sócrates e os Socmticos mehofes-------------------------------------------------------------------------------------------

medo, como se soubessem bem que elo é o maior dos males. C isso não é por acaso ignorância, e até

a mais reprovável, a de estar convictos de saber ascoisas que ao invés não se sabe?

Quanto a mim, cidadãos, justamente por isso enisso sou talvez diferente de muitos dos homens. €se pudesse dizer que sou mais sábio de alguém emqualquer coisa, seria justamente nisso, isto é, que,não sabendo suficientemente das coisas referentesao Hades, também estou convicto de não sabê-las.Ro contrário, praticar injustiça e não obedecer aquem é melhor, a deus ou a um homem, sei que écoisa má e torpe.

2. O ponto fundamental da mensagem de

SócratesPor conseguinte, em confronto com os males

que sei serem de fato males, jamais sucederá queeu tema e fuja das coisas que não sei se sejamigualmente bens.

Portanto, mesmo que vós agora me fi- zésseissair do cárcere, não dando atenção a Rnito — o qual,entre outras coisas, considerava que ou nãoprecisava desde o início fazer- me vir para cá, ou, apartir do momento que eu vim, não tivesse sidopossível não condenar- me à morte, sustentandoque, se tivesse conseguido evitar a condenação,imediatamente vossos filhos, pondo em prática ascoisas que Sócrates ensina, teriam sido

completamente corrompidos — e, contrariamente aoque ele afirma, vós me dissésseis: "Sócrates, nãodaremos atenção a Rnito e te permitiremos sair docárcere, mas com a condição de que não dediquesmais teu tempo a tal tipo de pesquisas e não façasmais filosofia; mas, se preten- deres fazer aindaestas coisas, morrerás"; e com isso, como dizia, medeixásseis sair do cárcere, contanto que respeitassetais condições, então eu vos responderia: "Cidadãosatenienses, sou- vos grato e vos quero bem; masobedecerei mais a deus do que a vós; e enquantoestiver respirando e estiver em grau de fazê-lo, nãodeixarei de filosofar, de exortar-vos e de fazer- vosentender, sempre, qualquer de vós que eu encontre,dizendo-lhe aquele tipo de coisas que costumo dizer,ou seja, isto: 'Ótimo homem, a partir do momentoque és ateniense, cidadão da maior e mais famosacidade pela sabedoria e poder, não te envergonhasde ocupar-te com as riquezas para ganhar o maispossível e com a fama e a honra, e, ao contrário, nãote ocupas e não te preocupas com a sabedoria, averdade e tua alma, de modo que se torne o maispossível boa?"'.

Caso alguém de vós discordar sobre isso esustentar que disso cuidará, eu nõo o deixarei partir 

imediatamente, nem irei embora também, mas ointerrogarei, submetendo-o a exame e o refutarei. €caso perceba que ele nõo tem virtude, mas apenaspalavras, eu caçoarei dele, por ter em pouquíssimaconsideração as coisas que têm o maior valor, 0 emmaior conta as coisas que, de valor têm muitopouco.

 € farei tais coisas com qualquer um queencontrar, seja com quem é mais jovem, seja comquem é mais velho, seja com um estrangeiro, sejacom um cidadão, mas especialmente convosco,cidadãos, pois estóis mais perto de mim por origem.Com efeito, tais coisas, como bem sabeis, é deusque me ordena. € considero que exista pora vós, no

cidade, um bem maior do que este meu serviço adeus.

Com efeito, eu circulo, fazendo nada mais quebuscar vos persuadir, tanto os mais jovens como osmais velhos, que não deveis preocupar-vos com ocorpo, nem com as riquezas nem com qualquer outra coisa antes 0 com maior empenho do quecom a alma, de modo que se torne boa o maispossível, afirmando que a virtude não nasce dasriquezas, mas que da própria virtude nascem asriquezas e todos os outros bens para os homens,tanto em particular como publicamente.

Se, portanto, afirmando isso, eu corrompesseos jovens, então isso seria prejudicial. Mas se

alguém sustenta que digo coisas diferentes, e nãoestas, este não diz nada de verdadeiro.

Portanto, cidadãos atenienses, seja dando ounão dando atenção a Rnito, seja deixando ou nãodeixando que eu saia do cárcere, devo dizer-vosque jornais farei outras coisas, nem se tivesse demorrer muitos vezes.

3. R função de estímulo da mensagem deSócrates,como dom divino à cidade

Não façais barulho, cidadãos atenienses, mascontinuai a respeitar o pedido que vos dirigi, de que

não fizésseis barulho por causa das coisas que digo,mas de dar-me atenção, porque creio que tirareisvantagem de ouvir-me. Com efeito, estou para dizer-vos outras coisas que, ao ouvi-las, talvez fareisestrépito. Mas não o façais de nenhum modo!

Sabei, com efeito, que, se me condenar- desà morte, eu, que sou assim como vos digo, nãoprejudicareis a mim mais do que a vós mesmos.Com efeito, a mim Rnito e Meleto não -fariam malnenhum, e nem o poderiam, porque não creio queseja possível que um homem

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120 .Terceira parte - A descoberto do komem

Busto de Sócrates,

conservado nos

melhor seja danificado por um pior. Anito poderiacondenar-me à morte, expulsar-me para o exílio edespojar-me dos direitos civis. Todavia, tais coisas,este e talvez outros com ele crerõo que sejamgrandes males, enquanto eu não penso que osejam.

Creio, ao invés, que seja um mal muito maior fazer as coisas que Anito faz agora, ou seja,procurar levar ò morte um homem contra a justiça.Portanto, cidadãos atenienses, agora estou bemlonge de pronunciar uma defesa em meu favor,como alguém poderia pensar, e sim em vosso favor,para que, condenando-me, não caiais em culpa emrelação ao dom que deus vos concedeu.

Com efeito, se me condenardes à morte, nãopodereis encontrar facilmente outro como eu, que

tenha sido colocado por deus no flanco da cidade,como — mesmo que possa parecer ridículo dizer —no flanco de um grande cavalo de raça, mas, justamente pela grandeza, um pouco preguiçoso eque tem necessidade de ser picado por um tavão.De modo semelhante parece-me que deus me tenhacolocado no flanco da cidade, ou seja, como alguémque, espicaçando, perseguindo e reprovando um aum, não deixe de estar em cima de vós o dia todo,em todo lugar.

Outro semelhante a mim não será fácil denascer, cidadãos. Por isso, se me dais atenção,deveis absolver-me.

Vós, porém, talvez, encolerizados contra mim,

como aqueles que são acordados enquanto estãodormindo, tendo-me aplicado forte golpe, ouvindo Anito, me condenareis facilmente à morte e depoiscontinuareis a dormir por todo o resto da vida, casodeus, preocupado convosco, não vos mandassealgum outro.

C que seja o caso que tal homem dado por deus como dom à cidade seja justamente eu,podereis compreendê-lo também por isto: comefeito, não parece coisa humana que eu tenhadescurado todos os meus negócios, suportando jáhá tantos anos que meus interesses fossemdeixados de lado, para ocupar-me, ao invés, sempredos vossos, freqüentando em particular cada um de

vós como um pai ou um irmão maior, a fim deconvencer-vos a cuidar da virtude.

C se destas coisas tirasse alguma vantagem edesse conselhos para receber compensação emdinheiro, haveria certa motivação. Mas agoratambém vedes que meus acusadores, os quais meacusaram das outras coisas de modo descarado,não foram igualmente descarados em trazer uma sótestemunha para provar que eu, mesmo que uma sóvez, tenha cobrado pagamento ou pretendidoqualquer compensação.

 A testemunha apta para provar que digo averdade, ao contrário, eu próprio a apresento: minhapobreza!

Platão, fípotogia de Sócrates.

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Capítulo quinto

O nascimento da me.d\c-\na como saber

científico autônomo

I. (Somo taascemm o medico e a

medicina científica

•  A mais antiga forma de medicina era praticada pelossacerdotes e apenas a seguir foi exercitada por médicos "lei-gos", que habitualmente operavam em escolas adjacentes aostemplos de Esculápio, onde acolhiam os doentes. A medicina, embora já fosse praticada no Egito, somentena Grécia adquiriu veste científica, enquanto absorveu da filosofia, sobretudonaturalista, o método da pesquisa das causas, que é o fundamento da ciência.

O nascimentoda medicinacomo ciência->§ 1-2

Dos médicos sacerdotes

de íSsculápioaos médicos “leigos”

A prática mais antiga da medicinaeraexercida por sacerdotes. A mitologiaafirmaque o centauro Quíron ensinou aoshomens aarte de curar os males. Ainda conformea mi-tologia, Quíron teve como discípulo

Esculápio,considerado filho de Numes edivinizado. Erachamado de “médico” e “salvador” etinhacomo símbolo a serpente.Conseqüentemen-te, foram-lhe dedicados templos emlocais sa-lubres e posições particularmentefavoráveis,além de ritos e cultos. Os doentes eramleva-dos aos templos e “curados” por meio

de prá-

possível o contato com o maior número

e a maior variedade de casospatológicos.Assim, é compreensível que

durante muito tempo o nome de“Asclepíades” tenha sido usado nãoapenas para indicar os sacerdotes deEsculápio, mas também todos aquelesque praticavam a arte de curar osmales, que era própria do deusEsculápio, ou seja, todos os médicos.

As mais famosas escolas médicasda antiguidade surgiram em Crotona(onde ganhou fama Alcméon, seguidorda seita dos Pitagóricos), em Cirene, em

Rodes, em Cnido e em Cós. Mas foisobretudo em Cós que a medicinaelevou-se ao mais alto nível, por méritoparticular de Hipócrates, que, desfru-tando dos resultados das experiências

gêneseda medicina científica

Do que dissemos, fica claro que aciência médica não nasceu das práticasdos Asclepíades, sacerdotes curadores,

mas sim da ex

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Terceira parte - A descober+a do komem

periência e das pesquisas dos médicosdessas escolas de medicina, anexas aos

templos; tais médicos, pouco a pouco,foram se distanciando dos primeiros atéromperem decididamente os laços comeles, definindo conceitual- mente aprópria identidade específica.

Mas, para se compreender comoisso foi possível e, portanto, como é quetambém a medicina científica chegou aser uma criação dos gregos, énecessário lembrar alguns fatos muitoimportantes.

No séc. XX, foi descoberto umpapiro contendo um tratado médico quecomprova que, em sua sabedoria, osegípcios já haviam atingido um estágiobastante avançado na elaboração domaterial médico, com a indicação dealgumas regras e de alguns nexos decausa e efeito. Desse modo, devemosconvir que os antecedentes da medicina

-

ção em que as descobertas matemático-geo- métricas egípcias estão para a

criação da ciência dos números e dageometria grega, fato ao qual jáacenamos e ao qual ainda voltaremos.

Foi a “mentalidade científica”criada pela filosofia da  physis quepossibilitou a constituição da medicinacomo ciência.

Além disso, à influência da filosofiados Físicos, deve-se agregar tambémuma particular agudeza argumentativa,herdada dos Sofistas e bem visível emalguns tratados hipocráticos.

Concluindo, como já recordamos,constatamos a ocorrência dessefenômeno de importância fundamentalpara se compreender o pensamentoocidental: é no âmbito da mentalidadefilosófica, ou seja, no âmbito doracionalismo etiológico por ela criado,que pôde nascer, se autodefinir e se

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Cãpítulo Quinto - O nascimento da medicina como saber científico autônomo

II. "Hipócrates e o

^íSorpus f"lippocraticum■ //

• Hipócrates de Cós (sécs. V-IV a.C.) pode ser considerado o  Auto nomia   fundador damedicina científica, ou da medicina conduzida so- e  dignidade bre bases racionais.

<ya med,ana

Os pontos fundamentais de seu saber são os seguintes: _> § 7-5

1) separou claramente o conteúdo científico da medicinaem relação a todas as crenças religiosas que acompanharam seu nascimento;

2) considerou o homem e sua saúde não como realidades isoladas, mas como parte deum conjunto de fatores mais amplo, que pode ser não só o ambiente circundante, mas tambémas instituições políticas;

3) defendeu a autonomia da ciência médica em relação à filosofia: com efeito, enquanto

esta vê o homem em geral, a medicina trata do homem concreto e de sua saúde física,relacionada com seu próprio ambiente;

4) definiu de modo quase perfeito o quadro ético dentro do qual devia agir o médico emover-se a sua pesquisa.

• Políbio, talvez um discípulo de Hipócrates, sistematizou no tratado Sobre a natureza dohomem os conteúdos doutrinais do pensamento do mestre, conforme um esquema que setornou clássico, que relacionava os quatro humores (sangue, fleuma, bílis amarela e bílis negra)com  A teoria quente, frio, seco e úmido, e com as quatro estações. A doença dos humores

e a saúde eram vistas como dependentes do desequilíbrio ou § 6 do equilíbrio dos quatrohumores.

g|g| -Hipócrates,fundador da ciência médica

Dissemos acima que Hipócrates é o“herói fundador” da medicina científica.Infelizmente estamos muito malinformados sobre a sua vida. Parece queviveu na segunda metade do séc. V enas primeiras décadas do séc. IV a.C.(conjecturalmente, alguns propõem as

datas de 460-370 a.C., mas são datasaleatórias). Hipócrates foi o chefe daEscola de Cós e ensinou medicina emAtenas, onde Platão e Aristóteles oconsideraram como o paradigma dogrande médico. Ficou tão famoso que aantiguidade nos legou sob o seu nomenão apenas suas obras, mas tambémtodas as obras de sua Escola e, melhordizendo, todas as obras de medicina dossécs. V e IV. E assim nasceu aquilo queé designado como Corpus Hippocrati-cum, constituído por mais de cinqüentatratados, que representa a mais

Os livros que podem ser atribuídosa Hipócrates com certa margem deprobabilidade, ou que podem serconsiderados reflexos de seupensamento, são:  A medicina antiga,uma espécie de manifesto que proclamaa autonomia da arte médica; O mal sagrado, polêmica contra a mentalidadeda medicina mágico-religiosa; O prognóstico, que constitui a descobertada dimensão essencial da ciênciamédica; Sobre as águas, os ventos e os

lugares, na qual evidenciam- se os laçosentre doenças e meio ambiente; asEpidemias, que são uma formidável co-letânea de casos clínicos; os famosos Aforismos e o célebre  Juramento, doqual falaremos adiante.

Como a criação da medicinahipocrá- tica marca o ingresso de novaciência na área do saber científico, ecomo Sócrates e Platão foramamplamente influenciados pelamedicina, que, nascida da mentalidadefilosófica, estimulou por sua vez aespeculação filosófica, devemos falar

mais detalhadamente sobre as maiores

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Terceira parte - A descoberta do Komem

que a ciência ética de Sócrates, queocupa o centro da disputa nos diálogos

platônicos, não teria sido pensável semo modelo da medicina, à qual Sócratesse remete tão freqüentemente.  Amedicina lhe é mais afim do quequalquer outro dentre os ramos dosaber humano então conhecidos,compreendendo a matemática e asciências naturais.”

Vejamos, portanto, algumas dasidéias hipocráticas mais famosas (atradução das passagens que citaremosfoi extraída de Opere di Ippocrate,

O ' 'mal sagracio"

e a redução de todos

os fenômenos mórbidos

à mesma dimensão

Na antiguidade, o “mal sagrado”eraa epilepsia, pois era considerada efeitode

-

/ lij>ócrates é o criador da medicinacientífica grega c é figura emblemática querepresenta "o médico " (ainda hoje osmédicos pronunciam o "juramento de

que leva esse título, Hipócratesdemonstra a seguinte tese, de modo

exemplar.a) A epilepsia é considerada “malsagrado” porque se apresenta comofenômeno estupefaciente eincompreensível.

b) Na realidade, porém, há doençasnão menos estupefacientes, comocertas manifestações febris e osonambulismo; portanto, a epilepsia nãoé diferente dessas outras doenças.

c) Assim, ignorância foi a causaque levou a considerar a epilepsia como“mal sagrado”.

d) Assim sendo, aqueles que

pretendem curá-la com atos de magiasão embusteiros e impostores.

e) Ademais, tais pessoas estão emcontradição consigo mesmas, poispretendem curar com práticas humanasmales julgados divinos, de modo queessas práticas, longe de seremexpressões de religiosidade e devoção,são ímpias e atéias, porquepretenderiam exercer um poder sobreos deuses.

O poderoso racionalismo dessaobra revela-se de particular

importância, pois Hipócrates, longe deser ateu, mostra ter compreendidoperfeitamente a importância do divino,ao sustentar precisamente nessas basesa impossibilidade de misturar o divino,de modo absurdo, com as causas dasdoenças. As causas de todas as doençaspertencem a uma única e mesmadimensão. Escreve ele: “(...) não creioque o corpo do homem possa sercontaminado por um deus, o maiscorruptível pelo mais sagrado. Todavia,mesmo que seja contaminado ou, dequalquer modo, atingido por um agente

externo, por um deus será purificado esantificado antes que contaminado.Certamente, é o divino que nossantifica, purifica e limpa dos nossoserros gravíssimos e ímpios: nós mesmostraçamos os limites dos tempos erecintos dos deuses para que não osultrapasse ninguém que não esteja puroe, ao entrar neles, nos aspergimos, nãoporque estejamos a ponto de noscontaminar, e sim para nos limpar se jácarregamos alguma mancha sobre nós.”

Qual é, então, a causa da epilepsia?É uma alteração do cérebro derivadadas mesmas causas racionais de que

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Cãpítulo quifítO - G nascimento da medicina como sabef* científico auiônomo

guir perceber o momento oportuno paraum bom tratamento, sem qualquer

purificação ou magia”.

lijjll descoberta

da correspondência estrutural

entre as cloe.nçaS; o caráter do

komem e o ambiente

O tratado Sobre as águas, osventos e os lugares está entre os maisextraordinários do Corpus

Hippocraticum. E impossível o leitoratual não ficar estupefato diante da“modernidade” de algumas opiniõesnele expressas.

As teses de fundo são duas.1)A primeira constitui uma

ilustração paradigmática do que jádestacamos acerca da própriaapresentação da medicina como ciência,derivada do discurso dos filósofos na suaestrutura racional. Considera-se ohomem no complexo em que seencontra naturalmente inserido, ou seja,no contexto de todas as coordenadas

que constituem o ambiente em que vive:as estações, suas mudanças e suasinfluências, os ventos típicos de cadaregião, as águas características doslugares e suas propriedades, as posiçõesdos lugares, o tipo de vida doshabitantes. O “pleno conhecimento decada caso individual”, portanto, dependedo conhecimento do conjunto dessascoordenadas, o que significa que, paracompreender a parte, é precisocompreender o todo ao qual a partepertence. A natureza dos lugares e

daquilo que os caracteriza incide sobre aconstituição e o aspecto dos homens e,portanto, sobre a saúde e sobre asdoenças. O médico que deseja curar odoente deve conhecer precisamenteessas correspondências.

2) A outra tese (a maisinteressante) é que as instituições políticas também incidem sobre oestado de saúde e as condições geraisdos homens: “Parece-me que é por es-sas razões que são fracos os povos daÁsia— e, além disso, também pelas

instituições. Com efeito, grande parte da

Esta antiga incisão representa I iipocrates,o grande médico da antiguidade.A■ ele, particularmente,

deve-se a revisão das praticas médicas

em termos "leigos",com o conseqüente nascimento da ciência

cracia, portanto, tempera o caráter e asaúde, ao passo que o despotismoproduz efeitos opostos.

O manifesto

da medicina kipocrática:W;A medicina antiga”

Dissemos acima que a medicina éam-plamente devedora da filosofia. Masagoraé necessário explicitar melhor essaafirma-ção. Surgida do contexto do esquemageralde racionalidade instaurado pelafilosofia,a medicina teve de distanciar-se dafilosofia

 para não ser por ela reabsorvida. Comefei-

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Terceira parte - y\ descoberta do Komem

ga é uma denúncia desse dogmatismo ea reivindicação de um estatuto

antidogmático para a medicina, umaindependência em relação à filosofia deEmpédocles. Escreve Hipócrates: “Estãoprofundamente em erro todos os que sepuseram a falar ou escrever sobremedicina, fundamentando o seu discursoem um postulado, o quente e o frio, oúmido e o seco ou qualquer outro quetenham escolhido, simplificando emexcesso a causa original das doenças eda morte dos homens, atribuindo amesma causa a todos os casos, porquese baseiam em um ou dois postulados.”

Hipócrates não nega que esses

fatores entrem na produção das doençase da saúde, mas entram de modo muitovariado e articulado, porque, nanatureza, tudo está misturado junto(note-se aqui como, habilmente,Hipócrates vale-se do postulado deAnaxágoras, segundo o qual tudo estáem tudo, precisamente para derrotar ospostulados de Empédocles).

O conhecimento médico é umconhecimento preciso e rigoroso dadieta conveniente e de sua  justamedida. Essa explicitação não pode

derivar de critérios abstratos ouhipotéticos, mas apenas da experiênciaconcreta, da “sensação do corpo”(parece-nos estar ouvindo um eco deProtágoras!).

O discurso médico não deve serfeito, portanto, em torno da essência dohomem geral, sobre as causas do seuaparecimento e questões semelhantes.Deverá desenvolver- se em torno do queé o homem como ser físico concreto quetem relação com aquilo que come, comaquilo que bebe, com o seu específicoregime de vida e coisas semelhantes.

As Epidemias (que significam“visitas”) mostram concretamente aagudeza que Hipócrates exigia da artemédica e o método do empirismopositivo em aplicação, como descriçãosistemática e ordenada de váriasdoenças — únicos elementos sobre osquais podia basear-se a arte médica.

Essa imponente obra é todaperpassada por aquele espírito que,como já se observou justamente, estácondensado no princípio com que seabre a célebre coletânea de  Aforismos:

“A vida é breve, a arte é longa, aocasião fugaz, o experimento arriscado,

passado, do presente e do futuro dodoente é que o médico pode projetar a

terapia perfeita.

íjStj'- O "^iArcxme.v\\o

de "Hipócrates;/

Hipócrates e sua Escola não selimitaram a dar à medicina o estatutoteorético de ciência, mas tambémchegaram a determinar com lucidezverdadeiramente impressionante aestatura ética do médico, o ethos ou

identidade moral que deve caracterizá-lo. À parte o pano de fundo social bemvisível no comportamentoexpressamente te- matizado(antigamente, a ciência médica passavade pai para filho, relação que Hipócratesidentifica com a existente entre mestree discípulo), o sentido do juramento seresume numa proposta simples que, emtermos modernos, poderíamosexpressar assim: médico, lembra-te deque o doente não é uma coisa ou ummeio, mas um fim, um valor, e portanto

comporta-te conseqüentemente.Eis o juramento integral: “Por Apoiomédico, por Esculápio, por Higéia, porPa- nacéia e por todos os deuses edeusas, invocando-os comotestemunhas, juro manter este

 juramento e este pacto escrito, segundominhas forças e meu juízo. Considerareiquem me ensinou esta arte como ameus próprios pais, porei meus bens emcomum com ele e, quando tivernecessidade, o pagarei do meu débito econsiderarei seus descendentes comomeus próprios irmãos, ensinando-lhes

esta arte, se desejarem aprendê-la, semcompensações nem compromissosescritos. Transmitirei os ensinamentosescritos e verbais e toda outra parte dosaber a meus filhos, bem como aosfilhos de meu mestre e aos alunos quesubscreveram o pacto e juraram segun-do o uso médico, mas a mais ninguém.Va- ler-me-ei do regimento para ajudaros doentes, segundo minhas forças emeu juízo, mas me absterei de causardano e injustiça. Não darei a ninguémnenhum preparado mortal, nem mesmo

se me for pedido, e nunca darei talconselho; também não darei às

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Cãpítulo quinto - O nascimento da me-clidna como sabe** científico autônomo

das as casas em que entrar, irei paraajudar os doentes, abstendo-me de levar

voluntariamente injustiça e danos,especialmente de qualquer ato delibidinagem nos corpos de mulheres ehomens, livres ou escravos. Tudo aquiloque possa ver e ouvir no exercício deminha profissão e também fora dela, nasminhas relações com os homens, se foralgo que não deva ser divulgado, calar-me-ei, considerando-o como segredosagrado. Se mantiver este juramento enão rompê- lo, que me seja dadodesfrutar o melhor da vida e da arte,considerado por todos e semprehonrado. No entanto, se me tornar trans-

gressor e perjuro, que me suceda ocontrário disso.”

 Talvez nem todos saibam, masainda hoje os médicos prestam o“ ”

lljjll O tratado

“Sobre a natureza do komem*

e a doutrina

dos c^uairo Wiwnores

A medicina hipocrática passou paraa história como a medicina baseada nadoutrina dos quatro humores: “sangue”,“fleuma”, “bílis amarela” e “bílis negra”.

Ora, no Corpus Hippocraticum háum tratado, intitulado Sobre a naturezado homem, que codifica de modoparadigmático essa doutrina. Os antigoso consideravam como de Hipócrates,mas parece que o autor foi Políbio, genrode Hipócrates. Por outro lado, a rígidasistematização desse tratado Sobre anatureza do homem não se coaduna

com o conteúdo de  A medicina antiga.Na realidade, tudo o que Hipócratesdizia em  A medicina antiga precisavaser completado teoricamente com umesquema geral que fornecesse osquadros dentro dos quais se deveriaordenar a experiência médica.Hipócrates falara de “humores”, massem definir sistematicamente seunúmero e suas qualidades. Tambémfalara da influência do quente, do frio edas estações, como vimos, mas apenascomo coordenadas ambientais. Políbiocombinou a doutrina das quatroqualidades, proveniente dos médicos

Hipócrates, miniatura tirada de ummanuscrito bizantino (1340-1345).

guinte quadro: a natureza do corpohumano é constituída por sangue,fleuma, bílis amarela e bílis negra; ohomem está “sadio” quando esseshumores estão “reciprocamente bemtemperados por propriedade equantidade” e a mistura é completa. Docontrário, está “doente” quando “háexcesso ou carência deles” ou quandofalte aquela condição de “bemtemperados”; aos humores

correspondem as quatro estações, bemcomo quente e frio, seco e úmido.O gráfico da p. 128 ilustra bem

esses conceitos, com algumasexplicitações posteriores (o primeirocírculo representa os elementos deorigem itálica; o segundo, as qualidadescorrespondentes; o terceiro, oshumores; o quarto, as estaçõescorrespondentes e afins; os últimos doiscírculos representam os temperamentosdo homem e suas relativaspredisposições para as doenças. Poder-se-ia também acrescentar as cor-

respondentes fases da vida do homem,

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Terceira parte - y\ descoberta do homem

trinas médicas nele baseada,garantiram imenso sucesso ao tratado.

Galeno defenderá a autenticidadehipocrática do conteúdo desse texto e o

da doutrina dos “temperamentos”, desorte que o esquema se manteve como

pedra de toque na história da medicinae ponto de referência durante dois

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PLATÃO

■ O horizonte da metafísica

“A virtude não tem padrão:

conforme cada um a honre ou a despreze,

dela terá mais ou menos”.

Platão

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Capítulo sexto

Platão e a Academia antiga

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(Sapí+ulo sexto

PI afã oe a y\cade.mia arvfiga

I. y\ questão platcmica

• Platão foi primeiro discípulo do heraclitiano Crátilo e depois de Sócrates. Acompreensão de seu pensamento não é fácil, porque ele não escreveu suas men-sagens filosóficas em sua totalidade.Platão viveu num momento em que acontecia uma re-volução cultural, que consistia em um conflito entre a oralida-de e a escrita, com a vitória da escrita.Na tradição ant iga a oralidade era o meio de comunica-ção privilegiado. Sócrates confiara exclusivamente à oralidadedialética sua mensagem. Os Sofistas, ao contrário, tinham pri-vilegiado sobretudo o meio de comunicação escrita, que já se difundira. Aristótelesadotará a cultura da escrita sem reservas, consagrando-a definitivamente comomeio privilegiado de comunicação do saber. Platão tentou estabelecer média en-tre as duas culturas, mas com êxitos que não foram aceitos por seus próprios discí-pulos.

• De Platão nos chegaram todos os escritos (trinta e seis diálogos, subdivididos emtetralogias), caso único e afortunado na antiguidade, mas que põe alguns problemas deverascomplexos:

1) estabelecer quais diálogos são autênticos e quais não; "auestão

2) estabelecer a cronologia dos diálogos;  platônica" 

3) estabelecer a relação entre as doutrinas filosóficas que Z+ § 2-5 sededuzem dos diálogos e as assim chamadas "doutrinas não escritas" proferidas por Platão somente de forma oral (emparticular nas suas aulas na Academia), das quais temos notícia por meio dos testemunhos

indiretos dos discípulos (em muitos casos a recuperação destas doutrinas resolve problemasque em si os diálogos deixam em aberto).Escrevendo, Platão reproduziu o método dialógico socrático, fundando novo gênero

literário: deste modo seu filosofar assume uma dinâmica deliciosamente socrática, na qual opróprio leitor é envolvido na tarefa de extrair maieuticamente a solução dos problemassuscitados e não explicitamente resolvidos.

Platão recupera, além disso, o valor cognoscitivo do mito como complemento do logos: afilosofia platônica se torna, na forma do mito, uma espécie de fé raciocinada, no sentido de que,quando a razão chega aos limites extremos de suas capacidades, deve superar intuitivamentetais limites, desfrutando as possibilidades que se lhe oferecem na dimensão da imagem e domito.

Precedentesedesenvolvimentos ~^§ 1

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Quarta parte - Platão

Vida e obras de Platão

Platão nasceu em Atenas, em428/427 a.C. Seu verdadeiro nome eraArístocles. Platão é apelido que derivou,como referem alguns, de seu vigor físicoou, como contam outros, da amplitudede seu estilo ou ainda da extensão desua fronte (em grego,  platos significaprecisamente “amplitude”, “largueza”,“extensão”). Seu pai contavaorgulhosamente com o rei Codro entre

seus antepassados, ao passo que suamãe se orgulhava do parentesco comSólon. Assim, é natural que, desde a

 juventude, Platão já visse na vidapolítica seu próprio ideal: nascimento,inteligência, aptidões pessoais, tudo olevava para essa direção. Esse é umdado biográfico absolutamente

Aristóteles relata-nos que Platão foi

inicialmente discípulo de Crátilo,seguidor de Heráclito e, posteriormente,de Sócrates. O encontro de Platão comSócrates deu-se provavelmente quandoPlatão tinha aproximadamente vinteanos. E certo, porém, que Platãofreqüentou o círculo de Sócrates com omesmo objetivo da maior parte dos ou-tros jovens, ou seja, não para fazer dafilosofia a finalidade da própria vida,mas para melhor se preparar, pelafilosofia, para a vida política.Entretanto, os acontecimentos

orientaram a vida de Platão para outradireção.Platão travou seu primeiro contato

direto com a vida política em 404/403a.C., quando a aristocracia assumiu opoder e dois parentes seus, Cármides eCrítias, tiveram importante participaçãono governo oligár- quico. Foi certamente

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Cãpítulo SCXtO - l-^la+ão e a ^Academia antiga

serem aplicados exatamente poraqueles nos quais depositava confiança.

Entretanto, seu desgosto com osmétodos da política praticada em Atenasdeve ter alcançado o máximo de suaexpressão com a condenação deSócrates à morte. Os responsáveis poressa condenação foram os democratas(que haviam retomado o poder). Assim,Platão convenceu-se de que para ele,naquele momento, era bom manter-seafastado da política militante.

Após o ano de 399 a.C., Platãoesteve em Mégara com alguns outrosdiscípulos de Sócrates, hospedando-sena casa de Euclides (provavelmente

para evitar possíveis perseguições, quepoderiam lhe advir pelo fato de terparticipado do círculo socrático). Entre-tanto, não se deteve longamente emMégara.

Em 388 a.C., aos quarenta anos,Platão viajou para a Itália. (Se estevetambém no Egito e em Cirene, como seconta, tais viagens devem teracontecido antes de 388 a.C. Noentanto, a autobiografia da Carta VIInada fala sobre elas). O desejo deconhecer as comunidades dosPitagóricos (e, de fato, conheceuArquita, como sabemos pela Carta VII) olevou a empreender a viagem até aItália. Durante essa viagem, Platão foiconvidado pelo tirano Dionísio I a ir atéSiracusa, na Sicília. Certamente Platãoesperava poder inculcar no tirano o idealdo rei-filó- sofo (ideal esse jásubstancialmente proposto no Górgias,obra que precede a viagem). EmSiracusa, Platão logo se indispôs com otirano e sua corte (precisamente porsustentar os princípios expressos noGórgias). Todavia, estabeleceu forte

vínculo de amizade com Díon, parentedo tirano, no qual Platão acreditouencontrar um discípulo capaz de setornar rei-filósofo. Dionísio irritou-se detal forma com Platão que determinoufosse ele vendido como escravo a umembaixador espartano na cidade deEgina (narrando os fatos de forma maissimples, forçado a desembarcar emEgina, em guerra contra Atenas, talvezPlatão tenha sido mantido comoescravo). Felizmente, porém, foi res-gatado por Aniceris de Cirene, que seencontrava em Egina.

Retornando a Atenas, Platão fundou

Sócrates e Platãoem uma representarão tio séc.XIII. Platão encontrou Sócratesprovavelmente pelos vinte anos.e inicialmente o freqüentou para

melhor se preparar, mediante afilosofia, para a vida política.

Em 367 a.C., Platão voltou à Sicília.Dionísio I falecera, tendo-lhe sucedido ofilho Dionísio II, que, segundo afiançavaDíon, poderia colaborar bem mais que opai para a realização dos desígnios dePlatão. Dionísio II, entretanto, revelou asmesmas tendências do pai: exilou Díon,acusando-o de tramar contra o trono, emanteve Platão quase como prisioneiro.

Dionísio só permitiu que Platãoretornasse a Atenas porque estavaempenhado numa guerra.

Em 361 a.C., Platão voltou pela ter-ceira vez à Sicília. Em seu regresso aAtenas, de fato, lá encontrou Díon, quese refugiara nessa cidade. Díon oconvenceu a aceitar novo e insistenteconvite de Dionísio, na esperança deque, dessa forma, também ele seriarecebido novamente em Siracusa.Dionísio desejava o retorno de Platão nacorte com a única finalidade de com-pletar a própria preparação filosófica.

Foi, porém, grave erro acreditar na

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Quarta parte - Pla+õo

a proteção de Arquita e dos amigos dacidade de Taranto. (Em 367 a.C., Díon

conseguiu tomar o poder em Siracusa,mas por pouco tempo apenas, sendoassassinado em 353 a.C.).

Em 360 a.C., Platão retornou a Ate-nas, onde permaneceu na direção daAcademia até sua morte, ocorrida em347 a.C.

Os escritos de Platão chegaram aténós em sua totalidade. A disposição quelhes foi conferida, da qual nos dá contao gramático Trasilo, baseia-se noconteúdo dos próprios escritos. Os trintae seis trabalhos foram subdivididos nasnove tetralogias seguintes:

I: Eutífron, Apologia de Sócrates,Críton, Fédon;

II: Crátilo, Teeteto, Sofista,Político;

III: Parmênides, Filebo, Banquete,Fedro;

IV: Alcibíades I, Alcibíades II,Hipar- co, Amantes;

V: Teages, Cármides, Laques, Lísis;VI: Eutidemo, Protágoras, Górgias,

Mênon;VII: Hípias menor, Hípias maior,

lon, Menexeno;

VIII: Clitofon, República, Timeu,Crítias;IX: Mino, Leis, Epinomis, Cartas.A interpretação e a avaliação

lâl questão

da autenticidade e

da cronologia dos

escritos

O primeiro problema que surge emrelação aos trinta e seis escritos é oseguinte: são todos eles autênticos ouexistem os não autênticos? E quais sãoos não autênticos?

A crítica do século passado seempenhou de forma incrivelmentemeticulosa na questão da autenticidade,chegando a extre- mismos hipercríticosverdadeiramente surpreendentes.Duvidou-se da autenticidade de quasetodos os diálogos. Posteriormente, oproblema passou a perder importância

e, hoje, a tendência é considerar

O segundo problema concerne àcronologia dos escritos platônicos. Nãose trata de simples problema deerudição, porquanto o pensamentoplatônico sofreu contínuodesenvolvimento, enriquecendo-seatravés da autocrítica e daautocorreção. A partir de fins do séculopassado, em parte pela utilização docritério estilométrico, ou seja, do estudocientífico das características estilísticasdas diversas obras, conseguiu-se proporuma resposta pelo menos parcial para oproblema.

 Tomando-se como ponto de partidaAs Leis, que constituem certamente o

último escrito de Platão, após acuradoexame das características estilísticasdessa obra, buscou-se estabelecer quaisoutros escritos apresentam as mesmascaracterísticas. Usando-se tambémcritérios colaterais, pôde-se concluirque, provavelmente, os escritos doúltimo período são, pela ordem, osseguintes: Teeteto, Parmênides,Sofista, Político, Filebo, Timeu, Crítiase As Leis.

Depois também foi possívelestabelecer que a República pertence àfase central da produção platônica, queé precedida pelo Fédon e peloBanquete, e que é seguida pelo Fedro.

Pôde-se outrossim verificar que umgrupo de diálogos representa o períodode amadurecimento e de passagem dafase juvenil para a fase mais original: oGórgias pertence provavelmente aoperíodo imediatamente anterior àprimeira viagem à Itália, e o Mênon aoperíodo imediatamente seguinte. A esseperíodo de amadurecimento,provavelmente, também pertence oCrátilo. O Protágoras representa,

talvez, o coroa- mento da primeira faseda atividade literária de Platão.

A maioria dos outros diálogos,especialmente os breves, constituemcertamente escritos de juventude, oque, de resto, se confirma pela temáticaacentuadamente socrática que neles sediscute. Alguns desses diálogos podemter sido retocados e parcialmenterefeitos na idade madura.

De qualquer forma, no estado atualdos estudos, está confirmado que oschamados “diálogos dialéticos”(Parmênides, Sofista, Político, Filebo)são obras da última fase literária de

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Capítulo sexto - Platão e a y\cademia a n+Í0a

Os escritos

e as "doutrinas não escritas" e

suas relações

Especialmente ao longo das últimasdécadas, evidenciou-se um terceiroproblema, o das chamadas “doutrinasnão escritas”, que tornou a questãoplatônica ainda mais complexa e, porvários aspectos, demonstrou ser dedecisiva importância. Hoje, muitosestudiosos consideram que da soluçãodesse problema depende acompreensão correta do pensamento

platônico em geral e da própria históriado platonismo na antiguidade.

Fontes antigas nos referem que, naAcademia, Platão ministrou cursosintitulados Sobre o bem, cujo teor elenão quis escrever. Em tais cursos,discorria sobre realidades últimas esupremas, ou seja, sobre os primeirosprincípios, adestrando os discípulos paraa compreensão desses princípiosatravés de rigoroso tirocínio metódico edialético. Platão estava convencido deque essas “realidades últimas e

supremas” não podiam ser transmitidassenão mediante adequada preparação erigorosas observações, que só podemocorrer no diálogo vivo e no emprego dadialética oral.

O próprio Platão nos dá conta dissoem sua Carta VII: “O conhecimentodessas coisas não é de forma algumatransmissível como os outrosconhecimentos, mas apenas apósmuitas discussões sobre tais coisas eapós um período de vida em comum,quando, de modo imprevisto, como luzque se acende de simples fagulha, esse

conhecimento nasce na alma e de simesmo se alimenta.” Em suma, nesseponto Platão mostrou- se muito firme esua decisão foi categórica: “Sobre essascoisas não há nenhum escrito meu, enunca haverá.”

Entretanto, os discípulos queassistiram às lições escreveram essasdoutrinas Sobre o bem e alguns dessesescritos chegaram até nós. Platãodesaprovou a iniciativa e, mais ainda,condenou expressamente esses escritos,considerando-os nocivos e inúteis, pelas

razões já mencionadas. Admitiu, porém,que alguns desses discípulos haviam

ção indireta, que se referem justamenteà chave fundamental do sistema. Hoje

muitos estudiosos estão convencidos deque certos diálogos e sobretudo certaspartes de diálogos, consideradas nopassado enigmáticas ou problemáticas,recebem nova luz exatamente quandoconectadas com as “doutrinas nãoescritas”.

Em suma, cumpre observar que,além dos diálogos escritos, paracompreender Platão, devemos remontaràs “doutrinas não escritas” expostasnas lições ministradas aos discípulos daAcademia e compiladas sob o títuloSobre o bem, que, portanto, devem

constituir ponto de referência essencial,

Os diálogos platônicos

e Sócrates

como personagam

dos diálogos

Platão recusou-se a escrever sobreos

princípios últimos. Entretanto, mesmoemrelação aos temas a respeito dos quaiscon-siderou que pudesse escrever, buscousem-pre evitar conferir-lhes tratamento“siste-mático”, procurando reproduzir oespíritodo diálogo socrático, cujaspeculiaridadesbuscava imitar. Tentou reproduzir o jogode perguntas e respostas, com todos os

me-andros da dúvida, com as fugazes eimpre-vistas revelações que impulsionam paraaverdade sem, porém, revelá- la,convidan-do a alma do ouvinte a realizar o seuen-contro com ela, com as rupturasdramáticasde seqüência que preparam paraulteriores

investigações: em suma, toda aquela di-nâmica tipicamente socrática estava

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Quarta parte - Platão

Portanto, para Platão o escritofilosófico apresentava-se como

“diálogo”, que terá comumente Sócratescomo protagonista, discutindo com umou vários interlocutores, ao lado dosquais surgirá o leitor, com funçãoigualmente importante, chamado aparticipar também como interlocutor absolutamente insubstituível, nosentido que cabe precisamente ao leitora tarefa de extrair maieuticamente asolução de diversos problemasdiscutidos.

Assim, é evidente que o Sócratesdos diálogos platônicos é, na realidade,o próprio Platão, e o Platão escrito, pelas

razões acima expostas, deve ser lidolevando em conta o Platão não escrito.Em todo caso é errado ler os diálogos

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significado do "rnúo"

em Platão

 Já constatamos que a filosofianasceu como libertação do logos emrelação ao “mito” e à fantasia. OsSofistas fizeram uso funcional (alguémdisse “iluminista”, ou seja,“racionalista”) do mito. Mas Sócratescondenou também esse tipo de uso domito, exigindo o procedimentorigorosamente dialético. Platão,inicialmente, participou com Sócrates

dessa posição. Entretanto, já a partir doGórgias, passou a atribuir novo valor aomito, que passaria a usar de formaconstante, conferindo-lhe grande impor-tância.

Como explicar esse fato? Por que afilosofia voltava a assumir o mito?Representa isso involução, abdicaçãoparcial de suas próprias prerrogativasda filosofia, renúncia à coerência ou,talvez, um sintoma de desconfiança emsi mesma? Em outras palavras, qual osignificado do mito em Platão?

Extremamente diversificadas foramas respostas a esse problema. Soluçõesdiametralmente opostas derivaram deHegel e da escola de Heidegger.

Platão reavalia o mito a partir domomento em que começa a reavaliaralgumas teses fundamentais do Orfismoe a componente religiosa. Para Platão,mais que expressão de fantasia, o mitoé expressão de fé e de crença. Naverdade, em muitos diálogos, a partir doGórgias, a filosofia de Platão referente acertos temas se configura como féracionalizada: o mito procura cla-

rificação no logos, e o logos buscacomple- mentação no mito. Em síntese,ao chegar a razão aos limites extremosde suas possibilidades, Platão confia àforça do mito a tarefa de superarintuitivamente esse limites, elevando oespírito a uma visão ou, pelo menos, auma tensão transcendente.

Portanto, se quisermos entenderPlatão, devemos preservar a função e ovalor do mito, ao lado e juntamente coma função reservada ao logos, nosmoldes do que ficou acima explicado.

Por conseguinte, engana-se tanto quempretende cancelá-lo em benefício

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Cãpítulo SCXtO - "Platão e a /\cademia antiga

II. A fundação da metafísica

•  A principal novidade da filosofia platônica consiste na descoberta de uma realidadesuperior ao mundo sensível, ou seja, uma dimensão suprafísica (ou metafísica) do ser. Estadescoberta é ilustrada por Platão com aimagem marinha da "segunda navegação". -■  A " se „U nd a

 A primeira navegação era a entregue às forças físicas do navegação" vento e dasvelas do navio, e representa emblematicamente a e a fundação filosofia dos Naturalistasque explicavam a realidade apenas dametafísica com elementos físicos (ar, água, terra,fogo etc.) e forças físicas -> § 1 a eles ligadas.

 A "segunda navegação" entrava em jogo quando as forças físicas dos ventos, nabonança, não eram mais suficientes, e era então entregue às forças humanas queimpulsionavam o navio com os remos: para Platão ela representa a filosofia que, com as forças

da razão, se esforça para descobrir as verdadeiras causas da realidade, para além das causasfísicas. Se quisermos explicar a razão pela qual uma coisa é bela, não podemos nos limitar aoscomponentes físicos (beleza da cor, da forma etc.), mas devemos remontar à Idéia do belo.

• plano supra-sensível do ser é constituído pelo mundo das Idéias (ou Formas), do qualPlatão fala nos diálogos, e pelos Princípios primeiros do Uno e da Díade, dos quais fala nasdoutrinas não escritas. As Idéias platônicas não são simples conceitos mentais, mas são"entidades" ou "essências" que subsistem em si e por si em um sistema hierárquico bemorganizado (representado pela imagem do Hiperurânio), e que constituem o verdadeiro ser.

No vértice do mundo das Idéias encontra-se a Idéia do Bem, que coincide com o "Uno"das doutrinas não escritas. O Uno é princípio do ser, da verdade e do valor. Todo o mundointeligível deriva da cooperação do Princípio do Uno, que serve como limite, com o segundoPrincípio (a Díade  A teoria de grande-e-pequeno), entendido como indeterminação e das idéias

ilimitação. e a doutrina

No nível mais baixo do mundo inteligível encontram-se as en- dos Princípios tidadesmatemáticas, isto é, os números e as figuras geométricas. últimos

Toda a realidade em todos os níveis, conseqüentemente, (UnoeDiade) tem estruturabipolar, ou seja, é "mistura", mediação sintética -^s2-3 do Uno e da Díade segundo justamedida.

Nos diálogos estes princípios são apresentados na sua função de limite e ilimite, ou seja,como princípio determinante e princípio indeterminado nas suas relações fundantesestruturais. O ser é portanto um misto de limite e ilimite.

• O mundo inteligível resulta da cooperação bipolar imediata dos dois Princípiossupremos; o mundo sensível, ao contrário, tem necessidade de um mediador, de um Deus-artífice que Platão chama de "Demiurgo"; este criao mundo animado pela bondade: toma como modelo as Idéias o Demiurgo e plasma achora, isto é, o receptáculo material informe. O e a gênese Demiurgo procura descer na

realidade física os modelos do do cosmo mundo ideal, em função das figuras geométricas edos números, sensível 

Os entes matemáticos são, portanto, os entes intermediá- § 4 rios-mediadores quepermitem à inteligência demiúrgica transformar o princípio caótico do sensível em cosmo,desdobrando de modo matemático a unidade na multiplicidade em função dos números e,portanto, produzir ordem. Deste modo, o mundo sensível aparece como cópia do mundointeligível.O mundo inteligível é eterno, enquanto o sensível existe no tempo, que é imagem móvel doeterno.

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Quarta parte - Platão

||||g A "segunda navegação17 , ou a

descoberta da metafísica

n o■ significado metafísico da

“segunda navegação”

Existe um ponto fundamental dafilosofia platônica de cuja formulaçãodependem por inteiro a nova disposiçãode todos os problemas da filosofia e onovo clima espiritual como pano defundo de tais problemas e suasrespectivas soluções, conforme já

observamos. Esse ponto fundamentalconsiste na descoberta da existência deuma realidade supra-sensível, ou seja,de uma dimensão suprafísica do ser (deum gênero de ser não-físico), que afilosofia da  physis nem mesmovislumbrara. Todos os Naturalistashaviam tentado explicar os fenômenosrecorrendo a causas de caráter físico emecânico (água, ar, terra, fogo, calor,frio, condensação, rarefação etc.).

Platão observa que o próprioAnaxágoras, apesar de ter atinado anecessidade de introduzir uma

Inteligência universal para conseguirexplicar as coisas, não soube exploraressa sua intuição, continuando a atribuirpeso preponderante às causas físicastradicionais. Entretanto — e esse é oproblema fundamental —, será que ascausas de caráter físico e mecânico sãoas “verdadeiras causas” ou, aocontrário, constituem simples “con-causas”, ou seja, causas a serviço decausas ulteriores e mais elevadas? Acausa daquilo que é físico e mecâniconão será, talvez, algo que não é físico e

não é mecânico?Para encontrar resposta a essesproblemas, Platão empreendeu o queele próprio simbolicamente denomina de“segunda navegação”. Na linguagemantiga dos homens do mar, “segundanavegação” se dizia daquela que serealizava quando, cessado o vento e nãofuncionando mais as velas, se recorriaaos remos. Na imagem platônica, aprimeira navegação simbol iza opercurso da filosofia realizado sob oimpulso do vento da filosofia naturalista.A “segunda navegação” representa, ao

contrário, a contribuição pessoal de

não conseguiram explicar o sensívelatravés do próprio sensível. Já a“segunda navegação” encontra a nova

rota que conduz à descoberta do supra-sensível, ou seja, do ser inteligível. Naprimeira navegação, o filósofo aindapermanece prisioneiro dos sentidos e dosensível, enquanto que, na “segundanavegação”, Platão tenta a libertaçãoradical dos sentidos e do sensível e umdeslocamento decidido para o plano doraciocínio puro e daquilo que é captávelpelo puro intelecto e pela pura mente.

IHI Dois exemplos esclarecedores

apresentados por Platão

O sentido dessa “segundanavegação” fica particularmente claronos exemplos apresentados pelo próprioPlatão.

Desejamos explicar por que certacoisa é bela? Ora, para explicar esse“porquê”o naturalista invocaria elementospuramente físicos, como a cor, a figurae outros elementos desse tipo.Entretanto — diz Platão— não são essas as “verdadeiras

causas”, mas, ao contrário, apenasmeios ou “con- causas”. Impõe-se,portanto, postular a existência de umacausa ulterior, que, para constituirverdadeira causa, deverá ser algo nãosensível mas inteligível. Essa causa é aIdéia ou “forma” pura do Belo em si, aqual, pela sua participação ou presençaou comunhão ou, de qualquer modo,através de certa relação determinante,faz com que as coisas empíricas sejambelas, isto é, se realizem segundodeterminada forma, cor e proporçãocomo convém e precisamente como de-vem ser para que possam ser belas.

E eis um segundo exemplo, nãomenos eloqüente.

Sócrates está preso, aguardando acondenação. Por que está preso? Aexplicação naturalista-mecanicista nãotem condições de dizer senão oseguinte: porque Sócrates possui umcorpo composto de ossos e nervos,músculos e articulações que, com oafrouxamento e o retesamento dosnervos, podem mover e flexionar osmembros: por essa razão Sócrates teria

movido e flexionado as pernas, ter-se-ia

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Capitulo sexto - Pla+a o e c\ yXeademia antiga

para se dirigir ao cárcere e lápermanecercom seu corpo. A verdadeira causa pela

qualSócrates foi para o cárcere e nele seencon-tra não é de ordem mecânica e material,masde ordem superior, representando umvalorespiritual e moral: ele decidiu acatar overe-dito dos juizes e submeter-se à lei deAte-nas, acreditando que isso representassepara

ele o bem e o conveniente. E, emconseqüên-cia dessa escolha de caráter moral eespiri-tual , ele, em seguida, moveu osmúsculos eas pernas, dirigiu-se para o cárcere, e láper-maneceu.

KU o gan\\o dos dois planos do ser

A “segunda navegação”, portanto,leva

ao reconhecimento da existência de doispla-nos do ser: um, fenomênico e visível;outro,invisível e metafenomênico, captávelapenascom a mente e, por conseguinte,puramenteinteligível.

Podemos afirmar sem dúvida que a“se-gunda navegação” platônica constituiuma

conquista que assinala, ao mesmotempo, afundação e a etapa mais importante dahis-tória da metafísica. De fato, todo o

-

2»■  O Hiperurânio

ou o mundo das idéias

Platão denominou essas causas denatureza não-física, essas realidadesinteligíveis, principalmente com ostermos idéa e

#ldéia. Com otermo "Idéia" setra- duzemgeralmente os termos gregos idéa eéidos. Infelizmente a tradução (queneste caso é uma transli- teração) não éa mais feliz, porque, na linguagemmoderna, "idéia" assumiu um sentidoque é estranho ao sentido platônico. Atradução exata do termo seria "forma",pelas razões que compreenderemos naspáginas seguintes. Com efeito, nós,modernos, com "idéia" entendemos

I um conceito, um pensamento, umaI representação mental, algo enfim

I que nos leva ao plano psicológico enoológico; Platão, ao contrário, com"Idéia" entendia, em certo sentido,

Íalgo que constitui o objeto especf- fico dopensamento, ou seja, aqui lo a que opensamento se dirige de modo puro, sem oque o pensamento não seria pensamento.Em resu-

-

Íte puro ente de razão, mas é um ser, mais

ainda, aquele ser  que existe de formaabsoluta, o verdadeiro ser, como já vimoscom amplitude e como documentaremos.

Os termos idéa e éidos derivam ambos deidéin, que quer dizer "ver", e na línguagrega anterior a Platão empregavam-sesobretudo para de-

§ signar a forma visivel das coisas, ouseja, a forma exterior e a figura que secapta com o olho, portanto, o "vis

I

to" sensível.Sucessivamente, idéa e éidos passarama indicar, de modo translato, a formainterior, ou seja, a natureza especificada coisa, a essência da coisa. Estesegundo uso, raro antes de Platão,

torna-se ao invés estável na linguagemmetafísica do nosso filó-

IPlatáo, portanto, fala de idéa e de

éidos sobretudo para indicar esta for- ma interior, esta estrutura metafísicaou essência das coisas, de natureza re-quintadamente inteligível, e usa co-mo sinônimos os termos ousia, isto é,substância ou essência, e até  physis,no sentido de natureza das coisas,

1 realidade das coisas.

 Texto

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Quarta parte - Platão

éidos, que significam “forma”. As Idéiasde que falava Platão não são, portanto,simples conceitos ou representações

puramente mentais (só muito maistarde o termo assumiria essesignificado), mas são “entidades”,“substâncias”. As Idéias, em suma, nãosão simples pensamentos, mas aquiloque o pensamento pensa quando libertodo sensível: constituem o “verdadeiroser”, “o ser por excelência”. Em outraspalavras: as Idéias platônicas são asessências das coisas, ou seja, aquilo quefaz com que cada coisa seja aquilo queé. Platão usou também o termo“paradigma”, para indicar que as Idéias

representam o “modelo” permanente decada coisa (como cada coisa deve ser).Entretanto, as expressões mais

famosas utilizadas por Platão paraindicar as Idéias são indubitavelmente“em si”, “por si”, e também “em si e porsi” (o belo-em- si, o bem-em-si etc.),freqüentemente mal compreendidas, a

cunhá-las. Tais expressões, na verdade,indicam o caráter de não relatividade eo de estabilidade, o caráter absoluto

das Idéias. Afirmar que as Idéiasexistem “em si e por si” significa dizer,por exemplo, que o Belo ou oVerdadeiro não são tais apenas rela-tivamente a um sujeito particular (comopretendia, por exemplo, Protágoras),nem constituem realidades que possamser manipuladas ao sabor dos caprichosdo sujeito, mas, ao contrário, seimpõem ao sujeito de modo absoluto.Afirmar que as Idéias existem “em si epor si” significa que elas não sãoarrastadas pelo vórtice do devir que

carrega todas as coisas sensíveis: ascoisas belas sensíveis tornapi-se feias,sem que isso implique que se torne feiaa causa do belo, ou seja, a Idéia dobelo. Em resumo: as verdadeiras causasde todas as coisas sensíveis, pornatureza sujeitas à mudança, nãopodem elas mesmas sofrer mudança, do

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Cãpítulo SeXtO - Pla+ão e a ^Academia antiga

«nit* I I I I»«tMiTtiu HirU.u .1

lâl jA estrutura do trvundo ideal

35^5»

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■üKhs ssís.

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. 1^ 1 ■ illlT"

: * *■■ *+

O exórdio da República

no famoso Codex Parisinus A, do séc.

IX (Paris, Biblioteca Nacional).

;A kiem^quia das CJdéias:

no véHtce, a *I7dé.ia do 13em

Como já tivemos ocasião desalientar, o mundo das Idéias, pelomenos implicitamente, é constituído poruma multiplicidade, porquanto existemIdéias de todas as coisas: Idéias devalores estéticos, Idéias de valoresmorais, Idéias das diversas realidadescorpóreas, Idéias dos diversos entesgeométricos e matemáticos etc.

Por tudo o que dissemos, ficaevidente que Platão podia conceber ocomplexo das Idéias como um sistemahierarquicamente organizado eordenado, no qual as Idéias inferioresimplicam as superiores, numa ascensãocontínua até a Idéia que ocupa o vérticeda hierarquia, Idéia que condiciona to-das as outras e não é condicionada pornenhuma delas (o incondicionado ou oabsoluto).

Sobre esse princípioincondicionado, situado no vértice,Platão se pronunciou expressamente,

O conjunto das Idéias, com ascaracterísticas acima mencionadas,passou para a história sob adenominação de “Hiperurâ- nio”, termousado no Fedro, que se tornou célebre,embora nem sempre entendido de formacorreta.

Note-se que “lugar hiperurânio”significa “lugar acima do céu” ou “acimado cosmo físico” e, portanto, constitui

representação mítica e imagem que,entendida corretamente, indica umlugar que não é absolutamente umlugar. Na verdade, as Idéias sãodescritas como dotadas decaracterísticas tais que impossibilitamqualquer relação com um lugar físico(não possuem figura nem cor, sãointangíveis etc.). Logo, o Hiperurânio é aimagem do mundo a-espacial dointeligível (do gênero do ser suprafísico).

Finalmente, podemos concluir que,com a teoria das Idéias, Platão

pretendeu sustentar o seguinte: o

^ Bem. Platão foi o primeiro a trazer àbaila o conceito de Bem do ponto devista ontológico, identificando-o com asuma Idéia, e com o princípio primeiro esupremo do Uno (que é a Medidasuprema de todas as coisas), do qualdepende toda a realidade (recebendo a

 justa medida e proporção que a faz ser).Do ponto de vista moral, o Bem seidentifica com a imitação do divino, ou

seja, do Bem metafísico, e consiste naalma ordenada e plasmada segundo aordem do mundo ideal. Tenhamospresente que Platão ligou de modoestreito o Belo com o Bem, enquanto é omodo em que o Bem se manifesta. NoFilebo, com seu estilo irônico com queexprime as coisas importantes, escreve:"E agora o poder do Bem nos fugiu nanatureza do Belo: com efeito, a medida ea proporção resultam ser, em tudo,beleza e virtude".

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Quarta parte - Platão

apenas constitui o fundamento quetorna asidéias cognoscíveis e a mente capaz deco-nhecer, mas que verdadeiramente“produzo ser e a substância” e que “o Bem nãoésubstância ou essência, mas firma-seacimada substância, transcendendo-a emdignida-de hierárquica e em poder”.

Sobre esse princípio incondicionadoeabsoluto, situado além do ser e do qual

deri-vam todas as Idéias, Platão nada maisescre-veu nos diálogos, reservando o quetinha paradizer às suas exposições orais, ou seja,às li-ções que possuíam exatamente o títuloSobreo Bem. Considerou-se, no passado, queessaslições constituíam a fase final dopensamentoplatônico. Entretanto, os mais recentese apro-fundados estudos demonstraram queelasforam ministradas paralelamente àelabora-ção dos diálogos, pelo menos a partir daépo-ca da redação da República. Quanto àrazãopela qual Platão não quis escrever sobrees-sas coisas “últimas e supremas”, jádiscorre-

mos anteriormente. A partir dasreferênciasdos discípulos a essas lições, podemosinferiras considerações queseguem.

ESI  A doutrina dos Princípios

primeiros e supremos:

LAno (= Bem) e Díade indefinida

O princípio supremo, que naRepública denomina-se “Bem”, nas

doutrinas não escritas chama-se “Uno”.

(como matéria inteligível, se quisermosdizê- lo com terminologia posterior).Conseqüentemente, cada uma e todasas Idéias surgem como resultado deuma “mistura” dos dois princípios(delimitação de um ilimitado). Alémdisso, o Uno, enquanto de-limita, semanifesta como Bem, porquanto adelimitação do ilimitado, que se revelacomo forma de unidade namultiplicidade, é “essência”, “ordem”,perfeição e valor.

Eis as conseqüências que daí derivam.

a) O Uno é princípio de ser(porquanto, como vimos, o ser — ou

seja, a essência, a substância, a Idéia —nasce precisamente da delimitação doilimitado).

b) É princípio de verdade ecognosci- bilidade, porquanto só aquiloque é determinado é inteligível ecognoscível.

c) É princípio de valor, porque adelimitação implica, como vimos, ordeme perfeição, ou seja, positividade.

Finalmente, “pelo que é possívelconcluir a partir de uma série deindícios, Platão definiu a unidade como‘medida’ e, mais precisamente, como‘medida absolutamente exata’” (H.Kràmer).

Essa teoria, atestada especialmentepor Aristóteles e pelos seuscomentadores anti os, a resenta-se

% Ápeiron. Significa "infinito", "in-definido", "ilimitado". Em Platão de-signa o elemento indeterminado. Esteelemento é de-terminado e de-limi- tadopelo "limite" {péras, principio limitante).A "mistura" desses dois princípiosconstitui o ser de todas as coisas.O ápeiron, em nível originário, é oprincípio da Díade; no plano sensível éa chora, ou seja, o princípio materialcaótico, sobre o qual o Demiurgo agepara produzir o mundo, transformandoo caos em kosmos, introduzindo nachora o "limite" por meio dos númerose das figuras geométricas. Toda arealidade tem, portanto, estruturabipolar de ápeiron e péras.

 Texto

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Cãpítulo Sexto - Platão e a jAcademia antiga

lecer limite para aquilo que é ilimitado,como um encontrar a ordem e a justamedida.

CDs entes matemáticos

Os entes matemáticos encontram-se no degrau mais baixo da hierarquiado mundo inteligível.

Diferentemente dos númerosideais, esses entes são múltiplos(existem muitos “um”, muitos triângulosetc.), embora sejam inteligíveis.

Por este motivo, Platão os chamoude entes “intermediários”, ou seja,entes que estão a meio caminho entre

O cosmo sensível

EU CDs Princípios dos quais nasce o mundo

sensível

Do mundo sensível, mediante a“segunda navegação”, ascendemos aomundo inteligível, que representa sua“

deira causa”. Ora, compreendida aestrutura do mundo inteligível, épossível compreender melhor a gênesee a estrutura do mundo sensível. Assimcomo o mundo inteligível deriva do Uno,que desempenha a função de princípioformal, e da Díade indeterminada, quefunciona como princípio material(inteligível), também o mundo físicoderiva das Idéias, que funcionam comoprincípio formal, e de um princípiomaterial, sensível, ou seja, de um princípio ilimitado e indeterminado decaráter físico.

 Todavia, enquanto na esfera do in-teligível o Uno age sobre a Díade inde-

terminada, sem necessidade demediadores, porque ambos os princípiossão de natureza inteligível, o mesmonão ocorre na esfera do sensível. Amatéria ou receptáculo sensível, quePlatão denomina “chora”(espacialidade), apenas “participa demodo obscuro do inteligível”, permane-cendo à mercê de um movimentoinforme e caótico. Como é possível,então, que as Idéias inteligíveis possama ir sobre o rece táculo sensível e do

• rUL^

Nestaminiaturabizantina doséc. XII Platãoestáentronizado .

entreHipócrates e

Dioscórides,duasautoridadesda medicinaantiga.O Ocidentesempre olhouPlatãocomo umdos mestresda tradiçãoespeculativa,e a metafísicaplatônicarepresenta

uma das

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Quarta parte - Platão

K£l yA dou+Wna do Demiurgo

A resposta de Platão é a seguinte.Existe um Demiurgo, isto é, um Deus-artífice, um Deus que pensa e quer (eque, portanto, é pessoal), o qual,assumindo como “modelo” o mundo dasIdéias, plasmou a chora, ou seja, oreceptáculo sensível, segundo esse“modelo”, gerando dessa forma o cosmofísico.

O esquema sobre o qual Platão sebaseia para explicar o mundo sensível é,portanto, absolutamente claro: há ummodelo (o mundo ideal), existe umacópia (o mundo sensível) e existe umArtífice, que produziu a cópia servindo-se do modelo. O mundo do inteligível (omodelo) é eterno, como eterno étambém o Artífice (a inteligência). Omundo sensível, ao contrário, construído

pelo Artífice, nasceu, isto é, foi gerado,no sentido verdadeiro e próprio dotermo.

Contudo, por que o Demiurgo quisgerar o mundo? O Artífice divino gerou omundo por “bondade” e por amor aobem. “Porque Deus, querendo que todasas coisas fossem boas e, à medida dopossível, não fossem más, tomou tudoquanto havia de visível que não seencontrava calmo, mas se agitava deforma irregular e desordenada, e o fezpassar da desordem para a ordem, acre-ditando que isso era muito melhor doanterior. Com efeito nunca foi nem élícito ao ótimo fazer outra coisa senão amais bela”.

 

neste mundo devem-se à “espacialidadecaótica” (isto é, ã matéria sensível).

Platão concebe o mundo como vivoe inteligente porque julga o ser vivo einteligente mais perfeito do que o não-vivo e não-inteligente.Conseqüentemente, o Demiurgo dotou o

mundo, além de um corpo perfeito,também de alma e de inteligênciaperfeitas. Assim, criou a alma do mundo(servindo-se de três princípios: aessência, o idêntico e o diverso), e, naalma, o corpo do mundo.

O mundo, portanto, é uma espéciede “Deus visível”; e “deuses visíveis”são as estrelas e os astros. E uma vezque esta obra do Demiurgo é perfeita,ela não se corrompe: o mundo nasceu,mas não perecerá.

EQ O tempo e o cosmo

Enquanto eterno, o mundointeligível está na dimensão do “é”, semo “era” e sem o “será”. O mundosensível, ao contrário, está na dimensãodo tempo que é “a imagem móvel doeterno”, como uma espécie de de-senvolvimento do “é” através do “era” edo “será”. Por isso, implica geração emovimento.

O tempo, portanto, nasceu “juntocom o céu”, ou seja, com a geração do

cosmo: o que significa que “antes” dageração do mundo não existia tempo.Dessa forma, o mundo sensível tor-

na-se “cosmo”, ordem perfeita, quemarca o triunfo do inteligível sobre a

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Cãpítulo SeXtO - "Platão a a ;Academia antiga

PLATÃO

METAFÍSICA

Esfera dos Princípios/ O Uno e a Díade interagem

e formam todas as coisas.\ Tudo o que existe é um mistov de limite (Uno) e ilimite

/ (Díade)

f  _______ 5

Díadeou Dualidade de grande-pequeno,

princípio materialde indeterminação,de multiplicidade.Está abaixo do ser

OS NÍVEIS DA REALIDADE

Esfera dos Princípios▼

Mundo das Idéiascontém todas as Idéias,

tendo no vértice a Idéia do Bem

Esfera dos Intermediários(entre sensível e supra-sensível)

Compreende os números,os entes geométricos, a alma.

^ Estas realidades denominam-se intermediáriasporque têm ao mesmo tempocaracterísticas do mundo ideal

e relações com o mundo sensível

Cosmo sensível Eum vivente inteligentedotado de alma e corpo

Demiurgo

É inferior às Idéias,enquanto para Platão oInteligível é superior à

Inteligência.E superior ao cosmo,

enquanto o cria

Unoprincípio formal deunidade, definição,determinação, ser,

verdade/cognoscibilidade,valor, medida exatíssima.O Uno está acima do ser

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Quarta parte - PIafào

III. O coKvkecimento, a dialetica, aarte e o ^amor platônico^

• O conhecimento é anamnese, isto é, recordação de verdades desde sempreconhecidas pela alma e que reemergem de vez em quando na experiência concreta. Platãoapresenta esta teoria do conhecimento tanto em modo mítico (as almas

são imortais e contemplaram as Idéias antes de descer nos cor oconhecimento pos) quanto em modo dialético (todo homem pode aprender e adialética por siverdades antes ignoradas, por exemplo, os teoremas mate- 1' 3 máticos). Oconhecimento ocorre por graus: simples opinião

(dóxa), que se subdivide em imaginação e crença; ciência (epis- tème),que se subdivide em conhecimento mediano e pura inteleção. O processo do conhecimento é adialética, que pode ser ascensional ou sinótica (remontar do mundo sensível às Idéias) e

descensional ou diairética (partir das Idéias gerais para descer às particulares).

• Platão liga o tema da arte à sua metafísica: se o mundo é cópia da Idéia, e a arte écópia do mundo, segue-se que a arte é cópia de uma cópia, imitação de uma imitação e,portanto, afastamento do verdadeiro.

 A verdadeira beleza não deve ser procurada na estética, A arte

mas na erótica. A doutrina do amor platônico é, com efeito,e o "amor  estreitamente ligada à busca do Uno, que, em nível sensível,

 platôn ico"  se manifesta como Belo: Eros é um demônio mediador, inter--> § 4-5  mediário entre fealdade e beleza, entre sabedoria e ignorância,

filho de Penía (Pobreza) e de Póros (Recurso): é uma força que por meiodo Belo nos eleva até o Bem, pelos vários graus que constituem a escala de amor.

A anamnese, ^ raiz do

conkecimento

Até agora falamos do mundointeligível, de sua estrutura e do modopelo qual ele incide sobre o sensível.Resta examinar de que forma pode ohomem aceder cog- noscitivamente aointeligível.

O problema do conhecimento jáfora de algum modo ventilado por todosos filósofos precedentes. Não se pode,porém, afirmar que algum pensadoranterior a Platão o tenha proposto deforma específica e definitiva. Platão foi oprimeiro a propô-lo em toda a suaclareza, graças às aquisições es-truturalmente ligadas à grandedescoberta do mundo inteligível, muitoembora, como é óbvio, as soluções porele propostas se revelem, em grandeparte, aporéticas.

A rimeira res osta ao roblema

questão, sustentando a impossibilidadeda pesquisa e do conhecimento. Defato, é impossível investigar e conheceraquilo que ainda não se conhece,porquanto, mesmo que se viesse adescobri-lo, seria impossível identificá-lo, pois faltaria o meio para a realizaçãoda identificação. Nem mesmo o que jáse conhece pode ser investigado,

precisamente porque já é conhecido.Exatamente para superar essaaporia é que Platão descobre umcaminho totalmente novo: oconhecimento é “anamnese”, ou seja,uma forma de “recordação”, um emergirdaquilo que já existe desde sempre nointerior de nossa alma.

O Mênon apresenta essa doutrinasob dupla forma: uma de caráter míticoe outra dialética. E importante examiná-las para não nos arriscarmos a trair opensamento platônico.

A primeira forma, de caráter mítico-- -

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Capítulo sexto - Platão e a .Academia antiga

Platão representado em uma antigaescultura.Com a teoria da anamneseele conseguiu resolver a aporia sofistaa respeito do conhecimento,

 

mos, a alma é imortal e renasce muitasvezes. Conseqüentemente, a alma viu e

conheceu toda a realidade, a realidadedo outro mundo e a realidade destemundo. Sendo assim, conclui Platão, éfácil compreender como a alma podeconhecer e apreender: ela devesimplesmente extrair de si mesma averdade que já possui desde sempre; eesse “extrair de si mesma” é “recordar”.

Entretanto, logo em seguida, noMênon, as posições se invertem: o quese apresentava como conclusãotransforma-se em interpretaçãofilosófica de um dado de fatoexperimental comprovado, ao passo que

aquilo que antes era pressuposto

são. De fato, após a exposiçãomitológica, Platão realiza uma

“experiência maiêutica” de forteinspiração socrática. Interroga umescravo ignorante de geometria econsegue fazer com que ele, apenasatravés do método socrático dainterrogação, resolva um complexoproblema de geometria (implicandobasicamente o conhecimento do teo-rema de Pitágoras). Logo — argumentaPlatão —, como o escravo nadaaprendera de geometria antes e comoninguém lhe fornecera a solução, apartir da constatação de que ele asoube encontrar por si mesmo, não

resta senão concluir que ele a extraiu dedentro de si mesmo, de sua própriaalma, isto é, recordou-se dela. Aqui,como transparece claramente, a base daargumentação, longe de ser um mito, éa constatação de um fato: o escravo,como qualquer pessoa em geral, podeextrair de si mesmo verdades que antesnão conhecia e que ninguém lheensinou.

No Fédon, Platão apresentou novaconfirmação da anamnese, apelandoespecialmente para os conhecimentos

matemáticos (que desempenharampapel extremamente importante nadescoberta do inteligível). Platãoargumenta, substancialmente, comosegue. Com os sentidos, constatamos aexistência de coisas iguais, maiores emenores, quadradas, circulares e outrassemelhantes. Entretanto, com atentareflexão, descobrimos que os dados quea experiência nos fornece — todos osdados, sem exceção — não se adequam

 jamais, de maneira perfeita, às noçõescorrespondentes, que possuímosindiscutivelmente: nenhuma coisa sen-

sível é “perfeitamente” e“absolutamente” quadrada ou circular,mesmo que possuamos noções de igual,de quadrado e de círculo“absolutamente perfeitos”. É necessárioentão concluir que existe certo desnívelentre os dados da experiência e asnoções que possuímos: as noçõescontêm algo mais do que os dados daexperiência. Qual a origem, porém,desse algo mais? Se, como vimos, nãoderiva nem pode estruturalmentederivar dos sentidos, isto é, do mundoexterior, só resta concluir que deriva denós mesmos. Mas não pode vir de nós

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Quarta parte - Platão

Desse modo, a arte se mostracorruptora, devendo ser banida ou atémesmo eliminada do Estado perfeito, amenos que acabe por se submeter àsleis do bem e do verdadeiro.

Platão — observe-se — não negou aexistência e o poder da arte. Negouapenas que a arte seja dotada de valorem si mesma: a arte serve aoverdadeiro ou ao falso, e tertium nondatur. Entregue a si mesma, a arteserve ao falso. Logo, se quiser se “sal-var”, a arte deve submeter-se àfilosofia, que é a única capaz dealcançar o verdadeiro, e o poeta deve

-

O “t  jlatônico”

>9'amor P1

como caminko alóqico

para o absolu+o

Em Platão, o tema da beleza não seliga ao tema da arte (imitação de meraaparência, que não revela a belezainteligível), mas vincula-se ao tema doEros e do amor, entendido como forçamediadora entre o sensível e o supra-

sensível, força que dá asas e eleva,através dos vários graus da beleza, àBeleza metaempírica existente em si. Ecomo, para os gregos, o Belo coincidecom o Bem ou, de certa forma,representa um aspecto do Bem, o Eros éuma força que eleva ao Bem e a eróticase revela um caminho alógico queconduz ao Absoluto.

A análise do Amor situa-se entre asmais esplêndidas análises que Platãonos deixou. O Amor não é nem belo nembom, mas é sede de beleza e bondade.O Amor, portanto, não é Deus (Deus ésomente e sempre belo e bom) nemhomem. Não é mortal nem imortal. E umdaqueles seres demoníacos“intermediários” entre o homem e Deus.

Assim, o Amor é “filo-sofo” nosentido mais denso do termo. A sophia,ou seja, a sabedoria, é algo que só Deuspossui; a ignorância é propriedadedaquele que está totalmente distante dasabedoria; a “filosofia”, ao contrário, éapanágio daquele que não é nemignorante nem sábio, daquele que nãopossui o saber mas a ele aspira, daquele

que sempre busca alcançá-lo e, tendo-oalcan ado, lhe fo e e deve rocurá-lo

parte do verdadeiro amor: o verdadeiroamor é desejo do belo, do bem, da

sabedoria, da felicidade, daimortalidade, do Absoluto. O Amordispõe de muitos caminhos queconduzem a vários graus de bem (todaforma de amor é desejo de possuir obem definitivamente). O verdadeiroamante, porém, é aquele que sabepercorrer esses caminhos até o fim, atéchegar à visão suprema do beloabsoluto.

a) O grau mais baixo na escala doamor é o amor físico, que consiste nodesejo de possuir o corpo belo paragerar no belo um outro corpo. Esse

amor físico já constitui desejo deimortalidade e eternidade, “...porque ageração, embora realizada na criaturamortal, é perenidade e imortalidade”.

b) Depois vem o grau dos amantesque se mostram fecundos, não quantoaos corpos mas quanto às almas,portadores de germes que nascem ecrescem na dimensão do espírito. Entreos amantes na dimensão do espíritoencontram-se, em escala de progressãoascensional, os amantes das almas, osamantes da justiça e das leis, os

amantes das ciências puras.c) Finalmente, no ápice da escalado amor, está a visão fulgurante daIdéia do Belo em si, do Absoluto.

No Fedro, Platão aprofunda ulterior-mente o problema da natureza sintéticae mediadora do amor, vinculando-o àdoutrina da reminiscência. Em sua vida

0 Amizade. Para Platão a amizade, de

um lado, distingue-se do Eros (cf."Belo"), porque nela prevalece oelemento racional e está ausente oelemento passional; mas, do outro lado,liga-se ao Eros, porque ela também vaiem busca de algo que falta ao homem, eque lhe é necessário. E isso é o Bem,que, portanto, pode-se considerar como"Primeiro amigo", em função do qualtoda coisa particular é amiga. Com oamigo o homem quer alcançar o Primei-ro amigo.

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Quarta parte - Platão

IV. A concepção do komem

•  A concepção platônica do homem se inspira em forte dualismo entre alma e corpo; ocorpo é entendido como cárcere ou mesmo como túmulo da alma. Daqui derivam os paradoxosda "fuga do corpo" (o filósofo deseja a morte enquanto separação da alma do corpo) e da "fugado mundo" (para tor  A concepção nar-se semelhante a Deus o quanto é possível ao homem). do

homem Esta concepção pressupõe a doutrina da imortalidade da^ 5 1’8 alma, à qual ligam-se estreitamente as doutrinas da metempsi-

cose, ou transmigração das almas em diferentes, corpos, e dos destinosescatológicos das almas depois da morte. Dois mitos platônicos são emblemáticos: o mito deEr e o mito do carro alado.

 Jaf ■ Concepção dualis+a do

Komem

Na seção anterior, explicamos ocaráter não “dualista”, no sentido usualconferido a essa expressão, da relaçãoentre as Idéias e as coisas, uma vez queas Idéias são a “verdadeira causa” dascoisas. No entanto, é dualista (emcertos diálogos, em sentido total eradical) a concepção platônica das

relações entre alma e corpo, porquantoPlatão introduz, além da participação daperspectiva metafísico-ontológica, aparticipação do elemento religiosoderivado do Orfismo, que transforma adistinção entre alma (= su- pra-sensível) e corpo (= sensível) em oposi-ção. Por essa razão, o corpo é visto nãotanto como receptáculo da alma, à qualdeve a vida juntamente com suascapacidades de operação (e, portanto,como instrumento a serviço da alma,segundo o modo de entender deSócrates), e sim, ao contrário, como“tumba” e “cárcere” da alma, isto é,como lugar de expiação da alma.

Enquanto temos um corpo,estamos “mortos”, porque somosfundamentalmente nossa alma; e aalma, enquanto se encontra em umcorpo, acha-se como em uma tumba; e,com isso, encontra-se em situação demorte. Nosso morrer (com o corpo) éviver, porque, morrendo o corpo, a almase liberta do cárcere. O corpo é raiz detodo mal, fonte de amores insensatos,de paixões, inimizades, discórdias,

ignorância e loucura. E tudo isso

Entretanto, feitas essasobservações, é importante considerarque a ética platônica se apresentaapenas parcialmente condicionada poresse dualismo exacerbado. Seusteoremas e corolários fundamentais, naverdade, apóiam-se na distinçãometafísica entre alma (ser dotado deafinidade com o inteligível) e corpo(realidade sensível), muito mais do quena contraposição misteriosófica entrealma (demônio) e corpo (tumba e

cárcere). Dessa contraposiçãoprocedem a formulação extremista e aexasperação paradoxal de algunsprincípios que, entretanto, permanecemválidos no contexto platônico, também

^2m CDs pamd OXOS1

da "fuga do corpo” e da

" fuga do mundo” e seu

sÍ0ni-pcado

Examinemos agora os doisparadoxos mais conhecidos da éticaplatônica, freqüentemente entendidosde forma incorreta pelo fato de que seatentou mais para sua fisionomiamatizada pelos tons místicosmisteriosóficos do que para suafundamentação metafísica. Estamos nosreferindo aos dois paradoxos da “fugado corpo” e da “fuga do mundo”.

1) O primeiro paradoxodesenvolve-se especialmente no Fédon.A alma tem de fugir o mais possível do

cor o. Por isso, o verdadeiro filósofo

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Cãpítulo Sexto - Platão e a ^Academia antiga

desse paradoxo se manifesta de formaextremamente clara. A morte

representa um episódio queontologicamente se refere exclusi-vamente ao corpo. Ela não apenas nãocausa dano à alma, mas, ao contrário,lhe traz grande benefício, permitindo-lheviver uma vida mais verdadeira, vidavoltada para si mesma, sem obstáculose véus, inteiramente unida ao inteligível.Isso significa que a morte do corpo éabertura para a verdadeira vida daalma. O sentido do paradoxo, portanto,não muda com a inversão de suaformulação. Pelo contrário, torna-semais preciso: o filósofo é aquele que

deseja a verdadeira vida (= morte docorpo) e a filosofia é treino para a vidaautêntica, para a vida na dimensãoexclusiva do espírito. A “fuga do corpo”comporta o reencontro do espírito.

2) O significado do segundoparadoxo, o da “fuga do mundo”,também é claro. De resto, o próprioPlatão, de forma totalmente explícita,desvenda esse significado ao nosexplicar que fugir do mundo significatornar-se virtuoso e assemelhar-se aDeus: “O mal não pode perecer, pois

sempre existirá algo oposto e contrárioao bem; não pode igualmente habitarentre os deuses, mas devenecessariamente residir nesta terra,

 junto de nossa natureza mortal. Eis arazão pela qual devemos fazer de tudopara fugir o quanto antes daqui e ir lápara cima. Esse fugir consiste em nosassemelharmos a Deus até onde seja possível a um ser humano. Assemelhar-se a Deus é adquirir justiça e santidadee, ao mesmo tempo, sabedoria. ”

Como se vê, os dois paradoxospossuem significado idêntico: fugir do

corpo significa fugir do mal do corpomediante a virtude e o conhecimento;fugir do mundo significa fugir do mal que o mundo representa, sempre

crático, mas acrescenta-lhe certocolorido místico, esclarecendo que “cura

da alma” significa “purificação daalma”. Essa purificação se realiza àmedida que a alma, ultrapassando ossentidos, conquista o mundo dointeligível e do espiritual, mergulhandonele como em algo que lhe é conatural.Neste caso, de modo bastante diferentede como ocorre nas cerimônias deiniciação do Orfismo, a purificaçãocoincide com o processo de elevação aoconhecimento supremo do inteligível. Eé precisamente sobre esse valor depurificação atribuído à ciência e aoconhecimento (valor parcialmente

descoberto já pelos antigos Pitagóricos,como vimos) que é necessário refletirpara compreender a novidade do “misti-cismo” platônico. Esse misticismo nãoconsiste na contemplação estática ealógica, mas no esforço catártico debusca e de ascensão progressiva aoconhecimento. Então é possívelcompreender como o processo doconhecimento racional também repre-sente, para Platão, um processo de“conversão” moral. Na verdade, àmedida que o processo doconhecimento nos leva do sensível parao supra-sensível e nos transporta de ummundo para o outro, também nosconduz da falsa para a verdadeira di-mensão do ser. Conseqüentemente, é“conhecendo” que a alma cura a simesma, realiza a própria purificação, seconverte e se eleva. E nisso reside averdadeira virtude.

Platão expõe essa tese não apenasno Fédon, mas também nos livroscentrais da República: a dialéticarepresenta libertação dos cepos ecadeias do sensível, é “conversão” do

devir ao ser, iniciação ao Bem supremo.E correto, portanto, o que escreveu aesse respeito W. Jaeger: “Ao se propor oproblema, não propriamente do

t, ;3íp- .A purificação da alma como

conkecimento e a dialética como

conversão

Sócrates identificara a “cura daalma” com a suprema missão moral do

homem. Platão insiste sobre esse

A imortalidade da alma

Para Sócrates era suficientecompreender que a essência do homemé sua alma (psyché) para que seestabelecessem os fundamentos da

nova moral. Por conseguinte, a seu ver,

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Quarta parte - Platão

alma é ou não imortal; a virtude tem seuprêmio em si mesma e o vício tem ocastigo em si mesmo.

Para Platão, ao contrário, oproblema da imortalidade se tornaessencial: se, com a morte, o homem sedissolvesse totalmente no nada, adoutrina de Sócrates não seria suficientepara refutar os que negam a existênciade todo e qualquer princípio moral (porexemplo, os Sofistas-políticos, cujoexemplo paradigmático é Cálicles,personagem do Górgias). Além do mais,a descoberta da metafísica e aaceitação do núcleo essencial damensagem órfica impunham a questão

da imortalidade como fundamental.Compreende-se, portanto, que Platãotenha retomado várias vezes aoassunto: inicialmente, de forma breve,no Mênon; posteriormente, com trêsargumentos sólidos e trabalhados, noFédon; por fim, com provascomplementares de apoio, na Repúblicae no Fedro.

Pode-se resumir brevemente aprova central do Fédon da seguinteforma: a alma humana, sustenta Platão,(de acordo com tudo o que vimosanteriormente) é capaz de conhecer asrealidades imutáveis e eternas. Ora,para poder conhecer tais realidades eladeve possuir, necessariamente umanatureza afim com elas. Caso contrário,essas realidades ultrapassariam ascapacidades da alma.Conseqüentemente, como são imutáveise eternas, a alma também tem de sereterna e imutável.

No Timeu, Platão precisa que asalmas são geradas pelo Demiurgo, coma mesma substância de que é feita aalma do mundo (composta de

“essência”, de “identidade” e de“diversidade”). Elas, portanto, nasce-riam, mas, por determinação divina, nãoestão sujeitas à morte, como não estásujeito à morte tudo o que é produzidodiretamente pelo Demiurgo.

Das várias provas apresentadas porPlatão, um ponto é certo: a existência ea imortalidade da alma só têm sentidocaso se admita a existência do sermetaempírico. A alma constitui adimensão inteligível e metaempírica e,por isso mesmo, incorruptível, dohomem. Com Platão, o homem sedescobre como ser de duas dimensões.

5 metempsicoseí-sE^SSB 1

e os destinos da almaapós a mofte

Para que se tenha idéia precisasobre o destino das almas após a morte,é importante, em primeiro lugar,esclarecer a concepção platônica da“metempsicose”. Como sabemos, ametempsicose é a doutrina que ensina atransmigração da alma em várioscorpos e, por conseguinte, propõe o“renascimento” da alma em diferentesformas de seres vivos. Platão retoma

essa doutrina do Orfismo, mas a ampliade várias maneiras, apresentando-afundamentalmente de duas formascomplementares.

A primeira forma aparece de modomais detalhado no Fédon; afirma que asalmas que viveram uma vidaexcessivamente ligada ao corpo, àspaixões, ao amor e aos prazeres delederivados, não conseguem, com amorte, separar-se inteiramente do que écorpóreo, pois o corpóreo se lhes tornouco- natural. Durante certo tempo, commedo do Hades, essas almas vagam

 junto aos sepulcros, como fantasmas,até que, atraídas pelo desejo docorpóreo, ligam-se novamente a corpos,não apenas de homens mas também deanimais, de acordo com o nível de per-feição moral por elas alcançado na vidaanterior. Já as almas que tiverem vividona prática da virtude, não da virtudefilosófica, mas da comum, encarnar-se-ão em animais mansos e sociáveis ouaté mesmo em homens honestos.

 Todavia, Platão assegura: “Àestirpe dos deuses, entretanto, não é

permitido chegar a quem não tenhacultivado a filosofia e não se tenhadesligado do corpo em situação de totalpureza, pois concede-se essa permissãoapenas àquele que foi amante do saber.”

Na República Platão menciona umsegundo tipo de reencarnação,notavelmente diferente do expostoacima. O número de almas é limitado.Assim sendo, se todas fossemcontempladas no além com um prêmioou com um castigo eternos, chegariaum momento em que nenhuma almarestaria sobre a terra. Por essa evidente

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Quarta parte - Platão

de forma irreparável a escolha,porquanto, mesmo para a última, resta apossibilidade da escolha de uma vidaboa, caso não lhe seja possível escolheruma vida ótima.

A escolha que cada um realizarecebe confirmação de outras duasmoiras, Clótos e Atropos, tornando-se,assim, irreversível. Então, as almasbebem o esquecimento nas águas do rioAmeletes “rio do esquecimento” e des-cem aos corpos para viver a vidaescolhida.

Dissemos que a escolha dependeda “liberdade das almas”, mas seriamais exato dizer do “conhecimento” ou

da “ciência da vida boa e má”, isto é, da“filosofia”, que, para Platão, setransforma em força salvadora, nestemundo e no outro, para sempre. Aqui ointelectualismo ético é levado a con-seqüências extremas. Diz Platão: “Sealguém, vindo viver neste mundo, seentrega ao filosofar de forma sadia, e asorte da escolha não o tenha colocadoentre os últimos, existe para ele a

-

gjlgg O mi todo "carro alado"como símbolo da alma

No Fedro, Platão propôs uma visãodo outro mundo ainda mais complexa.As razões disso devem buscar-se no fatode que nenhum dos mitos até agoraexaminados explica a causa da descidadas almas aos corpos, a vida primigêniadas próprias almas, e as razões da suaafinidade com o divino.

Originariamente, a alma seencontrava junto aos deuses e vivia com

os deuses uma vida divina. Por causa deuma culpa, viu-se sobre a terra,projetada num corpo. A alma assemelha-se a um carro alado puxado por doiscavalos e guiado pelo auriga. Enquantoos dois cavalos dos deuses sãoigualmente bons, os dois cavalos dasalmas dos homens são de raçasdiferentes: um é bom e outro é mau.Isso torna difícil a operação de guiá-los(o auriga simboliza a razão e os doiscavalos representam as partes alógicasda alma, a concupiscível e a irascível,sobre as quais discorreremos adiante;segundo alguns, porém, os dois cavalos

O carro da alma.Particular do busto de jovem comcamafeu, que os estudos maisrecentes confirmam ser de Donatello(Museu Nacional do Bargello,

ma.) As almas desfilam no cortejo dosdeuses, voando pelas estradas do céu eprocurando, em conjunto com os

deuses, chegar periodicamente ao ápicedo céu, para contemplar aquilo que estáalém do céu, o Hiperurânio (o mundodas Idéias) ou, como diz também Platão,“a Planície da verdade”. Mas, ao invésdo que acontece com os deuses, para asnossas almas constitui árdua empresacontemplar o Ser que reside além docéu e apascentar-se na “Planície da ver-dade”, especialmente por causa docavalo mau, que puxa para baixo.Sucede, então, que algumas almasconseguem contemplar o Ser ou, pelomenos, parte dele e, por essa razão,

continuam a viver com os deuses.

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Capitulo SCXtO - PI afão e a ^Academia antiga

d)a Cidade-Estado como horizontede todos os valores morais e como

única forma possível de sociedade.Somente levando em consideraçãotais concepções é que se pode entendera estrutura da República, obra-primade Platão e como que a summa de seupensamento filosófico, pelo menos doque ele escreveu. Construir a Cidadesignifica conhecer o homem e seu lugarno universo. De fato, afirma Platão, oEstado não é senão o engrandeci-mento de nossa alma, espécie degiganto- grafia que reproduz, em vastasdimensões, tudo aquilo que existe emnossa  psyché. O problema central da

natureza da “justiça”, que constitui oeixo em torno do qual giram todos osoutros temas, recebe solução adequadaatravés da observação de como nasce(ou se corrompe) uma Cidade perfeita.

BBS Por que nasce um &stado e as

três classes que o constituem

Um Estado nasce porque cada umde nós não é “autárquico”, ou seja, nãose basta a si mesmo e tem necessidadedos serviços de muitos outros homens:

1) de todos aqueles que provêemàs necessidades materiais (do alimento,às vestes, às habitações);

2) de alguns homens responsáveispela guarda e defesa da Cidade;

3) de poucos homens que saibamgovernar adequadamente.

A Cidade, portanto, necessita detrês classes sociais:

1) a dos lavradores, artesãos ecomerciantes;

2) a dos guardas;3) a dos governantes.

1) A primeira classe é constituídade homens nos quais prevalece oaspecto “con- cupiscível” da alma, queé o aspecto mais elementar. Essa classesocial é boa quando nela predomina avirtude da “temperança”, que consistenuma espécie de ordem, domínio edisciplina dos prazeres e desejos, su-pondo também a capacidade de sesubmeter às classes superiores demodo conveniente. As riquezas e osbens administrados exclusivamentepelos membros dessa classe nãodeverão ser nem muitos nemexcessivamente poucos.

 

que se assemelham aos cães de raça,ou seja, dotados ao mesmo tempo de

mansidão e ousadia. A virtude dessaclasse social deve ser a “fortaleza” ou a“coragem”. Os guardas deverãopermanecer vigilantes, quer em relaçãoaos perigos que possam advir doexterior como em relação a perigos quese originam no interior da Cidade. Porexemplo, deverão evitar que a primeiraclasse produza excessiva riqueza (quegera ócio, luxo, amor indiscriminado denovidades) ou demasiada pobreza (quegera vícios opostos). Além disso,deverão cuidar para que o Estado nãose torne demasiadamente grande ou

exageradamente pequeno. Deverãotambém cuidar para que as tarefasconfiadas aos cidadãos correspondam àíndole de cada um e para que seproporcione a todos a educaçãoconveniente.

3) Finalmente, os governantesdeverão ser aqueles que souberamamar a Cidade mais do que os outros, ecumpriram com zelo sua própria missãoe, especialmente, aprenderam aconhecer e contemplar o Bem. Nosgovernantes, portanto, predomina a

alma racional, e sua virtude específicaé a “sabedoria”.A Cidade perfeita é, portanto,

aquela em que predomina atemperança na primeira classe social, afortaleza ou coragem na segunda e asabedoria na terceira. A “justiça” nadamais é que a harmonia que se es-tabelece entre essas três virtudes.Quando cada cidadão e cada classesocial desempenham as funções quelhes são próprias da melhor forma efazem aquilo que por natureza e por leisão convocados a fazer, então a justiça

perfeita se realiza.

IU  As três partes da alma, seus

naxos com as três classes, e as virtudes

cardeais

Falávamos acima do Estado comoreprodução ampliada da alma. Naverdade, em cada homem estãopresentes as três faculdades da almaque se encontram nas três classessociais do Estado. Eis a prova. Diantedos mesmos objetos existe em nós:

a) uma tendência que nos impele

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Quarta parte - Platão

% As formas possíveis do bstailo seçjundo Platão

A sistemática reflexão filosófica sobre as diversas formas de governoremonta a Platão. Na República ele distingue, ao lado da forma degoverno por ele idealizado, que é uma aristocracia de filósofos, quatroformas que representam progressiva corrupção daquela:1)a timocracia = forma de governo fundada sobre a honra,considerada como valor supremo;2) a oligarquia = forma de governo fundada sobre a riqueza;3) a democracia = forma de governo fundada sobre uma liberdadelevada ao excesso;4) a tirania = forma de governo fundada sobre a violência derivada dalicencio- sidade em que decaiu a liberdade.Platão afirma (e esta é uma das suas mais conspícuas descobertas) que as for-mas de governo correspondem exatamente ao nivel moral das consciências

dos cidadãos.

As análises do Político podem resumir-se no seguinte esquema:

Tipo de governo

Governo de um

só Governo de

poucos Governo

5e respeita as

leis Monarquia

Aristocracia

Democracia

Se não respeita as leis

Tirania

Oligarquia

Democraciacorrupta (=demagogia)

Nas Leis, Platão propõe uma constituição mista, como a que resulta(historicamente) mais adequada, a qual tempera as vantagens damonarquia com as da democracia, procurando eliminar reciprocamente

razão nem desejo (não é razão porque é

passional, e não é desejo porquefreqüentemente a ele se opõe, como,por exemplo, quando ficamos irados portermos cedido ao desejo).

Portanto, assim como são três asclasses do Estado, também são três aspartes da alma:

- a apetitiva (epithymetikón);- a irascível (thymoeidés);- a racional (loghistikón).A “irascível”, por sua natureza,

encontra-se predominantemente dolado da razão, mas pode aliar-setambém à parte mais baixa da alma,

educação. Existe, portanto,

correspondência perfeita entre asvirtudes da Cidade e as virtudes doindivíduo. O indivíduo é “tem- perante”quando as partes inferiores da alma seharmonizam com a parte superior e aela obedecem; é “forte” ou “corajoso”quando a parte “irascível” da alma sabemanter com firmeza os ditames darazão em meio a todas as adversidades;é “sábio” quando a parte “racional” daalma possui a verdadeira ciênciadaquilo que é útil a todas as partes(ciência do bem). E a “justiça” seráaquela disposição da alma pela qual

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Capítulo sexto - Plafão e a jAcademia antiga

i i i\ e c h o. 335

S O C R A T E , T E O D O R O , O S T I T B , S O C R A T B _ M i N n p . r . .

 JTeodo ro, (O ti fbno t enuto dooblig o gran de, a vcnddS

n u t u f àt to c on oí ce re T ee te to , c q uc ft * O lp it c . Teo. Tri-

p li cc me nt e p e. avve nt ur a, o S oc ra tc , m i í ar ai r cn ut o , p oi -

chè ti averanno formto 1' uomo civile > ed ii Filofoíò .

So. Mc n e co nt en to . Ma , o ca ro ii m io T eo do ro , d ir cr ao co si n oi

d i a ve r u di to q uc íl o d a t c, u om o i nt en de nt if li mo d i c om pu ta re » e

di Geometria? Teo. I n e ne m od o, o So cr at e ? So. Cioè, che abb ia-

m o p of to q ua lu nq ue d i q ue ft t u om in i d cl la m ed ef im a f ti nu ; i q ua l*

n on di me no f on o t ra l or o v ic p iu l on ta ni d i o no re vo le zza, d l q ue l-

l o c he i l H p oí Ta d jc hsar ar c q ue ll a p ro po nt io nc d el ia vof tr * a rt e .

Teo. O S oc ra tc , p er Amm on e n oí tr oD io , t u p ar li b en e, e r ag io ne -

vol mc nt c ; c d o ra m i h ai f ar to r ic or de vo le d ei m io e rr or e i nt or qc f  

al computare» ma 10 a lt ra vol ta a t e n e ver rò p er c au íâ d i q ue do .

Or t u, o O fp it c, n on t i - ft an ca re i n n íu n m od o i n g ra ti fi ca re ii ma

clegg i d i nar rar a noi ord inatamente » íê vuo i innanzi <JeU’ uomo c i-

v il e, o dei F il osofo p iu ttoí lo .Of.

O T eod or o, e gl i f i d ee í ãr qu e-

f to , p oi ch è u na vol ta a bb ia mo d at o c om in ci am en to » n è h af li a c tP

f jr e , i nn an zi ch è no n âr em o pe rv en ut i a li a f ine . Ma c he f i co n-

v ie n a m c di f ar e d i T ee te to ? Teo. D ’ i nt or no a c he ? Of. I I lalcie-

r en io r ip of ar n oi » e d i n vcc e d i l ui r ic ever cm o S oc ra te c om pa go »

d cg li c fe rc iz i, e f tu dj m ed ef im i: o c om e c on fi gü t u ? Teo. Cosi co-

m e d jc ef ti , p re nd it o . C on ci oí fi ac hè e fl en do e g li u ni > e g li a lt ri

d i voi g iovan i > foppor terete p iü agevo lmente ogn i í àt ica con la in-■

termifl ione . So. O Of pi te in un ce rt o m od o a m e pa re c he am bi -

d ue m » f an o q ua fi p ar en ti . Voi di te , c hc Te et et o m i a íí om ig li a n el la .

f ig ur a d ei vol to i e c on S oc ra te a nc or a, a ve nd o i o l o f te fl o n om e ,

l a d en om in az io ne c i d à u na c er ta d om ef ti ch tt za . E c on vi en a n oi ,

c om e a p ar en ti , i l t cf ti fi ca re l o f te íí o d i b uo na vog li a c on l a o ra -

a io ne . C on T ee te to j er i m i r it ro va i a l d if pu ca re , e d o gg i l ’h o a di -

t o r if po nd er a q ue ft ’ O íp it e > n u c on S oc ra tc f in o a l p rc fc nt c n on

fi è íatto nc I’ una , nc V altra coíi . Or fà mifticri ancora che ficonfi»

II proemío indica I J unione di qucfto Diilo^o foi Teeteto, e col SofilU il primo deiquali h* tramto dei VUofofo, il fecondo dei SoGib. [ntroduce qnc!i’OÍ- pue di fcln, cheparlava nel , torfè per moftrare di ntcrir le /intente d «liaitri. Sotlimiíce uo certo Socrate minore in iuoeo di Teeteto per nunttnet: il decoro nelladif|mia : poichè "file rmvrrfmx.u*»i fi itvt ripifmrt tiver fmrbu*,• come dicc

iJrrovc,devono eBcrvi it fixrftflxtç àiã-rxu\at xiytéi.

O exórdio do Político

na tradução italiana de Dardifíeniho 

Eis, portanto, o conceito de justiça“segundo a natureza”: “cada um façaaquilo que lhe compete fazer”, oscidadãos e as classes de cidadãos naCidade e as partes da alma na alma. A

 justiça só existe exteriormente, nassuas manifestações, quando existir inte-riormente, na sua raiz, ou seja, na alma.

Daí Platão deduziu “o quadro das

virtudes”, ou seja, o quadro daquelasvirtudes que posteriormente serãodenominadas “cardeais”.Freqüentemente, porém, nos esque-cemos de que esse quadro estáintimamente l igado à psicologia

1L1 Como se educam as t^ês

classes de cidadãos

A Cidade perfeita, entretanto, devecontar com uma educação perfeita. Aprimeira classe social, porém, não

cação especial, porque as artes e osofícios facilmente aprendem-se com aprática.

Para a classe dos guardas, Platãopropõe a educação clássica, ginástico-musical, com o objetivo de robustecerconvenientemente a parte de nossaalma da qual derivam a coragem e afortaleza. Para essa classe, porém,

Platão propõe a “comunhão” de todosos bens: comunhão de homens e mu-lheres e, portanto, de filhos, bem comoa abolição de qualquer propriedadesobre bens materiais. Deveria, porconseguinte, ser tarefa da classeinferior, detentora da riqueza, prover àsnecessidades materiais dos com-ponentes dessa classe. Os homens emulheres da classe dos guardasdeveriam receber a mesma educação edesempenhar idênticas tarefas. Osfilhos, imediatamente retirados doconvívio com os pais, seriam alimenta-

 

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Quarta parte - Platão

grande família, na qual todos seamassem como pais, mães, filhos,

irmãos, irmãs, parentes. Acreditavapoder eliminar dessa forma as razõesque alimentam o egoísmo e suprimir asbarreiras do “é meu”, “é teu”. Todosdeveriam dizer apenas “é nosso”. Obem particular deveria ser bem comum.

A educação prevista por Platãopara os governantes coincidia com otirocínio exigido para o aprendizado dafilosofia, suposta a coincidência entreverdadeiro filósofo e verdadeiro político.Devia durar até os cinqüenta anos ePlatão a chamava de “longa estrada”.Entre os trinta e os trinta e cinco anos,

devia ocorrer o tirocínio mais difícil, ouseja, a experiência com a dialética. Dostrinta e cinco aos cinqüenta anos,estava prescrita a retomada doscontatos com a realidade empírica, nodesempenho de diversas tarefas. Afinalidade da educação do político-fi lósofo consistia em levá- lo aoconhecimento e à contemplação doBem, conduzindo-o ao “conhecimentomáximo”, para que ele pudesse plasmara si mesmo conforme o Bem, visandoinserir o Bem na realidade histórica.

Dessa forma, o “Bem” emerge comoprincípio primeiro, do qual depende omundo ideal. O Demiurgo aparece comogerador do cosmo físico em razão dasua “bondade”, e o “Bem” constitui ofundamento da Cidade e do agirpolítico.

E fácil compreender, portanto, asafirmações de Platão, no final do livro IXda República, segundo as quais “poucoimporta se exista ou possa existir” talCidade; basta apenas que cada um vivasegundo as leis dessa Cidade, isto é,segundo as leis do bem e da justiça. Em

resumo, antes mesmo de realizar-se na

gll O "Político" e as "Leis"

Depois da República, Platão voltoua se ocupar expressamente daproblemática política, especialmente noPolítico e nas Leis. Não retratou oprojeto da República, porquanto talprojeto representa sempre um ideal,mas procurou dar forma a algumasidéias que pudessem ajudar na

“ ”

Estado destinado a suceder ao Estadoideal, de um Estado que atr ibua

consideração maior aos homens vistoscomo efetivamente são e não apenascomo deveriam ser.

Na Cidade ideal não existe odilema se a soberania compete aohomem de Estado ou à lei, porquanto alei nada mais é que o modo segundo oqual o homem de Estado perfeitorealiza na Cidade o Bem contemplado.Entretanto, no Estado real, onde muitodificilmente se poderiam encontrarhomens capazes de governar “comvirtude e ciência”, a ponto de secolocarem acima da lei, a soberania

cabe à lei e, portanto, torna-seimprescindível a elaboração deconstituições escritas.

As constituições históricas, querepresentam imitações ou formascorrompidas da constituição ideal,podem ser três:

1) se é um só homem que governae imita o político ideal, temos amonarquia;

2) se são vários homens ricos quegovernam e imitam o político ideal,temos a aristocracia;

3) se é o povo na sua totalidadeque governa e busca imitar o políticoideal, temos a democracia.

Quando essas formas deconstituição política se corrompem e osgovernantes buscam apenas os própriosinteresses e não os do povo, nascem:

1) a tirania;2) a oligarquia;3) a demagogia.Quando os Estados são bem

governados, a primeira forma degoverno é a melhor; quando nosEstados a corrupção campeia, é melhor

a terceira forma porquanto, pelomenos, a liberdade permanecegarantida.

Nas Leis, por fim, Platãorecomenda dois conceitos básicos: o de“constituição mista” e o de “igualdadeproporcional”. O poder excessivoproduz o absolutismo ti rânico eliberdade demasiada acarreta dema-gogia. A fórmula ideal está no respeitoà liberdade, devidamente mescladocom a autoridade exercida com “justamedida”. A verdadeira igualdade não é

a buscada a todo custo peloigualitarismo abstrato, mas a

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Cãpítulo SBXtO -  T latão e a jAcademia antiga

VI. (Sonclusões sobre Platão

• Platão sintetizou o próprio pensamento nas suas múltiplas dimensões nocélebre "mito da caverna", que se pode interpretar ao menos em quatro níveis:

1) em nível ontológico, segundo o qual aquilo que está dentro da cavernaseria o mundo material e aquilo que está Q jt  fora o mundo supra-sensível; da

caverna

2) em nível gnosiológico, segundo o qual o interior da ca- _> § 7 - 2verna representaria o conhecimento sensível (opinião) e o exterior dacaverna o conhecimento das Idéias;

3)em nível místico-teológico, segundo o qual o interior e o exterior represen-tariam respectivamente a esfera mundana material e a espiritual;

4) em nível político, porque implica um retorno à caverna de quem tinhaconquistado sua liberdade, por solidariedade com os companheiros ainda prisio-

neiros. e com a finalidade de difundir a verdade.

 jg|g|g O “mito da caverna*

No centro da Repúblicaencontramos um célebre mito, chamado“da caverna”. O mito foi interpretadosucessivamente como expedienteutilizado por Platão para simbolizar a

metafísica, a gnosiologia, a dialética eaté mesmo a ética e a místicaplatônicas. E o mito que expressa Platãona sua totalidade— e com ele, portanto, pretendemosconcluir.

Imaginemos homens que vivemnuma caverna, cuja entrada se abrepara a luz em toda a sua largura, comamplo saguão de acesso. Imaginemosque os habitantes dessa cavernatenham as pernas e o pescoçoamarrados de tal modo que não possam

mudar de posição e tenham de olharapenas para o fundo da caverna.Imaginemos ainda que, imediatamentefora da caverna, exista um pequenomuro da altura de um homem e que, portrás desse muro e, portanto,inteiramente escondidos por ele, semovam homens carregando sobre osombros estátuas trabalhadas em pedrae em madeira, representando os maisdiversos tipos de coisas. Imaginemostambém que, por trás desses homens,esteja acesa uma grande fogueira eque, no alto, brilhe o sol. Finalmente,

ima inemos ue a caverna roduza eco

bras das pequenas estátuas projetadasno fundo da caverna e ouviriam apenaso eco das vozes. Entretanto,acreditariam, por nunca terem vistocoisa diferente, que aquelas sombraseram a única e verdadeira realidade eque o eco das vozes representasse asvozes emitidas por aquelas sombras.Suponhamos, agora, que um daqueles

prisioneiros consiga desvencilhar-sedos grilhões que o aprisionam. Comdificuldade, ele se habituaria à novavisão que lhe apareceria. Habituando-se, porém, veria as estatuetas semoverem por sobre o muro ecompreenderia que elas são muito maisverdadeiras do que as coisas que antesvia e que agora lhe parecem sombras.Suponhamos que alguém traga nossoprisioneiro para fora da caverna e dooutro lado do muro. Pois bem,primeiramente ele ficaria ofuscado pelo

excesso de luz; depois, habituando-se,veria as coisas em si mesmas; porúltimo veria, inicialmente de formareflexa e posteriormente em si mesma,a ró ria luz do sol. Com reenderia

lílll CDs quatro significados do mito

da caverna

O que simboliza o mito?1) Antes de tudo, o mito da

caverna traduz os diversos graus em

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Quarta parte - Platão

camente se divide a realidade, isto é, osgêneros do ser sensível e supra-sensível

com suas subdivisões: as sombras dacaverna simbolizam as aparênciassensíveis das coisas; as estátuas, aspróprias coisas sensíveis; o murorepresenta a linha divisória entre ascoisas sensíveis e as supra-sensíveis; ascoisas verdadeiras situadas do outrolado do muro são representaçõessimbólicas do ser verdadeiro e dasIdéias, e o sol simboliza a Idéia do Bem.

2) Em segundo lugar, o mitosimboliza os graus do conhecimento nasduas espécies e nos dois graus em queessas espécies se dividem: a visão das

sombras simboliza a eikasía ouimaginação e a visão das estátuasrepresenta a  pístis ou crença; apassagem da visão das estátuas para avisão dos objetos verdadeiros e para avisão do sol, antes de forma mediata eposteriormente imediata, simboliza adialética em seus vários graus e ainteleção pura.

3) Em terceiro lugar, o mito dacaverna simboliza o aspecto ascético,místico e teológico do platonismo: avida na dimensão dos sentidos e do

sensível é a vida na caverna, assimcomo a vida na pura luz é a vida nadimensão do espírito. O voltar-se dosensível para o inteligível érepresentado expressamente como“libertação das algemas”, comoconversão, enquanto a visão supremado sol e da luz em si mesma é visão doBem e contemplação do Divino.

4) O mito da caverna, entretanto,expressa ainda a concepção políticatipicamente platônica. De fato, Platãomenciona também um “retorno” àcaverna por parte daquele que se

libertara das algemas, retorno cujafinalidade consiste na libertação dascadeias daqueles em companhia dosquais ele antes fora escravo. Tal“retorno” representa certamente oretorno do filósofo-po- lítico, o qual, seatendesse apenas às solicitações de seudesejo, permaneceria atento àcontemplação do verdadeiro.

à caverna? Passando da luz para aescuridão, ele não conseguirá enxergar

enquanto não se habituar novamente àfalta de luz; terá dificuldades em sereadaptar aos costumes dos antigoscompanheiros, se arriscará a não serpor eles entendido e, tomado por louco,correrá até mesmo o risco de ser as-sassinado, como aconteceu comSócrates e como poderá acontecer atodo aquele que testemunhe emdimensão socrática.

Entretanto, o homem que “viu” overdadeiro Bem deverá e saberá correresse “risco” ois é isso ue dá sentido

O Partem»! visto entre asioLiuj- \'n>j'ilciis. Suas formasharmoniosa-: traduzem em termos ar: jiute!omeo< a atitude i>ref>a de reo n>wei a■■  verdade "racionai" sninai cnti a i validade.

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Capítulo sexto - Platão e. a ;Academia cm+iga

NATUREZA E FUNÇAO DA ALMA HUMANA

PSICOLOGIA A alma é imortal porque é afim às

Idéias.

Na morte do homem migra de corpo em corpo(metempsicose). Tem uma vida ultraterrena.Escolhe seu destino terreno conforme averdade que possui

ANTROPOLOGIA A alma é o

verdadeiro homem, o corpo é túmulo da alma.A filosofia enquanto se dirige à alma éexercício de morte (habitua a separar aalma do corpo), e por isso é purificação.

Concupiscível

Irascível

Racional

í 

Classes sociais

POLÍTICA Estadoideal: :ngrandecimentoda alma

Virtudes

Educação

Camponeses,

artesãos,comerciantes:produzem os bens

 Temperança Não têm uma

educação particular;limitam-se a imitar osoutros

Soldados, guardas:defendem a cidade dosperigos internos eexternos

Coragem Educação gímnico-musical; comunhãodos bens e dasmulheres

Filósofos, regentes:dirigem eadministram o Estado

Sabedoria:

contemplação doBem ideal parapraticá-lo

Educação fundadasobre a dialética, paraalcançar oconhecimento do Bem

O equilíbrio das três classes e das três verdades se realiza na justiça

GNOSIOLOGIA O conhecimento é

reminiscência.O conhecimento é proporcional ao ser.Distingue-se em opinião (conhecimento do sensível) e ciência(conhecimento do inteligível).

Quarta parte - PIatao

PLATÃO

D Relação entreescrita e oralidode

O que segue é um documento revolu-cionário no história das interpretações dePlatão. Pode-se compreender a fundo ape-nas quando se tem presente que Platão vi-via em uma época em que se passava da

cultura da “oralidade" pora a da "escrita1

’e que ele procura uma "mediação" entreas duas culturas.

1. Superioridade da oralidade sobrea escrita:o filósofo não põe por escrito as coisas quepara ele são de "maior valor”

fí escrita não acresce a sabedoria doshomens, e sim a aparência do saber (ou

seja, a opinião); além disso, não reforça omemória, mas oferece apenas meios pora"chamar à memória" coisas que já se

SócflfiT©—Resta agora falar daconveniência ou não conveniência doescrito, quando ele é bom e quando é, aocontrário, não conveniente. Ou não?' FCDRO— Sim.

SÓCRRTÇS—Por acaso sabes de qual modo,no qu® se refere aos discursos, se pode maxi-mamente agradar a deus: fazendo-os ou fa-lando deles?

FCDRO — Realmente não sei. £ tu?SÓCRRTCS  — Posso contar-te uma história

transmitida pelos antigos; eles sabem o verda-deiro. € se nós o encontrássemos sozinhos,impor- tar-nos-ia ainda algo das opiniões doshomens?

FCDRO — Tua pergunta é ridícula! Mas con-ta-me a história que ouviste.

SÓCRATÈS — Ouvi contar que em Nóucratesdo £gito havia um dos antigos deuses do lugar,para o qual era sagrado o pássaro denominado(bis, e o nome deste deus era Theuth. Dizemque foi o primeiro a descobrir os números, ocálculo, a geometria e a astronomia e depois o

 jogo do tabuleiro e dos dados e, por fim,também a escrita. O rei de todo o G ito

naquele tempo era Thamus e habitava nagrande cidade do Fllto Nilo. Os gregos o

chomom de Tebas egípcia, enquanto chamamflmon, seu deus. € Theuth foi a Thamus,mostrou-lhe estas artes e lhe disse que erapreciso ensiná-las a todos os egípcios. O rei lheperguntou sobre a utilidade de cada uma dasartes, e, enquanto o deus o explicava,conforme lhe parecia que dissesse bem ou nãobem, desaprovava ou então louvava. Segundose conta, muitas foram as coisas que, sobrecada arte, Thamus disse a Theuth em coçoadaou em elogio, e para expô-las seria necessárioum longo discurso.

Quando, porém, chegou à escrito, Theuthdisse: "Gste conhecimento, ó rei, tornará os

egípcios mois sábios e mais capazes derecordar, porque com ela foi encontrado oremédio da memória e do sabedoria".

O rei, então, respondeu: "Ó engenhosís-simo Theuth, há quem é capaz de criar as artese quem é, ao contrário, capaz de julgar qualdano ou vantagem terão aqueles que as usa-rem. Ora, tu, sendo pai da escrita, por afetodisseste justamente o contrário do que ela vale.Com efeito, a descoberto da escrita terá comoefeito produzir o esquecimento nas almas dosque a aprenderem, porque, confiando na escrito,se habituarão a lembrar a partir de foramediante sinais estranhos, e nõo de dentro e por

si mesmos: portanto, encontraste nõo o remédioda memória, mas do chamar de novo àmemória.

Da sabedoria, depois, forneces o teus dis-cípulos a aparência e não a verdade: com efeito,eles, tornando-se por teu meio ouvintes demuitas coisas sem ensinamento, crerão ser co-nhecedores de muitas coisas, enquanto, comoacontece o mais das vezes, na realidade, não assaberão; e será bem difícil discorrer com eles,porque se tomaram portadores de opiniões emvez de sábios".

FCDRO  — Ó Sócrates, é fácil para ti narrarcontos egípcios, ou de qualquer outro país qui-seres!

SócRnres — Mas se houve olguns, meucaro, que acreditaram que os primeiros vaticí-nios de Zeus de Dodona viessem dos discursosde um carvalho! Os homens de entõo, dado quenão eram sábios como vós, jovens, na sua sim-plicidade, contentavam-se de ouvir "um carvalhoou uma rocha", contanto que dissessem averdade; mas, para ti, talvez, faz diferença quemfala e de onde é; com efeito, nõo olhos somenteisso, se as coisas são como ele diz ou se sõodiferentes.

FCDRO — fltingiste o ponto certo: também a

mim parece que, em relaçõo à escrita, as coisassão como diz o rei tebano.

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- 177Capitulo S6XtO - Platão e a jAcademia antiga ---------------------

Grandes mitos e imagens emblemáticas que exprimemos conceitos fundamentais da filosofia de Platão

Os mitos platônicos foram em todos os tempos muito lidos e apreciados. Comefeito, eles nõo são como os mitos pré-filosóficos, carregados de muitos motivos, masprivados de consciência teorética; ao contrário, sõo mitos pós-filosóficos, mitos criadospara a filosofia e em ótica filosófico. Com efeito, o homem nõo pensa apenas medianteconceitos, mas também por meio de imagens.

Pora criar imagens e mitos é preciso ser artista. € Platão teve a sorte de ser, alémde grandíssimo pensador, um grandíssimo artista, e por isso criou em seu pensamento

 justamente conceitos e imagens novas e extraordinárias.Referimos os três mitos filosóficos mais significativos (lembremos que entre os mais

belos mitos de Platão estão também os escatológicos, com os quais conclui o Górgios e oFédon, 0 também o mito de Cr da República, que é verdadeiramente extraordinário pelo

seu porte e suas implicações).Os dois primeiros sõo tirados do Fedro e apresentam a alma como carro alado e omundo supro-sensível como Hiperurânio: a alma como carro alado indica medianteimagens a estrutura da própria alma: o Hiperurânio indica com imagem o supra-sensível.^

O último mito que referimos é o da caverna, contido na FÍ0pública. é o símbolo da

1.A imagem da alma como carro alado

SÓCRATCS — [...] Compor0-s0 então o olmoo umo força conatural de um carro alado 0 deum auriga. Os cavalos 0 os aurigas dos d0us0s

são todos bons 0 d0rivados de bons; os dosoutros, ao contrário, são mistos. C, em primeirolugar, o condutor 0m nós guia uma parelha; 0d0pois, dos dois cavalos, um 0 belo 0 bom 0d0riva do g0nitor0s semelhantes; o outro derivad0 g0nitores opostos 0 é o oposto. Difícil 0incômoda, n0C0ssariam0nt0, por aquilo qu0 sorefere a nós, resulta a condução do carro, é pre-ciso, portanto, procurar dizer 0m qu© sentido osor vivo foi chamado de mortal 0 imortal.

é s0mpre uma alma qu© s© preocupacom o qu© é inanimado: ©Ia gira por todo océu, ora ©m uma forma ora em outra. Quando 0p©rfeita 0 alada, voa para o alto 0 gov©rna o

mundo todo; mas quando p©rd©u as asas, ©transportada ©nquanto não s© agarra a algod© sólido,0, transferindo sua morada nisso, toma um cor-po terreno que, pela potência dela, parec©movar-s© por si. Denomina-se ser vivo o con-

 junto, ou seja, a alma e o corpo a ela ligado, erec©beu o sobrenome de mortal. O imortal nãopode ser argumentado ©m bas© ap©nas a dis-curso racional, mas, ©mbora s©m conhecê-lo ©s©m ©ntendê-lo adequadamente, nós no-lo re-presentamos como um deus, um ser vivo imor-tal, qu© t©m uma alma © um corpo

©ternamente conaturais. Mas estas coisas sejam

Procuremos, agora, compr©0nd©ra causada qu©da das asas, p©la qual ©Ias separam-s© da alma.

Uma causa é ©sta. A potência da almat©ndo por sua natureza a l©var para o alto as

coisas posadas, elevando-as até ond© habita a©stirp© dos deus©s; © a asa, ©m certo senti-do mais do qu© todas as coisas qu© se referemao corpo, participa do divino; © o divino é aquiloque é belo, sábio © bom © todas as outrascoisas dess© gênero. Por estos coisas as asasda alma são alimentadas © acrescidas em sumograu, enquanto pela fealdade, pela maldade ©por todos os contrários negativos elas des-gastam-se e arruínam-se.

Zeus, o grande soberano qu© ©stá nocéu, conduzindo o carro alodo avança emprimeiro lugar, ordenando todas as coisas ©cuidando delas. £ seguido por um exército de

deuses e demônios, ordenado em onze divisões:com efeito, Héstia permanece sozinha na casados deuses. .

Os outros deuses que, ©m número dedoze, foram designados como chefes, guiamcada um sua divisão na ordem segundo a qualforam escolhidos.

Muitos © bem-aventurados são, portanto,as visões © os percursos dentro do céu, que aestirpe dos deuses bem-aventurados realiza,cada um cumprindo a própria tarefa. Rcompa-nha os deuses quem sempre quer e tem a ca-pacidade de fazê-lo, uma vez que a inveja per-manece fora do coro divino.

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Quarta parte - Platão

Quando eles vão ao banquete para tomaralimento, procedem pela subida até a sumidade

do firmamento do céu. lá os veículos dos deuses,que são bem equilibrados e ágeis para guiar,procedem bem, enquanto os outros avançamcom dificuldade. Com efeito, o cavalo queparticipa do mal se torna pesado, tendendo paraa terra e oprimindo o auriga que não soube criá-lo bem.

2. O Hipcrurânio e as coisas que estão alémdo céu

Neste ponto apresentam-se à alma a fa-diga e a prova suprema.

Com efeito, quando as almas que são cha-madas de imortais chegam à sumidade do céu,

avançando de fora pousam sobre a abóbada docéu, e a rotação circular do céu as transportaassim pousadas, e elas contemplam as coisasque estão além do céu.

O Hiperurânio, ou lugar supraceleste, ne-nhum dos poetas de cá embaixo jamais o can-tou, nem jamais o cantará de modo digno, flcoisa está deste modo. Com efeito, é preciso terrealmente coragem de dizer o verdadeiro,especialmente quando se fala da verdade. Comefeito, o ser que realmente é, incolor e privadode figura e não visível, que pode sercontemplado apenas pelo guia da alma, ou seja,pelo intelecto, e ao redor do qual verte o gênerodo verdadeiro conhecimento, ocupa tal lugar.Pois bem, uma vez que a razão de um deus éalimentada por inteligência e por puroconhecimento, também a de toda alma à qual épremente conhecer o que lhe convém, vendodepois de certo tempo o ser, se alegra, 0,contemplando a verdade, nutre-se dela 0 goza,até que a rotação circular não a tenha levado denovo ao mesmo ponto.

No giro que ela realiza, vê a própria Justiça,vê a Temperança, vê a Ciência, nõo aquela àqual está ligado o devir, nem aquela que édiversa enquanto se funda sobre a diversidade

das coisas que chamamos seres [os seresfenomênicos], mas a que é ciência daquilo que éverdadeiramente ser.

€ depois que contemplou todos os outrosseres que verdadeiramente sõo e deles estásaciada, de novo penetra no céu, e volta à suamorada. €, voltando à morada, o auriga, recon-duzindo os cavalos à manjedoura, dá a elesambrosia, e depois dá-lhes néctar.

€ esta é a vida dos deuses.

3. fl "Planície da Verdade", meta supremaQuanto às outras almas, ao contrário, uma,

seguindo do melhor modo possível o deus ao

qual ela segue 0 tornando-se semelhante a ele,

levanta a cabeça do auriga para o lugar que estáfora do céu, é transportada na rotação circular,

0, perturbada pelos cavalos, a custo contemplaos seres; outra, ao contrário, ora levanta acabeça e ora a abaixa, e, uma vez que os cavalosfazem violência, vê alguns dos seres 0 não vêoutros. As outras aspiram todas a subir para oalto, procuram estar no seguimento; mas, nõoS0ndo capazes de fazê-lo, são transportadas eengolidas no rotação, chocando-se mutuamentee pisoteando-se, tentam passar uma na frent0da outra.

Surg0, portanto, um tumulto, uma luta 0uma 0xtr0ma fadiga, 0, polo inaptidão doauriga, muitas almas permanecem aleijadas, emuitas trazem despedaçadas muitas das suas

penas. Todas, depois, oprimidas pela grandefadiga, afastam-se sem ter fruído ocontemplação do ser, e, quando se afastam,nutrem-se do alimento da opinião.

A razão pela qual há tanto empenho parasaber onde está a Planície da Verdade é que oalimento adequado à parte melhor do almaprovém do prado que lá está, e o natureza dasasas com que a alma pode voar se alimentaexatamente dele.

4. Os destinos escatológicos das almas ea metempsicose

A lei de Adrastéia é esta: toda alma que,tornada seguidora de um deus, tiver contem-plado alguma das verdades, até o sucessivo■  

giro do céu permanece ilesa, e, se for capaz defazer isto sempre, permanecerá imune parasempre; se, ao contrário, não estando em graude seguir o deus, não viu, e se, por umadesventura que sofre, enchendo-se deesquecimento e maldade, se torno pesada, e,tornando-se pesada, perde as asas 0 cai porterra, então na primeira geração ela não setransplanta em nenhuma natureza animal; aocontrário, a que viu o maior número de seres setransplanta em um tipo de homem que deverá

se tornar filósofo, amigo do saber ou do belo, ouamigo das Musas ou desojoso de amor; a quevem em segundo lugar se transplanta em um reique respeita a lei ou é hábil na guerra e nocomando; a terceira em um político, ou em umeconomista ou ©m um financista; a quarta omum homem que ama as fadigas, ou em umginasta ou em alguém que se dedicará à curados corpos; a quinta terá vida de adivinho ou deum inicia- dor nos mistérios; à sexta convirá umpoeta ou algum outro daqueles que se ocupamda imitação; à sétima, um artesão ou umagricultor; à oitava, um sofista ou um demagogo;à nona, um tirano.

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Quarta parte - Platão

Gadamer, o maior bermeneuta do séc. XX.

V0l". Rfirmor isso significo justamente reviverPlatão. Cntão quero perguntar: como chegou oestQ conclusão? Por suo conta e depois a en-controu em Platõo, ou, vice-versa, foi justamentePlatão o mestre no redescoberta do belo?Pessoalmente, considero que seja uma das coi-sas mais tocantes do seu livro: recordar ao ho-mem de hoje o sentido metafísico do belo.

GftDfwten — Naturalmente o primeiro alu-são, ou o primeiro base sobre a qual desenvolviesta idéio do manifestação do bem no beleza,me veio do diálogo platônico do Filebo, onde, nofim, se encontra esta frase: "Nós que estávomos

em busca do Bem, no fim encontramos o Belo!"Refiie — Cxatamente.Grormcr — C esse é, naturalmente, tam-

bém o temo do meu primeiro livro de livredocência (publicado em Estudos platônicos).Portonto, parece-me que também nós não po-demos prescindir do Belo, se vamos em buscado Sem, e se nos colocamos perguntas sobreesse temo fundamental.

fleftie — Outra pergunta, mesmo que osenhor, implicitamente, tenho já respondido. Hádez anos, no encontro que tive com o senhor®m Liechtenstein, lhe perguntei se no final doFedro nõo encontrava uma antecipação do "cír

culo hermenêutico", onde Platão diz que o es-crito não é compreendido se o conteúdo não foi

apreendido por outra via (se não se tiver um pré-conhecimento). C ainda do parecer que isto sejauma vaga antecipação do “círculohermenêutico", do qual o senhor é mestre?

Grdrmcr — Creio que isto seja muito natu-ral. Naturalmente, minhas primeiras reflexõessobre o "círculo hermenêutico" foram desenvol-vidas a partir de Heidegger. Mas também entãoparecia-me mais ou menos evidente que noFedro há uma antecipação e uma aplicação do"círculo hermenêutico", em particular paradescrever a retórica. Uma boa formo de discursodeve pôr uma boa pergunta, deve encontrar o

 justo início, articular a correspondência das

partes entre si, e uma justa conclusão. Isto eraum princípio do cultura! Não se pode excluir aretórica em favor unicamente da dialética ou dalógica. Lembro-me de que um dos amigos quefreqüentava, e ao qual tinha dado um textosobre Platão, depois de ter lido o manuscrito, medisse: “retórica, retórica, retórica". C isso queriadizer que a retórica, para ele, era uma exposiçãonão necessária. C, ao contrário, tem uma funçãoimportantíssima, pois é o início da cultura!

O Fedro é o diálogo de Platõo de que maisgosto: é o diálogo em que, de modo perfeito,estão ligadas junto a dialética e o retórica, afilosofia e o eros, a amizade e a arte, com um

sopro religioso. Não se pode reduzir Platãoapenas à lógico ou apenas à dialética.

Rcflie — Cm uma página da sua obra, cha-mou-me a atenção um belíssimo apelo a apren-der através do sofrimento.

GRDRMCR — Rprender através da dor,aprender sofrendo...

Rcrlc — O senhor cito Csquilo como pontode referência (mos poderíamos chamar em cau-sa o próprio Platão, o qual, no final da Repúbli-ca, diz que, para uma justa escolho de umanova vida para as almas que renascem, édeterminante justamente o ensinamento que ador lhes deu na vida precedente). Como ahermenêutica chega a estas profundidadesmorais estupendas, que teriam muito a ensinarao homem de hoje? Cm que sentido, para osenhor, o sofrimento ajuda hermeneuticamente?

GRDRMCR — Sua pergunta é atualíssima. Cmuito verdadeiro que é preciso reencontrar osentido da dor e do sofrimento no educação dehoje. falta a resistência. C uma tentação e umaameaça de primeira ordem. Nos jovens esta faltaleva a buscar refúgio na droga. Também issoderiva da falta de uma resistência necessáriapara desenvolver a própria autodisciplinapessoal.

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Quarta parte - Platão

Iam. €stes têm muito sucesso no Itália, 0 nelesGadamer não fala com a voz, mas com o escrito!

GADAMSR  — Isto é mérito d0 Vattimo. Get0ve a corag0m de fazer uma tradução muitolivre d0 Verdade e Método, sem uma corres-pondência ©strita da língua, é o qu© p0ço atodo tradutor, fl tradução não deve ser um de-calque, porque deve ser legível na língua em qu0S0 traduz. O tradutor não deve ser umamáquina.

Renie — Qual mensag0m conclusiva gos-taria de deixar-nos, o partir de Platão?

GADAMCR  — Revitalizar 0 manter viva a cul-tura do diálogo, a cultura da conversação: pa-rece-me qu© esta é a grande mensagem dePlatão.

flntes da entrevista, enquanto nosdirigíamos de carro do hotel para a sede doCongresso, um colaborador meu perguntoua Gadamer por que vinha tantas vezes e detão bom grado à Itália. 6 Gadamer, comfiníssimo 0 dissimulada ironia socrática,respondeu: "Vindo à Itália, parece que estouentrando em um santuário!''. De fato,Gadamer mandovo uma precisa mensagema nós, italianos. Uma mensagem que mefazia lembrar, de modo tocante, asafirmações de algumas esplêndidos páginasdos grandes românticos alemães, nas suasviagens à Itália, e, em particular, certostraços do grande Goethe. éjustamente estado gran

de alemão do passado que a figuraespiritual de Gadamer encarna.

G. Reale, Entrevista com Gadamer."II Sole 24 Ore", 6 de outubro de 1996.

P.5.: Recordemos que os elementos dehermenêutica em Platõo estão presentessobretudo no Fedro 0  em particular noautotestemunho final citado no início destaparte antológica. Relembramos sobretudoas duas afirmações-cha- ve que antecipamo "círculo hermenêutico", do qual Gadamer0 mestre. Tal círculo hermenêutico consistenisto: para compreender um texto sõo ne-cessários pré-conhecimentos, pré-

 julgomentos, pré-compreensões. Fl mentelivre de qualquer idéia não está em grau de

receber nenhuma mensagem de nenhumescrito. Uma interpretação adequada de umescrito é a que, em graus sucessivos,procura tornor os pré-conhecimentossempre mais adequados poro acompreensão do texto. Platõo escreve: "Osescritos sõo meio de trazer á memória dequem  já sobe as coisas sobre as quais oescrito versa"; e ainda: "Os melhoresescritos nõo sõo mais que meios poroajudar a memória daqueles que já sabem".Platão naturalmente pretende dizer queaqueles que  já sabem apreenderam aquiloque está contido no escrito por outra via, ou

seja, através da oralidade dialética. Sem adimensão diológico-dialética, não se acede

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ARISTÓTELES® A primeira sistematização ocidental do saber

“Não se deve dar ouvidosque es que aconse am aoomem, por ser morta , que

se m te a pensar co sasumanas e morta s; ao

contr r o, por m, me ao poss ve , prec samos nos

Aristóteles

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Capítulo sétimo

Aristóteles e o Perípato

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Quinta parte - yVistó+eles

Aristóteles representado em uma antigaincisão. Da sua produção chegaram aténós os escritos “esotéricos ", isto é,destinados ao ensino dentro da Escola,

que têm fisionomia pouco sistemática.Os “exotéricos",

compostos em forma dialógica,foram quase completamente perdidos:boje eles despertam o interesse dos

da problemática filosófica e de algunsramos das ciências naturais.Recordemos, em primeiro lugar, asobras mais propriamente filosóficas. Noseu ordenamento atual, o Corpus

 Aristotelicum abre-se com o Organon,t ítulo com o qual, mais tarde, foidesignado o conjunto dos tratados de

lógica, que são: Categorias, Deinterpretatione, Analíticos pri-meiros, Analíticos segundos, Tópicose Refutações sofísticas. Seguem-se asobras de filosofia natural, isto é, aFísica, o Céu, A geração e acorrupção e a Meteorologia. Ligadas aelas, encontram-se as obras de psi-cologia, constituídas do tratado Sobrea alma e por um grupo de opúsculosreunidos sob o título de Parvanaturalia. A obra mais famosaconstitui-se dos catorze livros da Meta-física. Vêm depois os tratados de

naturais, podemos recordar aimponente História dos animais, Aspartes dos animais, O movimentodos animais e A geração dos

ài■  A questão da evolução

dos escritos e da reconstrução dopensamento de ^Aristóteles

Até o início do séc. XX as obras deAristóteles eram lidas de modosistemático-uni- tário. Mas, a partir dadécada de 1920, esse método passou aser contestado, sendo julgado anti-histórico. Tentou-se então substituí- lopelo método histórico-genético,voltado para a reconstrução daparábola evolutiva do filósofo, lendosuas obras em função dela. Werner

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Capítulo sétimo - .Aristóteles e o Perípato

II. A metafísica

• Aristóteles dividiu as ciências em três ramos:1)as ciências teoréticas, que procuram o saber pelo saber e que consistem

na metafísica, na física (em que é incorporada também a psicologia) e namatemática;

2) as ciências práticas, que usam o saber com a finalidadeda perfeição moral: a ética e a política;  A divisão

3)as ciências poiéticas, isto é, que tendem à produção de das ciências

determinadas coisas. 5 1

•A metafísica é a principal das ciências teoréticas, as quais, por sua vez, sãoas ciências mais elevadas. À metafísica, portanto, toca uma espécie de primado

absoluto. Aristóteles dá quatro definições dela:1) ela indaga as causas ou os princípios supremos (e neste Definição

sentido se pode chamar de etiologia); dametafísica

2) indaga o ser enquanto ser (e portanto pode chamar-se -> § 1de ontologia);

3) indaga a substância (e por isso pode chamar-se ousiologia, uma vez queem grego substância se diz ousia);

4) indaga Deus e a substância supra-sensível (e portanto Aristóteles a chamaexpressamente de teologia).

•Quanto ao que se refere à pesquisa das causas e dos princípios primeiros, oEstagirita formulou a teoria, que se tornou célebre, das quatro causas:

1) a causa formal (a que confere a forma, e portanto anatureza e a essência de cada realidade singular);  As quatro causas

2) a causa material (ou seja, o "aquilo de que" é compos- -> § 2ta toda realidade sensível);

3) a causa eficiente (aquilo que produz geração, movimento ou transfor-mação);

4) a causa final (ou seja, o escopo, o "aquilo a que" toda coisa tende).

• Na pesquisa em torno do ser Aristóteles retoma a temática debatida pelosEleáticos e a resolve, refutando a tese da univocidade do ser (ou seja, a tese deque existe um só tipo de ser em sentido absoluto, que se opõe ao não-ser em

em vários níveis, que se reduzem aos quatro seguintes: e os quatroa) o ser   em si (segundo a substância e as categorias);

significados

b) o ser como ato e potência; do ser c)o ser como acidente; ->5-3

  —As categorias (que são 1 0: substância, qualidade, quantidade, relação,ação, paixão, onde, quando, ter, jazer) constituem os gêneros supremos do ser.Isto significa que aquilo que é chamado de ser ou é substância, ou é qualidade, ououtra categoria.

— Potência e ato são dois significados não definíveis em abstrato, mas "de-monstráveis" por meio de exemplos ou de uma experiência direta. Por exemplo,vidente é aquele que neste momento vê (vidente em ato), mas também aqueleque tem olhos sãos, mas neste momento os fechou, e não está vendo: este é vi-dente porque pode ver, e neste sentido é em potência.

— O ser acidental é aquele que se apresenta de modo casual e fortuito, eque, portanto, não é nem sempre nem no mais das vezes, mas apenas às vezes.

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Quinta parte - A^s+ó+el es

B E S S A R I O N I S C A R D 1N A L I S N J C E N I . E T p A T R I A R C H A f c

C O N S T A N T I N O P O L I X A N 1 M E T A P H Y S I C O R V M A R I

S T O T E L I S X I I J 1 L I U R O - R V M T R A L A I I O .

Vrontispício interno da Metafísica deAristóteles, na tradução latina do cardealBessarione (Edição Aldina de 1516).

sensível ou também um ser supra-

sensível e divino (ser teológico). Damesma forma, a questão “o que é asubstância” implica também a questão“que tipos de substâncias existem”, sesó as sensíveis ou também as su- pra-sensíveis e divinas (o que é umproblema teológico).

Com base nisso, pode-secompreender muito bem que Aristótelestenha usado precisamente o termo“teologia” para indicar a metafísica,porque estruturalmente as outras trêsdimensões levam ã dimensão teológica.

Mas “para que serve” essametafísica?— pode alguém perguntar. Propor-seessa pergunta significa colocar-se deum ponto de vista antitético ao deAristóteles. Como diz ele, a metafísica éa ciência mais elevada precisamenteporque não está ligada às necessidadesmateriais. A metafísica não é umaciência voltada para objetivos práticosou empíricos. As ciências que têm taisobjetivos submetem-se a eles: nãovalem em si e por si mesmas, massomente à medida que efetivam os

objetivos. Já a metafísica é ciência que

tuais, ou seja, àquela necessidade quenasce quando as necessidades físicas

estão satisfeitas: a pura necessidade desaber e conhecer o verdadeiro, anecessidade radical de responder aos“porquês”, especialmente ao “porquêúltimo”.

E por isso que Aristóteles escreve:“Todas as outras ciências podem sermais necessárias ao homem, mas

4Ír causas

Examinadas e esclarecidas asdefinições de metafísica do ponto devista formal, passemos agora aexaminar seu conteúdo.

Como dissemos, Aristótelesapresenta a metafísica, em primeirolugar, como “busca das causasprimeiras”. Assim, devemos estabelecerquais e quantas são essas “causas”.Aristóteles esclareceu que as causasnecessariamente devem ser finitasquanto ao número e estabeleceu que,no que se refere ao mundo do devir,reduzem-se às seguintes quatro (a seuver, já entrevistas, mesmo queconfusamente, por seus antecessores):

1) causa formal;2) causa material;3) causa eficiente;4) causa final.As duas primeiras nada mais são

que a forma ou essência e a matéria,que constituem todas as coisas, e dasquais deveremos falar amplamentemais adiante. (Recordemos que, paraAristóteles, “causa” e “princípio” sig-nificam “condição” e “fundamento”.)

Vejamos agora: matéria e forma sãosuficientes para explicar a realidade, sea considerarmos estaticamente; noentanto, se a considerarmosdinamicamente, isto é, no seu devir, noseu produzir-se e no seu corromper-se,então já não bastam. Com efeito, éevidente que, por exemplo, seconsiderarmos determinado homemestaticamente, ele se reduz a nadamais que sua matéria (carne e osso) esua forma (alma). Mas, se oconsiderarmos dinamicamente,perguntando-nos “como nasceu”,“quem o gerou” e “por que se desen-

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Capítulo sétimo - Aristóteles e o Perípato

è ° s w e sews significados

A segunda definição de metafísica,como vimos, é dada por Aristóteles emchave ontológica: “há uma ciência queconsidera o ser enquanto ser e aspropriedades que lhe cabem enquantotal. Ela não se identifica com nenhumadas ciências particulares: com efeito,nenhuma das outras ciências considerao ser enquanto ser universal; comefeito, depois de delimitar uma partedele, cada uma estuda ascaracterísticas dessa parte.” Assim, a

metafísica considera o ser como“inteiro”, ao passo que as ciênciasparticulares consideram somente partesdele. A metafísica pretende chegar às“causas primeiras do ser enquanto ser”,ou seja, ao porquê que explica arealidade em sua totalidade;  já asciências particulares se detêm nas cau-sas particulares, nas partes específicasda realidade.

Mas o que é o ser? Parmênides eos Eleáticos o entendiam como“unívoco”. E a univocidade comporta

também a “unici- dade”. Platão járealizara grande progresso ao introduziro conceito de “não-ser” como “diverso”,o que permitia justificar a multiplicidadedos seres inteligíveis. Mas Platão aindanão tivera a coragem de colocar na es-fera do ser também o mundo sensível,que preferiu denominar “intermediário”(metaxy ) entre ser e não-ser (porqueestá em devir). Ora, Aristóteles introduzsua grande reforma, que implica nasuperação total da ontologia eleática; oser não tem apenas um, mas múltiplossignificados. Tudo aquilo que não é

puro nada encontra-se a pleno título naesfera do ser, seja uma realidadesensível, seja uma realidade inteligível.Mas a multiplicidade e variedade designificados do ser não comportam pura“homonímia”, porque cada um e todosos significados do ser implicam “umareferência comum a uma unidade”, ouseja, uma “referência à estruturalsubstância”. Portanto, o ser ésubstância, alteração da substância ouatividade da substância ou, de qualquermodo, algo-que- reporta-à-substância.

 Todavia, Aristóteles tambémprocurou redigir um quadro que

4) o ser como verdadeiro (e onão-ser como falso).

1) As categorias representam ogrupo principal dos significados do sere constituem as originárias “divisões doser” ou, como também diz Aristóteles,os supremos “gêneros do ser”. Eis oquadro das categorias:

1. substância ou essência;2. qualidade;3. quantidade;4. relação;5. ação ou agir;6. paixão ou sofrer;7. onde ou lugar;8. quando ou tempo;(9) . ter;(10) . jazer.

Pusemos as últimas duas entreparênteses porque Aristóteles falapouquíssimas vezes delas (talvez tenhaquerido alcançar o número dez emhomenagem à década pitagórica; mas,o mais das vezes, faz referência a oitocategorias). Deve-se destacar que,embora se trate de significadosoriginários, somente a primeiracategoria tem subsistência autônoma,enquanto todas as outras pressupõem a

primeira e baseiam-se no ser daprimeira (a “qualidade” e a“quantidade” são sempre de umasubstância, as “relações” são relaçõesentre substâncias e assim por diante).

2) Também o segundo grupo designificados, ou seja, o do ato e da

 potência, é muito importante. Comefeito, eles são originários e, portanto,não podem ser definidos em referênciaa outra coisa, mas apenas em relaçãomútua um com o outro e ilustrados comexemplos. Há grande diferença entre o

cego e quem tem olhos sadios, mas osmantém fechados: o primeiro não é “vi-dente”; o segundo é, mas “empotência” e não “em ato”, pois sóquando abre os olhos é vidente “emato”. Do mesmo modo, dizemos que aplantinha de trigo “é” trigo “empotência”, ao passo que a espigamadura “é” trigo “em ato”. Veremoscomo essa distinção desempenha papelessencial no sistema aristotélico,resolvendo várias aporias em diversosâmbitos. A potência e o ato (e esta éuma observação que se deve ter sem-

pre em conta) se dão em todas as

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Quinta parte - Aristóteles

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II

bretudo os primeiros dois grupos designificados. Mas, como todos ossignificados do ser giram em torno do

significado central da substância, comovimos, é a metafísica que se deveocupar sobretudo da substância: “Emverdade, aquilo que, desde os temposantigos, como agora e sempre, consti-tui o eterno objeto de busca ou oeterno problema, ‘o que é o ser?’,eqüivale a indagar ‘o que é asubstância?’ (...); por isso, também nós,principalmente, fundamental eunicamente, por assim dizer, devemos

 A problemática a respeito da

substância

Com base no que foi dito, pode-semuito bem compreender por queAristóteles também define a metafísicasimplesmente como “teoria dasubstância”. E compreende-se tambémo motivo pelo qual a problemática dasubstância revela-se a mais complexa eespinhosa, precisamente pelo fato deser a substância o eixo em torno do

As Categorias dc Aristótelesem um códice do séc. IX(Milão, Biblioteca

ligado a ele por nenhum vínculoessencial (por exemplo, é puro“acontecer” que eu esteja sentado,pálido etc., em dado momento).Portanto, é um tipo de ser que “não é

sempre nem o mais das vezes”, massomente “às vezes”, casualmente.4) O ser como verdadeiro é

aquele tipo de ser próprio da mentehumana que pensa as coisas e sabeconjugá-las como elas estão conjugadasna realidade, ou separá-las como estãoseparadas na realidade. O ser, ou me-lhor, o não-ser como falso, é quando amente conjuga aquilo que não estáconjugado ou separa aquilo que nãoestá separado na realidade.

Este último tipo de ser estuda-sena lógica. Do terceiro não existe

# Acidente. O termo tornou-setécnico com Aristóteles, que odefiniu como aquilo que a umacoisa acontece de ser "nãosempre nem no mais das vezes",ou seja, não estavelmente e,portanto, uma característica quenão faz parte da essência dacoisa. O ser acidental é,

portanto, fortuito e casual.Conseqüentemente, acidenteindica o significado mais fraco doser, vizinho ao não ser {propenihil, dirão os medievais). Ascausas do acidente não sãocognos- cíveis, enquanto sãocognoscíveis somente as causasdaquilo que existe sempre ou nomais das vezes, ou seja,determináveis e necessárias(enquanto as causas do acidentesão indeter- mináveis, enquanto

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Cãpítulo sétimo - y\i'isl611' Ic' s i1 o Pertpa+o

Aristóteles considera que osprincipais problemas relativos àsubstância são dois:

1) Quais substâncias existem?Existem apenas substâncias sensíveis(como sustentam alguns filósofos), outambém substâncias supra-sensíveis(como sustentam outros filósofos)?

2) O que é a substância emgeral , ou seja, o que se deve entenderquando se fala de substância em geral?

Em última análise, a questão a quese deve responder é a primeira;entretanto, é preciso começarrespondendo ã segunda questão porque“todos admitem que algumas das coisas

sensíveis são substâncias” e porque émetodologicamente oportuno “começarpor aquilo que  para nós é maisevidente” (e que, portanto, todosadmitem) para, depois, seguir rumoàquilo que para nós, homens, é menosevidente (mesmo que em si e por si,ou seja, por sua natureza, seja maiscognos- cível).

O que é, então, a substância emgeral?

1)Os Naturalistas apontam oselementos materiais como princípiosubstancial.

2)Os Platônicos indicam a formacomo princípio substancial.

3)Para os homens comuns, noentanto, a substância pareceria ser oindivíduo e a coisa concreta, feitos aum só tempo de forma e matéria.

Quem tem razão? SegundoAristóteles, ao mesmo tempo, todos eninguém têm razão, no sentido de que,tomadas singularmente, essasrespostas são parciais, ou seja,unilaterais; em seu conjunto, porém,nos dão a verdade.

1) A matéria (byle) é,indubitavelmente, um princípioconstitutivo das realidades sensíveis,porque funciona como “substrato” daforma (a madeira é substrato da formado móvel, a argila da taça etc.). Seeliminássemos a matéria, eliminaríamostodas as coisas sensíveis. Em si, porém,a matéria é  potencialidadeindeterminada, podendo tornar-sealgo de determinado somente se re-ceber a determinação por meio de umaforma. Assim, só impropriamente amatéria é substância.

2)Já a forma, enquanto princípio

ta, porém, da forma como a entendiaPlatão (a forma hiperurânicatranscendente), mas de uma forma queé como um constitutivo intrínseco daprópria coisa (é forma-na- matéria).

3) Mas o composto de matéria eforma, que Aristóteles chama “sinolo”(que significa precisamente o conjuntoou o todo constituído de matéria eforma), também é de fato substância,porque reúne a “substan- cialidade”tanto do princípio material quanto doformal.

Sendo assim, alguns acreditarampoder concluir que “substânciaprimeira” é precisamente o “sinolo” e o

indivíduo, e que a forma é “substânciasegunda”. Essas afirmações, porém,que podem ser lidas na obraCategorias, são contrariadas pelaMetafísica, onde se lê expressamente:“Chamo de forma a essência de cadacoisa e a substância primeira. ”

De resto, o fato de que, em certostextos, Aristóteles parece considerar oindivíduo e o “sinolo” concreto comosubstância por excelência, ao passoque em outros textos parece considerara forma como substância porexcelência, constitui apenas apa-rentemente uma contradição. Comefeito, conforme o ponto de vista apartir do qual nos colocamos, devemosresponder do primeiro ou do segundomodo. Do ponto de vista empírico e deconstatação, é claro que o sinolo ou oindivíduo concreto parece sersubstância por excelência. O mesmo jánão acontece, porém, do ponto de vistaestritamente teorético e metafísico:com efeito, a forma é princípio, causa erazão de ser, ou seja, fundamento. Emrelação a ela, ao invés, o sinolo é

principiado, causado e fundado. Ora,nesse sentido, a forma é substância porexcelência e no mais alto grau. Emresumo, quoad nos (para nós), o con-creto é substância por excelência; emsi e por natureza, a forma é ao invéssubstância por excelência. Por outrolado, se o sinolo exaurisse o conceitode substância enquanto tal, nada quenão fosse “sinolo” seria pensável comosubstância e, desse modo, tanto Deuscomo o imaterial e o supra-sen- sívelem geral não poderiam ser substânciae, conseqüentemente, a questão de suaexistência estaria prejudicada desde o

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Quinta parte - Aristóteles

apietot EA U T E T A ' n P O U H ’ M A T A M £ T A - I Q N r O y ~

A A k H - A t f O i l L n P O J ) A H ' M A T O N , K A l '

 J A ' M H X A N I K A ' K A r T H ' N M £ T A '

 T A1

< t > Y £ I K A - P P A r M A T E I A N l u t i i ' X f l N I O ' H O l i i i i .

ARISTOTEL U r r t ü B L E M A T A C V M A L E X . A F H R U .

 j u l b . P R U U . E T M £ C H A N I C A j U M t 1 A r

H T S I C I S D i ^ u t l l N A M L U W -  T I N Í N S T O M V S I I I I .

V E N E T I I S , M D I I I .

Vrontispício da edição veneziana(1552) das obras de Aristóteles.

sentido (impróprio) é matéria, emsegundo sentido (mais próprio) é“sinolo” e em terceiro sentido (e porexcelência) é forma; o ser, portanto, é amatéria; em grau mais elevado, o ser éo sinolo; e, no sentido mais forte, o seré a forma. Desse modo, pode-secompreender por que Aristóteleschegou a chamar a forma até mesmo de“causa primeira do ser” (precisamente

“ ”

5 7A substancia, o ato,iw

a potência

As doutrinas expostas devem aindaser integradas com algumasexplicitações relativas à potência e aoato referidos à substância. A matéria é“potência”, isto é, “potencialidade”, nosentido de que é capacidade de assumirou receber a forma: o bronze é potência

dade de receber e de assumir a formada estátua; a madeira é potência dosvários objetos que se podem fazer coma madeira, porque é capacidadeconcreta de assumir as formas dessesvários objetos. Já a forma se configuracomo “ato” ou “atuação” daquelacapacidade. O composto ou sinolo dematéria e forma, se considerado comotal, será predominantemente ato;considerado em sua forma, será semdúvida ato ou “en- teléquia”;considerado em sua materialidade, serámisto de potência e ato. Todas ascoisas que têm matéria, portanto, comotais sempre possuem maior ou menor

potencialidade. No entanto, comoveremos, se forem seres imateriais, istoé, formas puras, serão atos puros,privados de potencialidade.

Como já acenamos, o ato tambémé chamado por Aristóteles de“enteléquia”, que significa realização,perfeição em atuação ou atualizada.Portanto, enquanto essência e forma docorpo, a alma é ato e enteléquia docorpo (como veremos melhor maisadiante). E, em geral, todas as formasdas substâncias sensíveis são ato eenteléquia. Deus, como veremos, éenteléquia pura (assim como tambémas outras Inteligências motrizes dasesferas celestes).

Diz ainda Aristóteles que o ato temabsoluta “prioridade” e superioridadesobre a potência. Com efeito, só sepode conhecer a potência como talreferindo-a ao ato de que é potência.Além disso, o ato (que é forma) écondição, norma, fim e objetivo dapotencialidade (a realização da

Para completar o conhecimento doedifício metafísico aristotélico restaainda examinar o procedimento atravésdo qual Aristóteles demonstra aexistência da substância supra-sensível.

As substâncias são as realidadesprimeiras, no sentido de que todos osoutros modos dependem da substância,como vimos amplamente. Assim, setodas as substâncias fossem

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Cãpítulo Sétimo - .Aristóteles e o "Perípato

aquilo que está em movimento émovido por outro; e se esse outro, por

seu turno, também está em movimento,0 Ato (= enérgheia, entelécheia).E um termo originário que não pode jser definido, mas apenas intuído e $ilustrado por meio de exemplos. Para j Aristóteles é o ser na sua realizaçãoI completa e na sua perfeição.

IO ato é oposto à potência, que é o f ser na sua capacidade dedesenvolver- i se (por exemplo, aplanta é o ato da se- | mente,enquanto a semente é a planta empotência).

Os dois conceitos, tomados juntos no seu nexo estrutural,explicam o movimento em todasas suas formas.Para Aristóteles potência e atonão são eqüipolentes do ponto devista onto- lógico, ou seja, nograu de ser, mas o ato goza deprioridade em relação à potência,da qual constitui a condição, o

Aristóteles, o tempo e o movimento são

certamente incorruptíveis. O tempo nãofoi gerado nem se corromperá: comefeito, antes da geração do tempo,deveria ter havido um “antes”, e depoisda destruição do tempo deveria haverum “depois”. Ora, “antes” e “depois”outra coisa não são do que tempo. Emoutras palavras: o tempo é eterno. Omesmo raciocínio vale também para omovimento, porque, segundoAristóteles, o tempo outra coisa não édo que uma determinação domovimento. Sendo assim, a eternidade

do primeiro postula a eternidadetambém do segundo.Mas a que condição pode subsistir

um movimento (e um tempo) eterno?Com base nos pr incípios por eleestabelecidos estudando as condiçõesdo movimento na Física, o Estagiritaresponde: apenas se subsistir umPrincípio primeiro que seja causa dele.

E como deve ser este Princípio paraser causa desse movimento eterno?

a) Em primeiro lugar, dizAristóteles, o Princípio deve ser eterno:se o movimento é eterno, eterna deve

ser sua causa.b Em se undo lu ar o Princí io

tro ainda. Por exemplo: uma pedra émovida por um bastão; o bastão, porseu turno, move-se impelido pela mão;a mão é movida pelo homem. Em suma,para explicar cada movimento, épreciso referir-se a um Princípio que,em si, não seja movido, pelo menos emrelação àquilo que move. Com efeito,seria absurdo pensar que se pode re-montar ao infinito, de motor em motor,porque seria impensável nesses casosum processo ao infinito. Ora, sendoassim, não apenas deve haver

princípios ou motores relativamenteimóveis, dos quais derivam osmovimentos singulares, mas também,com tanto mais razão, deve haver umPrincípio absolutamente primeiro eabsolutamente imóvel, do qual derivao movimento de todo o universo.

c)Em terceiro lugar, esse Princípiodeve ser inteiramente  privado de

 potencialidade, isto é, ato puro. Comefeito, se possuísse potencialidade,poderia também não mover em ato;mas isso é absolutamente absurdo,

porque, nesse caso, não haveria ummovimento eterno dos céus, isto é, ummovimento sempre em ato.

Esse é o “Motor Imóvel”, que outracoisa não é do que a substância supra-sen- sível que buscávamos.

Mas de que modo o Primeiro Motorpode mover permanecendoabsolutamente imóvel? No âmbito dascoisas que nós conhecemos existiráalgo que saiba mover sem ele própriose mover? Aristóteles respondeapresentando como exemplos de coisasassim “o objeto do desejo e da

inteligência”. O objeto do desejo éaquilo que é belo e bom: o belo e o bomatraem a vontade do homem sem dealgum modo se moverem; da mesmaforma, o inteligível move a inteligênciasem se mover. Analogamente, o Pri-meiro Motor “move como o objeto deamor atrai o amante” e, como tal,permanece absolutamente imóvel.Evidentemente, a causalidade doPrimeiro Motor não é causalidade dotipo “eficiente” (do tipo exercido pelamão que move um corpo, pelo escultor

que modela o mármore ou pelo pai quegera o filho), sendo, mais propriamente,

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Quinta parte - Aristóteles

fosse, contradir ia o teorema daprioridade do ato sobre a potência: ou

seja, primeiro haveria o caos, que épotência, para depois haver o mundo,que é ato. Mas isso é tanto mais absurdoquando se sabe que, sendo eterno, Deussempre atraiu o universo como objeto deamor; portanto, o universo deve ter sido

Problemas a respeito da

substância supra-

sensível

tSM y\)atuda subsfcmcia swp^a-sensíveJ

Esse Princípio do qual “dependemo céu e a natureza” é Vida. Mas quevida? Aquela que é mais excelente eperfeita de todas, aquela vida que sónos é possível por breve tempo: a vidado pensamento puro, a vida daatividade contemplativa. Eis apassagem estupenda em que Aristótelesdescreve a natureza do Motor Imóvel:

“De tal princípio, portanto, dependem océu e a natureza. E o seu modo de viveré o mais excelente: é aquele modo deviver que só nos é concedido por brevetempo. E Ele está sempre nesse estado.Para nós, isso é impossível, mas paraEle não é impossível, porque o ato doseu viver é prazer. Também para nóssão sumamente agradáveis a vigília, asensação e o conhecimento, pre-cisamente porque são ato e, em virtudedisso, também esperanças erecordações. (...) Assim, se nessa feliz

condição em que por vezes nosencontramos Deus se encontraperenemente, isso é maravilhoso; se Elese encontra em uma condição superior,é ainda mais maravilhoso. E Eleefetivamente se encontra nessacondição. Ele também é Vida, porque aatividade da inteligência é vida e Ele éprecisamente essa atividade. E suaatividade, que subsiste por si mesma, évida ótima e eterna. Com efeito,dizemos que Deus é vivente, eterno eótimo, de modo que a Deus pertence

uma vida perenemente contínua eeterna: isso, portanto, é Deus.”

pensa a si mesmo, é atividadecontemplativa de si mesmo: “é

pensamento de pensamento”.Deus, portanto, é eterno, imóvel,ato puro, privado de potencialidade ede matéria, vida espiritual epensamento de pensamento. Sendoassim, obviamente, “não pode ternenhuma grandeza”, devendo ser “sempartes e indivisível”. E também deveser “impassível e inalterável”.

mm O ]\Ao^or JmóveI e as cmqüenfa

e c.\v\c.o Z7ntelÍ0êK\cias a âe

kierarcjuicame^+e subordinadas

Essa substância é única ou haveráoutras, afins a ela? Aristóteles nãoacreditava que, por si só, o MotorImóvel bastasse para explicar omovimento de todas as esferas de queele pensava que o céu fosseconstituído. Uma só esfera move asestrelas fixas, que, de fato, têm ummovimento regularíssimo. Mas, entreelas e a terra, existem outras 55esferas, que se movem commovimentos diferentes, os quais,combinando-se de vários modos,

deveriam explicar os movimentos dosastros. Essas esferas são movidas porInteligências análogas ao Motor Imóvel,mas inferiores a Ele; aliás, uma sendoinferior à outra, assim como sãohierarquicamente inferiores umas àsoutras as esferas que se encontramentre a esfera das estrelas fixas e aterra.

Será essa uma forma depoliteísmo?

Para Aristóteles, assim como paraPlatão e, geralmente, para os gregos, o

Divino designa ampla esfera, na qual,por razões diversas, têm lugar múltiplase diferentes realidades. Já para osNaturalistas o Divino incluíaestruturalmente muitos entes. E omesmo vale para Platão.Analogamente, para Aristóteles, oMotor Imóvel é divino, como tambémsão divinas as substâncias supra-sensíveis e imóveis motrizes dos céus,e também é divina a alma intelectivados homens; divino é tudo aquilo que éeterno e incorruptível.

Estabelecida essa premissa,

devemos dizer que é inegável certa

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Quinta parte - .Aristóteles

do mundo por parte de Deus e dosmovimentos celestes produzidos por

essa atração, mas não são“pensamentos de Deus”. Passariam

se conseguisse sintetizar a instânciaplatônica com a aristotélica, fazendo do

mundo das formas o “cosmo noético”presente no pensamento de Deus.

Particular de “A Escola deAtenas", de Raffaello. Platão, coma mão levantada e o indicadorapontado para o céu, indica adescoberta da transcendência.Aristóteles, com a mão apontadapara o mundo, indica anecessidade de “salvar osfenômenos Notemos como eleolha Platão justamente ao indicara sua instância de fundo.

Os fenômenos sensíveis se“salvam ” apenas secompreendermoso metassensível.Cada um dos dois filósofos temna mão uma de suas obras maissignificativas:Platão, o Timeu;

 Aristóteles, a Ética a Nicômaco.

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Quinta parte - y\ris+óteles

III. y\ física

e a mafematica

• Diferentemente de Platão, que atribuía escassa cognoscibilidade à realida-de em movimento, Aristóteles estudou de maneira sistemática sua natureza na

Física, enfrentando com decisão e resolvendo a aporiaeleática: A solução o movimento não implica, como queria Parmênides, uma pas-da sagem do ser ao não-ser (e, portanto, não implica um absurdoaporia eleática que comporta sua negação), mas implica passagem de uma for- § 1-

2 ma de ser para outra forma de ser, e justamente do ser empotência ao ser em ato.

O movimento acontece segundo quatro categorias: conforme a substância

toma o nome de geração e corrupção; conforme a qualidade toma o nome dealteração; conforme a quantidade toma o nome de aumento/diminuição; e, final-mente, conforme o lugar se chama translação.

• Em relação ao movimento Aristóteles apresentou também uma teoria dolugar e uma teoria do tempo. Quanto ao lugar, o Estagirita admitiu a existência de"lugares naturais" aos quais cada elemento espontaneamente tende (porexemplo, o fogo tende naturalmen-o lugar, o tempo  te para 0 a|to). Definiu o tempo "o número do movimento e o infinito

conforme o antes e o depois".à Na Física Aristóteles trata também do infinito, negando

que ele possa existir em ato, enquanto é impensável a exis-tência de um corpo infinito. O infinito existe apenas em potência: é a possibilidade

de incrementar quanto se quiser, do ponto de vista conceitual, determinadarealidade sem jamais chegar ao limite extremo. Um exemplo de tal infinito são osnúmeros, que podem aumentar sem limites, e o espaço que se pode dividir emgrandezas, as quais, por mais que sejam pequenas, sempre são ulteriormentedivisíveis.

• O movimento é uma característica da realidade sensível e, portanto, estáestreitamente ligado à matéria da qual as realidades sensíveis são constituídas.

Certas realidades sensíveis — as da nossa terra, ou, como diz Q

. ç. Aristóteles, do mundo "sublunar" — estão sujeitas a toda for- e er  ma demovimento, ou seja, a geração e corrupção, a alteração,

a aumento e diminuição e movimento local, enquanto outras

— as celestes, "supralunares" — se movem apenas segundo o lugar e em sentidocircular. Isso depende do fato de que a matéria de que são constituídas as realida-des terrestres e as celestes é diversa: os corpos terrestres são constituídos dequatro elementos (ar, água, terra e fogo), enquanto os corpos celestes são feitosde um quinto elemento, o éter, suscetível apenas de movimento local circular.

• Enquanto Platão entendia os entes matemáticos como subsistentes em si epor si, ou seja, como realidades substanciais separadas, Aristóteles os considerou

como características das realidades sensíveis, separáveis coma , . mente. Os números e as figuras geométricas, portanto, existi

 A matemática  r jam em potência nas coisas (e portanto têm realidade pró- 5 pria),mas em ato subsistem apenas em nossa mente, por meio

da operação da separação-abstração.

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Capítulo sétimo - yVistóifl es e o "Perípato

gjfa íSamcterísticasda -pisica aHs+o+élica

Para Aristóteles, a segunda ciênciateo- rética é a f ísica ou “fi losofiasegunda”, que tem por objeto deinvestigação a substância sensível (queé segunda em relação à substânciasupra-sensível, que é “primeira”), in-trinsecamente caracterizada pelomovimento, assim como a metafísicatinha por objeto a substância imóvel. Naverdade, o leitor moderno pode serinduzido a engano pela palavra “física”.Para nós, com efeito, a física se

identifica com a ciência da naturezaentendida no sentido de Galileu, ouseja, entendida quantitativamente. ParaAristóteles, porém, a física é a ciênciadas formas e das essências; comparadacom a física moderna, a de Aristóteles,mais que ciência, revela-se umaontologia ou metafísica do sensível.

Assim, não deve ser motivo desurpresa o fato de, nos livros da Física,se encontrar abundantes consideraçõesde caráter metafísico, já que os âmbitosdas duas ciências são estruturalmenteintercomunicantes: o supra-sensível écausa e razão do sensível e no supra-sensível termina tanto a investigaçãometafísica quanto a própria investi-gação física (embora em sentidodiverso). Ademais, o método de estudo

~Ceoria do movimento

Se a física é a teoria da substânciaem movimento, é evidente que a

explicação do “movimento” constituisua parte principal. Já sabemos como o movimento

tornou- se problema filosófico, depoisde ter sido negado pelos Eleáticos comoaparência ilusória. E também sabemosque os Pluralistas já o haviamrecuperado e justificado em parte.Entretanto, ninguém, nem mesmoPlatão, soube estabelecer quais eram asua essência e o seu estatutoontológico.

Os Eleáticos negaram o devir e omovimento porque, com base em suas

teses de fundo, eles pressuporiam a

Sabemos (pela metafísica) que oser tem muitos significados e que um

grupo desses significados é dado peladupla “ser como potência” e “ser comoato”. Em relação ao ser-em-ato, o ser-em-potência pode considerar-se não-ser, mais precisamente, não-ser-em-ato. Está claro que se trata de um não-ser relativo, já que a potência é real,porque é capacidade real  e

 possibilidade efetiva de chegar aoato. Ora, o movimento ou a mutaçãoem geral é precisamente a passagemdo ser em potência para o ser em ato (omovimento é “o ato ou a transformaçãoem ato daquilo que é potência en-

quanto tal”, diz Aristóteles). Portanto, omovimento não pressupõe em absolutoo não-ser como nada, mas sim o não-ser como potência, que é uma forma deser e, portanto, se desenvolve noâmbito do ser, sendo passagem de ser(potencial) para ser (atuado).

Mas Aristóteles aprofundou aindamais a questão do movimento,conseguindo estabelecer quais sãotodas as possíveis formas demovimento e qual a sua estruturaontológica.

Mais uma vez, remontemos àdistinção originária dos diversossignificados do ser. Como vimos,potência e ato dizem respeito às váriascategorias e não só à pr imeira.Conseqüentemente, também omovimento, que é passagem dapotência para o ato, diz respeito àsvárias categorias. Sendo assim, épossível deduzir do quadro das cate-gorias as várias formas de mutação. Emespecial, devemos considerar ascategorias:

1) da substância; a mutação

segundo a substância é “a geração e acorrupção”;

2) da qualidade; a mutaçãosegundo a qualidade é “a alteração”;

3) da quantidade; a mutaçãosegundo a quantidade é “o aumento e adiminuição”;

4) do lugar; a mutação segundo olugar é “a translação”.

“Mutação” é termo genérico, quecabe bem para todas essas quatroformas; já “movimento” é termo quedesigna genericamente as últimas três,especificamente a última.

Em todas as suas formas, o devir

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Capítulo sétimo - .Aristóteles e o Perípato

impossível a existência do temposem a existência da alma”.

 Trata-se de um pensamento, este,fortemente antecipador da perspectivaagosti- niana e das concepçõesespiritualistas do tempo, mas que sórecentemente recebeu a atenção quemerecia.

Aristóteles nega que exista uminfinito em ato. Quando fala de infinito,entende sobretudo “corpo” infinito. E osargumentos que apresenta contra aexistência de infinito em ato sãoprecisamente contra a existência de umcorpo infinito. O infinito só existe comopotência ou em potência. Infinito em

potência, por exemplo, é o número,porque é possível acrescentar aqualquer número sempre outro númerosem chegar ao limite extremo, além doqual não se possa mais andar. Tambémo espaço é infinito em potência, porqueé divisível ao infinito, e o resultado dadivisão é sempre uma grandeza que,como tal, é ulteriormente divisível. Porfim, o tempo também é infinito po-tencial, pois ele não pode existir todo

 junto ao mesmo tempo, mas sedesenvolve e aumenta sem fim.

Aristóteles nem mesmo longinquamenteentreviu a idéia de que o infinitopudesse ser o imaterial, precisamenteporque ele relacionava o infinito com acategoria da “quantidade”, que só valepara o sensível. E isso explica também

4 O ou “quintessência”

e a divisão do mundo físico em

mundo sublunar e ynunJlo

celes+e

Aristóteles distinguiu a realidadesensível em duas esferas claramentediferenciadas entre si: de um lado, omundo chamado “sublunar”; do outro, omundo “supralu- nar” ou celeste.

O mundo sublunar caracteriza-sepor todas as formas de mutação, entreas quais predominam a geração e acorrupção. Já os céus caracterizam-seunicamente pelo “movimento local”,mais precisamente pelo “movimentocircular”. Nas esferas celestes e nosastros não pode haver lugar, nem

aumento ou diminuição (em todas asépocas, os homens sempre viram os

céus assim como nós os vemos:portanto, é a própria experiência quenos diz que eles nunca nasceram e,assim como nunca nasceram, sãotambém indestrutíveis). A diferençaentre mundo supralunar e sublunar estána matéria diferente de que sãoconstituídos. A matéria de que seconstitui o mundo sublunar é potênciados contrários, sendo dada pelos quatroelementos (terra, água, ar e fogo), queAristóteles, contra o eleata Empédocles,considera transformáveis um no outro,precisamente para fundamentar, bem

mais profundamente do que Empédo-cles, a geração e a corrupção. Já amatéria de que são constituídos os céusé o “éter”, que possui só a potência depassar de um ponto para outro, sendoportanto suscetível de receber apenas omovimento local. Ela também foidenominada “quintessência” ou “quintasubstância”, por se agregar aos outrosquatro elementos (água, ar, terra efogo). Mas, enquanto o movimentocaracterístico dos quatro elementos éretilí- neo (os elementos pesadosmovem-se de cima para baixo, oselementos leves de baixo para cima), omovimento do éter é circular (portanto,o éter não é pesado nem leve). O éter éincriado, incorruptível, não sujeito aacréscimos e alterações nem a outrastransformações implicadas nessasmutações. E, por esse motivo, já quesão constituídos de éter, também oscéus são incorruptíveis.

Essa doutrina de Aristóteles serádepois acolhida também pelopensamento medieval. Somente noinício da era moderna cairá a distinção

entre mundo sublunar e mundosupralunar, juntamente com o pres-suposto em que se fundamentava.Como dissemos, a física aristotélica (etambém grande parte da cosmologia) é,na verdade, uma metafísica dosensível. Assim, não é de surpreender ofato de que a Física esteja pre- nhe deconsiderações metafísicas, chegandoaté a culminar com a demonstração daexistência de um Primeiro Motor imóvel:radicalmente convencido de que, “senão houvesse o eterno, não existiriatampouco o devir”, o Estagirita tambémcoroou suas investigações físicas

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Cãpítulo sétimo - jAns+óteles e o "Penpa+o

ARISTÓTELESA FÍSICA E 0 MOVIMENTO

A Física (que inclui a psicologia)

trata da substância sensível (animadae não) afetada pelo movimento

 Y 

Movimento

O que é o movimento?- É uma passagem da potênciapara o ato- Requer uma causa eficienteque já esteja em ato (=prioridade do ato) e uma causafinal- Requer um substratomaterial: os entes sem matérianão se movem- Os entes supralunares semovem a enas com

Quais movimentosexistem?- Segundo a substância (=geração/corrupção)- Segundo a qualidade(alteração)- Segundo a quantidade(aumento/diminuição)

 ________ Y......

Ao movimento estão ligados o espaço,o lugar e o tempo:

- o espaço é o “onde” em que os corposse movem- o lugar é aquilo que contém o corpo- o tempo é a medida do movimentosegundo o antes e o depois.O tempo requer uma alma que meça

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Cãpítulo Sétimo - ^Aristóteles e o Perípato

Ujgjj ;A alma e sua tnpaHição

A física aristotélica não investigasomente o universo físico e suaestrutura, mas também os seres queestão no universo, tanto os seresinanimados e sem razão como os seresanimados e dotados de razão (ohomem). O Estagirita dedica atençãomuito particular aos seres animados,elaborando grande quantidade detratados, dentre os quais se destacapela profundidade, originalidade e valorespeculativo, o célebre tratado Sobre aalma, que examinaremos agora.

Os seres animados se diferenciamdos seres inanimados porque possuemum princípio que lhes dá a vida, e esseprincípio é a alma. Mas o que é a alma?Para responder à questão, Aristótelesremete-se à sua concepção metafísicahilemórfica da realidade, segundo aqual todas as coisas em geral sãosinolo de matéria e forma, onde amatéria é potência e a forma éenteléquia ou ato. Isso, naturalmente,vale também para os seres vivos. Ora,observa o Estagirita, os corpos vivostêm vida mas não são vida. Portanto,

são como que o substrato material epotencial do qual a alma é “forma” e“ato”. Temos assim a célebre definiçãode alma, que tanto êxito alcançou: “Énecessário que a alma seja substânciacomo forma de um corpo físico que temvida em potência; mas a substânciacomo forma é enteléquia (= ato); aalma, portanto, é enteléquia de talcorpo. (...) Portanto, a alma éenteléquia primeira de um corpo físicoque tem a vida em potência.”

Assim raciocina Aristóteles: visto

que os fenômenos da vida pressupõemdeterminadas operações constantesclaramente diferenciadas (a tal pontoque algumas delas podem subsistir emalguns seres sem que as outras estejampresentes), então também a alma, queé princípio de vida, deve ter capa-cidades, funções ou partes quepresidem a essas operações e asregulam. Ora, os fenômenos e funçõesfundamentais da vida são:

a)de caráter vegetativo, comonascimento, nutrição, crescimento etc.;

b) de caráter sensitivo-motor,

como sensação e movimento; 

As plantas possuem só a almavegetativa, os animais a vegetativa e asensitiva, ao passo que os homens avegetativa, a sensitiva e a racional.Para possuir a alma racional o homemdeve possuir as outras duas; da mesmaforma, para possuir a alma sensitiva oanimal deve possuir a vegetativa; noentanto, é possível possuir a almavegetativa sem possuir as almassucessivas. No que se refere à alma

'g.v- alma vegetativae suas funções

A alma vegetativa é o princípiomais elementar da vida, ou seja, oprincípio que governa e regula asatividades biológicas. Com seu conceitode alma, Aristóteles supera claramentea explicação dos processos vitais dadapelos Naturalistas. A causa do“acréscimo” não está no fogo nem nocalor, nem na matéria em geral: quandomuito, o fogo e o quente sãoconcausas, mas não a verdadeiracausa. Em todo processo de nutrição eacréscimo está presente como que uma

norma que proporciona grandeza eacréscimo, que o fogo por si mesmonão pode produzir e que, portanto, seriainexplicável sem algo distinto do fogo— e essa norma é precisamente a alma.E, assim, também o fenômeno da“nutrição”, conseqüentemente, deixade ser explicado como jogo mecânicode relações entre elementos seme-lhantes (como sustentavam alguns) oumesmo entre certos elementoscontrários: a nutrição é assimilação dodessemelhante, tornada possível

sempre pela alma, mediante o calor.Por fim, a alma vegetativa presidea “reprodução”, que é o objetivo de

;A alma sensitiva,, o

conhecimento sensível, a

apetição e o movimento

Além das funções queexaminamos, os animais possuemsensações, apetites e movimento.

Portanto, é preciso admitir outro

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Quinta parte - yvis+ó+eles

E esse princípio é precisamente a almasensitiva.

A primeira função da almasensitiva é a sensação, que, em certosentido, é a mais importante ecertamente a mais característica dentreas funções acima distintas. Osantecessores explicaram a sensaçãocomo transformação, paixão oualteração que o semelhante sofre porobra do semelhante (pode-se ver, porexemplo, Empédocles e Demócrito),outros como ação que o semelhantesofre por obra do dessemelhante.Aristóteles parte dessas tentativas, masvai bem mais além. Mais uma vez,

busca a chave para interpretar asensação na doutrina metafísica dapotência e do ato. Temos faculdadessensitivas que não estão em ato, massim em potência, isto é, capazes dereceber sensações. Elas são como ocombustível, que só queima em contatocom o comburen- te. Assim, a faculdadesensitiva, de simples capacidade desentir, torna-se sentir em ato quandoem contato com o objeto sensível.Aristóteles explica mais precisamente:“A faculdade sensitiva é em potênciaaquilo que o sensível já é em ato (...).Assim, ela sofre a ação enquanto não ésemelhante; mas, depois de sofrê-la,torna-se semelhante e é como osensível.”

Pode-se perguntar: mas o quesignifica dizer que a sensação é tornar-se semelhante ao sensível? Não setrata, evidentemente, de um processode assimilação do tipo daquele queocorre na nutrição. Com efeito, naassimilação que se dá na nutriçãoassimila- se também a matéria, aopasso que na sensação é assimilada

apenas a forma.O Estagirita examina então oscinco sentidos e os sensíveis que sãopróprios de cada um desses sentidos.Quando um sentido capta o sensívelpróprio, então a respectiva sensação éinfalível. Além dos “sensíveis próprios”há também os “sensíveis comuns”,como, por exemplo, o movimento, aquietude, a figura, a grandeza, que nãosão perceptíveis por nenhum dos cincosentidos em particular, mas podem serpercebidos por todos. Assim, pode-sefalar de um “sentido comum”, que écomo sentido não específico ou, melhor

Da sensação derivam a fantasia,que é produção de imagens, amemória, que é a sua conservação, e,por fim, a experiência, que nasce daacumulação de fatos mnemô- nicos.

As outras duas funções da almasensitiva mencionadas inicialmente sãoo apetite e o movimento. O apetitenasce em conseqüência da sensação:“Todos os animais têm pelo menos umsentido, ou seja, o tato. Mas quem tema sensação sente prazer e dor,agradável e doloroso. E quem osexperimenta também tem desejo: comefeito, o desejo é apetite doagradável.”

Por fim, o movimento dos seresvivos deriva do desejo: “O motor éúnico: a faculdade da apetência”, maisprecisamente o “desejo”, que é “umaespécie de apetite”. E o desejo é postoem movimento pelo objeto desejado,que o animal capta através desensações ou do qual, de qualquer for-

 

4 alma intelectivoe o conhecimento racional

Da mesma forma que asensibilidade não é redutível à simplesvida vegetativa e ao princípio danutrição, mas contém um  plus que nãopode ser explicado senão introduzindo-se o princípio ulterior da alma sensitiva,assim também o pensamento e asoperações a ele ligadas, como aescolha racional, são irredutíveis à vidasensitiva e à sensibilidade, pois contêmum  plus que só pode ser explicadointroduzindo-se outro princípio: a alma

racional. E dela que agora falaremos.O ato intelectivo é análogo ao ato

per- ceptivo, porque é um receber ouassimilar as “formas inteligíveis”, damesma forma que o ato perceptivo éum assimilar as “formas sensíveis”,mas difere profundamente dele, vistoque não se mistura ao corpo e aocorpóreo: “O órgão dos sentidos nãosubsiste sem o corpo, enquanto ainteligência subsiste por própria conta.”

Assim como o conhecimentoperceptivo, Aristóteles também explica

o conhecimento intelectivo em funçãodas categorias metafísicas de  potência

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Cãpítulo sétimo - Aristóteles e o p*erípato

conhecer as formas puras; por seuturno, as formas estão contidas em

potência nas sensações e nas imagensda fantasia; é necessário, portanto, algoque traduza em ato essa duplapotencialidade, de modo que o pensa-mento se concretize captando a formaem ato, e a forma contida na imagemtorne-se conceito captado e possuídoem ato. Desse modo, surgiu aqueladistinção que se tornou fonte deinumeráveis problemas e discussões,tanto na Antiguidade como na IdadeMédia, entre “intelecto potencial” e“intelecto atual”, ou, para usar aterminologia que se tornará técnica

(mas que só está presentepotencialmente em Aristóteles), entreintelecto possível e intelecto ativo. Leia-mos a página que contém essadistinção, porque ela permanecerádurante séculos como constante pontode referência: “Como em toda anatureza há algo que é matéria e que épróprio a cada gênero de coisas (e issoé aquilo que, em potência, é todasaquelas coisas) e algo distinto que écausa eficiente, enquanto as produz atodas, como faz, por exemplo, a arte

com a matéria, é necessário quetambém na alma existam essas diferen-ciações. Assim, há um intelectopotencial, enquanto se torna todas ascoisas, e há um intelecto agente,enquanto as produz a todas, que é comoum estado semelhante à luz: com efeito,em certo sentido, também a luz torna ascores em potência cores em ato. E esseintelecto é separado, impassível, nãomisturado e intacto por sua essência:efetivamente, o agente é sempresuperior ao paciente e o princípio ésuperior à matéria (...). Separado (da

matéria), ele é somente aquilo queprecisamente é, e somente ele é imortale eterno (...).”

 

ma, um Intelecto divino separado).É verdade que Aristóteles afirma que “ointelecto vem de fora e somente ele édivino”, ao passo que as faculdadesinferiores da alma já existem empotência no germe masculino e, atravésdele, passam para o novo organismoque se forma no seio materno. Mas tam-bém é verdade que, mesmo vindo “defora”, ele permanece “na alma” durantetoda a vida do homem. A afirmação deque o intelecto “vem de fora” significaque ele é irredutível ao corpo por suanatureza intrínseca e que, portanto, étranscendente ao sensível. Significa quehá em nós uma dimensão

metaempírica, suprafísica e espiritual. Eisso é o divino em nós.

Mas, embora não sendo Deus, ointelecto agente reflete ascaracterísticas do divino, sobretudo asua absoluta impassibi- lidade.

Na Metafísica, depois de adquiridoo conceito de Deus com ascaracterísticas que vimos, Aristótelesnão conseguiu resolver as numerosasaporias que essa aquisição comportava.Assim, também dessa vez, adquirido oconceito do espiritual que está em nós,ele não conseguiu resolver as inúmerasaporias que daí derivam. Esse intelectoé individual? Como pode vir “de fora”?Que relação tem com nossaindividualidade e nosso eu? E querelação tem com nosso comportamentomoral? Está completamente subtraído aqualquer destino escatoló- gico? E quesentido tem o seu sobreviver ao corpo?

Algumas dessas interrogações nãoforam sequer propostas por Aristóteles.Contudo, estariam destinadas a ficarestruturalmente sem resposta: paraserem propostas na ordem-do-dia e,

sobretudo, para serem adequadamenteresolvidas, essas questões teriamexigido a aquisição do conceito de

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Cãpítulo sétimo - ;Ansfó+e.les e o T^erípafo

V. As ciêrvcias pm+icas: a eiica e a polí+ica

• Todas as ações humanas tendem a um fim, isto é, à realização de umbem específico; mas cada fim particular e cada  A felicidade bem específicoestão em relação com um fim último e com um  própria bem supremo, que éa felicidade. dohomem

O que é a felicidade? Para a maior parte dos homens é o -> § 1 prazer, ou ariqueza; para alguns é, ao invés, a honra e o sucesso. Mas estes presumidos "bens"têm todos um defeito, isto é, põem o homem em dependência daquilo de quedependem (os bens materiais, o público etc.), e, portanto, a felicidade ligada a tais

coisas é totalmente precária e aleatória.O homem, enquanto ser racional, tem como fim a realização desta sua natu-

reza específica, e exatamente na realização desta sua natureza de ser racional

• No homem têm notável importância, além da razão, os apetites e os instin-tos ligados à alma sensitiva. Tais apetites e instintos se opõem em si à razão, maspodem ser regulados e dominados pela própria razão. A submissão da alma sensi-tiva à razão ocorre por meio das virtudes éticas, as quais não são mais que osmodos pelos quais a razão instaura sua sobera-  As virtudes éticas nia sobre os instintos.

-h> § 2De fato, as virtudes éticas se traduzem em busca da "justa medida" entre o

"excesso" e a "carência" nos impulsos e nas paixões. Esta busca e aquisição da

 justa medida por meio da repetição se traduz em um habitus e, portanto, constituia personalidade moral do indivíduo. Aristóteles teoriza deste modo a máxima dosgregos: "Nada em demasia".

• Ao lado destas virtudes éticas, que estão ligadas à vida prática, existemvirtudes — as assim chamadas virtudes dianéticas — que dirigem o homem para oconhecimento de verdades imutáveis e para o sumo Bem, tanto para aplicá-lo àvida concreta, e então se tem a sabedoria, quanto, também, para fim puramentecontemplativo, e então se tem a sapiência.

 Justamente na contemplação das realidades que estão aci-ma do homem consistem a felicidade suprema e a tangênciado homem com o divino.

Esta é uma doutrina que leva às extremas conseqüências

uma das conotações essenciais da espiritualidade dos gregos.

Asvirtudesdianéticas dasabedori 

•Aristóteles apresenta também análises detalhadas sobre a psicologia do atomoral, distinguindo:

1)a deliberação, que é o encontro dos meios que tornam possível a atuaçãode determinados fins;

2) a escolha, que é a decisão a tomar sobre os meios, ouseja, sobre quais meios se devem usar e sobre a sua colocação Psicologia em ato;

0,0 ato moraI3)finalmente, a volição, que é a escolha dos próprios fins, 54 da qual depende

propriamente a bondade ou a maldade dohomem, conforme ele escolha os verdadeiros bens ou os bens aparentes e fa-lazes.

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Quinta parte - y-Vistótel es

• Aristóteles considera o homem não só como um "animal racional", mastambém como "animal político" (um ser vivo não-político pode ser apenas um

animal ou então um deus).Por homem "político" Aristóteles entende não todos os o

homem homens sem distinção, mas (ligado ao estado político-social daé um sua época) aquele que goza plenamente dos direitos políticos"animal político" e exerce em parte maior ou menor a administração da Cidade. -> §5 Por conseguinte, os colonos que não gozam de tais privi

légios e os operários e camponeses não são considerados ho-mens-cidadãos propriamente ditos. Os escravos, que não gozam de qualquer di-reito, em certo sentido, não são considerados homens propriamente ditos, masapenas instrumentos animados.

• Aristóteles formula um esquema orgânico das várias formas de constituições

do Estado, fundando-se sobre dois pontos-chave:1)a figura de quem exerce o poder (se "um só", "pou-  Asvárias formas COS", OU "muitos");de constituições 2) o modo com o qual quem exerce o poder o leva a efeitodo Estado (em função do "bem comum", ou do "interesse privado").

§ 6-7 Dessa forma, podem ser obtidas, combinando as duasperspectivas, as seguintes formas de governo: a "monarquia", a

"aristocracia" e a "politía" (uma democracia ordenada pela lei), quando quemcomanda age da melhor forma; a "tirania", a "oligarquia" e a "democracia" (=demagogia), quando quem exerce o poder é movido por interesses privados e nãopelo bem comum.

 j|||| O fim supremo do komem, ou seja,

a felicidade

- Depois das “ciências teoréticas”, nasis- tematização do saber, vêm as“ciências práticas”, que dizem respeito àconduta dos homens e ao fim que elesquerem atingir, tanto consideradoscomo indivíduos, quanto como parte deuma sociedade política. O estudo da

conduta ou do fim do homem comoindivíduo é a “ética”; o estudo daconduta e do fim do homem como partede uma sociedade é a “política”.

 Todas as ações humanas tendem a“fins” que são “bens”. O conjunto dasações humanas e o conjunto dos finsparticulares para os quais elas tendemsubordinam-se a um “fim último”, que éo “bem supremo”, que todos os homensconcordam em chamar de “felicidade”.

Mas o que é a felicidade?a)Para a maioria, é o prazer e o

gozo. Mas uma vida gasta com o prazer

é uma vida que torna “semelhantes aos” “ ”

b) Para alguns, a felicidade é ahonra (para o homem antigo, a honracorrespondia àquilo que é o sucessopara o homem de hoje). Mas a honra éalgo extrínseco que, em grande parte,depende de quem a confere. E, dequalquer maneira, vale mais aquilo peloqual se merece a honra do que a própriahonra, que é resultado e conseqüência.

c)Para outros, a felicidade está em juntar riquezas. Mas esta, paraAristóteles, é a mais absurda das vidas,chegando mesmo a ser vida “contra anatureza”, porque a riqueza é apenasmeio para outras coisas, não podendoportanto valer como fim.

O bem supremo realizável pelohomem (e, portanto, a felicidade)consiste em aperfeiçoar-se enquantohomem, ou seja, naquela atividade quediferencia o homem de todas as outrascoisas. Assim, não pode consistir nosimples viver como tal, porque até osseres vegetativos vivem; nem mesmoviver na vida sensitiva, que é comumtambém aos animais. Só resta, portanto,

a atividade da razão. O homem quedese a viver bem deve viver sem re

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Cãpítulo sétimo - Aristóteles e o Perípato

da, Aristóteles reafirma claramente quenão apenas cada um de nós é alma, mas

também é a parte mais elevada da alma:“se a alma racional é a parte dominantee melhor, pareceria que cada um de nósconsiste precisamente nela. (...) Fica,pois, claro que cada um é sobretudointelecto.” Aristóteles proclama,portanto, os valores da alma comovalores supremos, embora, com seuforte senso realista, reconheça autilidade também dos bens materiais emquantidade necessária, já que eles,mesmo não estando em condições de

vi^wdes éticasH . . . I I

como meio  j us to ou ^meio-termo

entre os extremos*

O homem é principalmente razão,mas não apenas razão. Com efeito, naalma “há al o de estranho à razão, ue

e resiste”, e que, no entanto, “participada razão”. Mais precisamente: “A parte

vege- tativa não participa em nada darazão, ao passo que a faculdade dodesejo e, em geral, a do apetite,participa de alguma forma delaenquanto a escuta e obedece.” Ora, odomínio dessa parte da alma e suaredução aos ditames da razão é a“virtude ética”, a virtude docomportamento prático.

Esse tipo de virtude se adquire coma repetição de uma série de atossucessivos, ou seja, com o hábito.

Assim, as virtudes tornam-se comoque “hábitos”, “estados” ou “modos de

ser” que nós mesmos construímossegundo o modo indicado. (Como sãomuitos os impulsos e tendências que arazão deve moderar, também sãomuitas as “virtudes éticas”, mas todastêm uma característica essencial co-mum: os impulsos, as paixões e ossentimentos tendem ao excesso ou àfalta (ao muito ou ao muito pouco);

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Cdpítulo setimo - Aristóteles e o Perípato

Precisamente no exercício destaúltima

virtude, que constitui a perfeição daativi-dade contemplativa, o homem alcança afe-licidade máxima, quase uma tangênciacomo divino.

Eis uma das passagens maissignifica-tivas de Aristóteles: “Desse modo, aativi-dade de Deus, que sobressai porbeatitude,será contemplativa e,

conseqüentemente, aatividade humana mais afim será a quepro-duz a maior felicidade. Uma prova, deres-to, está no fato de que todos os outrosani-mais não participam da felicidade,porquesão completamente privados de talfaculda-de. Para os deuses, com efeito, toda avida é

bem-aventurada, ao passo que, para osho-mens, só o é à medida que lhes cabecertasemelhança com aquele tipo deatividade:

yAJusões sob^e a psicologia

do a+o mo^al

Aristóteles teve ainda o mérito de

havertentado superar o intelectualismosocrático.Como bom realista que era, percebeuper-feitamente que uma coisa é “conhecer obem” e outra é “fazer e realizar o bem”.E,conseqüentemente, procuroudeterminar osprocessos psíquicos pressupostos peloatomoral.

Ele chamou a atenção sobretudopara o ato da “escolha” (proháiresis),

A “escolha” opera sobre estes últimos,transformando-os em ato. Assim, para

Aristóteles, a “escolha” diz respeitoapenas aos “meios”, não aos fins;portanto, nos torna responsáveis, masnão necessariamente bons (ou maus).Com efeito, ser “bom” depende dos finse, para Aristóteles, os fins não sãoobjeto de “escolha”, mas sim de“volição”. Mas a vontade quer sempre esó o bem, ou melhor, aquilo que“aparece nas vestes de bem”. Dessemodo, para ser bom, é preciso querer o“bem verdadeiro e não aparente”; massó o homem virtuoso, ou seja, o homembom, sabe reconhecer o verdadeiro

bem. Como se vê, gira-se num círculoque, de resto, é interessantíssimo.Aquilo que Aristóteles busca, mas aindanão consegue encontrar, é o “livre-arbítrio”. E suas análises sobre aquestão são interessantíssimasprecisamente por isso, ainda queaporéticas. Aristóteles compreendeu eafirmou que “o homem virtuoso vê overdadeiro em toda coisa, considerandoque é norma e medida de toda coisa”.Mas não explicou como e por que ohomem se torna virtuoso. Assim, não é

de surpreender o fato de que Aristóteleschegue a sustentar que, uma vez que ohomem se torna vicioso, não pode maisdeixar de sê-lo, embora, na origem,fosse possível não se tornar vicioso.Somos obrigados, porém, a reconhecerque não apenas Aristóteles, mastambém nenhum outro filósofo re o

;A Cidade e o cidadão

O bem do indivíduo é da mesmanatureza que o bem da Cidade, maseste “é mais belo e mais divino” porquese amplia da dimensão do privado paraa dimensão do social, para a qual ohomem grego era particularmentesensível, porquanto concebiao indivíduo em função da Cidade e nãoa Cidade em função do indivíduo.Aristóteles, aliás, dá a esse modo depensar dos gregos uma expressãoparadigmática, definindo o própriohomem como “animal político” (ou seja,

não simplesmente como animal que'vive em sociedade, mas como animal

 Texto

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222 Quinta parte - yVis+ó+el es

G L I O T T O L IB R I D E L L A R E P V B L I C A , C H E

C H I A M O N OP O L Í T I C A

D l A R I S T O T I L E .

 NHOMáfflfnfí tradolti di Greco in uulgare Italiano.

P E R A N T O N I O B R V C I O L I .

IN V E N E T I A N E L 2 H D X L V I J .

edição original da Política na versãoitaliana de Antonio Brucioli (Veneza, 1547).

uma comunidade ou de uma cidadeapenas quem é autárquico e não temnecessidade de nada, mas tal indivíduopode apenas ser “ou uma fera ou umDeus”.

Entretanto, Aristóteles nãoconsidera “cidadãos” todos aqueles quevivem em uma Cidade e sem os quais aCidade não poderia existir. Para ser

cidadão é preciso participar daadministração da coisa pública, ou seja,fazer parte das Assembléias quelegislam e governam a Cidade eadministram a justiça.Conseqüentemente, nem o colono nemo membro de uma cidade conquistadapodiam ser “cidadãos”. E nem mesmoos operários, embora livres (ou seja,mesmo não sendo cativos ouestrangeiros), poderiam ser cidadãos,porque falta-lhes o “tempo livre”necessário para participar daadministração da coisa pública. Desse

modo, os cidadãos revelam-se denúmero muito limitado, ao passo que to-

rico condicionam o pensamentoaristotélico

a ponto de levá-lo à teorização daescravi-dão. Para ele, o escravo é como que“um ins-trumento que precede e condiciona osou-tros instrumentos”, servindo para aproduçãode objetos e bens de uso, além dosserviços.E o escravo é tal “por natureza”.

E como os escravos eramfreqüentemen-te prisioneiros de guerra, Aristóteles

sentiunecessidade de estabelecer tambémque osescravos não deveriam resultar deguerrasdos gregos contra os gregos, mas simdas

 

0 Estado pode ter di ferentesformas, ou seja, diferentesconstituições. A constituição é “aestrutura que dá ordem à Cidade,

estabelecendo o funcionamento detodos os cargos, sobretudo daautoridade soberana”. Ora, como opoder soberano pode ser exercido:

1) por um só homem;2) por poucos homens;3) pela maior parte;e, além do mais, como quem

governa pode governar:a) segundo o bem comum;b) no seu interesse privado;então são possíveis três formas de

governo correto e três de governo

corrupto:1 a) monarquia; 2a) aristocracia;3a) politía;

1 b) tirania; 2b) oligarquia; 3b)democracia.

Aristóteles entende por“democracia” um governo que,desleixando o bem comum, visa afavorecer de maneira indébita os in-teresses dos mais pobres e, portanto,entende “democracia” no sentido de“demagogia”. Ele precisa que o erro emque recai essa forma de governodemagógico consiste em considerar

que, como todos são iguais na liber-dade todos também odem e devem

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Cüpltíílo SCtifflO - y-Visfófeles e o PeWpafo

9 As formas possíveis do Estado segundo Aristóteles. O esquema das possíveisformas de governo, que encontramos na Política de Aristóteles, deriva do platônicoe pode ser representado como segue:

 Tipo de governo Caso se governe Caso se governe em vistaem vista do bem público do interesse próprio

governo de um só monarquia tirania

governo de poucos aristocracia oligarquia

governo de muitos politía democracia

A  politía, na verdade, tem uma posição um pouco excêntrica em relação aoesquema, sendo, propriamente, uma espécie de "média" entre a oligarquia e ademocracia.

concreto, dado que os homens são comosão, a forma melhor é a  politía, que ésubstancialmente uma constituição quevaloriza o segmento médio. Com efeito,a  politía é praticamente caminho

intermediário entre a oligarquia e ademocracia ou, se assim se preferir,uma democracia temperada pelaoligarquia, assumindo-lhe os méritos e

êm °<Ss+ado idea

Como o fim do Estado é moral, éevidente que aquilo a que ele deve visaré o incremento dos bens da alma, ou

seja, o incremento da virtude. Comefeito, escreve Aristóteles, “podemosdizer que feliz e florescente é a Cidadevirtuosa. E impossível que tenha êxitosfelizes quem não cumpre boas ações enenhuma boa ação, nem de umindivíduo, nem de uma Cidade, poderealizar-se sem virtude e bom senso. Ovalor, a justiça e o bom senso de umaCidade têm a mesma potência e formacuja presença em um cidadão privadofaz com que ele seja considerado justo,ajuizado e sábio.”

Aqui, de fato, reafirma-se o grande

Para Aristóteles, a Cidade perfeitadeveria sê-lo à medida do homem: nemdemais populosa, nem muito pouco.

 Também o território deveria tercaracterísticas análogas: grande o

bastante para satisfazer asnecessidades sem produzir o supérfluo.As qualidades que os cidadãos deveriamter são as características próprias dosgregos: um caminho intermédio, oumelhor, uma síntese das característicasdos povos nórdicos e dos povosorientais. Os cidadãos (que, comosabemos, são aqueles que governamdiretamente) serão guerreiros quando

 jovens, depois conselheiros e, quandovelhos, sacerdotes. Desse modo, serãoadequadamente desfrutados, na justa

medida, a força que há nos jovens e obom senso que há nos velhos. Por fim,como a felicidade da Cidade depende dafelicidade dos cidadãos singulares, serianecessário tornar cada cidadão o maispossível virtuoso, mediante adequadaeducação.

Viver em paz e fazer as coisas belas(contemplar) é o ideal supremo a quedeve visar o Estado.

Portanto, diz Aristóteles, é precisofazer guerra apenas tendo comofinalidade a paz, trabalhar para poderlibertar-se das necessidades do

trabalho fazer as coisas necessárias e

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Quinta parte - Aristóteles

ARISTÓTELESA ÉTICA

Alma

vegetativa sensitiva intelectiva

Virtudes éticas- permitem a vitória darazão

sobre os impulsos -

buscam a justa medidaentre dois excessos (porexemplo, a coragem é a

via intermédia entrecovardia e temeridade)

- manifestam-se como

hábitos

sabedoria- dirige a vida

moral dohomem

■ dirige-se àscoisas sensíveis

- fixa osmeios

Virtudesdian tic

sapiência■ consiste na

contemplaçãodas realidadessupra-sensíveis

- representa o sumobem para o homem,isto é, a máxima

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' - • 22SCüpítulo SCti f f lO - y\ns+ó+eles e o Perípato

vi. y\ lógica, a re+ónca e a poe+ica

•A lógica, que Aristóteles chamava de analítica, não entra no esquema geral dasciências.

Ela constitui, com efeito, uma propedêutica a todas as ciências (e,portanto, liga-se, ao mesmo tempo, com a teorética,  A l ó9^a

com a prática e com a poiética). A lógica mostra como procede. i i i • ■ , i i c » s ouxrasciQncids

o pensamento, sobre a base de quais elementos e segundo qual § 7

estrutura.

• Os elementos primeiros do pensamento são as categorias: isso significa que, sedecompusermos uma proposição simples (por exemplo, "Sócrates corre") obteremos

elementos (por exemplo, "Sócrates" e "corre"), de qualquer modo reportáveis a uma dascategorias (por exemplo. As categorias "Sócrates" à categoria da substância, e "corre"à categoria do ->5 2agir).

As categorias são, portanto, os gêneros supremos (além do ser, como vimos nametafísica) também do raciocínio e justamente por isso são também chamadas de"predicados".

• Das categorias não é possível fornecer uma definição. Com efeito, para definir um conceito é preciso o gênero próximo (por exemplo, no caso do homem, "animal") e adiferença específica, a diferença que distingue a espécie do objeto em questão emrelação a todas as outras (por exemplo, no casodo homem, "racional": daqui a definição do homem, como "animal racional"). Ora,no caso das categorias não existe um gê- definição nero mais amplo que as possaincluir, porquanto são os gêne- ^ ros mais universais. Conseqüentemente, éimpossível defini-las.

Indefiníveis são também os indivíduos, por sua particularidade: destes é possívelapenas a percepção. -

Ao contrário, perfeitamente definíveis são todas as noções que estão em váriosníveis entre a universalidade das categorias e a particularidade dos indivíduos.

• Verdade ou falsidade se têm não nas definições, mas no o julgamento"julgamento", e na sua enunciação, ou seja, na "proposição", ea proposição Naproposição se colocam nexos precisos (afirmativos ou nega- ^>§4 tivos) entre umpredicado e um sujeito: ora, se tais nexos correspondem aos nexos que existem narealidade, ter-se-á um julgamento verdadeiro (e, portanto, a proposição verdadeira);caso contrário, falso.

• O raciocínio verdadeiro e próprio, porém, não consiste no julgamento apenas,mas em uma seqüência de julgamentos oportunamente ligados. A conexão rigorosa eperfeita dos julgamentos constitui o silogismo.

O silogismo (por ex.: "se todos os homens são mortais / e o silogismo,se Sócrates é um homem / então Sócrates é mortal") liga três como formaproposições, das quais as duas primeiras são chamadas de pre-  perfeitamissas, e a terceira de conclusão. do raciocínio

A dobradiça do julgamento é o termo médio (no exem- ->§5pio: "homem"), que é o que não aparece na conclusão.

Da posição do termo médio nas premissas Aristóteles deduz as várias formas desilogismo.

• Além destas diferenças técnicas, há também vários modos de considerar osilogismo. Com efeito, posso considerá-lo apenas de um ponto de vista formal (ou

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Capítulo sétimo - yVistó+el es e o "Penpa+o

sentar demonstrações, que tipos emodos de demonstração existem, de que

é possível fornecer demonstrações equando.O termo organon, portanto, que

significa “instrumento”, introduzido porAlexandre de Afrodísia para designar alógica em seu conjunto (eposteriormente utilizado também comotítulo para o conjunto de todos osescritos aristotélicos relativos à lógica),define bem o conceito e o fim da lógicaaristotélica, que pretende precisamentefornecer os instrumentos mentaisnecessários para enfrentar qualquer tipode investigação.

Entretanto, deve-se observar aindaque o termo “lógica” não foi usado porAristóteles para designar aquilo que nóshoje entendemos por ele. Ele remonta àépoca de Cícero (e talvez seja de gêneseestóica), mas, provavelmente, só seconsolidou com Alexandre de Afrodísia.O Estagirita denominava a lógica com otermo “analítica” (e  Analíticos sãointitulados os escritos fundamentais doOrganon). A analítica (do gregoanálysis, que significa “resolução”) ex-plica o método pelo qual, partindo de

dada conclusão nós a resolvemos

2» As ca+eaorias■9MMMM

OM ^predicamentos”

O tratado sobre as categoriasestuda aquilo que pode ser consideradoo elemento mais simples da lógica. Setomarmos formulações como o “homemcorre” ou então “o homem vence” e lhesrompermos o nexo, isto é, desligarmos osujeito do predicado, obteremos“palavras sem conexão”, ou seja, fora

de qualquer laço com a formulação,como “homem”, “corre”, “vence” (ouseja, termos não combinados que,combinando- se, dão origem àproposição).

Ora, diz Aristóteles, “das coisasditas sem nenhuma conexão, cada qualsignifica a substância, a quantidade, aqualidade, a relação, o onde, o quando,o estar em uma posição, o ter, o fazerou o sofrer”. Como se vê, trata-se dascategorias, que já conhecemos pelaMetafísica.

Do ponto de vista metafísico, ascategorias representam os significados

premos” aos quais deve-se reportarqualquer termo da proposição.

 Tomemos a formulação “Sócrates corre”e vamos decompô-la: obteremos“Sócrates”, que entra na categoria desubstância, e “corre”, que se enquadrana categoria do “fazer”. Assim, se digo“Sócrates está agora no Liceu” edecomponho a formulação, “no Liceu”será redu- tível à categoria do “onde”,ao passo que “agora” será redutível àcategoria do “quando” e assim pordiante.

O termo “categoria” foi traduzidopor Boécio como “predicamento”, mas atradução só expressa parcialmente o

sentido do termo grego e, não sendointeiramente adequada, dá origem anumerosas dificuldades, em grandeparte elimináveis quando se mantém o

-

QCategoria. No significado comum dovocábulo grego significava "acusação","imputação". Não tem um cor-respondente em línguas modernas, e por isso se preferiu, em geral, não traduzir mas transliterar o termo original.Aristóteles foi o criador do conceitofilosófico expresso com este termo.Trata-se de conceito muito importante,que tem três valências precisas es-treitamente ligadas entre si.1) Em sentido ontológico, significa asdivisões originárias ou "figuras do ser",ou seja, aquilo em que o ser origina-riamente se distingue, tendo no vér-tice a substância, da qual dependemqualidade, quantidade, e as outras setecategorias.2) Em sentido lógico significa os predi-cados supremos, que exprimem ascorrespondentes figuras do ser.

3) As categorias têm também um sentidogramatical enquanto exprimem as partes originárias das proposições:a substância se exprime no sujeito,quantidade e qualidade se exprimemcom adjetivos, onde e quando emadvérbios de tempo e de lugar, ascategorias do agir e sofrer se exprimemnos verbos ativos e passivos.Trata-se de um dos conceitos que ti-veram maior influência na história dopensamento ocidental, também emtempos modernos, sobretudo de Kant emdiante.

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Capítulo sétimo - Aristóteles e o Perípato

separado); já o falso temos quando, aocontrário, com o juízo, conjugamos

aquilo que não é conjugado (ouseparamos aquilo que não é separado).A enunciação ou proposição queexpressa o juízo, portanto, expressasempre afirmação ou negação, sendoassim verdadeira ou falsa. (Note-se queuma frase qualquer não é proposiçãoque interessa à lógica: todas as frasesque expressam súplicas, invocações,exclamações e semelhantes saem doâmbito da lógica, entrando no terrenodo discurso de tipo retórico ou poético;só se inclui na lógica o discursoapofântico ou declaratório.)

No âmbito dos juízos e dasproposições, Aristóteles realiza depoisuma série de distinções, dividindo-os emafirmativos e negativos, universais,singulares e particulares. E estudatambém as “modalidades” segundo asquais conjugamos o predicado ao sujeito

O silogismoem geral e sua estcwtwra

Quando nós afirmamos ou negamosal-guma coisa de alguma outra coisa, istoé, quan-do julgamos ou formulamos proposições,ain-da não estamos raciocinando. E,obviamente,também não estamos raciocinandoquandoformulamos uma série de juízos erelacionamosuma série de proposições desconexasentresi. Entretanto, estamos raciocinandoquan-do passamos de juízo para juízo, deproposi-ções para proposições, que tenhamdetermi-nados nexos entre si e, de algumaforma, sejamumas causas de outras, umasantecedentes eoutras conseqüentes. Se não houveresse nexoe essa conseqüencialidade, não haverá

racio-cínio. O silogismo é precisamente o

1) Se todos os homens são mortais,2) e se Sócrates é homem,

3) então Sócrates é mortal.Como se vê, o fato de Sócrates sermortal é uma conseqüência que brotanecessariamente do fato de se terestabelecido que todo homem é mortale que Sócrates, precisamente, é umhomem. Portanto, “homem” é o termosobre o qual se alavanca a conclusão. Aprimeira das proposições do silogismochama-se premissa maior, a segundapremissa menor e a terceira conclusão.Os dois termos que são unidos naconclusão se chamam, o primeiro (que éo sujeito, Sócrates), “extremo menor”, o

segundo (que é o predicado, “mortal”),“extremo maior”. E, como esses termossão unidos entre si através de outrotermo, que dissemos funcionar comodobradiça, esse então chama-se “termomédio”, ou seja, o termo que opera a“mediação”.

 Todavia, Aristóteles não somenteestabeleceu o que é silogismo: eletambém fez uma série de complexasdistinções das possíveis diversas“figuras” dos silogismos e dos vários“modos” válidos de cada figura.

As diversas figuras(schémata)

dosilogismo são determinadas pelasdiferentes posições que o termo médiopode ocupar em relação aos extremosnas premissas. E como o termo médio

a)pode ser sujeito na premissamaior e predicado na menor,

b) ou então pode ser predicadotanto na premissa maior como namenor,

c) ou ainda pode ser tambémsujeito em todas as premissas,

então são três as figuras possíveisdo silogismo (no interior das quais se

dão, posteriormente, váriascombinações possíveis, conforme aspremissas do silogismo sejam universaisou particulares, afirmativas ounegativas).

O exemplo que demos acima é da

«ÉS ° silogismo científico ou

“demonstração' 7

O silogismo enquanto tal mostraqual é a própria essência do raciocinar,

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Quinta parte - ^Vis+ó+eles

a estrutura da inferência e, portanto,prescinde do conteúdo de verdade das

premissas (e, conseqüentemente, dasconclusões). Já o silogismo “científico”ou “demonstrativo” se diferencia dosilogismo em geral precisamenteporque, além da correção formal dainferência, também diz respeito ao valorde verdade das premissas (e das con-seqüências). As premissas do silogismocientífico devem ser verdadeiras, pelasrazões apresentadas; além disso, devemser “primeiras”, ou seja, não tendonecessidade, por seu turno, deulteriores demonstrações, maisconhecidas e anteriores, isto é, devem

ser, por si mesmas, inteligíveis, claras emais universais do que as conclusões,porque devem conter a sua razão.

E assim chegamos a um pontodelicadíssimo da doutrina aristotélica daciência: como conhecemos aspremissas? Certamente não através de

O conkecimento imediato:

indução e intuição

O silogismo é um processosubstancialmente dedutivo, porquantoextrai verdades particulares deverdades universais. Mas como sãocolhidas as verdades universais? Aris-tóteles nos fala de a) “indução” e de b)“intuição” como de processos em certosentido opostos ao processo silogístico,mas que, de qualquer forma, o própriosilogismo pressupõe.

a) A indução é o procedimento peloqual do particular se extrai o universal.Apesar de, nos  Analíticos, Aristótelestentar mostrar que a própria induçãopode ser tratada silogisticamente, essatentativa permanece inteiramenteisolada. E ele reconhece, ao contrário,habitualmente, que a indução não é umraciocínio, mas sim um “ser conduzido”do particular ao universal por umaespécie de visão imediata ou deintuição, que a experiência tornapossível. Em essência, a indução é oprocesso abstrativo.

b)A intuição, ao contrário, é acaptação pura dos princípios primeirospor parte do intelecto. Assim, também

Aristóteles (como Platão já havia feito,embora de modo diverso) admite uma

princípios da die-monsi ação

e o princípio de não-contradição

As premissas e os princípios dademonstração são captados por induçãoou por intuição. A esse propósito deve-se notar que, antes de mais nada, cadaciência assume premissas e princípiospróprios, isto é, premissas e princípiosque só a ela são peculiares.

Em primeiro lugar, assume aexistência do âmbito, ou melhor (emtermos lógicos), a existência do sujeito

em torno do qual verterão todas as suasdeterminações, que Aristóteles chamade gênero-sujeito. Por exemplo: aaritmética assume a existência daunidade e do número, a geometria aexistência da grandeza espacial e assimpor diante. E cada ciência caracteriza oseu sujeito pelo caminho da definição.

Em segundo lugar, cada ciênciatrata de definir o significado de umasérie de termos que lhe pertencem (aaritmética, por exemplo, define osignificado de pares, ímpares etc.; a

geometria define o significado de co-mensurável, incomensurável etc.), masnão assume sua existência e sim ademonstra, provando precisamente quese trata de características quecompetem ao seu objeto.

Em terceiro lugar, para poder fazerisso as ciências devem usar de certos

0 Indução. E o processo que permiteremontar do particular ao universal.

Opõe-se à dedução e ã demonstração emparticular a silogistica - que move emsentido oposto do universal aoparticular. Está, porém, estreitamenteligada à própria dedução, porque estanão poderia existir sem aquela.Eis uma passagem significativa de Aristóteles: "Aprendemos ou por indução oupor demonstração. A demonstraçãoprocede dos universais, enquanto aindução procede dos particulares. Masnão c possível considerar os universaisa não ser por indução".

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Capítulo sétimo - AHstó+el es e o Perípato

pio de axioma é o seguinte: “Se deiguais tiram-se iguais, restam iguais.”

Entre os axiomas, há alguns quesão “comuns” a várias ciências (como oaxioma citado), outros a todas asciências, sem exceção, como o princípioda não-contradição (“não se podemnegar e afirmar dois predicadoscontraditórios do mesmo sujeito nomesmo tempo e na mesma relação”) ouo do terceiro excluído (“não é possívelhaver um termo médio entre doiscontraditórios”). São os famososprincípios que podem ser chamadostranscendentais, isto é, válidos paraqualquer forma de pensar enquanto tal

(porque válidos para todo enteenquanto tal), sabidos por si mesmos e,portanto, primários. Eles são ascondições incondicionadas de todademonstração e, obviamente, são inde-monstráveis, porque toda forma dedemonstração os pressupõe. No quartolivro da Metafísica, Aristóteles mostrouque é possível uma espécie de provadialética por “refutação” (élenchos)desses princípios supremos. E arefutação consiste em mostrar comotodo aquele que negar esses princípios

será obrigado a usá-los precisamentepara negá- los. Quem diz, por exemplo,que “o princípio da não-contradição nãovale”, se quiser que essa assertivatenha sentido, deve excluir a assertiva aesse contraditório, isto é, deve aplicar o

rincí io da não-contradi ão

áh °si l

o0Ísmo dialético e o

silogismo erístico

 Tem-se silogismo científico sóquando as premissas são verdadeiras etêm as características que acimaexaminamos.

Quando, ao invés de verdadeiras,as premissas são simplesmenteprováveis, isto é, fundadas na opinião,então se terá o silogismo dialético, queAristóteles estuda nos Tópicos. SegundoAristóteles, o silogismo dialético servepara nos tornar capazes de discutir e,particularmente, quando discutimoscom pessoas comuns ou mesmo doutas,serve para identificar os seus pontos de

seu ponto de vista. Ensina-nos,portanto, a discutir com outros,

fornecendo-nos os instrumentos paranos colocar em sintonia com eles.Ademais, para a ciência, serve não ape-nas para debater corretamente os próse con- tras de várias questões, mastambém para determinar os princípiosprimeiros, que, como sabemos, sendoindedutíveis silo- gisticamente, sópodem ser colhidos indutiva ouintuitivamente.

Por fim, além de derivar depremissas fundadas na opinião, umsilogismo pode derivar de premissasque parecem fundadas na opinião (mas

que, na realidade, não o são). Temosentão o silogismo erístico.

 Também ocorre o caso de certossilogismos que só o são na aparência:parecem concluir, mas, na realidade, sóconcluem por causa de algum erro.

 Temos então os para- logismos, ou seja,raciocínios errados. Os Elencossofísticos ou Refutações sofísticasestudam exatamente as refutações(élenchos quer dizer “refutação”)sofísticas, ou seja, falazes. A refutaçãocorreta é um silogismo cuja conclusão

contradiz a conclusão do adversário. Asrefuta ões dos Sofistas ao contrário e

10 ^

Assim como Platão, Aristótelestinha a firme convicção, em primeirolugar, de que a retórica não tem afunção de ensinar e treinar acerca daverdade ou de valores particulares. Comefeito, essa função é própria dafilosofia, por um lado, e das ciências e

artes particulares, por outro. O objetivoda retórica é, ao contrário, o de“persuadir” ou, mais exatamente, o dedescobrir quais são os modos e meiospara persuadir.

A retórica, portanto, é uma espéciede “metodologia do persuadir”, umaarte que analisa e define osprocedimentos com que o homemprocura convencer os outros homens eidentifica suas estruturas fundamentais.Assim, sob o aspecto formal, a retóricaapresenta analogias com a lógica, que

estuda as estruturas do pensar e doraciocinar e, particularmente, apresenta

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Capitulo setimo - ;Anstó+eles e o "Perípato

~ VII. yA mpid a decadência ~ do

"Penpa+o depois da moH-e de y\ris+ó+eles

• Com o sucessor Teofrasto, a Escola de Aristóteles (o Perípato) assumiu umaorientação principalmente científica e descurou os temas mais propriamentemetafísicos, também pelo fato de que as obras de escola do , .fundador, por uma série de circunstâncias, acabaram na Ásia ° Perípato depoisMenor, e por decênios foram subtraídas ao conhecimento e § nstoteies meditaçãopúblicas.

1 O Perípatodepois de ^Aristóteles

Foi bastante infeliz a sorte quecoube a Aristóteles em sua Escoladurante toda a época helenística até oslimiares da época cristã. Seu maiordiscípulo, colaborador e sucessorimediato, Teofrasto (que, em 323/322a.C., sucedeu Aristóteles no cargo deescolarca do Perípato, que manteve até288/ 284 a.C.), embora certamente

estivesse à altura ela vastidão de seu

ico/rasto, sucessor de Aristóteles[dirigiu o Perípato de 323/321 a1X8/184 a.C..), 

pela originalidade de sua investigaçãono âmbito das ciências, não se mostrouà altura para compreender e, portanto,fazer os outros compreenderem oaspecto mais profundamente filosóficode Aristóteles. E ainda menos capazesde entender Aristóteles mostraram-seseus outros discípulos, que rapidamenterecuaram para posições materialistasde tipo pré-socrático, enquanto osucessor de Teofrasto, Estratão deLâmpsaco (que dirigiu o Perípato de288/284 a 274/ 270 a.C.), marca o mais

clamoroso ponto de ruptura com oaristotelismo. Todavia, para além desse

esquecimento ou dessa não intelecçãodo mestre, que se verifica nosdiscípulos e que, como vimos, temparalelo preciso na história da Acade-mia platônica, há outro fato que explicaa má sorte de Aristóteles.

Ao morrer, Teofrasto deixou osprédios do Perípato à Escola, mas legoua Neleu de Scepsi a biblioteca quecontinha todas as obras não publicadasde Aristóteles. Ora, como sabemos,

Neleu levou a biblioteca para a ÁsiaMenor e, ao morrer, deixou-a para seusherdeiros. Estes esconderam os precio-sos manuscritos em uma cantina, paraevitar que caíssem nas mãos dos reisAtalidas, que trabalhavam naconstituição da biblioteca de Pérgamo.Assim, os escritos permaneceramocultos até que um bibliófilo chamadoApelicão os comprou, levando-osnovamente para Atenas. Pouco depoisda morte de Apelicão, eles foramconfiscados por Sila (86 a.C.) e levados

para Roma, onde foram confiados aogramático Tirânion para transcrição.

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Cãpítulo sétimo - jAris+ó+eles e o l-^erípato

ARISTÓTELES

QUADRO RECAPITULATIVO SOBRE A LÓGICA

Categorias (Aristóteles delas trata nas Categorias)São: substância, qualidade, quantidade, relação, ação, paixão, onde, quando, tei; jazer. , Representamos significados supremos do ser ao qual todo termo de qualquer proposição pode se reduzir; p. ex.:“Sócrates (= substância) corre (= agir)”.

Não são nem verdadeiras nem falsas. São indefiníveis porque demasiado universais.

Definições (Aristóteles delas trata nos  Analíticos segundos)

 j

 Juízos (Aristóteles dele trata no De interpretatione)Os termos se unem em um juízo que é o ato com o qual se afirma ou se nega algo de alguma outracoisa. O juízo é verdadeiro se no discurso se reúne alguma coisa que na realidade está reunida; éfalso em caso contrário. Nem todos juízos, porém, são parte da lógica, mas apenas os quepretendem afirmar ou negar alguma coisa (= juízos apofáticos)

Silogismo (Aristóteles dele trata sobretudo nos Analíticos)A união de três juízos forma um silogismo. P. ex.:

“Se todos os homens sãomortais e se Sócrates é umhomem então Sócrates émortal”.

A primeira proposição é a premissa maior, a segunda é a premissa menor, a terceira é a conclusão.“Homem” é o termo médio.

Existem vários tipos de silogismo:

erístico(Elencos sofistas)tem as premissasfalsas, mas queparecemverdadeiras.Estuda-se parapoder refutá-lo

Existem vários modos de silogismo que dependem da posição do termo médio.

Indução e intuiçãoQuem garante a verdade das premissas do silogismo?A indução, que é o procedimento através do qual do particular se chega ao universal,

Axiomas e princípiosSão proposições verdadeiras de verdade intuitiva (p. ex.: se de iguais se tiram iguais, permanecemiguais). Toda ciência tem seus próprios, mas alguns valem para mais ciências e um - ainda que emdiferentes versões - para todas. É o princípio de não-contradição.

Princípio de não-contradiçãoNão se pode afirmar ou negar do mesmo sujeito no mesmo tempo e na mesma relação dois predicadoscontraditórios. O princípio de não-contradição não pode ser demonstrado porque está no fundamentode toda demonstração, mas pode ser provado por via de refutação, mostrando que também quem onega, para negá-lo, deve dele fazer uso.

(Analíticos primeiros)não se ocupa do con-teúdo, mas apenas daforma (= coerência)do silogismo

(Analíticos segundos)tem as premissas ver-

dadeiras.Chama-se tambémdemonstração

(Tópicos) temas premissas pro-váveis.

A retórica  se baseiasobre estes

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Quinta parte - Aristóteles

 ARISTÓTELES

D fl metafísicacomo conhecimento teórico nomais alto grau

fí  Metafísica foi o mais imponenteobra de fíristóteles, junto com as obraslógicos e os éticas.

fíristóteles distinguiu as ciências emtrês grandes classes:

1) os ciências teoréticas;2)as ciências práticas;3) as ciências poiéticas, ou

produtivos.fís primeiros buscam o saber em si

mesmo, ou seja, com o único escopo deconhecer o verdade, fís segundasbuscam, ao contrário, o saber com o Fimde olconçorpor meio dele o perfeiçãomoral, fís terceiros perseguem o sabercom o escopo de produzir determinadosobjetos.

fís ciências que fíristótelesconsidero de longe mais altas peladignidade e pelo valor sõo os teoréticas,que incluem o metafísica, a física e amatemático. 6 a metafísico, por suo vez,é superior às outros duas ciênciasteoréticas e, portanto, o todos osciências, porque apresento umo visão doreol em sentido lobol.

 Todos os homens por naturezatendem ao saber. Sinal disso é o amorpelas sensações: com efeito, eles amam assensações por si mesmas, ainda que deforma independente de sua utilidade, e,mais do que todas, amam a sensação davista. Com efeito, não apenas com os finsda ação, mas também sem ter alguma in-tenção de agir, preferimos o ver, em certosentido, a todas as outras sensações. C omotivo está no fato de que a vista nos fazconhecer mais do que todas as outrassensações e nos torna manifestasnumerosas diferenças entre as coisas.

Os animais são naturalmente providosde sensação; mas, em alguns, da sensaçãonão nasce a memória; em outros, aocontrário, nasce. Por tal motivo estesúltimos são mais inteligentes e mais aptos

ligentes, mas sem capacidade de aprender,todos os animais que não têm faculdade de

ouvir os sons (por exemplo, a abelha e todooutro gênero de animais deste tipo);aprendem, ao invés, todos os que, além damemória, possuem também o sentido daaudição.

Portanto, enquanto os outros animaisvivem com imagens sensíveis e comlembranças, e pouco participam daexperiência, o gênero humano vive, ao invés,também de arte e de raciocínios. Noshomens, a experiência deriva da memória:com efeito, muitas lembranças do mesmoobjeto chegam a constituir umo experiênciaúnica, fl experiência, depois, parece ser um

tanto semelhante à ciência e à arte: comefeito, os homens adquirem ciência e artepela experiência, fl experiência, com efeito,[...] produz a arte, enquanto a inexperiênciaproduz o puro acaso, fl arte gera-se quando,por muitas observações de experiência, seforma um julgamento geral e único, referívela todos os casos semelhantes.

Por exemplo, julgar que a Callias, sofre-dor de determinado doença, certo remédioajudou, e que este ajudou também Sócratese a muitos outros indivíduos, é próprio daexperiência; ao contrário, julgar que a todosestes indivíduos, reduzidos a unidodes

segundo a espécie, sofredores de certadoença, certo remédio ajudou (por exemploaos fleumáticos ou aos biliosos ou aosfebricitantes), é próprio da arte.

Pois bem, para os fins da atividadeprática, a experiência não parece diferir emnada da arte; ao contrário, os empíricossaem-se até melhor do que aqueles quepossuem a teoria sem a prática. C a razãoestá no seguinte: a experiência éconhecimento dos particulares, enquanto aarte é conhecimento dos universais; oro,todas as ações e as produções se referem aoparticular: com efeito, o médico não cura ohomem a não ser por acidente, mas curaCallias ou Sócrates ou qualquer outroindivíduo que leva um nome como estes, aoqual, justamente, acontece ser homem.Portanto, se alguém possui a teoria sem aexperiência e conhece o universal mas nãoconhece o particular que nele está contido,mais vezes errará a cura, porque aquilo aque se dirige a cura é, justamente, oindivíduo particular.

 Todavia, consideramos que o saber e oentender sejam próprios mais da arte do queda experiência, e julgamos aqueles que pos-suem o arte mais sábios do que aqueles quepossuem apenas a experiência, enquanto es-

 

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, ,. 237 MCãpítulo sétilflO - /V-islóU-L-s e o Perípato ......................

CQUSQ, enquanto os outros dela nõo sabem. Osempíricos sabem o puro dado de fato, mas

não o porquê dele; os outros, ao contrário,conhecem o porquê e a causa.Por isso consideramos que os que têm a

direção nas artes particulares são maisdignos de honra e possuem maiorconhecimento e são mais sábios do que ostrabalhadores bra- çais, pois conhecem ascausas das coisas que são feitas; ostrabalhadores braçais, ao contrário, agem,mas sem saber o que fazem, assim comoagem alguns seres inanimados, por exemplo,assim como o fogo queima; cada um dessesseres inanimados age por certo impulsonatural, enquanto os trabalhadores braçais

agem por hábito. Por isso consideramos osprimeiros como mais sábios, não porquecapazes de fazer, mas porque possuem umsaber conceitual e porque conhecem ascausas.

£m geral, o caráter que distingue quemsabe em relação a quem não sabe é o ser ca-paz de ensinar; por isso consideramos que oarte é sobretudo ciência e não a experiência;com efeito, aqueles que possuem o arte sãocapazes de ensinar, enquanto os empíricosnão são capazes disso.

fllém disso, pensamos que nenhumadas sensações seja sabedoria: com efeito, se

também as sensações são, por excelência,os instrumentos de conhecimento dosparticulares, elas não nos dizem, porém, oporquê de nada: não dizem, por exemplo,porque o fogo é quente, mas apenasmarcom o fato de que ele é quente.

€ lógico, portanto, que quem descobriuem primeiro lugar uma arte qualquer,superando os conhecimentos sensíveiscomuns, tenha sido objeto de admiração porparte dos homens, justamente enquantosábio e superior aos outros, e não apenaspela utilidade de alguma de suasdescobertos. £ é lógico também que, tendosido descobertos numerosos artes, umasdirigidas às necessidades da vida e as outrasao bem-estor, tenham sido sempre julgadosmais sábios os descobridores destas do queos descobridores daquelas, pela razão queseus conhecimentos não eram dirigidos aoútil. Daí que, quando já haviam- seconstituído todas os artes deste tipo, passou-se à descoberta das ciências que não sãodirigidas nem ao prazer nem às necessidadesda vida, e isso ocorreu primeiro nos lugaresem que os homens estavam livres de ocupa-ções práticas. Por isso as artes matemáticas

se constituíram pela primeira vez no êgito:com efeito, lá concedia-se esta liberdade à

s "si

Cxistência e natureza

de Deus

O coração da  Metafísica aristotélica é oproblema do divino. Flristóteles oferece uma dasprimeiras demonstrações racionais da existênciade Deus, que teve muito sucesso em todos ostempos. Recordemos brevemente os pontos-chave da demonstração da existência de Deus eda sua natureza.

Toda formo de movimento explica-se comum princípio motor, que é justamente suo causa.Fl forma de movimento mais perfeita é a dos céus,que é um movimento contínuo e eterno. Mas,

como todo outro movimento, ele deve ter umprincípio que por sua vez não é movido, o qual,para produzir movimento eterno, deve ser eterno,e, para produzir movimento sempre contínuo,deve estar sempre em ato. Portanto, deve haver um motor primeiro eterno, ato puro, sem matéria esem potencialidade. 6 enquanto tal, ele movecomo objeto de amor, ou seja, como fim supremo.é este é justamente Deus, que é vida pura. vida deinteligência que pensa a si mesma. Deus é sumabeleza, sumo bem.

Uma vez que é possível que os coisasestejam deste modo — e se assim nãofosse todas as coisas deveriam derivar danoite, da mistura e do não-ser—, estasdificuldades poderão ser resolvidos.

€xiste algo que sempre se move commovimento contínuo, e este é o movimentocircular (e isso é evidente não só com oraciocínio mas também como dado defato); de modo que, o primeiro céu deve sereterno. Portanto, há também algo quemove. £, uma vez que isso que é movido emove é um termo intermédio, deve existir,

como conseqüência, algo que mova sémser movido e que seja substância eterna eato. € deste modo movem o objeto dodesejo e do inteligência: movem sem sermovidos. Ora, o objeto primeiro do desejo eo objeto primeiro do inteligência coincidem:com efeito, o objeto do desejo é aquilo queaparece o nós belo e o objeto primeiro davontade racional é aquilo que éobjetivamente belo, e desejamos algoporque o cremos belo, e não, vice-versa, ocremos belo porque o desejamos; comefeito, é o pensamento o princípio davontade racional. € o intelecto é movido

pelo inteligível, e a série positiva doso ostos é or si mesma inteli ível; e nesta

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Quinta parte - Aristóteles

cio, tem o primeiro lugar o substância que ésimples e está em ato (o uno e o simples

nõo sõo a mesma coisa: a unidade significauma medida e, ao contrário, a simplicidadesignifica o modo de ser da coisa): ora,também o belo e aquilo que é por sidesejável estão na mesma série, e o quevem primeiro na série é sempre o ótimo ouaquilo que eqüivale ao ótimo.

Que, depois, o fim se encontre entre osseres imóveis, demonstra-o a distinção (deseus significados): fim significa: (a) algumacoisa em vantagem da qual e (b) o próprioescopo de alguma coisa; no segundo destessignificados o fim pode encontrar-se entre osseres imóveis, no primeiro significado nõo.

Portanto, o primeiro motor move comoobjeto de amor, enquanto todas as outrascoisas movem sendo movidas.

Ora, se alguma coisa se move, podetambém ser diferente de como é. Portanto, oprimeiro movimento de translaçõo, mesmoque esteja em ato, pode todavia ser diversode como é, ao menos enquanto émovimento; evidentemente diferentesegundo o lugar, mesmo se não conforme asubstância. Mas, uma vez que existe algoque move sendo, ele mesmo, imóvel e emato, não pode ser de modo diverso de comoé em nenhum sentido. O movimento de

trans- lação, com efeito, é a primeira formade maturação, e a primeira forma detranslaçõo é a circular: e tal é o movimentoque o primeiro motor produz. Portanto, esteé um ser que existe por necessidade; e,enquanto existe por necessidade, existecomo bem, e deste modo é Princípio. (Comefeito, o "necessário" tem os seguintessignificados: (a) aquilo que se faz porconstrição contra a inclinação, (b) aquilo semo qual não existe o bem, e, por fim, (c) aquiloque pode absolutamente ser diverso decomo é).

De tal Princípio, portanto, dependem océu e a natureza. € seu modo de viver é omais excelente: é aquele modo de viver queé concedido a nós apenas por breve tempo.£ naquele estado Cie é sempre. Para nós issoé impossível, mas para Cie nõo é impossível,poiso ato do seu viver é prazer. 6 também paranós, vigília, sensação e conhecimento sãoagradáveis em sumo grau, exatamenteporque sõo ato, e, em virtude disso, tambémesperanças e recordações.

Ora, o pensamento que é pensamentopor si, tem como objeto aquilo que é por si

mais excelente, e o pensamento que é talem máximo grau tem por objeto aquilo que é

dem. fi inteligência é, com efeito, aquilo queé capaz de captar o inteligível e a

substância, e está em ato quando os possui.Portanto, mais ainda que tal capacidade, éesta posse aquilo que a inteligência tem dedivino; e o atividade contemplativa é aquiloque existe de mais agradável e de moisexcelente.

Se, portanto, nesta feliz condição emque nos encontramos às vezes, Deus seencontra perenemente, é maravilhoso; e seCie se encontra em uma condição superior,é ainda mais maravilhoso. € nesta condiçãoCie efetivamente se encontra. C Cie étambém Vida, porque a atividade dainteligência é vido, e Cie é justamente essa

atividade. € a atividade dele, que subsistepor si, é vida ótima e eterna. Dizemos, comefeito, que Deus é vivente, eterno e átimo;de modo que o Deus pertence uma vidaerenemente contínua e eterna: este é

 A olmo

fi alma Foi certamente umo dosmois influentes obros de fíristóteles.Hegel, referindo-se à problemático do

espírito objetivo, fazia até este julgamento: "O tratado fi alma deFíristóteles é ainda sempre a melhor etalvez única obra, de interesseespeculativo, sobre tal objeto''.

Desde sempre esta obra suscitouproblemas também de caráterinterpretativo, em particular no que serefere à questão da imortalidade daalma. Já no âmbito dos Rristo- télicossurgiu a interpretação segundo a qualFíristóteles não falaria de imortalidadepessoal, com toda uma série dediscussões ligadas, e com as relativas

conseqüências. Rindo Mortinho Luteroescrevia a este propósito: "Deus nosenviou nele [Aristóteles] uma praga paranos punir de nossos pecados. Comefeito, aquele desgraçado ensino, noseu melhor escrito, De anima, que oalma morre com o corpo, emboramuitos com palavras inúteis tenhamquerido salvá-lo".

Na realidade a tese de Fíristóteles éque não toda olmo é imortal: não sõoimortais a almo vegetativa e a almasensitiva, que nõo possuem existência anõo ser em conexão com a matéria,

enquanto é imortal a alma intelectiva. 

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241Cãpltíilo sétimo - Aristóteles e o "Perípato ----------

cindível pora qualquer pessoa que trate

desta problemática de modosistemático.O bem supremo pora o homem,

afirma fíristóteles, concordando com aconvicção de todos os pensadoresgregos em gerai é o felicidade, feto,porém, não consiste, como comumentese diz, nas riquezas ou nos prazeres ounas honras, e sim no virtude (no sentidoda helênica aretéj, ou seja, no expli-cação e atuação das peculiaridades dohomem, ou sejo, em uma vida segundoo razão e na atividade do alma segundoa razão.

fí este respeito, fíristótelesdistingue as "virtudes éticas" e as"virtudes dionéticas", as primeirasreferindo-se às portes irracionais daolmo, as segundas, ao contrário, à parteracional.

fís virtudes éticas consistem emencontrar e adquirir o meio justo entreos excessos e as faltas aos quais noslevariam os apetites e as paixões nosnossas ações.  6  este "mediedade" domeio justo, longe de ser uma formo de"mediocridade", representa o ápice, ousejo, a imposição do valor da razão sobre

a irracionalidade, fí coragem, porexemplo, é o meio-termo entre atemeridade e a vile- za; a liberalidade éo meio-termo entre a prodigalidade e aavareza, e assim por diante.

fís virtudes dionéticas consistem noatuação da razão considerada em simesma.  6, uma vez que a razão podeser aplicada a coisas mutáveis e acoisas imutáveis, será preciso distinguirduas formos diferentes de virtudeteorética: a sabedoria, que consiste nadireção reta da vida do homem porparte da razão e que indico os meios

mais idôneos para alcançar os finsverdadeiros e supremos; a sapiência,

1. Rs virtudes éticas

Não é suficiente ter dito seu gênero,que é um hábito; devemos dizer suaespécie, qual hábito seja. C preciso portantodizer que toda virtude aperfeiçoa o ser emque é virtude e a operação que daí procede.Assim, a virtude do olho torna excelente oolho e sua operação: é, com efeito, pelavirtude do olho que vemos bem. Da mesmaforma, a virtude do cavalo o torna galhardoe bravo para correr, levar o cavaleiro

e resistir aos inimigos. £ se é assim em todasas coisas, também a virtude do homem será

um hábito graças ao qual o homem torna-sebom, e torna-se valente no fazer sua obra dehomem. Como isto poderá ser já o dissemos,mas se tornará ainda mais manifesto seexaminarmos qual é a natureza da virtudehumana.

Cm toda coisa contínua e divisível severifica o mais, o menos e o igual, tantoconsiderando-os em relação à coisa, comoem relação o nós. O igual está quase nomeio, entre o excesso e a falta. Digo meioem relação à coisa aquilo que distaigualmente de um e do outro dos extremos:ele é um e o mesmo pora todos. Digo meio

em relação a nós aquilo que não é nemsuperabundante nem deficiente: ele não éum nem o mesmo para todos. Por exemplo,se o dez é demasiado e o dois é pouco, oseis deverá ser assumido como o meio emrelação à coisa, uma vez que de tantosupera o dois quanto é superado pelo dez.Cste é o meio segundo a proporçãoaritmética. O meio em relação a nós nãodeve ser tomado do mesmo modo. Comefeito, se o destruir dez minas é demasiado eduas é pouco, nem por isso o professor deginástica prescreverá destruir seis minas:pode acontecer, de foto, que também seis

minas seja demasiado ou pouco demais paraquem deve tomá-las. Seriam poucas paraMilão, demasiado para um principiante. Amesma coisa deve ser dito sobre a corrida esobre a luta. Cste é o modo com o qualquem tem ciência evita o demasiado e opouco; ele procura e escolhe o meio não emrelação à coisa, mas em relação o si mesmo.Se, portanto, toda ciência de tal modocumpre bem sua obra olhando o meio e aele dirigindo suas obras (de onde se costumadizer que quando a obra é perfeita não hánada a acrescentar e nada a tirar, per-suadidos de que o excesso e a falta arruinama perfeição; a mediedade, ao contrário, aconserva); e se os bons artífices, comodizemos, olhando para isso realizam suaobra, e se a virtude, não menos que onatureza, é mais exata e melhor que todaarte, também a virtude deverá, portanto,tender ao meio.

Digo o virtude ética, que versa arespeito das paixões e das ações, onde

 justamente se verificam excesso e falta emeio: assim, por exemplo, no temer, noousar, no desejar, no inflamar-se, nocomover-se, e, geralmente, no gozar e no

sentir dor, há um muito e um pouco, eambos nõo sõo bons. Mas, ter essas paixões

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Quinta parte - yVistó+el es

excesso, o falta 0 o m0io. fl virtude,portanto, V0rsa a r0sp0ito das poixõ0s 0 dos

ações, nos quois o excesso é um erro 0 a foito 0 censurada,- o m0io, ao contrário, 0louvado, 0 nele está a retidão: duas coisaspróprias do virtude. fl virtud0 é, portanto,uma m0di0dad0, uma V0Z qu© dirig© suam0ta ao m0io.

Rristóteles, ético o Nicômaco.

2. Rs virtudes dianéticas

Pois bem, comum0nt0 s© diz qu© épróprio do sábio ser capaz de bem deliberarsobre aquilo qu© é bom 0 vantajoso poro0I0, mas não d0 um ponto de vista parcial,como, por 0X0mplo, para o saúde ou para aforça, mas sobre aquilo qu© é bom 0 útilpora uma vida feliz 0m sentido global. [...]

Como conclusão, t0mos que asabedoria é uma disposição verdadeira,razoável, disposição para a ação que tem porobjeto aquilo que é bem 0 aquilo qu© 0 malpara o homem {...].

Uma vez, pois, que as partes racionaisda alma são duas, o sabedoria será avirtud© de uma das duos, a opinativa: com©feito, tonto a opinião como a sabedoria S0referem às coisas qu© pod0m ser de outroformo. Além disso, a sab0doria não é ap0nosuma

disposição rozo- áv0l: prova disso é

quede  S0m0lhant0  disposição pod0hav0r0squ0cimento; da sabedoria, aocontrário, não.

é claro, portanto, que o sapiência é omais perf0ita das ciências. Porcons0guint0, épreciso que o sapient0 conheça não só aquiloqu© deriva dos princípios, mas também qu©capto o verdad0iro no qu© s© refere aospróprios princípios. Pode-se dizer, portanto,que o sapiência seja, ao mesmo tempo,intelecto e ciência, porquanto é ciência, comfundamento, das mais sublimes realidades. 6absurdo, com efeito, pensar qu© a política 0

a sab©doria s©jam o formo mois alta d©conhecimento, se é fato que o homem não éo realidade de maior valor no universo.

Rristóteles, ética a Nicômaco.

3. Felicidade e fim supremo do homem

é evidente que, se verificarmos a varia-ção das sortas, freqüentemente deveremosdizer que um mesmo indivíduo é ora feliz,ora infeliz, representando-o como umcamaleão © como olgo sobre basesinstáveis. Cntão, tolvez a verificação davariação das sortes é algo nada sensato: ofelicidade e a infelicidade não estão nelos,

mos muito mais elas estão a serviço da vidahumana daquele modo que dissemos. Pora a

as atividades conforme o virtude, e para oinfelicidade as atividades contrárias.

Nossa sentença recebe confirmação da-quilo que aqui se discute. Com ©feito, paranenhuma das obras humanas se encontratonto estabilidade como pora os atividadessegundo o virtude: ©Ias parecem ser atémais estáveis que as ciências. €, entre elas,as que são mais honráveis são também maisestáveis, uma vez que nelos sobretudo eininterruptamente as pessoas felizestranscorrem sua vido. C a razão disso pareceser o de qu© delas não há esquecimento.Cncontrar-se-á, portanto, o que se procura,no homem feliz, e ©I© será tal por toda avida. Sempre ele, ou mais qu© qualquer

outro, dirigirá o obro e a mente para aquiloque é conforme à virtude, © suportará muitobem os golpes da sorte, com dignidade emtudo e por tudo, se ele de fato for bom eíntegro, sem qualquer censura.

Se o felicidade é otividode conforme àvirtude, é lógico que o seja segundo a maisexcelente virtude, que é a da porte melhorda alma. Seja ela o intelecto ou qualqueroutro coisa, qu© por natureza parece ter ocomando e a direção e ter noção dos coisasbelas e divinos, e seja uma coisa divina ou oqu© de mais divino há em nós, suaatividade, segundo a virtude que lhe é

própria, constituirá a felicidade perfeito. Quetal otividade seja a contemplativo já o disse-mos,- e isso está de acordo tonto com ascoisas anteriormente ditas, como com averdade.

 Tal atividade é a mais excelente, pois ointelecto é a mais excelente das coisas queexistem em nós, e entre os objetosconhecidos os mais excelentes são oquelesem torno dos quais versa o intelecto. C étambém a atividade mais contínua:podemos, com efeito, permanecer nacontemplação de modo mais contínuo queem qualquer outro otividade. Consideremos,além disso, que à felicidade deve estar unidoo prazer, e convenhamos que entre asatividades conformes à virtude deva seragradabilíssima a que é conforme àsapiência: a filosofia, na verdade, trazconsigo, como parece, prazeres admiráveispelo pureza e estabilidade; e é lógico queeste modo de viver, mais que àqueles queainda buscam, deve ser doce para aquelesque já sabem. Também aquela qualidadeque denominamos auto-suficiência seencontra sobretudo no atividadecontemplativa. Das coisas necessárias pora

viver têm necessidade tonto o sapiente,como o justo e os outros; todavia, uma vez

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243Capítulo sétimo - ywistó+el es e o "Perípato ---------

dos outros. O sapiente, tombém estando asós, ®stá em grau do exercitar suo atividade

contemplativa, 0 tanto mais quanto mais ésapiente. Seria talvez m0lhor so tivessecolaboradores, mas também a sós éplenamente suficiente para si mesmo.Pareceria também que apenas a con-templação seja amada em si mesma, poisnada provém dela exceto o contemplar,enquanto das atividades práticas extraímossempre, mais ou menos, alguma vantagemalém da própria atividade.

Parece, olém disso, que a felicidadeconsiste na tranqüilidade: com efeito,livramo-nos das obrigações para poder ficartranqüilos, e fazemos a guerra para depois

gozar a paz. fi atividade própria das virtudeséticas desenvolve-se nas obrigações doGstado e da guerra; mas as ações que a elasse referem nõo concordam com atranqüilidade, sobretudo os da guerra.Depois, ninguém escolhe fazer guerra porfazer guerra, nem S0 prepara para isso; 0pareceria até sanguinário alguém quetornasse inimigos os amigos, para fazersurgir batalhas 0 morticínios. Também aatividade do homem de Cstado é semtranqüilidade, pois além das obrigaçõespróprias da política, empenha-se emprocurar poder e honras ou também, para si

0 para os cidadãos, a felicidade qu0 édiferente da política e que, evidentemente,tombém nós buscamos como algo diverso dapolítica.

Se, portanto, entre as ações conformesà virtude, as políticas e as guerreirasexcelem em boteza 0 om grand0za, mas sãosom tranqüilidade e são buscadas não em simesmas mas por alguma outra coisa, 0 se,ao contrário, a atividade do intelecto, que é acontemplação, se mostra superior por valor 0não visa a nenhum fim fora d0 si própria 0tem seu prazer próprio que faz crescer aatividade e é auto- suficiente 0 semnenhuma inquietude e, no que dopend© dohomem, contínua, e todas as outrasqualidades que se atribuem ao homem felizparecem estar unidas com tal atividade, en-tão ela seria justamente a perfeita felicidadedo homem, caso alcance perfeita duração‘de vida. Nada de imperfeito pode, comefeito, ser admitido naquilo que pertence òfelicidade.

4. O ideal do homem é viverna dimensão do divino

 Todavia, uma vida de tal espécie seria

superior à natureza humana; pois não maiscomo homem lhe será possível viver assim,

tra virtude. Se, portanto, o intelecto 0 algode divino em confronto com o homem,

também a vida segundo o intelecto será vidadivina em confronto com a vida humana.Não convém, portanto, seguir a exortaçãodaqueles que dizem que deve atender acoisas humanas quem tom naturezahumana 0 a coisas mortais quem é mortal,flo contrário: convém, o quanto pos- sívol,tornar-so imortal 0 fazer de tudo para viversegundo a parte que em nós é a maisexcelente: mesmo que pequena pordimensão, ultrapassa enormemente todasas outras por potência e por dignidade. € seela é de fato a parto soberana e melhor,poder-se-ia também dizer que cada um se

identifica com ela. De modo que seriaabsurdo que alguém escolhesse não a vidaque lhe é própria, mas outra qualquer.

Aristóteles, ética a Nicômaco.

R política

R Política Foi uma dos obros moislidas 0 mois apreciados em todos ostempos. Cia se aFasto notavelmente do

Ropública de Platõo, que tem um caráteridealista extremo e que, em certosaspectos, revela-se utópica, e seavizinha mais ao espírito do Político 0 dasLeis que, em certa medida, levam emconta as instâncias realistas.

Cm primeiro lugar, devemossalientar o grandioso representação dohomem como "animalpolítico"; o homemnõo é autárquico e por isso temnecessidadel de relação com outros 0 deentrar em comunidade. Do r0laçõo dehom0m e mulher que leva à Família (emcujo núcleo segundo a concepção grega

entrava também o escravo) possa- se àcomunidade da aldeia, e da comunidadedas aldeias se chega à Cidade (aoCstado).

O Cstado, que é últimocronologicamente, é, ao contrário,primeiro ontologicamente, porque écomo o "todo” do qual os aldeias 0 aFamília sõo as partes, e é justamente o"todo" e a enas o "todo" ue dá

Destas duas comunidades [marido-mulher e senhor-escravo] surge antes de

tudo a família, assim como disse justamente Hesíodo, poetando:

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ASESCOLASFILOSÓFICAS DA ERAHELENÍSTIC

A* Cinismo

* Epicurismo Estoicismo

*

“É vão o discurso do filósofo que não cure algum

mal do espírito humano.”

Epicuro

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Capítulo oitavo

A passagem da era clássica para a erahelenística

Capítulo nono

O florescimento do Cinismo em era helenística

Capítulo décimo

Epicuro e a fundação do “jardim”

Capítulo décimo primeiro

O Estoicismo

Capítulo décimo segundo

O Ceticismo e o Ecletismo

24

25

3

25

9

Capítulo décimo terceiro

Os desenvolvimentos e as conquistas da ciênciana era helenística 311

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íSapítulo oitavo

y\ passagem da e^a classica pam a em

kelemsfica

• A grande expedição de Alexandre Magno (334-323 a.C.) para o Oriente e assucessivas conquistas territoriais, com a formação de um império vastíssimo e ateorização de uma monarquia universal divina, tiveram comoefeito imediato o de colocar em gravíssima crise a Pólis (a Cida- o

de-Estado). Não se tratou apenas de revolução política, mas desmoronamentotambém e sobretudo de revolução espiritual e cultural, a par- da pólis

tir do momento que na dimensão política (isto é, na vida den- 5 1

tro da Pólis) se reconheciam todos os grandes filósofos gregos,os quais justamente sobre este fundamento construíram seus sistemas morais esua antropologia.

• O ideal da Pólis, portanto, é substituído pelo ideal "cos-mopolita" (o mundo inteiro é uma Pólis), e o homem-citadinoé substituído pelo homem-indivíduo; a contraposição grego-bárbaro em larga medida é superada pela concepção do ho-mem em uma dimensão de igualitarismo universal.

• Compreendemos então por que todas as filosofias até então elaboradas —

com exceção da socrática — arriscaram tornar-se desatualizadas e superadas pelostempos. Surgiu assim fortemente a exigência de novas filosofias mais eficazes doponto de vista prático, que ajudassem a Da cultura enfrentar os novosacontecimentos e a inversão dos antigos helênica valores aos quais estavamestreitamente ligadas. De tal modo, à culturaa cultura helênica, difundindo-se em vários lugares, tornou-se helenística culturahelenística, e o centro da cultura passou de Atenas para -^> § 5 Alexandria. Comoexpressões das novas exigências impuseram- se de modo particular a filosofiacínica, a epicurista, a estóica e a cética, enquanto o Platonismo e o Aristotelismocaíram em grande medida no esquecimento.

O idealcosmopolita ->■ 

. y\s conseqüênciasespirituaisda revoluçãoop&^ac\a por^Alexandre 7V\agno

São poucos os eventos históricosque, por sua relevância e suasconseqüências, assinalam de modoemblemático o fim de uma época e oinício de outra. A grande expedição de

Alexandre Magno (334-323 a.C.) é um

cas que provocou, mas por toda umasérie de mudanças concomitantes deantigas convicções, que determinaramreviravolta radical no espírito do mundogrego, o qual marcou o fim da épocaclássica e o início de nova era.

A conseqüência política maisimportante produzida pela revolução deAlexandre foi o desmoronamento daimportância sociopolítica da Pólis. JáFilipe da Mace- dônia, pai de Alexandre,ao realizar seu projeto de predomíniomacedônio sobre a Grécia, embora

respeitando formalmente as Cidades,

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Sexta parte - jAs escolas filosóficas da era kelenís+ica

Alexandre Magno (.i 16 - > a.( . !  foi ocriador tio Hclcnismo.estátua é conservada em Paris. / ;<> I < >1 1

Mas Alexandre, com seu projeto de umamonarquia divina universal, que deveriareunir não só as diversas Cidades, mastambém países e raças diversos, vibrouum golpe mortal na antiga concepçãoda Cidade-Esta- do. Alexandre nãoconseguiu realizar esse projeto por

causa de sua morte precoce, ocorridaem 323 a.C., e talvez também porque ostempos ainda não estavam madurospara tal projeto. Todavia, depois de 323a.C., formaram-se os novos reinos noEgito, Síria, Macedônia e Pérgamo. Osnovos monarcas concentraram o poderem suas mãos e as Cidades-Estado,perdendo pouco a pouco sua liberdade esua autonomia, deixaram de fazerhistória como no passado.

Encontravam-se assim destruídosaqueles valores fundamentais da vidaespiritual da Grécia clássica, queconstituíam o ponto de referência do

blimaram e hipostasiaram, fazendo daPólis não apenas uma forma histórica,

mas inclusive a forma ideal do Estadoperfeito. Como conseqüência, aos olhosde quem visse a revolução deAlexandre, essas obras perdiam seusignificado e vitalidade, aparecendoimprevistamente em dissonância com ostempos e colocando-se em perspectivasuperada.

V ifusão do ideal cosmo olita

Ao declínio da Pólis nãocorresponde o nascimento deorganismos políticos dotados de novaforça moral e capazes de acender novosideais. As monarquias helenís- ticas,nascidas da dissolução do império deAlexandre, ao qual nos referimos, foramorganismos instáveis. Entretanto, não oforam de tal forma a provocar reaçãodos cidadãos nem de constituir ponto dereferência para a vida moral. De“cidadão”, no sentido clássico do termo,o homem grego torna-se “súdito”. Avida nos novos Estados se desenvolveindependentemente do seu querer. As

novas “habilidades” que contam não sãomais as antigas “virtudes civis”, massão determinados conhecimentos téc-nicos que não podem ser do domínio detodos, porque requerem estudos edisposições especiais. Em todo caso,elas perdem o antigo conteúdo éticopara adquirir conteúdo propriamenteprofissional. O administrador da coisapública torna-se funcionário, soldado oumercenário. E, ao lado deles, nasce ohomem que, não sendo mais nem oantigo cidadão nem o novo técnico,assume diante do Estado uma atitudede desinteresse neutro, quando não deaversão. As novas filosofias teorizamessa nova realidade, colocando o Estadoe a política entre as coisas neutras, ouseja, moralmente indiferentes oufrancamente entre as coisas a evitar.

Em 146 a.C., a Grécia perdetotalmente a liberdade, tornando-seprovíncia romana. O que Alexandresonhou, os romanos o realizaram deoutra forma. E assim o pensamentogrego, não vendo uma alternativapositiva à Pólis, refugiou-se no ideal do

“cosmopolitismo”, considerando o mun-do inteiro uma cidade, a ponto de incluir

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Cdpítulo oitavo - passagem da era clássica para a era helemsfica

homem é obrigado a buscar sua novaidentidade.

n2j|| y\ descoberta do indivíduo

Esta nova identidade é a do “indiví-duo”. Na era helenística o homemcomeça a descobrir-se nessa novadimensão: “A educação cívica do mundoclássico formava cidadãos; a cultura daépoca de Alexandre forjou, depois,indivíduos. Nas grandes monarquiashelenísticas, os liames e as relações

entre o homem e o Estado tornam-secada vez menos estreitos e imperiosos;as novas formas políticas, nas quais opoder é mantido por um só ou porpoucos, permitem sempre mais a cadaum forjar a seu modo a própria vida e aprópria fisionomia moral; e, mesmo nascidades onde perduram as antigasordenações, como em Atenas (ao menos

degradada, parece apenas sobreviver asi mesma, lânguida, intimidada, entre

veleidades de reações reprimidas e semprofundo consentimento dos espíritos. Oindivíduo está doravante livre diante desi mesmo” (E. Big- none). E, como éóbvio, na descoberta do indivíduo cai-se, às vezes, nos excessos doindividualismo e do egoísmo. Mas arevolução tinha tal importância que nãoera fácil mover-se com equilíbrio nanova direção.

Como conseqüência da separaçãoentre o homem e o cidadão, nasce aseparação entre “ética” e “política”. Aética clássica, até Aristóteles, baseava-

se no pressuposto da identidade entrehomem e cidadão; por isso, baseava-sena política e até subordinava-se a ela.Pela primeira vez na história da filosofiamoral, na época helenística, graças àdescoberta do indivíduo, a ética seestrutura de maneira autônoma,baseando-se no homem como tal, na

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Sexta parte - ;As escolas -filosóficas da avcx kelerus-Hca

CD desmoronatrven+o dos

preconceitos racistas entre

(gregos e Bárbaros

Os Gregos consideravam osBárbaros “por natureza” incapazes decultura e de atividade livre e, emconseqüência, “escravos por natureza”.Até Aristóteles, como vimos, teorizou naPolítica essa convicção. Alexandre, aocontrário, tentou, não sem sucesso, aempresa gigantesca da assimilação dosBárbaros vencidos e de sua equiparaçãoaos Gregos. Instruiu milhares de jovensBárbaros com base nos cânones dacultura grega e fê-los prepararem-se naarte da guerra com técnica grega (331a.C.). Ordenou, ademais, que soldados eoficiais macedônios desposassemmulheres persas (324 a.C.).

 Também o preconceito daescravidão viu-se contestado porfilósofos, pelo menos em teoria. Epicuronão só tratará familiarmente os escravoscomo também os desejará participantesdo seu ensinamento. Os Estóicosensinarão que a verdadeira escravidão éa da ignorância e que à liberdade do

saber podem aceder, quer o escravo,quer o seu senhor, e a história doEstoicismo terminará de modo

Atenas. Se Atenas conseguiupermanecer a capital do pensamento

fi losófico, Alexandria tornou-seinicialmente o centro no qual flo-resceram as ciências particulares e,quase no fim da época helenística, eprincipalmente na época imperial,também o centro da filosofia.

 Também de Roma, vencedoramilitar e politicamente, mas que aHélade culturalmente conquistou parasi, vieram estímulos novos, adequadosao realismo latino, que contribuíram demodo relevante para criar e difundir ofenômeno do ecletismo, do qualfalaremos adiante. Os mais ecléticos

dos filósofos foram os que tiveramcontato mais intenso com os romanos, eo mais eclético de todos foi Cícero.

Compreende-se assim que opensamento helenístico tenha seconcentrado sobretudo nos problemasmorais, que se impõem a todos oshomens. E ao propor os grandesproblemas da vida e algumas soluçõespara os mesmos, os filósofos dessaépoca criaram algo de verdadeiramentegrandioso e excepcional. O cinismo, oepicurismo, o estoicismo e o ceticismo

propuseram, modelos de vida nos quaisos homens continuaram a se ins irar

5 Va cultura "kelênica" à

cultura “kelenística"

A cultura “helênica”, com suadifusão entre os vários povos e raças,torna-se “helenística”. Essa difusãocomportou, fatalmente, perda de

profundidade e pureza. Entrando emcontato com tradições e crençasdiversas, a cultura helênica deviafatalmente assimilar alguns de seuselementos. Fez- se sentir a influência doOriente. E os novos centros de cultura,tais como Pérgamo, Rodes e sobretudoAlexandria, com a fundação da

0 Sábio. No período helenístico a figurado sábio constitui uma das fortes idéiassintéticas que dão tom a determinadatemperatura cultural. Com efeito,sobretudo para os Estóicos, o sábiorepresenta a encarnação da arte perfeitade viver — isto é, da filosofia em formasidealizadas e quase

Embora cada Escola helenística carre-gasse o termo com conotações próprias,o denominador comum para todas foi oda superioridade do sábio em relação àscoisas e aos acontecimentos, que,grdÇcis á sua virtude, ele podeperfeitamente dominar.

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(S< \pNulo nono ................

O f'lo^esL■  _ imento do (Srnismo em em

kelemstica

I. V iÓ0eKve.s de 5inope.

O Cinismo comomovimentoanticulturalista-*§1-3

• Embora fundado por Antístenes depois da morte deSócrates, o Cinismo encontrou uma espécie de refundação comDiógenes de Sinope, que o levou a grande sucesso. Diógenesimprimiu ao movimento uma clara orientação anticulturalista,no sentido de que declarou completamente inútil a pesquisafilosófica abstrata e teórica para fins de alcançar a felicidade.Eram necessários, sobretudo, o exemplo e a ação. Por isso, o ensinamento deDiógenes se concentrou sobre uma vida vivida fora de qualquer convenção e re-duzindo as necessidades ao essencial.

• O ideal foi o da autarquia, do bastar a si mesmo, e do tornar-se indepen-dentes dos outros. Ou seja, a vida cínica se concretizava em conduta inteiramentelivre, em que sem remoras, mas freqüentemente também semregras, se exercia o direito de palavra {parrhesía) e de ação o ideal da (anáideia),

muitas vezes com função provocatória. Para alcan- autarquia çar tal objetivo erapreciso ter total desprezo pelo prazer e li- -»§ 4-5 bertar-se dele, e até atuar umarevalorização radical do exercício e da fadiga, capazes de temperar o espírito etorná-lo independente das necessidades supérfluas. ,

 Jjgi y\ radicalização do (Z-inismo

O fundador do Cinismo do ponto de

vista da doutrina (ou, pelo menos, desuas teses capitais) foi Antístenes, como

 já sabemos. Mas coube a Diógenes deSinope a ventura de tornar-se oprincipal expoente e quase o símbolodesse movimento. Diógenes foicontemporâneo (mais velho) deAlexandre. Um testemunho antigo re-gistra ademais que ele “morreu emCorinto no mesmo dia em que Alexandremorreu na Babilônia”.

Diógenes não só levou às últimasconseqüências as instâncias levantadaspor Antístenes, mas também soube

radicais que, por séculos inteiros, foramconsiderados verdadeiramenteextraordinários. Diógenes rompeu aimagem clássica do homem grego. E anova que propôs logo foi considerada

um paradigma: com efeito, a primeiraparte da época helenística e depoisainda a época imperial reconheceramnela a expressão de uma parteessencial de suas próprias exigências defundo.

O programa do nosso filósofo seexpressa inteiramente na célebre frase“procuro o homem”, que, como serelata, ele pronunciava caminhandocom a lanterna acesa em pleno dia, noslugares mais apinhados. Com evidente eprovocante ironia, queria significarexatamente o seguinte: busco o homem

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Sexta parte - As escolas filosóficas da era kelemstica

Este baixo-relevo retrata Diógenes, o Cínico,que escolhera como casa um barril.

O cão em cima do barril é o símbolo do Cinismo.O personagem à direita é Alexandre Magno.Conta-se que certo dia, enquanto Diógenestomava sol, aproximou-se Alexandre (que eraseu grande admirador) e lhe perguntou:“Pede-me o que quiseres, e eu te darei".Diógenes lhe respondeu:"Não me faças sombra; devolve meu sol".A resposta é emblemática, resumindo osentimento de uma época.O baixo-relevo se encontra em Roma, na VillaAlbani.

2 O modo de viver do íSínico

E ainda nesse contexto estãoincluídassuas conclusões extremistas, que olevavama proclamar como necessidadesverdadeira-mente essenciais do homem asnecessidadeselementares de sua animalidade.

 Teofrastonarra que Diógenes “viu, uma vez, umratocorrer daqui para lá, sem objetivo (não

bus-cava lugar para dormir, nem tinha medodastrevas, nem desejava algo daquilo quecomu-mente se considera desejável) e assimcogitouum remédio para suas dificuldades”.Logo,é um animal que dita ao Cínico o mododeviver: um viver sem meta (sem asmetas quea sociedade propõe como necessárias),semnecessidade de casa nem de moradiafixa esem o conforto das comodidadesoferecidaspelo progresso.

E eis como Diógenes, segundotestemu-nhos antigos, pôs em prática essasteorias:  Texto

as convenções da sociedade e dopróprio capricho da sorte e da fortuna,sabe reencontrar sua genuína natureza,sabe viver conforme essa natureza e,assim, sabe ser feliz.

E nesse contexto que se incluemsuas afirmações sobre a inutilidade dasmatemáticas, da física, da astronomia,da música e o absurdo das construçõesmetafísicas, substituindo a mediaçãoconceitual pelo comportamento, oexemplo e a ação. Com Diógenes, defato, o Cinismo torna-se a mais“anticultural” das filosofias que a Grécia

|g|||j .Liberdade de palavra

e de vida, exercício e fadiga

Esse modo de viver, paraDiógenes, coincide com a “liberdade”:quanto mais se eliminam asnecessidades supérfluas, mais se élivre. Mas os Cínicos insistiram sobre aliberdade, em todos os sentidos, até osextremos do paroxismo. Na “liberdadede palavra” ( parrhesía), tocaram oslimites da desfaçatez e da arrogância,até mesmo em relação aos poderosos.

“ ”

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CdpítUÍO tlOtlO - O flo^escime^to do (Simsmo em e^a kelenís+ica

sidade. Com efeito, embora com essaanái- deia Diógenes fundamentalmente

tenha pretendido demonstrar a “nãonaturalidade” dos costumes gregos, nemsempre ele manteve a medida, caindoem excessos que bem explicam a cargade significado negativo com que o termo“cínico” passou à história e que aindahoje mantém.

Diógenes resumia o método quepode conduzir à liberdade e à virtudenos dois conceitos essenciais de“exercício” e “fadiga”, que consistiamnuma prática de vida capaz de temperaro físico e o espírito nas fadigas impostaspela natureza e, ao mesmo tempo,

igÉüi Desprezo do prazer

e autarquia

Esse “desprezo do prazer”, jápregado por Antístenes, é fundamentalna vida do Cínico, já que o prazer não sódebilita o físico e o espírito, mas põe emperigo a liberdade, tornando o homemescravo, de vários modos, das coisas e

dos homens aos quais os prazeres estãoligados. Até o matrimônio eracontestado pelos Cínicos, que osubstituíam pela “convivência concordeentre homem e mulher”. E,naturalmente, a Cidade era contestada:o Cínico proclamava-se “cidadão domundo”.

A “autarquia”, ou seja, o bastar-sea si mesmo, a apatia e a indiferençadiante de tudo eram os pontos dechegada da vida cínica. O episódioseguinte, tornado famoso e, além disso,marco simbólico, define o espírito doCinismo talvez melhor do que qualqueroutro. Certa vez, quando Diógenestomava sol, aproximou-se o grandeAlexandre, o homem mais poderoso daterra, que lhe disse: “Pede- me o quequiseres”; ao que Diógenes respondeu:“Devolve-te do meu sol”. Diógenes nãosabia o que fazer com o enorme poderde Alexandre; bastava-lhe, para estarcontente, o sol, que é a coisa maisnatural, à disposição de todos, ou

 Talvez Diógenes tenha sido oprimeiro a adotar o termo “cão” para seautodefinir, vangloriando-se desseepíteto, que os outros lhe atribuíam pordesprezo, e explicando que se chamava“cão” pelo seguinte motivo: “Faço festaaos que me dão alguma coisa, latocontra os que nada me dão e mordo oscelerados.”

Diógenes foi porta-voz de muitasinstâncias da era helenística, mesmoque de modo unilateral. Os próprioscontemporâneos já o entendiam assim,erguendo-lhe uma coluna encimada porum cão de mármore de Paros, com ainscrição: “Até o bronze cede ao tempoe envelhece, mas tua glória, Diógenes,permanecerá intacta eternamenteporque só tu ensinaste aos mortais adoutrina de que a vida basta-se a simesma e mostraste o caminho mais

Figura de Diógenes de um esboço para“A Escola de Atenas", de Raffaello.

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256SextU parte - ;As escolas filosóficas da era helervís+ica

II. (Srafes e oufros C I K V Í C O S  da

epoca kelervística

E • Depois de Diógenes, o Cinismo manteve a linha anticul-

docfnismo turalista e anti-social que o mestre lhe havia imposto. Crates,em

§ 1 particular, procurou realizar uma vida matrimonial de tipo cínico, fora de qualquer convenção.

O Cinismo encontrou sua expressão literária na diatribe, a qual pode ser con- 

Outras figuras significativas do C A 

niswo kelenístico

Crates foi discípulo de Diógenes euma das figuras mais significativas dahistória do Cinismo. Viveuprovavelmente por volta do início doséc. III a.C. Difundiu o conceito de queas riquezas e a fama, longe de serembens e valores, para o sábio são males.E ainda afirmou que seus contrários,“pobreza” e “obscuridade”, são bens.

O cínico deve ser apólide, porque aPólis é expugnável e não o refúgio dosábio. A Alexandre, que lhe perguntavase queria que a sua cidade natal fosse

reconstruída, Crates respondeu: “E paraque serviria? Talvez outro Alexandre adestruirá.” E, numa obra, escreveu:“Minha pátria não tem só uma torre nemum só teto; mas onde é possível viverbem, em qualquer ponto de todo o

Crates casou-se, mas com umamulher (chamada Hiparquia) queabraçara o Cinismo, e com ela viveu a“vida cínica”. A completa ruptura com asociedade demonstra- se também no

relato segundo o qual teria “casado afilha experimentalmente, por trintadias”.

No séc. III a.C. tivemos notícia decerto número de Cínicos, como Bíon deBoris- tene, Menipo de Gadara, Teles eMenedemo. A Bíon parece que se devaatribuir a codificação da “diatribe”,forma literária que terá largarepercussão. A diatribe é um brevediálogo de caráter popular com con-teúdo ético, escrita freqüentementecom linguagem mordaz. Trata-se,

substancialmente, do diálogo socráticocinicizado. As composições de Menipotornaram-se modelos literários. Lucianoinspirar-se-á nelas; a própria sátiralatina de Lucílio e Horácio inspirar-se-ána característica de fundo dos escritos

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, 257Cãpítulo HOtlO - O florescimento do íSinismo em era helenística --------

DIÓGENES

El Os comportamentos de Diógenes eseu significado emblemático

Os modos com que Diógenes sevestiu e se comportou no ero helenísticae imperial tornorom-se verdadeiramenteemblemáticos.

 Todavia, o que ainda hojepermanece significativo é seu vogueordedia com a lanterna acesa, pronunciando afrase: "Procuro o homem''. Com evidentee provocativa ironia, ele queria comunicaresta mensagem: procuro o homem quevive o vida no suo mais autênticaessência, ou seja, o homem que, paroalém de todos as exteriorídades e con-venções sociais, e para além do própriocapricho do destino e da sorte, sabe viver

Chegando em Atenas [Diógenes]deparou com Antístenes. Uma vez que este,não querendo acolher ninguém como aluno,o rejeitava, ele, perseverandoassiduamente, conseguiu vencer. € uma vezque 'Antístenes estendeu o bastão contraele, Diógenes ofereceu-lhe a cabeça, acres-centando: "Pode golpear, pois nãoencontrarás um bastão tão duro que possame fazer desistir de obter que me digasalgo, como a mim parece que devas". Apartir daí tornou-se seu ouvinte e,desterrado como era, passou a ter um teorde vida modesto.

 Teofrasto, em seu Megárico, contaque certa vez Diógenes viu um rato correrde cá e de lá, sem meta (não procurava umlugar para dormir nem tinha medo dastrevas nem desejava qualquer coisaconsiderada desejável) e, assim, descobriu oremédio para suas dificuldades. Segundoalguns, foi o primeiro a dobrar o manto pelanecessidade também de dormir dentro dele,e carregava um bornal para a comida:servia-se indiferentemente de todo lugarpara qualquer uso, para comer ou paradormir ou para conversar. € costumavadizer que também os atenienses lhe haviamprovidenciado onde pudesse morar:indicava o pórtico de Zeus e a Sala das

demorava, ele escolheu como habitação umtonel que estava [na localidade do] Metroo,conforme ele próprio atesta nas Cpístolas.No verão rolava sobre a areia ardente, noinverno abraçava as estátuas cobertas deneve, querendo de todo modo fortalecer-separa as dificuldades. [...]

Durante o dia vagueava com alanterna acesa, dizendo: ''Procuro ohomem".

 

 €xaltação do exercício eda fadiga

fí vida do Cínico, para Diógenes, sebaseava sobre o exercício e sobre afadiga, considerados como instrumentosnecessários para viver felizes, para saberdominar todos os prazeres e paraalcançar a plena liberdade.

Um tipo de vida como este levava ohomem, por fora de todo vínculo social, aconsiderar-se cidadão do mundo inteiro,em uma dimensão cosmopolita.

Dizia que o exercício é duplo: espirituale físico. Na prática constante do exercíciofísico formam-se pensamentos que tornammais rápida a atuação da virtude. Oexercício físico se integra e se realiza com oexercício espiritual. A boa condição física e aforça são os elementos fundamentais para a

saúde da alma e do corpo. Suportavaprovas para demonstrar que o exercíciofísico contribui para a conquista da virtude.Observava que tanto os humildes artesãoscomo os grandes artistas tinham adquiridonotável habilidade pelo constante exercícioda sua arte, e que os auletes1 e os atletasdeviam sua superioridade a um assíduo etrabalhoso empenho. C se estes tivessemtransferido seu empenho também para oalma, teriam conseguido resultados úteis econcretos.

 

'Tocadores de ouiós, instrumento característico de lin- guetacom dois canudos.

2

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Sexta pãrte - y\s escolas f ilosóficas da era Helenística

o artífice de qualquer sucesso. Climinados,portanto, os esforços inúteis, o homem que

escolhe as fadigas requeridas pela naturezavive feliz; a ininteligência dos esforçosnecessários é a causa da infelicidadehumana. O próprio desprezo pelo prazerpara quem esteja a isso habituado é algodulcíssimo. 6 assim como os que estãohabituados a viver nos prazeres passam demá vontade para um teor de vida contrário,também aqueles que se exercitam de modocontrário, com maior desenvoltura des-prezam os mesmos prazeres. Cstes eramseus preceitos e a eles conformou sua vida.Falsificou realmente a moeda corrente,porque dava menor valor às prescrições das

leis do que às da natureza. Modelo de suavida, dizia, foi Héra- cles, que nada antepôsà liberdade.

Interrogado sobre sua pátria,respondeu: "Cidadão do mundo".

Diógenes Laércio, Vidas dos filósofos.

H Diógenes em confronto com

de ouro; a Xenócrates, parente de Platão,mandou cinqüenta talentos; escolheu

Onesícrito, discípulo de Diógenes, comocomandante de sua armada.

Quando discutiu com Diógenes nasproximidades de Corinto, espantou-se eficou tão maravilhado pela vida e pelaposição assumida por este homem, a pontode, freqüentemente, lembrando-se dele,dizer: "Se não fosse Rlexandre, eu queria serDiógenes". O que significa: "Se eu nãotivesse feito filosofia por meio das obras, ter-me-ia dedicado aos raciocínios". Rlexandrenõo disse: ”Se eu não fosse rico ouRrgeades"; com efeito, não pôs a fortunaacima da sabedoria e a púrpura real e a

coroa acima do bornal e do mantodesgastado, mas disse: “Se não fosseRlexandre, eu seria Diógenes"; o que signifi-ca: "Se eu não me tivesse proposto reunirentre si os bárbaros e os gregos,percorrendo todos os continentes para levá-los à civilização, e alcançar os confinsextremos da terra e do mar, reunindo aMacedônia com o Oceano para lançar assementes da Grécia e difundir entre todos osovos usti a e az não estaria em ócio no

Muito significativos sõo as relaçõesde Diógenes (ou que, em todo caso, a

antiguidade lhe atribuiu) com RlexandreMagno. Especialmente interessantessõo os confrontos entre este,protagonista histórico da era helenística,e Diógenes que por muitos aspectos ésua antítese: trata-se de confrontosentre duas figuras, entre duasmensagens, que, justamente por serantitéticas, sõo expressão de dois pólosespirituais da época.

Citamos duas belas passagens, uma

, Certo dia Diógenes estava tomando solno Craneu, quando Rlexandre chegouinesperadamente e lhe disse: "Pede-me oque quise- res“. Diógenes lhe respondeu:"Nõo me faças sombra. Devolve meu sol".

Diógenes laércio. Vidas dos filósofos.

é característica típica da alma dofilósofo amar a sabedoria e os homenssábios: justamente esta foi umacaracterística de Rlexandre, mais que dequalquer outro rei. Quais tenham sido suasrelações com Rristóteles já foi dito. Rlémdisso, numerosos autores atestam o que se-gue: honrou mais do que todos os seus

amigos o músico Rnaxarco; na primeira vezque se encontrou com Pirro de élida, deu-lhe

ífl Diógenes e o símbolo do "cão"

€is algumas afirmações queDiógenes fez a propósito de chamar a simesmo de "o cão".

Cie se definia um cão daquelesuniversalmente elogiados, mas,acrescentava, nenhum dos que o elogiavamousava sair com ele para caçar.

R certo homem que se vangloriava devencer os homens nas corridas píticas,'replicou: "€u venço homens; tu, escravos".

Interrogado sobre de que raça caninafosse, respondeu: "Quando tenho fome, ummaltês; quando estou saciado, um molosso;aquelas espécies que as pessoas maiselogiam, mas com as quais entretanto nãótêm coragem de sair para caçar por temorde fadiga, flssim, não podeis convivercomigo, porque tendes medo de sofrer".

Rlexandre certa vez o encontrou e lhedisse: “Cu sou Rlexandre, o grande rei".Diógenes, por sua vez: "€ eu sou Diógenes, ocão".

'Sõo jogos que se celebravam a cada quatro anos emDelfos, em honra de flpolo Pítico.

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(Sapí+ulo décimo

<£p icu^o e a

ft/mdaçcio do■

I. O "5a rd im;/ de. Epicuro

e suas novas finalidades

• Epicuro de Samos, que fundou sua Escola em Atenas em307/306 a.C., retomou de Leucipo e Demócrito a teoria atomista,de Sócrates o conceito de filosofia como arte de viver, e dosCirenaicos a estreita relação entre felicidade e prazer, mas en-tendendo esta relação de maneira inteiramente diversa.

Epicuro dividiu sua filosofia (finalizando as primeiras duas partes com aterceira),conforme a tripartição de Xenócrates, em:

1) lógica (chamada "cânon");2) física;

Epicuro:osfundamentosde sua

fgjgg Os (Spicuristase a paz do espírito

A primeira das grandes Escolashele- nísticas, em ordem cronológica, foia de Epicuro, que surgiu em Atenas porvolta do fim do séc. IV a.C.(provavelmente em 307/306 a.C.).Epicuro nascera em Samos em 341 a.C.e já havia ensinado em Cólofon, Mitilenee Lâmpsaco. A transferência da Escolapara Atenas constituiu verdadeiro epreciso ato de desafio de Epicuro emrelação à Academia e ao Perípato, oinício de uma revolução espiritual.Epicuro compreendera que tinha algo denovo a dizer, algo que em si mesmotinha futuro, ao passo que as Escolas dePlatão e Aristóteles, agora, possuíamapenas quase que só o passado: umpassado que, embora próximocronologicamente, tornara-se derepente espiritualmente remoto emrelação aos novos eventos. De resto, ospróprios sucessores de Platão eAristóteles, como já vimos, estavam

deturpando, no interior de suas Escolas,

revolucionária do seu pensamento: nãouma palestra, símbolo da Gréciaclássica, mas um prédio com jardim(que era mais um horto), nos subúrbiosde Atenas. O Jardim estava longe dotumulto da vida pública citadina epróximo do silêncio do campo, aquelesilêncio e aquele campo que não diziamnada para as filosofias clássicas, masque se revestiam de grande importânciapara a nova sensibilidade helenística.Por isso, o nome “Jardim” (que, emgrego, se diz Képos) passou a indicar a

Escola, e as expressões “os do Jardim” e“filósofos do Jardim” tornaram-sesinônimos dos seguidores de Epicuro, osEpicuristas. Da riquíssima produção deEpicuro chegaram a nós integralmenteas Cartas endereçadas a Heródoto, aPíto- cles, a Meneceu (que são tratadosresumidos), duas coleções de Máximase vários fragmentos.

A palavra que vinha do Jardim podeser resumida em poucas proposiçõesgerais:

a) a realidade é perfeitamentepene- trável e cognoscível pela

inteli ência do homem;

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Sexta parte - ;As escolas filosóficas da era kelenís+ica

c) a felicidade é falta de dor e deperturbação;

d) para atingir essa felicidade eessa paz,o homem só precisa de si mesmo;

e)não lhe servem, portanto, aCidade, as instituições, a nobreza, asriquezas, todas as coisas e nem mesmo

É claro que, no contexto destamensagem, todos os homens são iguais,

porque todos aspiram à paz de espírito,todos têm direito a ela e todos podematingi-la, se quiserem. Por conseguinte,o Jardim quer abrir suas portas paratodos: nobres e não-nobres, livres enão-livres, homens e mulheres, e até

Epicuro(341 -271/270 a.C.)é o fundadordo "Jardim”,uma das maioresescolas filosóficasda era helenísticae da filosofiagrega em geral. L

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Capitulo dédfflO - <Spicuf*o e a ftmdaçao do “^arc\im”

II. o' ^canorv^ epicuHs+a

•Para Epicuro o conhecimento se fundamenta sobre a sensação, sobre aprolepse e sobre os sentimentos de dor e de prazer. A sensação nasce do impactode fluxos de átomos, provenientes dos objetos (chamados de "simulacros")sobre nossos sentidos, os quais, nesta relação, têm um papel  A sensação passivo emecânico, de modo que a marca do mundo externo é sempre (ou pelo menos doseflúvios) registrada pelos sentidos é perfei- verdadeira tamente correspondente aooriginal, tanto que Epicuro pode * afirmar que a sensação é sempre verdadeira eobjetiva.

• Tais sensações, por repetir-se inumeráveis vezes e mantendo-se na alma,dão lugar a imagens âpagadas, que, por sua menor nitidez, podem se adaptar amúltiplos objetos do mesmo gênero, e, portanto, antecipar as características dascoisas antes que estas se apresentem (por isso /As  prolepses,são chamadas prolepses, isto é, antecipações), ou representá-las ou antecipaçõesem sua ausência (são o correspondente sensista do conceito). § 2

• Os sentimentos de dor  e de prazer  nascem da ressonân- Qs sentjmentos ciainterna das sensações, ou seja, do efeito que elas produzem de dor  sobre nós,e servem de fundamento para a ética, enquanto cons- e prazer  tituem oscritérios para discriminar o bem do mal. § 3

• O homem pode também construir, por via de mediação, partindo dasprolepses, dos julgamentos. Temos assim a opinião.

Neste caso, porém, falta a garantia da evidência e, por a opiniãoisso, é preciso um critério de avaliação. e seu critério

Portanto, nem todas as opiniões resultam verdadeiras, mas de verdade

apenas as que são confirmadas pela sensação ou não desmen- -> § 4-5 tidas porela.

1 As sensaçõesna origem do conkecimento

Epicuro adota substancialmente atripar- tição de Xenócrates da filosofiaem “lógica”, “física” e “ética”. Aprimeira deve elaborar os cânonessegundo os quais reconhecemos a ver-dade; a segunda estuda a constituiçãodo real; a terceira, o fim do homem (afelicidade) e os meios para alcançá-la. Aprimeira e a segunda são elaboradasapenas em função da terceira.

Platão afirmara que a sensaçãoconfunde a alma e desvia do ser.Epicuro inverte precisamente essaposição, afirmando que, ao contrário, asensação e somente ela “colhe o ser” demodo infalível. Nenhuma sensação

 jamais pode falhar. Os argumentos queEpicuro apresentava para provar a

veracidade absoluta de todas as

produzida por alguma coisa da qual é oefeito correspondente e adequado.

2) Em segundo lugar, a sensação éobjetiva e verdadeira, porque éproduzida e garantida pela própriaestrutura atômica da realidade (da qualfalaremos adiante). De todas as coisasemanam complexos de átomos, que

constituem “imagens” ou “simulacros”,e as sensações são exatamenteproduzidas pela penetração, em nós, detais simulacros.

3)Finalmente, a sensação é a- 

 A p^° lepses _  i

como representações mentais

Como segundo “critério” deverdade, Epicuro punha as “prolepses”,“antecipações” ou “pré-noções”, que

são as repre

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SeXtã parte - y\s escolas filosóficas da era helenística

sentações mentais das coisas, as quaisnão são senão “memória daquilo que

freqüentemente mostrou-se a partir doexterior”. Portanto, a experiência deixana mente uma “impressão” dassensações passadas e essa “impressão”permite-nos conhecer antecipadamenteas características das coisas cor-respondentes, mesmo sem tê-lasatualmente presentes diante de nós.

Estas prolepses assumem, pois, afunção dos conceitos, mas sua validadedepende direta e exclusivamente daligação que têm com a sensação. Os“nomes” são expressões “naturais”dessas prolepses, e portanto constituem

também eles uma natural — isto é, nãoconvencional — manifestação da ação

Os sentimentos de dor e

de prazer

Como terceiro critério de verdade,Epi- curo pôs os sentimentos de “prazer”e de “dor”. As afecções do prazer e dador são objetivas pelas mesmas razões

que o são todas as sensações (podemser consideradas, com efeito, comoressonância interior da sensação). Têm,todavia, importância inteiramenteparticular porque, além de critério paradistinguir o verdadeiro do falso, o ser donão-ser, como todas as outrassensações, constituem o critérioaxiológico para distinguir o “bem” do“mal”, constituindo assim o critério de

Evidência e opinião

Sensações, prolepses esentimentos de prazer e de dor têmcaracterística comum que garante seuvalor de verdade, e esta consiste naevidência imediata. Portanto, até quenos quedamos na evidência e acolhemoscomo verdadeiro o que é evidente, nãopodemos errar, porque a evidência se dásempre a partir da ação direta que ascoisas exercem sobre nosso espírito.

“Evidente” em sentido estrito é,

então, só aquilo que é imediato, como

uma vez que o raciocínio não pode pararno imediato, sendo operação de

mediação, assim nasce a opinião e, comela, a possibilidade do erro. Portanto,enquanto as sensações, as prolepses eos sentimentos são sempre verdadeirose não têm necessidade de qualquercritério extrínseco de verificação econvalidação, as opiniões poderão serora verdadeiras, ora falsas. Por isso,Epicuro procurou determinar os critériosem base aos quais podemos distinguiras opiniões verdadeiras das falsas.

São verdadeiras as opiniões que:a) “recebem testemunho

comprobató- rio”, isto é, confirmação

por parte da experiência e da evidência;b) “não recebem testemunho

contrário”, ou seja, não recebemdesmentido da experiência e daevidência.

Por sua vez, são falsas as opiniõesque:

a)“recebem testemunho contrário”,ou seja, são desmentidas pelaexperiência e pela evidência;

Limites e aporias docãnon epicurista

Há tempo os estudiosos relevaramque, a partir da afirmação de que todasas sensações são verdadeiras, pode-sededuzir tanto o objetivismo absoluto,como faz Epicuro, quanto o subjetivismoabsoluto, como fazia Protágoras.

O objetivismo, com efeito, derivariado fato de ter posto na sensação umcritério firme e absoluto para nele

fundar qualquer opinião e, porconseguinte, qualquer raciocínio. Orelativismo proviria, ao contrário, dofato de que a sensação não se referediretamente à realidade em si, mas aossimulacros — isto é, ao fluxo de átomos—, que podem ser diversos conforme ascondições externas ou a condição dosujeito. Desse modo, cada um pode tersensações diversas, ainda que empresença do mesmo objeto, e, portanto,caímos assim no relativismo.

A verdade é que tanto a físicacomo a ética epicurista, em cada caso,

vão muito além daquilo que o cânon,

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263Cãpítulo décimo - (£-p\c.i\ro e a fundação do 'jJ^dim''

III. y\ fí sica epicuris+a

•Para fundamentar uma "ontologia materialista", Epicuro  A f[sj ca com Q

tomou dos Atomistas o conceito de átomo e a idéia de que não "0nt0/0g/a

existe geração do nada nem aniquilamento, mas que o todo (a materialista"totalidade dos átomos, que para o materialista Epicuro esgota § 7-2 a totalidade doser) se mantém idêntico. O cosmo, portanto, que é infinito, é composto de "corpos"e de vazio, e os corpos são ou simples justamente os átomos) ou compostos (toda arealidade).

•Todavia, o modo com que Epicuro concebia os átomos não era perfeitamenteidêntico àquele que era concebido pelos antigos Atomistas: estes os individuavamgraças à figura, à ordem e à posição; Epicuro, ao contrário, os caracterizavaatravés da figura, do peso e da grandeza. Além  As diferenças disso, Epicuro considera

os átomos como realidades compostas com 0 antigo de partes praticamente nãodivisíveis (átomo significa justamen-  Atomismo te "indivisível"), mas idealmentedistinguíveis. Essas partes são -*§3 chamadas mínimas; e o mínimo constitui aunidade de medida absoluta de todas as coisas. Outra diferença importante refere-se ao seu movimento, que para Epicuro é de queda do alto para baixo.

•Epicuro, contudo, foi forçado a introduzir um desvio (ou Q c|inámen

declinação, clinámen) da linha de queda dos átomos — por- ou

que, de outro modo, eles jamais ter-se-iam encontrado, caindo "declinaçãoem linha reta —, da qual em última análise depende seu impac- dos átomos"to e a formação do mundo e de todas as coisas. -> § 4

Do que, porém, deriva este desvio da vertical? Epicuro sus-tenta que não há nenhuma causa e que vem do nada.

• O mundo que deriva do encontro dos átomos é infinito (os átomos, comefeito, são infinitos de número), tanto no espaço como no tempo (se regenerainfinitas vezes).

 Também a alma (distinta em racional e irracional) é um o mundo, agregado deátomos; trata-se, porém, de átomos diferentes dos a alma outros. e os deuses

E ainda átomos de caráter especial são os que constituem § 5-6 os deuses, decuja existência Epicuro se mostra absolutamente certo. Os deuses de Epicuro têmnumerosas características em comum com os deuses da religião tradicional, excetopor um detalhe: não se ocupam de modo nenhum do mundo e dos homens, evivem uma vida absolutamente feliz e beata.

|||jj| Êscopo e raízesda física epicurista

Por que é necessário elaborar umafísica ou ciência da natureza, darealidade em seu conjunto? Epicuroresponde: a física deve ser feita paradar fundamento à ética.

A “física” de Epicuro é umaontologia, uma visão geral da realidadeem sua totalidade e em seus princípios

últimos. Epicuro, na verdade, não sabe

para expressar a própria visãomaterialista da realidade de modopositivo (ou seja, não negandosimplesmente a tese platônico-aris-totélica), remete a conceitos e figurasteoréticas já elaboradas no âmbito dafilosofia pré-socrática.

Entre todas as perspectivas pré-socrá- ticas, era quase inevitável queEpicuro escolhesse a dos Atomistas,exatamente porque essa, depois da

“segunda navegação” platônica,

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SeXtd parte - y\s escolas filosóficas da era kelenís+ica

resposta precisa às aporias levantadaspelo Eleatismo, uma tentativa de mediar

as instâncias opostas do logos  eleáticopor um lado, e da experiência, poroutro. Grande parte da lógica eleáticapassa pela lógica do Atomismo (Leucipo,o primeiro atomista, foi discípulo deMelissos e, em geral, o Atomismo, entreas propostas pluralistas, foi a maisrigorosamente eleática). Em conseqüên-cia, era inevitável que também

 JLs CDs fundamentosda física epicurista

Os fundamentos da física epicuristapodem ser enucleados e formuladoscomo segue:

a) “Nada nasce do não-ser”,porque, de outro modo, tudo poderiaabsurdamente gerar-se de qualquercoisa sem necessidade de nenhumsêmen gerador; e nenhuma coisa “sedissolve no nada”, porque, de outromodo, neste momento, tudo pereceria enada mais existiria. E dado que nada

nasce e nada perece, assim o todo, istoé, a realidade em sua totalidade,sempre foi como é agora e sempre seráassim; com efeito, além do todo, nãoexiste nada em que ele possa sermudado, nem existe nada do qual possaprovir.

b) Esse “todo”, ou seja, atotalidade da realidade, é determinadopor dois componentes essenciais: oscorpos  e o vazio.  A existência doscorpos prova-se pelos próprios sentidos,enquanto a existência do espaço e dovazio infere-se do fato de que existe

movimento. Com efeito, para que existamovimento, é necessário que exista umespaço vazio no qual os corpos possamse deslocar. O vazio não é absoluto não-ser, mas exatamente “espaço” ou, comodiz Epicuro, “natureza intangível”. Alémdos corpos e do vazio tertium nondatur,  porque não seria pensável nadaque exista por si mesmo e não sejaafecção dos corpos.

c) Tal como é concebida porEpicuro, a realidade é infinita. Emprimeiro lugar, é infinita como

totalidade. Mas é evidente que, paraque tudo possa ser infinito, cada um dos

P E T R I G A S S E N D I

ANIMADVERSIONESIN DECIMVM LIBRVMD I O G E N 1 S L A E R T I I .

E S T

De Viu , Moribus, Placitifque E P I C V R ICmimrn mm 'fUtu*, ,íli tnm fitou VktUfykã fmtrn i I Ca mo ni ca m mrmft,

Diali ctica Utt:

I I . P h Y s IC am , M umfrm* mtiãrm tütm ftnnmMít IOROLOCLam: I I I E T H! C a M , cumt frttxl Jt ttttimt 

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'L V C D V N /,

Apod G VILLELMVM BARB 1 ER, Typ  oy-lUg. M D

C. X L 1 X. c r u r t i v i í t o i o H.Ioií-

Este perfil de Epicuroaparece na Vida de F.picuropublicada pelo filósofo Gassendi que,como veremos no vol. 11,na metade do Seiscentos

se tornará promotorde uma reedição da filosofia epicurista.

eles se perderiam no vazio infinito e, seo vazio fosse finito, não poderia acolhercorpos infinitos). O conceito de infinitovolta, portanto, a se impor, contra asconcepções platônicas e aristotélicas.

d) Alguns “corpos” sãocompostos; outros, ao contrário, sãosimples e absolutamente indivisíveis(átomos). A admissão de átomos torna-

se necessária porque, do contrário,seria preciso admitir uma divisi- bilidadedos corpos ao infinito, a qual, nolimite, conduziria à dissolução dascoisas no não-ser, o que, comosabemos, é absurdo.

v Diferenças

entre o ^Atomismo de <S-

 p\< ZIA^O e o de Demócrito

A concepção do átomo de Epicurodifere da dos anti os atomistas Leuci o

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SeXtã parte - y\s escolas filosóficas da em kelenís+ica

verdade, seria melhor acreditar nosmitos sobre os deuses do que tornar-se

escravo do fado que os Físicos pregam:aquele mito, com efeito, oferece umaesperança, com a possibilidade deaplacar os deuses com honras, enquantono fado existe apenas uma necessidadeimplacável.” Como os antigos jáobservavam, a “declinação” dos átomoscontradiz as premissas do sistema,porque é gerada sem causa a partir do“não-ser”; o que é tanto mais gravequando se sabe que Epicuro repisaenergicamente que “do nada, nadaprocede”. Por outro lado, estas aporiasestão entre as coisas que melhor nosajudam a compreender a complexidade

5 ;A infinidade dos mundos

Dos infinitos princípios atômicos de-rivam mundos infinitos. Alguns sãoiguais ou análogos ao nosso, outrosmuito diversos.

E pois de se notar que todos essesmundos infinitos nascem e se dissolvem,alguns mais rapidamente, outros maislentamente, na duração do tempo.

De modo que os mundos não sãoapenas infinitos na infinitude doespaço, num dado momento do tempo,mas também são infinitos na infinitasucessão temporal. Embora em cadainstante existam mundos que nascem emundos que morrem, Epicuro bem podeafirmar que “o todo não muda”. Comefeito, não só os elementos constitutivosdo universo permanecem perenementecomo são, mas também todas as suas

possíveis combinações permanecemsempre em ato, exatamente por causada infinitude do universo, que dásempre lugar à concretização de todasas possibilidades.

Na raiz dessa constituição deinfinitos universos não está, portanto,nenhuma Inteligência, nenhum projeto enenhuma finalidade; também não está anecessidade, mas, como vimos, está oclinámen e, logo, o casual e o fortuito. EEpicuro e não Demócrito o filósofo queverdadeiramente “ õe o mundo ao

6 alma e os deusese sua derivação dos átomos

A alma, como todas as outrascoisas, é um agregado de átomos.Agregado formado em parte de átomosígneos, aeriformes e ventosos, queconstituem a parte irracional e alógicada alma, e em parte por átomos quesão “diversos” dos outros e que nãotêm nome específico, constituindo aparte racional. Portanto, como todos osoutros agregados, a alma não é eterna,mas mortal. Essa é uma conseqüênciaque decorre necessariamente das

premissas materialistas do sistema.Epicuro não nutre nenhuma dúvidasobre a existência dos deuses.Entretanto, nega que eles se ocupemcom os homens ou com o mundo. Vivemem bem-aventurança nos“intermundos”, ou seja, nos espaçosexistentes entre mundo e mundo; sãonumerosíssimos, falam uma línguasemelhante à grega (a língua dossábios) e transcorrem a vida na alegria,alimentada por sua sabedoria e por suaprópria companhia. Epicuro chegava aapresentar argumentos para de-monstrar a existência dos deuses:

1) temos deles um conhecimentoevidente e, conseqüentemente,incontestável;

2) tal conhecimento é possuído nãosó por alguns, mas por todos os homensde todos os tempos e lugares;

3) o conhecimento que temosdeles, assim como nossos outrosconhecimentos, não podem serproduzidos senão por “simulacros” ou“eflúvios” que provêm deles, sendo, emconseqüência, conhecimento objetivo.

E muito importante destacar o fatode que, da mesma forma que sublinha a“diversidade” dos átomos queconstituem a alma racional em relaçãoa todos os outros átomos, Epicurotambém admite que a conformação dosdeuses “não é corpo, mas ‘quasecorpo’, não é alma, mas ‘quase alma’ ”.

Seria o caso de destacar que, aqui,esse “quase” arruina todo o raciocíniofilosófico e põe irreparavelmente a nu ainsuficiência do materialismoatomístico revelando inexoravelmente

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Cãpítulo déciMO - íSpic-uro e a fundação do "3a»*dim;/

EPICURO

A LÓGICA OU "CÂNON'

*3íâSSS3MÍâHHMHHHH

SensaçãoNasce como marca dos simulacros das

coisas sobre os sentidos: é mecânica, a-racional e, portanto, objetiva e sempre

verdadeira

Sentimentos (dor, prazer)São a ressonância interior das

sensações. Sobre eles se funda amoral 

ProlepsesSão representações mentais das

coisas que nascem das marcas derepetidas sensações de tipoanálogo sobre a mente.

Correspondem aos conceitos

nomes referem-senaturalmente (isto é,

de modo nãoconvencional) às

opimoes formam-se a partirdas prolepses. Podem ser

erradas. Avaliam-se sobre abase da sensação

A FÍSICA: A PRIMEIRA FORMA DE MATERIALISMO

 TUDO é composto por

Vazio■ é natureza intangível■ permite o movimento

Corpos

corpos simples ou Átomossão caracterizados por figura, peso, grandeza e,portanto, não têm qualidades (cores, odores etc.)são infinitos em número (mas não em tipo) e formaminfinitos mundos que se reformam infinitas vezespor agregação e desagregação causam o nascimento e amorte dos corpossão dotados de um movimento de queda do alto parabaixo, com um mínimo desvio (= declinação); por causadeste se desencontram e geram casualmente o mundoenquanto corpos são idealmente distinguíveis em parteschamadas “mínimos”formam os eflúvios que se desprendem das coisas e dãolugar à sensação

corposcompostos- nascem daagregaçãodos átomos- tudo'o queexiste é formadopor átomos e,portanto, écorpo: também aalma e os

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SextU parte - y\s escolas filosóficas da era keienís+ica

IV. y\ etica epicurista

• Para Epicuro o verdadeiro bem é o prazer; mas seu hedonismo tem umcaráter todo particular. Esta tese que faz coincidir o bem do homem com o prazer

 já fora formulada pelos Cirenaicos, que, porém, reduziamo sumo bem  ° prazer a um doce movimento, negando que a ausência de e aausência dor fosse prazer. Epicuro, ao contrário, identificou expressa- de dor  menteo máximo prazer com a ausência de dor. E, sempre to-

1 mando distância dos Cirenaicos, considera os prazeres (e asdores) da alma superiores aos do corpo. Com efeito, a alma

sofre também por causa das experiências passadas e por causa das futuras, en-quanto o corpo sofre apenas por aquelas presentes. A ausência da dor, tanto emrelação à alma (ataraxía) como em relação ao corpo (aponía), é considerada como

sumo prazer, porque é o único que não pode crescer ulteriormente e, portanto, nãopode nos deixar insatisfeitos.

• Para poder alcançar a ataraxía, Epicuro distinguiu acuradamente os váriostipos de prazeres: os naturais e necessários (comer o suficiente para matar a

fome, beber o suficiente para matar a sede etc.), os naturais e. .. . não necessários (comer alimentos refinados, beber bebidas re-  A hierarquia

x - j \ x - ~ ~ - /■dos prazeres finadas etc.), e, por fim, os nao naturais e nao necessários (os

§ 2 prazeres ligados à riqueza, às honras, ao poder). Portanto, apenas os primeiros devem sempre ser buscados, porque são os

únicos que encontram em si um limite preciso; os segundos, podemos no-losconceder apenas de vez em quando; os últimos, que nos tornam insaciáveis,nunca.

• E o que dizer do mal físico, do moral e da morte? Não são eles obstáculosinsuperáveis que se opõem à felicidade do homem? A resposta de Epicuro é umnão categórico. Com efeito, o mal físico ou é facilmente suporei

mal tável, ou, se é insuportável, dura pouco e leva à morte. E a mor-não é obstáculo  te não é um mal: quando existimos, ela não existe, e quando  paraalcançar  ela existe, nós não existimos. Com a morte vamos para o nada. a felicidadeNo que se refere aos males da alma, a filosofia está em grau de § -3 curá-los e denos libertar completamente deles.

• Para realizar seu ideal de vida, o homem deve fechar-se em si, epermanecer distante da multidão e dos encargos políticos, que só trazemperturbação e fastio.

A única ligação com os outros a ser cultivada deve ser a amiza-o ideal da vida  de, que nasce certamente pela busca do útil ou para ter deter- do

filósofo minadas vantagens, mas depois, uma vez nascida, torna-se ela§ 4-5 própria fonte autônoma de prazer.

• Epicuro forneceu uma síntese de sua mensagem no assim chamado quadri-fármaco, ou seja, no quádruplo remédio para os males do mundo:

1)são vãos os temores dos deuses e do além;2) é absurdo o medo da morte;

3)o prazer, quando for entendido de modo justo, está à disposição de todos;4) o mal ou é de breve duração ou é facilmente suportável.

Aplicando estas regras, o homem pode assumir a atitude de absolutaimperturbabilidade que distingue o sábio e que Oquadnfarmaco concec je felicidade

intangível, análoga à divina: com exceção da eternidade — diz Epicuro —, Zeusnão possui nada mais que o sábio.

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Cãpítulo decimo - Epicuro c a fundação do imw

• O Epicurismo não sofreu uma evolução particular no seu interior. Teveflorescimento notável também em ambiente ro- Evolução mano, por obra deFilodemo de Gadara (sécs. Il-I a.C.), e, em do Epicurismo particular, encontrouexcepcional intérprete em Tito Lucrécio -> § 7 Caro (séc. I a.C.), que expressouseus dogmas em versos, em um extraordinário poema filosófico que não temequivalente, admiravelmente transformando a linguagem do logos filosófico nafantástica linguagem da arte.

 Jd O ked onismo epicurista

Se a essência do homem ématerial, também necessariamente serámaterial  o seu bem específico, aquelebem que, concretizado e realizado,torna o homem feliz. E este bem é anatureza, considerada na sua ime-diaticidade, que nos diz sem meiaspalavras, como já vimos: o bem é oprazer.

Essa conclusão já fora tirada pelosCi- renaicos. Mas Epicuro reformaradicalmente seu hedonismo. Comefeito, os Cirenaicos sustentavam que oprazer é “movimento suave”, enquanto

que a dor é “movimento violento”; e

% Hedonismo. É a doutrina que en- ,contra no prazer o sumo bem e na buscado prazer o fim da vida do homem.Doutrina hedonista é a dos Cirenaicos,que, todavia, embora pregando a buscado prazer do momento e até a supe-rioridade dos prazeres do corpo sobre osda alma, condenam os excessos e con-sideram indispensável manter um domí-

nio de si ao experimentar os prazeres.Muito mais refinado é o hedonismo dosEpicuristas. De fato, Epicuro julga demodo positivo somente os prazeresnaturais e necessários, experimentadoscom grande medida. O prazer supremo,para Epicuro, consiste na ausência dedor (cf. aponía) tanto física comoespiritual.Na linguagem comum, geralmenteerramos quando chamamos de "epi-curista" o hedonista desenfreado: estecorresponde exatamente ao contrário doque o Epicuro histórico prega.

dor, fosse prazer. Epicuro não só admiteesse tipo de prazer na quietude(“cataste- mático”), mas dá-lhe a

máxima importância, considerando-o olimite supremo, o cume do prazer.Ademais, enquanto os Cirenaicosconsideravam os prazeres e doresfísicos superiores aos psíquicos, Epicurosustenta exatamente o oposto. Comofino indagador da realidade do homem,Epicuro compreendera perfeitamenteque mais do que os gozos ousofrimentos do corpo, que sãocircunscritos no tempo, contam asressonâncias interiores e osmovimentos da psique, que os

acompanham e duram bem mais.Para Epicuro, portanto, o verdadei-ro prazer consiste na “ausência de dorno corpo” (aponía) e na “ausência deperturbação da alma” (ataraxía). Eis asafirmações do filósofo: “Assim, quandodizemos que o prazer é um bem, nãoaludimos, de modo algum, aos prazeresdos dissipados, que consistem emtorpezas, como crêem alguns queignoram nosso ensinamento ou ointerpretam mal; aludimos, ao contrário,à ausência de dor no corpo e à ausênciade perturbação na alma. Portanto, nemlibações e festas ininterruptas, nemgozar com crianças e mulheres, nemcomer peixes e tudo o mais que umamesa rica pode oferecer são fonte devida feliz, mas sim o sóbrio raciocinar,que perscruta a fundo as causas de todoato de escolha e de recusa, e queexpulsa as falsas opiniões por via dasquais grande perturbação se apossa daalma.”

Sendo assim, a regra da vida moralnão é o prazer como tal, mas a razãoque julga e discrimina, ou seja, asabedoria prática que, entre os

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Sexta parte - ^Ks escolas filosóficas da era kelenís+ica

Os diversos tipos de prazeres

Para garantir o alcance da aponía eda ataraxía, Epicuro distinguiu:

1) prazeres naturais e necessários;' 2) prazeres naturais mas não neces-sários;

3) prazeres não naturais e nãonecessários.

Estabeleceu depois que atingimoso objetivo desejado satisfazendo sempreo primeiro tipo de prazeres, limitando-nos em relação ao segundo tipo efugindo do terceiro. Nesse terreno,Epicuro manifesta uma posição que não

seria exagero chamar de “ascética”,pelas razões seguintes:1) Entre os prazeres do primeiro

grupo, isto é, os naturais e necessários,ele põe unicamente os prazeres queestão estreitamente ligados àconservação da vida do indivíduo: estesseriam os únicos verdadeiramenteválidos, porque subtraem a dor docorpo, como, por exemplo, comerquando se tem fome, beber quando setem sede, repousar quando se estácansado e assim por diante. Ao mesmotempo, exclui deste grupo o desejo e oprazer do amor, porque são fonte deperturbação.

2) Entre os prazeres do segundogrupo, ao contrário, põe todos osdesejos e prazeres que constituem asvariações supérfluas dos prazeresnaturais: comer bem, beber bebidasrefinadas, vestir-se com apuro e assimpor diante.

3) Por fim, entre os prazeres doterceiro grupo, não naturais e nãonecessários, Epicuro coloca os prazeres“vãos”, isto é, nascidos das “vãs

opiniões dos homens”, que são todos osprazeres ligados ao desejo de riqueza,poder, honras e semelhantes.

1) Os desejos e prazeres doprimeiro grupo são os únicos que devemser sempre e habitualmente satisfeitos,porque têm por natureza um preciso“limite”, que consiste na eliminação dador: obtida a eliminação da dor, o prazernão cresce ulteriormente.

2) Os desejos e prazeres dosegundo grupo já não têm mais aquele“limite”, porque não subtraem a dor docorpo, mas variam somente no grau doprazer e podem provocar notável dano.

 

remos copiosa riqueza e felicidade,porque, para nos propiciar aqueles

prazeres, basta- mo-nos a nós mesmos,e neste bastar-se-a- si-mesmo(autarquia) é que está a maior riqueza

% Aponía. Significa "ausência de dor",ou seja, não sofrer dores tanto no corpocomo na alma.Em Epicuio coincide com o prazer emrepouso (catastemático), que se opõe aoprazer cm movimento, ao qual sempreestá ligada a perturbação e, portanto, ador.

A aponía coincide com o sumc prazer,que consiste justamente na total ausên-cia de dor. De fato, apenas o prazer ca-tastemático, como ausência de qualquer forma de dor, tem caráter de estabilidadee não pode sofrer nem incremento nemdiminuição, e, portanto, jamais nos deixainsatisfeitos.

O mal e a mortena ótica epicurista

O que devemos fazer quandosomosatingidos pelos males físicos nãodesejados?Epicuro responde: se é leve, o mal físicoésuportável, nunca sendo tal queofusque aalegria do espírito; se é agudo, passalogo;se é agudíssimo, conduz logo à morte, aqual,em todo caso, como veremos, é umestadode absoluta insensibilidade.

E os males da alma? A respeitodestes não é o caso de nos alongarmos,porque são apenas produtos de opiniõesfalazes e dos erros da mente. E toda afilosofia de Epicuro se apresenta como omais eficaz remédio e o mais seguroantídoto contra eles.

E a morte? A morte é um mal só

para quem nutre falsas opiniões sobreela. Como o homem é um “com osto

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Cãpítulo décimo - <Spici.o'o e a fundação do1

j]a>"í]im”

com sua vinda, não sentimos mais nada;nem pelo seu “depois”, exatamente

porque não resta nada de nós,dissolvendo-se totalmente nossa alma,

po; nem, enfim, a morte tolhe nada davida que tenhamos vivido, porque a

eternidade não é necessária para aabsoluta perfeição do prazer.

imsii

EPICUROA ÉTICA

 prazeres naturais necessários (p. ex.:comer quando se tem fome)

O bem é prazer prazeres naturais e não necessários

(p. ex.: comer alimentos refinados)

prazeres não naturais e não

necessários (p. ex.: a busca da

Sumo

bem é oque nãocomportanenhummal; é afalta dedor no

a morte não é um mal porque quandoexiste a morte nós não existimos

O mal, para o homem sábio,não é nada

o mal da alma secura com a filosofia

\ | o mal do corpo, se é fraco, se suporta;| se é intenso, dura pouco, porque leva à morte

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ScXtd  parte - ;As escolas filosóficas da era kelenís+ica

 jjQgi Desvalorização

epicurista da vida

política

A vida política, para o fundador do“Jardim”, é substancialmente não-natural. Por conseguinte, ela comportacontinuamente dores e perturbações,compromete a aponía e a ataraxía e,portanto, compromete a felicidade. Comefeito, os prazeres da vida política, aque muitos se propõem, são purasilusões: da vida política os homensesperam poder, fama e riqueza, que

são, como sabemos, desejos e prazeresnem naturais nem necessários, sendoportanto vazias e enganosas miragens.Assim, é compreensível o convite deEpicuro: “Livremo- nos de uma vez docárcere das ocupações cotidianas e dapolítica.” A vida pública não enriquece ohomem, mas o dispersa e o dissipa. Porisso é que Epicuro se apartava e viviaseparado da multidão: “Retira-te paradentro de ti mesmo, sobretudo quandoés constrangido a estar entre a mul-tidão.”

“Vive oculto”, soa o célebremandamento epicurista.

Somente nesse entrar em si epermanecer em si é que podem serencontradas a tranqüilidade, a paz daalma e a ataraxía. Para Epicuro, o bemsupremo não está nas coroas dos reis edos poderosos da terra, mas naataraxía: “A coroa da ataraxía é incom-paravelmente superior à coroa dosgrandes impérios.”

Com base nessas premissas, éclaro que Epicuro devia dar do direito,da lei e da justiça uma interpretação em

nítida antítese tanto em relação àopinião clássica dos gregos como emrelação às teses filosóficas de Platão eAristóteles. Direito, lei e justiça só têmsentido e valor quando e à medida quesão ligados ao “útil”; seu fundamentoobjetivo não é senão a utilidade. Assimo Estado, de realidade moral dotada devalor absoluto que fora no passado,torna-se instituição relativa, nascida desimples contrato tendo em vista o útil;do mesmo modo, de fonte e coroamentodos supremos valores morais torna-sesimples meio de tutela dos valoresvitais; por fim, torna- se condição

£| Exaltação epicurista da

amizade

O desmoronamento do mundoideal platônico não poderia ser maisradical e a ruptura com o sentimento davida classica- mente grego não poderiaser mais decisiva: o homem deixou deser homem-cidadão para tornar-se purohomem-indivíduo.

O único liame admitido comoverdadeiramente factível entre essesindivíduos é a “amizade”, laço livre quereúne juntos aqueles que sentem,

pensam e vivem de modo idêntico. Naamizade, nada é imposto de fora e demodo não-natural; sendo assim, nadaviola a intimidade do indivíduo. Noamigo, o epicurista vê outro si mesmo.

A amizade não é mais que o útil,mas o útil sublimado. Com efeito,primeiro se busca a amizade paraconseguir determinadas “vantagens”estranhas a ela; depois, uma veznascida, a amizade torna-se, elamesma, fonte de prazer e,conseqüentemente, um fim.

Epicuro, portanto, pode afirmar oque segue: “De todas as coisas que asabedoria busca, em vista de uma vidafeliz, o maior bem é a conquista daamizade”. “A amizade anda pela terraanunciando a todos ue devemos

db 0 q uad rifá rmaco e

o ideal do sábio

Epicuro forneceu pois aos homens

um quádruplo remédio da seguinteforma. Mostrou:1) que são vãos os temores em

relação aos deuses e ao além;2) que o pavor em relação à morte

é absurdo, pois ela não é nada;3) que o prazer, quando o

entendemos corretamente, está àdisposição de todos;

4) finalmente, que o mal durapouco ou é facilmente suportável.

O homem que souber aplicar essequádruplo remédio em si mesmo poderáadquirir a paz de espírito e a felicidade,que nada e ninguém poderão atingir.

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Cãpítulo décimo - (ELptctA^a e a jundação da "^Jardim"

mais tem a temer, nem mesmo os maisatrozes males e sequer as torturas: “O

sábio será feliz mesmo entre ostormentos.”

Evidentemente, dizer que o sábiopode ser feliz mesmo sob as mais atrozestorturas é um modo paradoxal de dizer queo sábio é absolutamente “imperturbável”,e o próprio Epicuro deu demonstraçãodisso quando, por entre os espasmos domal que o levava à morte, escrevendo aum amigo o último adeus, proclamava quea vida é doce e feliz.

E assim, fortalecido por sua“ataraxía”, Epicuro capacita-se para

afirmar que o sábio pode competir, emfelicidade, até com os deuses: exceto aeternidade, Zeus não possui nada a maisque o sábio.

Para os homens de seu tempo,atormentados pelo pavor e pela angústiado viver, Epicuro indicava novo caminhopara o reencontro da felicidade, e pregavauma palavra que era como que um desafioà sorte e à fatalidade. Mostrava que afelicidade pode vir de dentro de nós,apesar de como as coisas estejam fora denós, porque o verdadeiro bem, à medidaque vivemos e enquanto vivemos, está

sempre e somente em nós: o verdadeirobem é a vida, e para mantê-la bastapouquíssimo, e esse pouquíssimo está àdisposição de todos, de cada homem; etudo o mais é vaidade.

Sócrates e E icuro são os aradi mas

Desfino do Epicurismo

e .Lucrécio

Epicuro não só propôs, mas impôs

essa doutrina aos seus seguidores comférrea disciplina, a ponto de no “Jardim”não haver lugar para conflitos de idéias edesenvolvimentos doutrinários de relevo,pelo menos sobre questões de fundo. Osestudiosos se sucederam em Atenas, damorte de Epicuro (271/270 a.C.) até aprimeira metade do séc.I a.C. Sabe-se que, na segunda metadedesse século, o terreno no qual surgira aEscola de Epicuro fora vendido e que,

“ ”

Mas a palavra de Epicuro encontrariauma segunda pátria na Itália. No séc. I

a.C., por obra de Filodemo de Gadara(nascido por volta de fins do séc. II a.C. emorto entre 40 e 30 a.C.), constituiu-se umcírculo de Epicuristas, de caráteraristocrático, que teve sua sede em umavila de Herculano, de propriedade deCalpúrnio Pisão, notável e influente político(foi cônsul em 58 a.C.) e grande mecenas.As escavações realizadas em Herculanolevaram à redescoberta dos restos da vilae da biblioteca, constituída por escritos deEpicuristas e do próprio Filodemo.

Mas a contribuição mais significativapara o Epicurismo veio de Tito LucrécioCaro, que constitui um unicum na históriada filosofia de todos os tempos. Nasceu noinício do séc. I a.C., morreu por volta demeados desse século. O seu De rerunt natu- ra, que canta em versos admiráveiso pensamento de Epicuro, constitui omaior poema filosófico de todos ostempos.

Quanto à doutrina, Lucrécio repete fi-elmente Epicuro. Sua inovação consiste napoesia, ou seja, no modo como soube ex-por a mensagem que vinha do “Jardim”.“Para libertar os homens, Lucrécio com-

preendeu que não se tratava de obter, nosmomentos de fria reflexão, sua adesão aalguma verdade de ordem intelectual, masque era preciso tornar essas verdades,como diria Pascal, compreensíveis aocoração” (P. Boyancé). Com efeito,confrontando as passagens do poemalucreciano com as correspondentespassagens de Epicuro, podemos concluirque a diferença é quase sempre esta: ofilósofo fala com a linguagem do logos, aopasso que o poeta acrescenta os tons per-suasivos do sentimento e da intuição fan-tástica; em suma, é a magia da arte. Umasó diferença subsiste, de resto, entreEpicuro e Lucrécio: o primeiro soubeaplacar suas angústias, atéexistencialmente; Lucrécio, ao contrário,foi vít ima delas, suicidando-se aosquarenta e quatro anos.

O Epicurismo sobreviverá também naera imperial, mas sem inovações. O docu-mento mais significativo que atesta avitalidade do Epicurismo é um grandioso

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Sexta patte - y\s escolas filosóficas da e>*a keJems+ica

EPICURO

D fl filosofia como

1. Sempre é tempo de filosofar,sejamos velhos ou jovens

Cpicuro saúda Meneceu.Quem é jovem não espere para fazer filo-

sofia; quem é velho não se canse disso. Comefeito, ninguém é imaturo ou superado em re-lação à saúde da alma. Quem diz que ainda não éhora de fazer filosofia, ou que a hora já passou-,parece-se com quem diz, em relação à felicidade,que ainda nõo é o momento dela, ou que ele jápassou. Por isso, tanto o jovem como o velhodevem fazer filosofia; um para que, emboraenvelhecendo, permaneça sempre jovem de benspor causa do passado, o outro para que se sinta

 jovem e velho ao mesmo tempo, para que nãotema o futuro. C preciso, portanto, ocupar-se detudo o que leva ã felicidade, se é fato que quandoela está conosco possuímos tudo, e que, quandonão está conosco, fazemos de tudo para obtê-la.

2. Os deuses existem e são imortais e felizes

Pratica e medita aquilo que te ensinei con-tinuamente, convicto de que se trata do abecêpara uma vida feliz. Cm primeiro lugar, consideraque a divindade é um vivente incorruptível e feliz,

como a noção comum do divino costuma aceitar,e nõo lhe atribuas qualquer coisa es

tranha à imortalidade ou de pouca consonânciacom a felicidade. Cm relação à divindade, pensa

tudo o que serve para preservar sua felicidadeunida com a imortalidade. Os deuses existem defato e o conhecimento que deles se tem éevidente. Cies, porém, não são como a maioria oscrê, pois não continuam coerentemente aconsiderá-los como os concebem. ímpio não équem nega os deuses como a maioria os quer, esim aquele que atribui aos deuses as opiniõesque deles tem a maioria. Com efeito, as opiniõesda maioria sobre os deuses nõo são prolepses,mas enganosas hipolepses.1 Daqui se segue quedos deuses se fazem derivar para os homens asrazões de todo maior dano e de todo bem; osdeuses, com efeito, entregues continuamente às

suas virtudes, sõo queridos por todos os seussemelhantes, mas rejeitam como estranho tudo oque não é semelhante a eles.

3. O que é a morte para o homem

Habitua-te a considerar que a morte é nadapara nós, do momento que todo bem e todo malresidem na sensação, e a morte é privação desensação. Por isso, a noção correta de que amorte é nada para nós, torna alegre o fato deque a vida seja concluída com a morte, não lheconcedendo um tempo infinito, e sim lhesubtraindo o desejo da imortalidade. Não há nada

de terrível na vida para quem tenhacompreendido bem que não há nada de terrívelno fato de não viver mais. Por isso, é tolo quemdiz temer a morte, não porque trará dor aomomento em que ela se apresentar a nós, masporque nos faz sofrer na sua espera; com efeito,tolamente pode causar sofrimento na espera,aquilo que nõo faz sofrer com sua presença.

Portanto, o mal que mais nos atemoriza, ouseja, a morte, é nada para nós, a partir domomento que, quando vivemos, a morte nõoexiste, e quando, ao contrário, existe a morte,nós nõo existimos mais. R morte, portanto, nõonos concerne, nem quando estamos vivos, nem

quando estamos mortos, porque para os vivosela não existe, e os mortos, ao contrário, nãoexistem mais. Os outros, por outro lado, fogem àsvezes da morte como do pior dos males, outrasvezes a [procuram] como alívio [das desgraças]da vida. [O sábio, ao invés, nem rejeita a vida],nem teme o não viver mois; com efeito, a vidanão lhe é molesta, e também não crê que amorte seja um mal. Rssim como para o

'Conceito inadequodo, fundado sobre a

fí  Carta a Meneceu é o ma/s belo emais tocante escrito de Cpicuro que nosFoi conservado.

fípós dizer que sempre é tempo deFilosofar, porque ao FilosoForse encontro a

Felicidade, Cpicuro relembra suas idéiasFundamentais sobre os deuses e sobre amorte.

Seguem-se, depois de algumasindicações sobre o modo de entender avida e o Futuro, a concepção sobre o modoem que devem ser entendidos osprazeres, as dores e os desejos e como ohomem deve comportar-se em relação oeles.

Conclui a carta um chamado à

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, , . 275Cãpítulo decimo - Êpicuro e a fundação do "3ardim"--------------------------------------------------------------------------------------------------

alimento, ele não se serve dele em abundân-cia, mas ©scolh© o m0lhor; também não

procura gozar o t0mpo mais longo, mas omelhor.

4. Indicações sobre o modo de entender avida e o futuro

6 qu0m ©xorta o jov0m a viv0r bem, 0o V0lho a concluir bem a sua história mortalé um tolo, não só por tudo o qu© 0 digno d0s©r ac0ito da vida, mas também porqu©uma só é a reta preparação para bem viver 0para bem morrer, flindapioréoqu0diz:"[...]nãonasc0réótimo, mas, S0 nascidos, passar omais d0pressa pos- SÍV0I p©las portas do

Had0s".2

S0 tal p0ssoa 0stá m0smo conv0ncida doque diz, por que não morre im0diatam0nt0? éS0u dir0ito legítimo fazê-lo, s© de fato está con-victo disto; ao contrário, s© quer brincar, agecomo tolo em coisas que não comportam brin-cadeira. é preciso lembrar que o futuro não éinteiramente [nosso], nem int0iram0nt0 nãonosso, para não esperar qu© absolutamentet0nha d© s© realizar, nem desesperar-se, comoso absolutam0nt0 não t0nha de se realizar.

5. Como é preciso julgar os prazeres eas dores

é n0C0ssório d0pois pensar poranalogia que alguns desejos são naturais,outros vãos; entre os naturais, alguns sãon0C0ssários, outros são simpl0sm0ntenaturais. Depois, dos necessários alguns sãotais em relação à felicidade, outros sãoassim 0171 relação ao b0m-0star físico,outros ainda em relação à própria vida. Comefeito, umo sólida noção de desejo sabeguiar cada escolha e cada rejeição para asaúde do corpo 0 para a ataraxía da alma,uma vez que justamente este 0 o fim da vidafeliz. Com efeito, justam0nt0 com ©st0

©scopo faz0mos d0 tudo, a fim de  nãoexperimentar nem sofrimento nemperturbação. Uma vez que isto s© verifi-qu© ©m nós, toda t0mp0stad0 da alma seaplaca, porque o ser humano não sabe qu©outra coisa d0S0 jar, que lhe falte, nem qu0outra coisa p0dir paro tornar pl0no o bem daalma 0 do corpo. S0ntimos n0C0ssidad0 doprazer, quando sofremos pela sua falta,[quando, ao contrário, não sofremos], entãonão t0mos nenhuma n0C0ssidad0 de prazer.

Por estes motivos, dizemos que o prazer éprincípio e termo último de uma vida feliz. Com

'^Teognides (séc. VI o.C.).

reportamos para avaliar todo bem com a sen-sação assumida como norma. C a partir do mo-

mento que ©st© é o bem primeiro 0 conatural anós, justamont© por isto não ac0itamos todopraz0r, mas dá-so o caso de que descuramosmuitos deles, quando disso provém um incô-modo maior; e assim consideramos qu© muitasdores são preferíveis aos prazeres, no caso queum prazer maior nos toqu© depois de ter resis-tido longamente oo sofrimento. Todos os pra-zeres, portanto, porque têm uma natureza con-gênita a nós, são um bem, todavia, nem todosdevem ser aceitos. Da mesma forma, toda dor éum mal, porém, nem todas são de tal gênero quedelas d0vamos fugir S0mpre. é preciso julgartudo isso em base ao cálculo e a uma visão geral

da utilidade e do dano. Com ©feito, podemosexperimentar que o bem, por corto tempo, é mal,0, vic0-v0r5a, que o mal pode ser um bem.

6. R independência em relação aos desejos

 Também consideramos um grande bem aindependência em relação aos desejos, não como escopo d© gozar apenas de pouco, masporque s© não temos o muito, possa bastar- noso pouco, corretamente convictos de que melhorgoza da abundância quem menos sente a suanecessidade, qu© tudo o que é requerido pornatureza é facilmente obtenível, e tudo o que, ao

contrário, é vão, dificilmente se adquire, qu© osalimentos frugais produzem prazer idêntico aode uma mesa farta, quando elimi- na-s© a dor danecessidade, © qu© pão © água of©rec0m omáximo dos prazeres, quando deles se servequem deles tem necessidade.

7. Como devemos entender o prazer ea sua ligação com a virtude

Portanto, o hábito de um alimento simplese d© modo nenhum refinado, de um lado confe-re saúde, do outro torna o homem ágil nas ocu-pações necessárias da vida, © se nós nos apro-ximamos, de vez ©m quando, a um teor de vidasuntuoso, dispõe-nos melhor em relação a ele, ©tira-nos o m©do do destino. Por conseguinte,quando dizemos que o prazer © o fim último,não pretendemos falar dos prazeres dos dis-solutos e nem dos que consistem na crápula,como pensam aqueles que não conhecem, nãopartilham ou mal entendem nossos princípios, esim, ao contrário, pretendemos falar da falta dedor no corpo e da falta de perturbação na alma.Com efeito, nõo são os simpósios ou osbanquetes contínuos, o aproveitar de joven-zinhos e mulheres, ou o peixe e tudo o que pod©

oferecer farta mesa que levam a uma existên

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Sexta parte - y\s escolas filosóficas cta era kelenísfica

cia feliz, e sim a límpido capacidade de raciocínio,que esteja consciente de cada aceitação e de

cada rejeição, e elimine a vacuidade das opiniões,pelas quais a pior das perturbações surpreende aalma.

De tudo isso, princípio e bem supremo é aprudência que, justamente por isso, constitui algode ainda mais valioso do que a filosofia. Dela seoriginam todas as outras virtudes, e ela ensinacoma não é possível uma vida feliz sem que sejasábia, bela e justa [e também que seja sábia,bela e justa] sem que seja feliz. As virtudes, comefeito, são conaturais à vida feliz, que, por suavez, não é separável das virtudes.

8. fl causa do bem e do malestá no próprio homem

Por outro lado, a quem consideras melhordo que aquele que tem idéias santas sobre osdeuses, que não tem medo algum da morte, queconhece a fundo o fim natural, que tenhaconsciência firme que é fácil realizar e práticoalcançar o limite extremo do bem, enquanto olimite extremo do mal tem tempo e penas bre-ves? Ou de quem proclama que [o destino], poralguns considerado senhor absoluto de tudo [...]?[...] em parte acontecem por necessidade [...[, emparte, ao contrário, pelo capricho da sorte, outrasainda estão em nosso poder, porque se constata

que a necessidade é irresponsável, a sorte éinstável, ao passo que aquilo que está em nós élivre e, por isso, ligado a zombaria 0 a elogio. Noreolidade, ero melhor ater-se ao mito qu©circunda os deuses, em vez de servir o destinodos físicos. Com efeito, o primeiro subentende aesperança de aplacar os deuses, honrando-os; osegundo, ao contrário, conserva toda aimplacabilidade do necessário. [O sábio] não crêque a sorte seja um deus, como a moiorio pensa(com efeito, nada é realizado^desordenadamente pela divindade), e nem queela seja uma causa vaga; com efeito, o sábiofnão] pensa que bem e mal, no que se refere à

vido, sejam concedidos aos homens pela fortuna,e que todavia o início de grandes bens e degrandes males se encontre sob o influência dela.€le pensa finalmente que é melhor serdesafortunados com um pouco de sabedoria, ooinvés de afortunados sem qualquer sabedoria,porque nas coisas humanas é melhor que umareta decisão [não] seja coroada pela fortuna, emvez de [uma decisão errado] o ser.

Rumina contigo mesmo, dia e noite, estasargumentações e outras ainda semelhantes aelas, discute também com quem está próximo detuas posições.

€picuro. Cartas e máximas.

LUCRÉCIO

E3 O De rerum natum

O sistema de Epicuro nõo foimodificado em sua substância pelosnumerosos seguidores, mas foi sempreconsiderado como verdade imodificávei,completa em si e definitiva; Lucrécio,todavia, o repensou e reviveu em

dimensão poética, e as novidades que eletraz estão justamente nesta dimensão, ouseja, na magia da arte, que se acrescentaà filosofia e a transfigura, fazendo-a pene-trar na mente, mas também no coração.

fílgumas diferenças que osestudiosos encontraram entre opensamento de Epicuro e ode Lucréciosõo, na maioria, inconsistentes, seconsideradas na óptica que indicamos.Lucrécio, com efeito, tem uma visão pes-simista da natureza, no sentido de que omundo parece nõo feito para nós, tanta énele a dor. Mas os grandes e numerosos

ofõs que nos circundam podem sersuperados com o razão humana, porque oconhecimento do verdadeiro e a luz darazõo nos indicam a via justo do viver.

Leremos, em seguida, passagens emque o sentimento poético de Lucrécio viveo senso do infinito que nos circunda, e nasquais ressoam acentos que trazem õmente aqueles desfalecimentos noinfinito, de sabor quase leopardiano.

Rlém disso, citaremos passagens emque o senso de melancolia, que haviatambém em Epicuro, mas muito contido esuperado pela razão, em Lucrécio se torna

proeminente e am- plifica-se-o emdimensão poética. Em particular,notaremos o grande piedade pelo homem,sobretudo pelo homem não-sóbio que nõoconhece a verdade de Epicuro, quearrasta uma vida inútil, vivendo no afõ eno fostio, para se perder no nada. ParaLucrécio, aqueles que ignoram a

1. Superação do mal por meioda luz da razão

Poderei não saber do mundo as origens, mas,

pelos sinais do céu 0 de muitas coisas criadas,estou certo de que o mundo não é feito para nós,

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> _ „ . „ 277

Cãpítulo décimo - (Spicu^o e a fundação do "jardim" .........

porque ele é fonte de tonto mal.No espaço que cobre o impulso terrestre

grande porte têm os montesávidos, as selvas grotos às feros, os rochedos,os pântanos acinzentados de logose os mores que tornom longínquos as terras;oqui a aridez deserto, acolá o gelo perenenos tolhem o extensão do solo:e o pouco que sobro de terra mois dócil,se o força do homem, paro permanecer vivo,não preme com suor a pá, se enche de mato.€ nós fecundamos as glebas com o orado,tornamos grandes as plantas porque sozinhosnão cresceriam.Mas, enquanto os campos frondejam e asárvores e ervas respiram, com assíduo cuidado

educados, chego sobre as obros humanos achuvo improvisa e o geada ou a chamo quentedemais do sol: ou então desce para arrancá-laso sopro do furacão.£ a natureza em todo lugar,pela terra e nos fundosdo mar que sustenta os estirpes dos feros,impele sobre nós os sopros malignosdas estações:e a morte circulo, inesperada.€ o menino, como náufrago lançado à margempelas ondas enfurecidas,

 jaz nu por terra, sem poder falar,precisando de ajudo;

e quando pelo grito maternoo noturezo o jogou lá, na luz,chora e torna lúgubre o dia de lamentos:presságio do mol que lhe resta viver.flo invés, os onimais, os rebanhos, os ferascrescem variados,nem de brinquedos têm necessidade, nem deamas com brandas e ternas vozes, nem devestes que mudam ao mudar o tempo, nem dearmas, nem de muralhas para se defenderem:pois tudo para eles produz o terra generosa,tudo pora eles provê a natureza. Ora, se isto éum remédio ridículo1 e os terrores humanos eos afãs seguidores nõo temem o som dasarmos nem guerras, que se misturam audazesentre os reis e os poderosos,nem o fulgor do ouro os fascina ou a púrpura,por que duvidar que apenas o poder do razãoesteja em grau de abatê-los?

 Tanto mais que a vida está envolta em trevas. €como os meninos vêem de noite, oterrodos, novazio do sombra, fantasmas de gélidas asas

'O rem dio rid culo oo qual Lucr ciose re ere cons s e nas us es oshomens que buscam o poder, o riqueza

e imaginam outros em caminho pelo ar,também na luz tremem os homens por coisas

mais exíguas que as sombras.Nem servemos raios do sol desfazendo as trevas e esteterror do ânimo, mas apenas o estudo doverdadeiro, mas apenas a luz da razão.

2. Sentimento de desfalecimento no infinito

O todo existente não está de modo nenhumterminado: se assim fosse teria um extremo;mas é claro que jamais de uma coisa podehover extremo se outra coisa não existe quemarque seu confim: de modo que se vejo oponto para além do qual termine o visão dela.

£ como admitimos que nada existepara além do todo,ao todo falta o extremo e o fim;nem importo em que ponto te encontras do todo:porque um ponto qualquer tem diante de sio infinito.

 Tu penso o espaço como ummomento acabado; se alguém selançar lá embaixo em direção àsúltimas praias do mundo e atiraruma flecha veloz, o que te agradariaesperar? que o dardo lançado comforça atinja a meta e voe paro longeou que possa algo porá-lo e impedi-

lo?Obrigado estás o aceitaruma destas duas coisas; todaviatonto uma como a outra te impedemqualquer caminhoe te forçam a admitirque o todo se estende, infinito:pois, mesmo que algo impeçao vôo do dardo de otingir a meta,mesmo que o vôo prossiga fora,ele certamente nõo partiu de um termo último.Se quiseres continuar eu te sigoaonde quer que ponhas o extremo limite e saber,desejarei a sorte doquele dardo.

Nõo terás um limite para parar eaberto sempre terás a fuga. embusca de novos limites.Gs: umo coisa limita a outra ao olhar de modoque todo limite morca as formos do mundo: o aré confim de uma colina, o monte do ar; a terra étermo do mar, o mar da terra.Nõo há nada que o todo feche em um círculopor fora.Se todo o espaço do mundofosse fechado por limites certos e acabado,

 já descido ao fundo estaria o amontoado

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Sexta parte - As escolas filosóficas da et‘a kelenís+ica

da matéria por causa do peso, 0 sob a abóbadado céu mais nada viv0ria 0 nem céu nem sol d0

fato ©xistiriam: pois acumulada estaria port0mpo infinito no baixo a matéria inerte.Mas agora, como é natural,os germes dos corpos

 jamais têm d0scanso, porque não existeum fundo onde possam cair 0 parar;0 sempr© com movimento contínuo acorremátomos para formar as coisas, de todos os lados0 também d© baixo, volozos, do infinito.

 Tal é portanto a natureza do vazio, assim doespaçoé fundo o abismo que nem sequer o raiopoderá jamais percorrê-lo inteironem abreviar de um só ponto o seu caminho,

nem rrosmo se o foco luzente durasseo curso perene do tempo,tão grande é o espaço aberto às coisaspor todos os lados, livre e inesgotável vazio.fl própria natureza, aliós, provêqu© o mundo não t0nha limites: obrigaos corpos a ficarem ©nvoltos p0lo vazio0 o vazio pelos corpos: de modo que por estaalternância de vazio 0 matéria,por estas duas coisas seja o todo infinito:e mesmo que umo não fosse limite para a outra,a outra sozinho serio infinita.

3. Os mundos infinitos nos espaços infinitos

Se fora destes amplos muros do mundo seest0nd0 o espaço a mente qu©r olçar-s© paraver e naquele vazio o meu ânimo peregrinar.Ao meu redor não tenho limite nenhum:0 imensa a natureza do vazio, é indubitável ©staprofundidade luminosa.Aqui onde em longo vazio suspensos voamátomos nõo há lugar para cr©r que apenas at©rro e ap©nas ©st0s arcos celestes se tenhamformado: além de nós não tem repouso a matériacriadora. € tanto mois se penso que o mundoterrestre a natureza o fez por acaso, que os

átomos se chocaram por acaso 0 depois de muitae vã violência finalmente conseguiram seestreitar e lançar nos úteros do vazio o ©xórdiodo universo.Cxistem alhures, dispersas,outras massas de átomoscomo esto que o éter cobrecom ciumenta vigilância.Não é maravilha que onde a matéria estáordenada, onde o espaço está abertooí novas coisas se formem.Se tal é o número dos núcleos criadores

que toda a era dos vivos não basta para contá-los, se a próprio força permanece podendo os

mesmos elementos reunir em todo lugar domodo como os reuniu aqui, é certo que alhuresexistem outras terras e outros mares,existem outras formos de animais 0 d© hom©ns.No conjunto d© todas as coisasnão pod© ©xistir apenas uma que, sozinha,tenha sido gerada,que não seja porte de uma espéciee de uma ordem: como para as feras dos montes,como para esta prole dos homens,para as mudas famílias dos peixes,para os corpos dos pássaros no vento.Destas comparações tu vêsque nõo sõo únicos os coisas que existem:

não é único o céu nem o sol nem o mar;mas são infinitos em número,

 justamente porque está fixadono fundo de todo ser um limite,

 justamente porque tudo é formado para a morte.C para todos os espaçosé o mesmo como aqui para as coisas terrenas.

4. O homem que não conhece o verdadeiro vivena angústia e sobre a terra está como nosinfernos

Se os homens, assim como sentem o peso queos cansa,

ao menos pudessem de tanto mal descobrir acausa t©riam quem sabe vida melhor.6 assim os vemos incertos, sem saber o qu©querem: v©mo-los procurar inqui©tos outroslugares, um lugor diferente do costum©iroond© possam d©por aqu©l© p©so:©st©, ©njoado d© s©us aposentos, soid© s©u rico palácio © para aí retorna: viuque fora não ha nada melhor;este outro impele os cavalospara a casa campestre,açoita-os apressadocomo para apagar dos tetosos chamas, e já à porta boceja:

pega no sono e o pesado afõ interrompe,ou volto para a cidade e as costumeirasestradas revê.Cada um desejaria separar-se d© si0 fugir para long©,mas não cons©gu©; ao contrário,sempre mais a si mesmoconstrangido se apegae ao mesmo tempo se odeia:doente, não sabe como o mal lhe acontece,não vê a causa do mal.

Lucrécio, De rerum notura.

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(Sapí+ulo cléaimo primeiro

O Ês+oicismo

I. C\èy\e~se e desenvolvimenfos

da íSsfoá

•A filosofia estóica formou-se principalmente pela ação 0noens de trêsfilósofos que, um depois do outro, deram cada um a e  periodização própriaoriginal e conspícua contribuição às doutrinas da Esco- ^ Estoicismo Ia,chamada Estoá (termo que significa "pórtico", lugar em que § 7 os filósofos seencontravam).

O primeiro deles foi Zenão de Cício (que chegou em Atenas em 312/311 a.C.),o segundo foi Cleanto de Assos (que dirigiu a Escola entre 262 e 232 aproximada-mente), e o terceiro, ao qual se deve a sistematização definitiva da doutrina, foiCrisipo de Sôli (que foi escolarca de 232 até quase o fim do século).

Os estudiosos dividem a história da Estoá em três períodos:- a Antiga Estoá de Zenão, Cleanto e Crisipo;- a Média Estoá de Panécio e Possidônio;

- a Nova Estoá de Sêneca, Epicteto e Marco Aurélio.

Do "^arciim” à “£,s\oc\"

No fim do séc. IV a.C., pouco mais deum lustro da fundação do “Jardim”, nasciaem Atenas outra Escola, destinada atornar-se a mais famosa da época helenística.Seu

fundador foi um jovem de raça semítica,Zenão, nascido em Cício, na ilha de Chipre,por volta de 333/332 a.C., e que setransfe-riu para Atenas em 312/311 a.C., atraídopela filosofia. Zenão teve primeiro relaçõescom Crates, o Cínico, e com Estilpão Megá-rico. Ouviu também Xenócrates e Pólemon.

liuslo atribm\lo a Zenão ilc C.ícin(que viveu ii cavalo entre <> séc. I\' e o 111 ifundador da Escola que mantinhaaulas na Estoá í= pórtico),de onde derivou o nome de i.stoicismo

 

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Sexta parte - y\s e-scolas filosóficas da era kelenística

Releu os antigos Físicos e fez seus princi-

palmente alguns conceitos de Heráclito,como veremos. Mas o acontecimento quemaiso influenciou talvez tenha sido a fundaçãodo “Jardim”. Como Epicuro, ele renegava ametafísica e toda forma de transcendência.Como Epicuro, concebia a filosofia no sen-tido de “arte de viver”, ignorada pelas ou-tras escolas ou então só imperfeitamenterealizada por elas. Mas, embora comparti-lhasse o conceito epicurista de filosofia,bem como seu modo de propor osproblemas, Zenão não aceitava suasolução para esses problemas, tornando-se

severo adversário dos dogmas do “Jardim”.Repugnavam-lhe profundamente as duasidéias básicas do sistema, quer dizer, aredução do mundo e do homem a meroagrupamento de átomos e a identificaçãodo bem do homem com o prazer, bemcomo suas conseqüências e corolários. Nãoé de surpreender, portanto, queencontremos em Zenão e em seus seguido-res a clara inversão de uma série de tesesepicuristas. Todavia, não devemosesquecer que as duas Escolas tinham osmesmos objetivos e a mesma fé

materialista e que, portanto, trata-se deduas filosofias que se movem no mesmoplano de negação da transcendência e nãode duas filosofias que se movem em planosopostos.

Zenão não era cidadão ateniense e,como tal, não tinha direito de adquirir umedifício; por isso, ministrava suas aulas emum pórtico, que fora pintado pelo pintorPolignoto. Em grego, “pórtico” diz-se stoá.Por essa razão, a nova Escola teve o nomede “Estoá” ou “Pórtico” e seus seguidoresforam chamados “os da Estoá”, “os do Pór-tico”, ou simplesmente “Estóicos”.

No Pórtico de Zenão, diversamente do Jardim de Epicuro, admitia-se a discussãocrítica em torno dos dogmas do fundadorda Escola, fazendo com que tais dogmas fi-cassem sujeitos a aprofundamento,revisões e reformulação.

Em conseqüência, enquanto a filosofiade Epicuro não sofria modificações relevan-tes, sendo na prática somente oupreponderantemente repetida e glosada, epermanecendo assim substancialmenteimutável, a filosofia de Zenão sofreu

Os estudiosos hoje têm bem claro que

é necessário distinguir três períodos nahistória da Estoá:1) O período da “Antiga Estoá”, que

vai de fins do séc. IV a todo o séc. III a.C.,no qual a filosofia do Pórtico foi pouco apouco desenvolvida e sistematizada naobra da tríade da Escola: o próprio Zenão,Clean- to de Assos (que dirigiu a Escola de262 a 232 a.C., aproximadamente) e,principalmente, Crisipo de Sôli (que dirigiua Escola de 232 a.C. até o último lustro doséc. IIIa. C.). Foi principalmente este último,talvez de origem semítica que, com mais

de sete- centos livros (infelizmenteperdidos), fixou de modo definitivo adoutrina do primeiro estágio da Escola.

2) O período assim chamado da “Mé-dia Estoá”, que se desenvolve entre o II eoI séc. a.C. e que se caracteriza por infiltra-ções ecléticas na doutrina originária.

3) O período da Estoá romana ou da“Nova Estoá”, que se situa já na era cristã,no qual a doutrina faz-se essencialmentemeditação moral e assume fortes tons reli-giosos, em conformidade com o espírito e

as aspirações dos novos tempos.O pensamento dos primeirosrepresentantes da velha Estoá édificilmente diferen- ciável, porque todosos textos se perderam e, além disso,aqueles que recuperavam as doutrinasestóicas através de testemunhos indiretosatinham-se às inumeráveis obras deCrisipo, que, elaboradas com dialética ehabilidade refinadas, obscureceram toda aprodução dos outros pensadores da Estoá,até fazê-la quase desaparecer. Além disso,foi Crisipo quem derrotou as tendênciasheterodoxas da Escola, que se haviam

verificado com Aristão de Quios e comErilo de Cartago, desencadeandoverdadeiros cismas. Por isso, a exposiçãoda doutrina da velha Estoá é sobretudouma exposição da doutrina na formulaçãoque recebeu de Crisipo. Também sãoescassos os testemunhos precisos sobre ospensadores da Média Estoá Panécio ePossidônio, mas os dois pensadores sãonitidamente diferenciáveis. Já no que serefere ao estoicismo romano, possuímosobras completas, numerosas e ricas.

 

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Capítulo décimo primeiro - O Ês+oicismo

II. A lógica da anfiga (zLs+oa

• A Estoá, aceitando a tripartição da filosofia em lógica, física e ética, atribui àlógica a tarefa de fornecer o critério de verdade sobre o qual fundar a ética. Comoos Epicuristas, os Estóicos tomaram os movimentos dasensação, entendida como impressão dos objetos externos so- o conhecimento breos sentidos. Nos confrontos de cada representação a razão e 0 PaPel central (logos)do homem exprime seu acordo ou sua rejeição. Apenas do '°9°s quando recebeunosso acordo a representação se torna "com- * preensiva" ou "cataléptica". Seuma representação recebe a aprovação — isto é, supera o exame do logos —torna-se "representação cataléptica", e pode entrar de fato no processo doconhecimento. Se não recebe a aprovação, deve ser descartada.

• A seguir, a representação cataléptica torna-se intelecção e conceito, ou

seja, torna-se universal, e sobre os universais se fundamenta o raciocínioverdadeiro e próprio, que para os Estóicos — como para Aristóteles, emborade modos diversos — encontra no silogismo sua forma perfeita, os conceitos

Os Estóicos admitiram também a existência de "prolepses", e as "prolepses"ou seja, de noções inatas, inerentes à natureza do homem. Por -» § 2conseguinte, tiveram de enfrentar o problema do universal.

A ^ Representação cataléptica"

 Tanto Zenão quanto a Estoá aceitama tripartição da filosofia estabelecida pelaAcademia (que fora substancialmente aco-lhida por Epicuro, como já vimos), inclusiveacentuando-a e não se cansando de forjarnovas imagens para ilustrar do modo maiseficaz a relação existente entre as três par-tes. A filosofia em seu conjunto é compara-da por eles a um pomar, no qual a lógicacorresponde ao muro circundante, quedelimita o âmbito do pomar e que cumpreao mesmo tempo o papel de baluarte de

defesa; as árvores representam a física,porque são como que a estruturafundamental, ou seja, aquilo sem o que nãoexistiria o pomar; finalmente, os frutos,que são aquilo a que todo o plantio visa,representam a ética.

Assim como os Epicuristas, os Estói-cos atribuíam primariamente à lógica a ta-refa de fornecer um critério de verdade. E,como os Epicuristas, indicavam a base doconhecimento na sensação, que é umaimpressão provocada pelos objetos sobreos nossos órgãos sensoriais, a qual setransmite à alma e nela se imprime,

Porém, segundo os Estóicos, a repre-sentação da verdade não implica só um“sentir”, mas postula ademais um“assentir”, um consentir ou aprovar 

 proveniente do logos que está emnossa alma. A impressão não depende denós, mas da ação que os objetos exercitamsobre nossos sentidos; nós não somoslivres de acolher essa ação ou de nossubtrair a ela, mas estamos livres para to-mar posição diante das impressões erepresentações que se formulam em nós,dando- lhes o assentimento(synkatáthesis) de nosso logos ourecusando dar-lhes nosso assentimento. Sóquando existe o assentimento é que temosa “apreensão” (katálepsis). E a

representação que recebeu nosso assenti-mento é “representação compreensiva oucataléptica”, constituindo o único critérioou garantia de verdade.

êm V0,ePses"

Em substância, para os Estóicos, averdade própria da representaçãocataléptica deve-se ao fato de que esta éuma ação e uma modificação material e“corpórea” que as coisas produzem sobre

nossa alma, provocando resposta

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Sexta paTte - y\s escolas filosóficas da era Kelenís+ica

razões que esclareceremos melhor adiante,a própria verdade, segundo osEstóicos, é algo de material, “é umcorpo”.

Contudo, os Estóicos admitiram quepassamos da representação cataléptica àinte- lecção e ao conceito. Admitiam,ademais, “noções ou prolepses inatas nanatureza humana”. E, em conseqüência,obrigaram- se a dar conta da natureza dosuniversais. O ser, para os Estóicos, ésempre e somente “corpo” e, ademais,individual; portanto, o universal não podeser corpo, é um incor- póreo, não no

cida de ser”, uma espécie de ser ligado so-mente à atividade do pensamento.

Os Estóicos afastaram-se notavelmen-te de Aristóteles, apoiando-se na propo-sição como elemento-base da lógica (lógicaproposicional) e privilegiando os silogismoshipotéticos e disjuntivos, sobre os quaisAristóteles não havia teorizado. Mas estaparte da lógica estóica, hoje grandementerevalorizada, permanece à margem do sis-tema. A “representação cataléptica” con-tinuou sendo o verdadeiro ponto de refe-rência para a Estoá, em virtude das razõesexpostas.

OS ESTÓICOSA LÓGICA

sensaçaonasce da impressãodos objetos sobre os sentidos

representaçao

' ' ' <

nasce quando odado sensível seapresenta à alma

<57

representaçãocataléptica (ouacataléptica)

e a representaçãoaprovada ou desaprovadapelo logos

logosprincípio deconheciment insere na alma*.( prolepses

são noções inataspresentes em toda alma

conceitos

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Capítulo décimo primeiro - O Êsto icismo

: III. y\ Física :

da antiga íSstoa

• O ser, dizem os Estóicos, se identifica com o "corpo", razão pela qual tudo oque existe — também os vícios, o bem e as virtudes — são "corpos". E todo corpoé formado pela ação de uma causa ativa com uma causa passi-va, isto é, pela ação da razão {logos) sobre a matéria, produzin-do entes de caráter "hilemórfico", isto é, feitos de matéria eforma. A forma de cada objeto seria, portanto, o resultado daação de uma única força racional que dá forma (definição) aum substrato indefinido.

Omaterialismo ecorporeísm

 

• Esta força racional identifica-se com a natureza {physis),e, portanto, com o princípio divino, e em sentido mais especí-fico com o fogo ou sopro {pneuma ) afogueado que penetratoda a realidade, aquece-a e — segundo as concepções cientí-ficas da época, que viam no calor o princípio vital — lhe dávida. Aparece, portanto, evidente que para os Estóicos o cos-mo é como um imenso organismo vivo, em que tudo é vida(= hilozoísmo).

Opneuma ea concepçãohilozoistado mundo —> § 7

• Todavia, neste ponto surgem dois problemas:1) Como é possível que o fogo-natureza-Deus, que, como sabemos, é corpóreo

e material, penetre o cosmo que é também material? É acaso possível que os cor-pos se penetrem mutuamente?

2) Como pode o logos-fogo, que é único, produzir infinidade de formas?

• Para resolver o primeiro problema os Estóicos introduzi-ram o princípio da infinita divisibilidade dos corpos e, portan-to, admitiram a possibilidade de que as partes de um corpopenetrem completamente entre as partes de outro (princípioda "mistura total dos corpos").

O principio damistura totaldos corpos->51

• Para responder ao segundo problema eles representaram o logos como"semente de todas as coisas", ou seja, como semente capaz de gerar muitas outrassementes (= razões seminais): com efeito, como a semente que é única consegueproduzir a infinita variedade das frondes, o logos como dos ramos, das flores e dosfrutos de uma árvore, do mesmo razão seminal modo o único logos produz a infinitavariedade das formas pre- -»§ 2 sentes no mundo.

• Se todas as formas derivam de única semente, elas têmreciprocamente uma relação orgânica, isto é, "simpatizam" entresi, de modo que cada parte do cosmo está em conexão comtodas as outras (princípio da "simpatia cósmica").

• Os Estóicos, além disso, não hesitaram em chamar deDeus esta razão {logos) inerente ao mundo, pelo fato de que elaefetivamente atende as funções de Deus. De um lado, dá formaàs coisas; do outro, move-as e as dispõe racionalmente. Destemodo, eles formularam a primeira concepção explícita e siste-mática do panteísmo, isto é, da doutrina que identifica o cosmocom Deus.

Oprincípio da''simpa

 

A primeiraformasistemática depanteísmo ^§3

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Sexta parte - y\s escolas filosóficas da e^a kelenística

• A presença do Deus-logos na realidade implica que tudo seja por ele dirigidode modo infalível, isto é, que tudo seja endereçado ao melhor fim (o logos não

pode errar): neste sentido, o finalismo universal se traduz em

Providência,  uma forma de providência geral. Mas esta forma de "providên-necessidade c ja" coincide com o destino inelutável, que não é mais do que9 ds5ã'n0 aquilo que se segue à ordem necessária de todas as coisas devi-

5 da ao logos.

• Aqui, porém, surge um problema: se a razão imanente implica necessidadeimanente, então, também o homem continua implicado nesta necessidade. O que

será, portanto, da sua livre vontade? A vontade do homem — Aliberdade  observam os Estóicos — não é livre, ou seja, ela encontra obstá-humana culos que impedem sua realização, apenas quando se opõe ao

§ 5 destino (= ao logos); ao contrário, quando o atende e queraquilo

que o destino quer, então não só não encontra impedimentos,

mas tem efeito seguro. A verdadeira liberdade, portanto, estaria em uniformizar-se ao logos: querer o que o Destino quer.

„ _ «A idéia de que o mundo seja formado de fogo implicacósmica3^30 clue ne*e se man'^estem< embora em tempos diversos, os dois aspectos

típicos da atividade do fogo, isto é, o vivificante (lembremo-nos da relação fogo-calor-vida, mais vezes salientado) e o destrutivo. Assim, enquanto prevalece o

primeiro aspecto o cosmo vive, quando prevalece o segundo ele se consuma emtotal combustão.

•  Todavia, desta conflagração o mundo renascerá(palingê- A palinaênese nese), e renascerá igual, porque a lei que o dirige ésempre a 6 mesma, justamente a do logos: e também os eventos da história se repetirão idênticos até a sucessiva conflagração; e assim por diante.

a maumana

• O logos que penetra o universo semanifesta, em particu-lar medida, na alma humana que é fogo ou pneuma — umaparte do fogo ou pneuma cósmico — e é dividida em oito par-tes: os cinco sentidos, uma parte destinada à fonação, uma à

reprodução, e a parte racional chamada de "hegemônico", ou seja, que domina 

ak O materialismo monis+a

dos Estóicos

A física da antiga Estoá é uma forma(talvez a primeira forma) de materialismomonista e panteísta.

O ser, dizem os Estóicos, é só aquiloque tem a capacidade de agir e sofrer. Maseste é apenas o corpo: “ser e corpo sãoidênticos”; é, portanto, sua conclusão.Corpó- reas são também as virtudes ecorpóreos os vícios, o bem, a verdade.

Esse materialismo, em vez de tomar aforma do mecanicismo pluralista atomista,

como nos Epicuristas, configura-se em sen-tido hilemórfico, hilozoísta e monista.

Os Estóicos falam, na verdade, dedois princípios do universo, um “passivo” eum “ativo”, mas identificam o primeirocom a matéria e o segundo com a forma(ou melhor, com o princípio informante) esustentam que um é inseparável do outro.A forma, além disso, segundo eles, é aRazão divina, o Logos, Deus.

Compreende-se bem, deste modo,que os Estóicos pudessem identificar seuDeus- Physis-Logos com o “fogo artífice”,com o “raio que tudo governa”, deHeráclito, ou ainda com o  pneuma, que é“sopro ardente”, ou seja, ar dotado de

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Capítulo décimo primeiro - O És+oícismo

efeito, é o princípio que tudo transforma etudo penetra; o calor é o princípio sine

qua non (imprescindível) de todonascimento, crescimento e, em geral, detoda forma de vida.

Para o Estoicismo, a penetração deDeus (que é corpóreo) através da matéria ede toda a realidade (que também écorpórea) é possível por causa do dogmada “mistura total dos corpos”. Recusando ateoria dos átomos dos Epicuristas, osEstóicos admitem a divisibilidade doscorpos ao infinito e, assim, a possibilidadede que as partes dos corpos possam seunir intimamente entre si, de modo quedois corpos possam, perfeitamente, fundir-

se num só. E evidente que essa tesecomporta a afirmação da “penetrabilidadedos corpos”, aliás coincide com ela. Pormais aporética que seja, essa tese, emtodo caso, é requerida pela forma do

làl A doutrinadas razões seminais

a outra e em correspondência com o todo(doutrina da “simpatia” universal).

O panteísmo estóico

Dado que o princípio ativo, que éDeus,é inseparável da matéria e como nãoexistematéria sem forma, Deus está em tudo eDeus é tudo. Deus coincide com o cosmo.Dizem as fontes antigas: “Zenão indica ocosmo inteiro e o céu como substância de

Deus.” Ou ainda: “Chamam de Deus o cos-mo inteiro e as suas partes”.

O ser de Deus é uno com o ser domundo, a ponto de tudo (o mundo e assuas partes) ser Deus. Essa é a primeiraconcepção explícita e temática depanteísmo da antiguidade (a dos Pré-socráticos era somente uma forma depanteísmo implícito e inconsciente; sódepois da distinção dos planos darealidade em Platão e da negação crítica

O monismo da Estoá compreende-se

ainda melhor se considerarmos a doutrinadas assim chamadas “razões seminais”. Omundo e as coisas do mundo nascem daúnica matéria-substrato qualificado, poucoa pouco, pelo logos imanente que é, estetam-bém, uno, mas capaz de diferenciar-se nasinfinitas coisas. O logos é como o sêmendetodas as coisas, é como um sêmen quecon-tém muitos sêmens (os logoi spermatikói),

que os latinos traduziriam com a expressãorationes seminales (razões seminais).Umafonte antiga diz: “Os Estóicos afirmam queDeus é inteligente, fogo artífice, que meto-dicamente procede à geração do cosmo equeinclui em si todas as razões seminais,segun-do as quais as coisas são geradas segundoo fa-do. Deus é [...] a razão seminal  docosmo.”

As Idéias ou Formas platônicas e as

formas aristotélicas são assim assumidasno único lo os ue se manifesta em infini-

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Sextã pãTtC - j\s escolas filosóficas da era kelenís+ica

Fi nalismo e Providênciasegundo os Estóicos

Contra o mecanicismo dosEpicuristas, os Estóicos defendem umarigorosa concepção finalística. Com efeito,se todas as coisas sem exceção sãoproduzidas pelo princípio divino imanente,que é Logos, inteligência e razão, tudo érigorosa e profundamente racional, tudo écomo a razão quer que seja, e como elanão pode deixar de querer que seja, tudo écomo deve ser e como é bom que seja, e oconjunto de todas as coisas é perfeito; nãoexiste obstáculo ontológico à obra doArtífice imanente, dado que a própriamatéria é veículo de Deus; assim, tudo oque existe tem seu significado preciso e éfeito do melhor dos modos possíveis; otodo, em si, é perfeito; as coisassingulares, consideradas em si imperfeitas,têm sua perfeição no quadro do todo.

Estreitamente ligada a essaconcepção encontra-se a noção de“Providência” (Pró- noia). A Providênciaestóica, tenha-se presente, nada tem a vercom a Providência de um Deus pessoal. E ofinalismo universal que faz com que cada

coisa (mesmo a menor das coisas) sejafeita como é bom e como é melhor queseja. E uma Providência imanente e nãotranscendente ue coincide com o Artífice

gjj||| "T~ac\o" ou^T^estino” e liberdade

Desse modo, a Providência imanentedos Estóicos, vista por outra perspectiva,revela-se como “Fado” e como “Destino”

(Heimarméne), ou seja, comoNecessidade inelutável. Os Estóicosentendiam esse Fado como a sérieirreversível das causas, como a “ordemnatural e necessária de todas as coisas”,como a indissolúvel trama que liga todosos seres, como o logos segundo o qual ascoisas acontecidas aconteceram: “aquelasque acontecem, acontecem; e aquelas queacontecerão, acontecerão.” E posto que tu-do depende do logos imanente, tudo énecessário (assim como tudo éprovidencial, do modo como vimos),mesmo o acontecimento mais

insignificante. Estamos diante do oposto da“

sera todas as coisas ao sabor do acaso edo fortuito.

Mas, no contexto desse fatalismo,como se salva a liberdade do homem? Averdadeira liberdade do sábio consiste emconformar a própria vontade à do Destino,consiste em querer, com o Fado, aquiloque o Fado quer. Isso é “liberdade”,enquanto aceitação racional do Fado,que é racionalidade. Com efeito, o Destinoé o Logos; por isso, querer os quereres doDestino é querer os quereres do Logos.Liberdade, pois, é pôr a vida em totalsintonia com o Logos. Por isso Cleantoescrevia:

“Guia-me, ó Júpiter, e tu, Destino, ao

fim, seja qual for, que vos prazaassinalar-me. Seguireiimediatamente, pois se me atraso,por ser vil, mesmo assim devereialcançar-vos”.Eis uma bela passagem, referida por

fonte antiga, que exemplifica muito bem oconceito expresso acima: “Os Estóicostambém afirmaram com certeza que todasas coisas ocorrem por fado, servindo-se doseguinte exemplo: um cão que estáamarrado a um carro, se quiser segui-lo, épuxado e o segue, fazendo

necessariamente aquilo que também fazpor sua vontade; se, ao contrário, nãoquiser segui-lo, será obrigado, de todaforma, a fazê-lo. A mesma coisa na ver-dade ocorre com os homens. Mesmo quenão queiram seguir [o Destino], serão emtodo caso obrigados a chegar ao que foiestabelecido pelo fado.” Sêneca dirá,traduzindo um verso de Cleanto comsentença lapidar: “Ducunt volentem fata,

concepção estóica da

conflagração universal eda palingênese

Mas há ainda um ponto essencial aser ilustrado no que se refere à cosmologiados Estóicos. Como os Pré-socráticos, osEstóicos propuseram um mundo gerado e,em conseqüência, corruptível (aquilo quenasce deve, em certo momento, morrer).De resto, era a própria experiência quelhes dizia que, como existe um fogo quecria, existe também um fogo ou umaspecto do fogo que queima, incinera edestrói. No entanto, era impensável que as

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Capítulo décimo primeiro - O Êstoicismo

^ Conflagração cósmica (ekpyrosis).Para os Estóicos é a combustãogeral

I na qual, ciclicamente, nogrande ano em que seconclui o ciclo de desen-volvimento do cosmo, o fogoconsuma e reabsorve em sitoda a realidade. Não,porém, de modo definitivo, jporque dessa condição omundo se j regenera e voltaa desenvolver-se em formassempre idênticas

(palingênese).b

% Apocatástase. O termosignifica ; "reconstituição" enos Estóicos tem significadotécnico: indica o princípiosegundo o qual todo omundo em períodosregulares se reforma de

modo sempre idêntico,depois de ser destruído pelo

sem sujeitas à corrupção mas não omundo que é constituído por elas.

Assim, a conclusão era obrigatória: ofogo alternadamente cria e destrói; emconseqüência, no fatídico final dos temposhaverá a “conflagração universal”, uma

combustão geral do cosmo (ekpyrosis),que será ao mesmo tempo a purificação douniverso, passando a haver somente fogo.À destruição do mundo se seguirá um“renascimento” {palingênese), pelo qual“tudo renascerá de novo exatamente comoantes” (apocatástase), então renascerá ocosmo, esse mesmo cosmo que continuarápela eternidade a ser destruído e depois

estrutura geral, mas também nosacontecimentos particulares (uma espécie

de eterno retorno), e renascerá cadahomem sobre a terra, e será como foi navida anterior, até nas mínimasparticularidades. De resto, idêntico é ologos-fogo, idêntico é o sêmen, idênticassão as razões seminais, idênticas são asleis em sua explicação, idênticas são asconcatenações das causas segundo asquais as razões seminais se desenvolvem

O k ornem; a

alma e sua softe

Como vimos, o homem ocupa posiçãopredominante no âmbito do mundo. Esseprivilégio, em última análise, deriva dofato de que, mais do que qualquer outroser, o homem participa do logos divino.Com efeito, o homem constitui-se de corpoe alma, a qual é um fragmento da Almacósmica; é, pois, um fragmento de Deus, jáque a Alma universal, como sabemos, éDeus. Naturalmente, a alma é corpórea, ouseja, fogo ou pneuma.

A alma permeia o organismo físico in-teiro, vivificando-o; o fato de ela ser mate-rial não é impedimento para isso, pois,como sabemos, os Estóicos admitem apenetrabi- lidade dos corpos. Exatamentepor permear todo o organismo humano epresidir às suas funções essenciais, a almaé dividida em oito partes pelos Estóicos:uma, central, chamada “hegemônica”, istoé, a parte que dirige, coincidindoessencialmente com a razão; cinco partesconstituindo os cinco sentidos; a parte quepreside à formação; finalmente, a que

preside à geração. Além das oito “partes”,os Estóicos distinguiram, numa mesmaparte, diferentes “funções”: assim, a partehegemônica ou parte principal da almatem em si as capacidades de perceber,concordar, apetecer e raciocinar.

A alma sobrevive à morte do corpo,ao menos por certo período; segundoalguns Estóicos, as almas dos sábiossobrevivem até a róxima confla ra ão.

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Sextã pãVte - ;As escolas j-iloscvficas da e^a kelemsfica

: III. 7A. éfica : daantiga ^stoa

•  Todos os seres vivos são dotados de um princípio de conservação (chamadooikéiosis), que instintivamente os leva a evitar aquilo que os prejudica e a buscar

aquilo que os beneficia, que acresce seu ser: em uma palavra, oo princípio bem de um ser é aquilo que lhe é benéfico, e o mal é o queda oikéiosis danifica.

§ 1 Por conseguinte, todo ser vivo pode e deve viver segundoa natureza, segundo a sua natureza. Ora, a natureza do homem

é racional e a sua essência é a razão. Assim, para o homem atuar o princípio deconservação deve buscar as coisas e apenas as coisas que incrementam sua razão

e fugir das que o prejudicam.

• As realidades que correspondem a estas características são a virtude e ovício: portanto, apenas a virtude é "bem" e só o vício é "mal". E todas as outras

condições que concernem à natureza física do homem (porBens, males exemplo: a saúde, a doença, a riqueza, a fama, a morte etc.), e"indiferentes" como deverão ser julgadas? Conforme as premissas, a conclu- § 2

são que daí deriva é a seguinte: não são nem bens nem males,mas moralmente "indiferentes".

• Esta solução era demasiadamente rigorosa e drástica e, portanto, poucopraticável. Por tal motivo, foi posteriormente mitigada. Os Estóicos chegaram aadmitir que também para a componente física devia existir uma

oikéiosis específica, que permitiria distinguir as coisas que pre- judicam o corpo das que o beneficiam, atribuindo às primeiraso caráter de "indiferentes que devem ser rejeitadas" e às se-gundas de "indiferentes preferíveis". Todavia, enquanto os bense os males têm valor absoluto, os preferíveis são preferíveisapenas em relação aos rejeitáveis e vice-versa: a saúde é prefe-rível à doença, mas nem por isso é em si um bem em sentidoabsoluto.

Osindiferentesque devemser"rejeitados" e

• Os Estóicos elaboraram também um quadro das ações, distinguindo as"açõesretas" (ou moralmente perfeitas) e as "ações convenientes" ou "deveres". A dife-rença entre os dois tipos depende não da natureza da ação (uma

mesma ação pode ser tanto dever como ação correta), mas so-

bretudo da intenção de quem a realiza: se quem a realiza estáem sintonia com o logos e, portanto, é um sábio, suas açõesserão sempre ações corretas; se, ao contrário, age sem esta cons-ciência, suas ações, embora formalmente conformes à nature-

za, são deveres. Disso derivam duas conseqüências significativas: de um lado, quequem não é sábio, faça o que fizer, jamais realizará uma ação correta; do outro,que quem é sábio, qualquer coisa queira ou faça, realizará sempre ações corretas,

 

As ações"perfeitas"

e osdeveres

O homemcomo"animalcomunitário"

• Os Estóicos consideravam que a oikéiosis não era um fatoapenas individual, mas devia estender-se à família e à toda ahumanidade, de modo a definir o homem "animal comunitá-rio" (isto é, participante da comunidade humana), e não mais,como queria Aristóteles, "animal político" (isto é, inserido naPólis).

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Capítulo décimo primeiro - O Êstoicismo

Esta mudança de perspectiva favoreceu a difusão de ideais de igualitarismo ede aversão à escravidão (todos os homens participam do logos e, portanto, todos

os homens são iguais, e ninguém é por natureza escravo).

• Não se deve pensar que o sábio prove um "sentimento" de simpatia ousolidariedade com os outros homens: com efeito, os sentimentos de misericórdia,de participação humana, de amor são entendidos como "paixões" e, portanto, comovícios da alma. O ideal do sábio é a "impassibilidade"(apatia), pela qual não se trata apenas de moderar as paixões, as paixõesmas de eliminá-las inteiramente, nem mesmo senti-las. E isso e a apatia secompreende bem, se considerarmos que as paixões são a do sábio fonte domal e do vício e se configuram como erros do logos. É ->§7 claro, portanto,que os erros não podem ser moderados ou atenuados, mas devem sercancelados.

1 O viver segundo a natureza

A parte mais significativa e mais vivada filosofia do Pórtico, contudo, não é suaoriginal e audaz física, e sim a ética: comefeito, foi com sua mensagem ética que osEstóicos, durante meio milênio, souberamdizer aos homens uma palavra verdadeira-mente eficaz, que foi sentida como particu-larmente iluminadora acerca do sentido davida.

 Também para os Estóicos, como paraos Epicuristas, o escopo do viver é a obten-ção da felicidade. E a felicidade sepersegue vivendo “segundo a natureza”.

Se observarmos o ser vivente, emgeral constatamos que ele se caracterizapela constante tendência de conservar asi mesmo, de “apropriar-se” do próprioser e de tudo quanto é capaz deconservá-lo, de evitar aquilo que lhe écontrário e de “conciliar- se” consigomesmo e com as coisas que sãoconformes à própria essência. Essa

característica fundamental dos seres éindicada pelos Estóicos com o termooikéiosis (= apropriação, atração =conciliatio). Da oikéiosis é que se devededuzir o princípio da ética.

Nas plantas e nos vegetais em geralessa tendência é inconsciente; nosanimais, consigna-se a um preciso instintoou impulso primigênio; já no homem esseimpulso é especificado ulteriormente esustentado pela intervenção da razão.Viver “conforme a natureza” significa, pois,viver realizando plenamente essaapropriação ou conciliação do próprio ser edaquilo que o conserva e ativa. Em parti-

 

do a natureza será um viver“conciliando-se” com o próprio serracional, conservando-o e atualizando-

 

L i>nceitos de bem e de mal

O fundamento da ética epicurista,desse modo, é marcado por tais conceitos

da oikéiosis e do instinto originário: comefeito, considerados à luz destes novosparâmetros, prazer e dor tornam-se nãoum  prius (prioridade) mas um  posterius(elemento secundário), isto é, algo quevem depois e como conseqüência, quandoa natureza já buscou e encontrou aquiloque a conserva e realiza. E posto que oinstinto de conservação e a tendência aoincremento do ser são primeiros eoriginários, então “bem” é aquilo queconserva e incrementa nosso ser e, aocontrário, “mal” é aquilo que odanifica e o diminui. Ao primeiro instintoestá pois estruturalmente ligada atendência a avaliar, no sentido de quetodas as coisas são reguladas pelo instintoprimeiro: à medida que se mostrembenévolas ou malévolas, as coisas serãoconsideradas “bem” ou “mal”. O bem é, portanto, o vantajoso e o útil; mal é onocivo. Mas atenção: como os Estóicosinsistem em diferenciar o homem de todosos outros seres, mostrando que ele estádeterminado não só pela sua naturezapuramente animal, mas sobretudo pelanatureza racional, isto é, pelo privilegiado

manifestar-se do logos nele, então orincí io da valoriza ão acima

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Sextã parte - ;As escolas filosóficas da era helenística

 physis racional ou biológica; uma coisa, defato, é o que promove a conservação e oincremento da vida animal; outra é o quepromove a conservação e o incremento davida da razão e do logos.. Pois bem, segundo os Estóicos, o bemmoral é exatamente aquilo queincrementa o logos, e o mal é aquiloque lhe causa dano. O verdadeiro bem,para o homem, é somente a virtude; o

Os “indiferentes”

Como considerar então aquilo que éútil ao corpo e à nossa natureza biológica?E como denominaremos o contrário disso?A tendência de fundo do Estoicismo é a denegar a todas estas coisas o qualificativode “bem” e de “mal”, exatamente porque,como se viu, bem e mal são somenteaquilo que é útil e aquilo que é nocivo aologos, portanto, só o bem e o mal morais.Por isso, todas as coisas que são relativasao corpo, quer sejam nocivas, quer não,são consideradas “indiferentes”(adiáphora) ou, mais exatamente,

“moralmente indiferentes”. Entre as coisasmoralmente indiferentes colocam-seconseqüentemente quer as coisas física ebiologicamente positivas, como vida,saúde, beleza, riqueza etc., quer as física ebiologicamente negativas, como morte,doença, brutalidade, pobreza, ser escravoou imperador etc.

Esta nítida separação, operada entrebens e males, por um lado, eindiferentes, por outro, éindubitavelmente um dos traços maiscaracterísticos da ética estóica, que já naantiguidade foi objeto de enorme espanto

e de vivazes concordâncias e discordân-cias, suscitando múltiplas discussões entreos adversários e às vezes entre os própriosseguidores da filosofia do Pórtico. Comefeito, com essa radical cisão osEstóicos podiam pôr o homem aoabrigo dos males da época em queviviam: todos os males derivados dodesmoronamento da antiga pólis etodos os perigos, inseguranças eadversidades provenientes dasconvulsões políticas e sociais, que seseguiram a tal desmoronamento, eram

simplesmente negados como males econfinados entre os “indiferentes”.

vencendo-o, assim, de que a felicidadepodia ser perfeitamente conseguida demodo absolutamente independente doseventos externos, e que se podia ser felizaté em meio aos tormentos físicos, comotambém Epicuro dizia.

A lei geral da oikéiosis, ou seja, oprincípio da conservação de si mesmo,implicava que se devia reconhecer comopositivo tudo o que conserva e incrementao próprio ser, mesmo em simples nívelfísico e biológico. Assim, não só para osanimais, mas também para os homens, sedevia reconhecer como positivo tudo o queestá em conformidade com a naturezafísica e que garante, conserva e

incrementa a vida, como, por exemplo, asaúde, a força, o vigor do corpo e dosmembros, e assim por diante. Os Estóicoschamaram esse  positivo segundo anatureza de “valor” ou “estima”,enquanto o oposto negativo foi chamadode “falta de valor” ou “falta de estima”.

Portanto, os “intermediários” que es-tão entre os bens e males deixam de serde todo “indiferentes”, ou melhor, emborapermanecendo moralmenteindiferentes, tornam-se, do ponto devista físico, “valores” e “desvalores”. Daí decorre, em conseqüência, que, da parteda nossa natureza animal, os primeirosserão objeto de “preferência”; ossegundos, ao contrário, serão objeto de“aversão”. E nasce assim uma segundadistinção, estreitamente dependente daprimeira: os indiferentes “preferidos” e osindiferentes “não preferidos” ou“recusados”.

Essas distinções correspondiam nãosó a uma exigência de atenuarrealisticamente a demasiado nítidadicotomia entre “bens e males” e“indiferentes”, em si paradoxal, mas

encontravam nos pressupostos do sistemauma justificativa ainda maior que areferida dicotomia, pelas razões jáilustradas. Por isso, é compreensível que atentativa de Aristão e de Erilo, de defender

;As "ações perfeitas”MMHR

H I //e os deveres

As ações humanas cumpridas em

tudo e por tudo segundo o logos chamam-“ ”

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Capítulo décimo primeiro - O <Sstoicismo

são “ações viciosas ou erros morais”. Mas,en- «stre as primeiras e as segundas há todo umfeixe de ações relacionadas com os “indife-rentes”. Quando essas ações foremcumpri-das “conforme à natureza”, ou seja, demodoracionalmente correto, terão plena

 justifica-ção moral, chamando-se assim “açõesconve-nientes” ou “deveres”. A maior parte dosho-mens, que é incapaz de ações“moralmente

perfeitas” (porque, para cumpri-las, éneces-sário adquirir a ciência perfeita do filósofo,

 já que a virtude, como aperfeiçoamento daracionalidade humana, só pode ser ciência,como queria Sócrates), é, no entanto,capazde “ações convenientes”, ou seja, é capazde cumprir “deveres”. O que as leis man-dam (as quais, para os Estóicos, longe deserem convenções, são expressões da Leieterna que provém do Logos eterno) são“deveres” que, no sábio, graças à perfeitadisposição de seu espírito, tornam-severda-deiras e exatas ações morais perfeitas, en-quanto que, no homem comum, permane-cem só no plano de “ações convenientes”.

Esse conceito de kathékon é substan-cialmente criação estóica. Os romanos, queo traduziram pelo termo “officium”, comsua sensibilidade prático-jurídica, contribuí-ram para talhar mais nitidamente os contor-nos desta noção moral que nós, modernos,chamamos de “dever”. Mas o certo é queZenão e a Estoá, com a elaboração do con-

#lnstintof  instinto primárioo a- s s .

Corresponde quilo que hojechamamos de instinto deconservação, mas nosEslóicos tom aplicação maisvasta e acentuada valènciamoral. O ser vivo devebuscar aquilo que favoreceseu ser, e deve evitar aquiloque o danifica. Como, nocaso particular do homem, overdadeiro ser consiste narazão (= ogos , cabera ao

que geramos e aqueles que nos geraram;e é a natureza que impulsiona o indivíduoa unir- se aos outros e também a ser útilaos outros.

De ser que vive encerrado em suaindividualidade, como queria Epicuro, ohomem torna-se “animal comunitário”. E

a nova fórmula demonstra que não setrata de simples retomada do pensamentoaristotélico, que definia o homem como“animal político”: o homem, mais ainda doque ser feito para associar-se em umaPólis — de onde deriva justamente otermo “político” —, é feito paraconsorciar-se com todos os homens.

Supemçao do conceito de

escmvidão

lis ° ^°^em . , , „

como ‘‘animal comunitário”

O homem é impulsionado pela natu-reza a conservar o próprio ser e amar a simesmo. Mas esse instinto primordial nãoestá orientado somente para aconservação do indivíduo: o homemestende imediatamente a oikéiosis a seusfilhos e parentes e mediatamente a todosos seus semelhantes. Em suma: é anatureza que, como impõe o amar a si

Com base em seu conceito de  physise de logos, os Estóicos, mais do que osoutros filósofos, também souberam pôr emcrise mitos antigos da nobreza de sanguee da superioridade da raça, bem como ainstituição da escravidão. A nobreza échamada cinicamente de “escória e raspada igualdade”; todos os povos sãodeclarados capazes de alcançar a virtude;o homem é proclamado estruturalmentelivre: com efeito, “nenhum homem é, pornatureza, escravo”. Os novos conceitos de

nobreza, de liberdade e de escravidão

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Sextã parte - ;As escolas filosóficas da e**a kelents+ica

rância: o verdadeiro homem livre é osábio, o verdadeiro escravo é o tolo.

Dessa forma, os pressupostos da polí-tica aristotélica são completamentequebrados: pelo menos no plano dopensamento, o logos restabeleceu aigualdade fundamental e estrutural entre

cov\c.e.pção estóica

da ^apatia”

Um último ponto a considerar: a céle-bre doutrina da “apatia”. As paixões, das

quais depende a infelicidade do homem,são,para os Estóicos, erros da razão ou, dequal-quer modo, conseqüências deles. Enquantotais, ou seja, enquanto erros do logos, écla-ro que não tem sentido, para os Estóicos,“moderar” ou “circunscrever” as paixões:como já dizia Zenão, elas devem ser des-truídas, extirpadas e erradicadas totalmen-te. Cuidando do seu logos e fazendo-o seromais possível reto, o sábio não deixará se-quer nascerem as paixões em seu coração,ou as aniquilará ao nascerem. Essa é acéle-bre “apatia” estóica, ou seja, o tolhimentoe a ausência de toda paixão, que é sempre

mente enregelante e até desumana. Comefeito, considerando que piedade, compai-xão e misericórdia são paixões, o Estóicodeve extirpá-las de si, como se lê nestetestemunho: “A misericórdia é parte dosdefeitos e vícios da alma: misericordioso éo homem estulto e leviano. (...) O sábionão se comove em favor de quem quer queseja; não condena ninguém por uma culpacometida. Não é próprio do homem fortedeixar-se vencer pelas imprecações eafastar- se da justa severidade.”

A ajuda que o estóico dará aos outroshomens não poderá, assim, revestir-se decompaixão, mas será asséptica, longe dequalquer “simpatia” humana, exatamente

como o frio logos está distante do calor dosentimento. Assim, o sábio mover-se-á en-tre os seus semelhantes em atitude detotal distanciamento, seja quando fizerpolítica, seja quando se casar, seja quandocuidar dos filhos, seja quando contrairamizades, acabando assim por tornar-seestranho à própria vida; com efeito, oestóico não é um entusiasta da vida, nemum amante dela, como o epicurista.

Enquanto Epicuro apreciava até os úl-timos instantes da vida e os gozava, feliz,embora entre os tormentos da doença, Ze-não, numa atitude paradigmática, apósuma queda na qual divisou um sinal doDestino, atirou-se, quase feliz por terminara vida, aos braços da morte, gritando:“Venho, por que me chamas?” i im m

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Capítulo décimo primeiro - O Ês+oicismo

OS ESTÓICOS

A F SICA: A PRIMEIRA FORMA DE

logosprincípiocósmico

matéria

logos

princípio ativo= Deus =natureza= semente de outrassementes = pneumaafogueado = fogo

princípio - tanto o logos como amatéria sãopassivo corpos, embora possam

perfeitamentecompenetrar-se peloprincípio da total mistura

- como o logos (razão) éimanente no cosmo, tudo éracional, e existe umaProvidência inelutável (=

fado)como o fogo é tantoprincípio de vida(enquanto calor vital)como de destruição, omundo nasceciclicamente

A ÉTICA

Instinto primigêniobem é o que

incrementa nossoser, mal é o que

- o instinto primeiro não se refere apenas aoindivíduo, mas também à família, à sociedade e atodo o gênero humano. O homem torna-se assimanimal comunitário,e todos os homens são iguais- as ações perfeitas se verificam quandoo instinto primeiro aplica-se ao logos queestá em nós.

 

quando seaplica ao

logos

indiferentesquando se

aplica ao

corpo

preferidos

rejeitados

bensBem em sentidopleno é apenas avirtude, isto é, o

conhecimento. Mal éapenas o vício, isto

é, a ignorância

•* malesO mal nasce das paixões, enquantoofuscam o logos que está em nós.

As paixões são erros ou fruto de erroe, portanto, devem ser canceladas e

não moderadas.O ideal ético dos Estóicos é,

portanto, a apatia

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Sextã parte ~  jAs escolas fil osóficas da e^a Kelenís+ica

V. O ^Vlé-dio-estoicismo

• O Médio-estoicismo (desenvolvido nos sécs. Il-I a.C.) teve como representan-tes Panécio de Rodes e Possidônio de Apaméia que, embora deixando intactos os

fundamentos da doutrina, corrigiram alguns pontos dela, emuma perspectiva eclética.

Em particular, Panécio deu grande desenvolvimento à dou-trina dos "deveres" e Possidônio — que era também grandepesquisador — empenhou-se em colocar a filosofia estóica apar do progresso científico de seus tempos.

O o-es o c smo ean c o

e e

-ám ’p a n é c i o

Panécio (nascido em Rodes por voltade 185 a.C. e morto no início do séc. I a.C.)tornou-se chefe da Estoá em 129 a.C.

 Teve o mérito de reconduzir a Escolaao antigo esplendor, embora ao preço dealguns compromissos com os Ecléticos.Modificou alguns pontos da psicologia erecuperou alguns aspectos da física(abandonou a idéia da conflagraçãocósmica e abraçou a idéia da eternidadedo mundo). Mas, principalmente, mitigou a

aspereza da ética, sustentando que avirtude sozinha não é suficiente para afelicidade, sendo preciso ainda boa saúde,meios econômicos e força. Valorizou os“deveres”, dedicando a eles toda sua aten-ção. Por fim, repudiou a apatia.

A importância de Panécio está prin-cipalmente na valorização dos “deveres”.Sua obra Sobre os deveres influenciou Cí-cero, inspirando-lhe o conceito de “offi-cium”, conquista definitiva do pensamentomoral.

2 Possidônio

Possidônio (nascido em Apaméia en-tre 140 e 130 a.C. e morto pouco depois de51 a.C.) prosseguiu na nova linha que omestre Panécio imprimira à Estoá.Possidônio abriu o Pórtico às influênciasplatônicas e também aristotélicas, nãohesitando em corrigir Crisipo com Platão,embora mantendo substancialmente firmea visão de fundo da Estoá.

Mais do que pelas tentativas de corre-ção dos dogmas da Estoá (das quais, poroutro lado, estamos escassamenteinformados, pois só possuímos fragmentosdelas), Possidônio se distinguiu por seusformidáveis conhecimentos científicos.Provavelmente seu maior mérito consiste,como destacaram pesquisas recentes, emter procurado atualizar a doutrina estóicaem relação ao progresso que as ciênciasalcançaram depois da fundação do Pórtico.E todavia certo que, pela vastidão dosconhecimentos e variedade do saber,Possidônio foi a mente mais universal que

a Grécia teve depois de Aristóteles.Esta passagem de Cícero dá uma

idéia da estatura de Possidônio: “Tambémeu vi Possidônio muitas vezespessoalmente, mas quero narrar aquiloque Pompeu contava sobre ele. Pompeuvoltava da Síria. Chegando a Rodes, quisouvir Possidônio. Disseram- lhe que estavamuito doente — tivera violenta crise deartrite —, mas Pompeu quis ver dequalquer jeito o grande filósofo. Quandochegou até ele, saudou-o, elogiou-o e dis-se-lhe que lamentava não poder ouvi-lo.Então Possidônio respondeu: ‘Não, não:não permitirei nunca que, por culpa deuma dor física, um homem como vocêtenha vindo até aqui para nada’. E assim,Possidônio, deitado na cama, como narraPompeu, discutiu com profundidade eeloqüência exatamente a tese de que nãohá nenhum bem fora do bem moral. E, nosmomentos em que a dor era mais intensa,repetia: ‘No entanto não vencerás, dor! Ésincômoda, sim, mas nunca admitirei queés um mal.’ ”

A antiga doutrina do Pórtico, segundoa qual a dor física não é um verdadeiro

“mal”, encontra neste testemunho uma es-

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Capítulo décimo primeiro - O <£sioicismo

ZENÃO DE CÍCIO

D O €stoicismo

O Estoicismo foi o corrente espiritualmais notável e influente do era helenística.Sobretudo no campo da ética constituiuponto de referência também na sucessivaépoca imperial, até para os Platônicos epara os primeiros pensadores cristãos.

Rliás, o sentimento moral de fundo e agrande força de ânimo que inspirava setornaram paradigmas de vida moraladotados também na linguagem comum,que justamente usa o termo "estóico" paraindicar um homem que tem grande forçade ônimo e cons- pícua capacidade deenfrentar as adversi- dades.

Zenão, que é o fundador da escola, já devia ter traçado as linhas de base dosistema, que depois Crisipo desenvolveuem todas as suas implicações e conse-qüências. O primeiro instinto nõo é de fatoo prazer e a dor, como queriam os Cpicu-

ristas, e sim o tendência de todo ser deconservar a si mesmo e de apropriar-se detudo o que é apto justamente a conservá-lo, e a conciliar-se portanto consigo mes-mo. O termo técnico usado pelos Cstóicospara indicar este conceito é oikéiosis, quesignifica apropriação, conciliação (em la-tim conciliatío).

O homem, em particular, para aléme mais que ò conservação e aoIncremento do próprio ser animal, tende aapropriar- se e a incrementar a própriaracionalidade (porque é justamente arazão que o distingue de todas as coisas),

escolhendo aquilo que serve àracionalidade e fugindo daquilo que comela contrasta.

Com base nesse princípio, "bem”vem a ser aquilo que conserva eincrementa o nosso ser, e "mal" aquilo queo danifica e o depaupera. Mas o pontosobre o qual todos os Cstóicos insistiram éeste: verdadeiros "bens" e verdadeiros"males" sõo apenas aqueles que sereferem ao nosso  ser racional 0 não aonosso  ser físico.  Todas as coisas que sereferem ao nosso ser físico devem serconsideradas moralmente "indiferentes

1.O princípio da conciliaçãoe da conservação do ser

O Qnimat,  já ao nascer, se afina consigomesmo para a conservação do próprio estado epara gostar de tudo o que ajuda a conservá- lo,como também para fugir da destruição © detudo o que pareça capaz de destruí-lo. R provadisso está no fato de que, ainda antes de teralguma percepção de prazer ou de dor, os fi-lhotes procuram as coisas saudáveis « fogem dascontrárias. O que nõo aconteceria, coso nõogostassem do próprio estado e nõo temessem adestruição. €, por outro lado, não poderiam de-sejar coisa alguma, caso nõo tivessem o senso desi mesmos e por isso gostassem de si.

Zenão, fr. 24, porCícero, Sobre os fim,III, 16.

2. Conseqüências moraisque derivam do princípio

O homem se concilio antes de tódo; âs cot*sas conformes a sua natureza: posto o princípiode acolher aquilo que é conforme ò natureza 0rejeitar aquilo que lhe é contrário, surge oprimeiro dever de conservar-se na constitui- çõonatural e ater-se a tudo aquilo que fovore- ce aela, rejeitando aquilo que lhe é adverso. Uma vezencontrado este procedimento de escolha e de

rejeição, imediatamente depois vem o hábitoobrigatório de escolher o cada momento atendo-se, constantemente e até ao último. à natureza: eaqui começamos a encontrar e sentir a idéiadaquilo que poderá ser chamado de sumo bem.

Depois, quando adquire a capacidade deentender e vê a ordem, e, por assim dizer, aconcórdia sobre as ações a reator, atribui a esteconhecimento um valor muito maior que á todasas coisas antes amados, e, por mèiò d®conhecimento e de razão, se convence que of repousa aquele sumo bem que é fim para simesmo, fíquele sumo bem é reposto m hoffto-

logia, isto é, na coerência de toda a vida: e a elese reportam todos as ações virtuosas e a própriavirtude. Reconhecendo este sumo,h&fi, ele setorna o único e unicamente deséjávél; e os bensnaturais que serviram para alcançar este ponto,nõo são desejáveis de foto por si mesmas.

Zenão, fr,25.,í»r'tfc0rô, Sobre os

fím, Itl, 20-23.

3. O fim supremo para o homem:viver segundo a natureza

Definição do fim (tetos) segundo, ZertÔó;"viver de modo coerente”: o que signiffe»yívejf 

em conformidade com umo razão único e cesní:

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Sexta parte - y\s escolas filosóficas da era helenística

corde, oo passo qu® aqueles que vivem demodo contraditório sõo infelizes.

Dizemos fim (te/os) um bem perfeito, comodizemos que é fim a coerência; mas dizemos fimtambém o escopo, como dizemos que é um fim oviver coerentemente e também dizemos fim oúltimo dos bens desejáveis, ao qual todos osoutros se reportam.

Fim é a felicidade, para a qual toda coisa sefaz, onde ela se faz, sim, mas não para umescopo estranho a ela: e consiste em viver vir-tuosamente, em viver coerentemente, e ainda,que é afinal uma coisa só: viver segundo a na-tureza.

Zenão, fr. 26-28.

4. fl virtude como "bem”,o vício como "mal” e a felicidade

fl virtude é uma disposição coerente, edevemos procurá-la por si mesma, não por algumtemor ou por alguma esperança de coisasexternas: e nela consiste a felicidade, pois a almafoi feita para a coerência de toda a vida.

O sumo bem consiste em viver de modoconforme à natureza; isso é, afinal, o mesmo queviver virtuosamente, uma vez que a próprianatureza nos guia para a virtude.

O bem último consiste na vida virtuosa,derivada da uniformização com a natureza.

Mal é apenas o vício. Mal é apenas aidiotice.

Zenão, fr. 29-32.

5. Rs coisas que estão no meio, entre o bem e omal,são moralmente "indiferentes"

 Todas as outras coisas que estão no meio,entre o verdadeiro bem e o verdadeiro mal, nãosão nem bens, nem males; todavia, algumas sãoconformes à natureza, outras não, e tambémaqui há vários graus intermediários.

As coisas conformes à natureza devem sertomadas e levadas em alguma consideração; as

contrárias à natureza devem ser rejeitadas edesprezadas; as intermediárias são indiferentes.

Os entes dividem-se em bons, maus e indi-ferentes. Bons (ou bens) são os seguintes: inte-ligência, temperança, justiça, fortaleza e tudoaquilo que é virtude ou participa da virtude. Maus(ou males) sõo os seguintes: idiotice, dissolução,injustiça, vileza e tudo aquilo que é vício ouparticipa do vício. Indiferentes são: a vida e amorte, a celebridade e a obscuridade, a dor e oprazer, a riqueza e a pobreza, a doença e a boasaúde, e coisas semelhantes a estas.

Zenão, fr. 38-39.

Para nõo cair em conseqüências para-doxais e em si absurdas, os Estóicos (comexceção de poucos extremistas)distinguiram os "indiferentes" morais emcoisas que do ponto de vista físico ebiológico podem ter "valor" ou "desvalor",e em coisas que podem sercompletamente neutras, conforme tragamvantagens ou desvantagens físico-biológicas, ou então nõo sejam nem uma ;nem outra coisa. Rs coisas que têm valorfísico-biológico sõo ditas "promovidas" ou"preferidas", as que têm desvalor sõo ditas"removidas" ou "rejeitadas"; as neutrassão reconhecidas como completamente

indiferentes.: "Viver segundo a natureza", que é o ;

princípio fundamental da ética estóica,significa portanto viver segundo a razão,atuan- ‘ do por conseguinte o verdadeiro

bem. £ justamente a isso se reduzem avirtude e a vido virtuoso conduzida pelo

sábio. Mas, uma vez ' que isso representa operfeita atuação da : natureza humanaracional, nela consiste a '■ verdadeiro

felicidade, que é a plena e a > perfeitarealização da natureza humana.

1 O conceito de dever é, portanto, uma•criação tipicamente estóica. Os romanos

(com ■ Cícero na frente), com suasensibilidade prática, contribuíram de modoclaro para ressaltar esto figura ético-jurídica,passada pela ‘ Idade Média à era moderna,e tornada na esfera ética um conceitoteórico essencial e : basilar.

Leiamos os fragmentos atribuíveis a ;Zenão que ilustram todos estes conceitos

6. As coisas "indiferentes" podem ter valor oudesvalor e, portanto,ser "promovidas” ou "removidas"

Gntre as coisas indiferentes algumas têmem si algum motivo de serem escolhidas, outrasde serem rejeitadas, outras não têm motivoalgum em um ou no outro sentido.

 Têm motivo de serem escolhidas, e serãochamadas de promovidas, as coisas suscetíveisde estima considerável, em relação a outras,segundo um critério de prelação; têm motivo deserem rejeitadas, e serão chamadas de re-movidas, as coisas sujeitas a desestima.

O termo promovido não pode ser aplica-do aos bens que atingem o máximo da estima;ele representa quase que um segundo grau, quede certo modo confina com o bem. Tam

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^ 297Capítulo décimo primeiro - O Ês+oicismo -------------

bém em um governo o promovido ou preladonõo é o rei, mas alguém da sua corte, isto é,

aqueles que vêm depois dele.Promovidas sõo aquelas tais coisas nõo

como elementos ou coeficientes da felicidade,mas enquanto é necessário escolhê-las pre-ferentemente às removidas.

Cxemplos de coisas promovidas são: nocampo espiritual: o engenho, a arte, o proveitoetc.;

no campo físico: a vido, a saúde, a robus-tez, o boa compleição, a integridade dos mem-bros, a beleza:

no mundo externo: a riqueza, a fama, anobreza etc.

Cxemplos de coisas removidas: no campoespiritual: a obtusidade, a ru- dez etc.;

no campo físico: a morte, a enfermidade, afraqueza, a má constituição, a mutilação, afealdade etc.;

no mundo externo: a pobreza, a obscuri-dade, a vulgaridade etc.

Zenõo, fr. 41.

7. flção virtuoso e perfeita,ação viciosa e ações convenientes

Conveniente (kathékon) é aquilo que,quando realizado na ação, pode ser plenamente

 justificado diante da razão. Cxemplo: a coerência

na vida, um princípio natural que se estendetambém às plontas e aos animais, que vemosdesenvolver-se e agir de modo conforme àprópria natureza. €ste mesmo princípio, aplicadoao animal racional, dá a fórmula "coerência navida". O kathékon é, portanto, um ato inerenteàs instituições conformes à natureza.

Cntre a ação virtuoso (katórthoma) e açãoviciosa (hamartemo) encontram lugar o conve-niente e o inconveniente. Rpenas a ação virtuosaé bem, e apenas o seu contrário é mal; oconveniente e seu contrário são coisas indife-rentes.

Mitigando seu princípio severo, Zenão

admite entre o sumo bem e o mal extremo coi-sas indiferentes, porém mais ou menos aceitá-veis; e, assim, entre a ação perfeita e o errocolocou vários graus de coisas convenientes edeveres intermediários.

€m relação às riquezas, tudo o mais é in-diferente, exceto o modo de usá-las como ho-mem honesto. O sábio renuncio a buscar a ri-queza, assim como não se propõe de fugir dela,mas preferentemente prescreve o uso de umacomodidade modesta e não excessiva, f) dis-posição do ânimo para as coisas que nõo sõonem belas nem feias deve estar livre de temo

res e de fanatismos: as conformes à natureza seusam de modo comum; as outras nõo devem

causar medo: é preciso se abster delas não portemor, mas por clara razão.

Zenõo, fr. 1 -4.

CLEANTO

Ó glorioso mais que qualquer outro, ó sumopotência eterna, Deus dos muitos nomes,

 Júpiter, guia e senhor da natureza,que com lei reges o universo,salvei Pois o ti dirigir a saudaçãoé direito de cada um de nós, mortais:

somos de tuo estirpe, e a palavratemos como reflexo de tua mente,únicos entre todos os seres animados

que sobre nossa terra têm vido e movimento.fi ti do meu lábio, portanto, elève-se

o hino, e que eu sempre cante o teu poder!fi ti todo o admirável universo,que gira sempre ao redor desto terra,obedece, por ti guiar se deixae do teu comando foz o seu querer.tal instrumento, nas invictas mãos,tens de teu poder o raio forcado,todo de fogo sempre aceso e vivo,sob cujos golpes todo a naturezarealiza suas obras uma a umo.

Hino a Zeus

Os Estóicos, corno os Epicuristas, rejei-taram a concepção platônica da realidadeincorpórea, e sustentaram que tudo o queexiste é corpóreo. Por isso o Deus estóicofoi feito coincidir com o natureza, e porconseguinte foi identificado com o princípioagente intrínseco à matéria, que é Formade todas as coisas. Naturalmente,interpretado deste modo, o Deus estóiconão pode ser pessoal, e, por conseguinte, aprece não teria um sentido preciso.

 Todavia, já no ômbito da primeira Estoá,com Eleanto se manifestou vivo sensoreligioso, como demonstra este Hino o Zeus,no qual a racionalidade impessoal douniverso se colore com tintas pessoais.

2

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298 ......... SeXtd parte - ;As escolas filosóficas da era kelenís+ica

£ com ele diriges o razão comum, que em todospenetra, tocando igualmente o grande e os

menores lumes; e por isso, Senhor, tu, assim tãogrande, tens o alto senhorio em todo tempo.Sobre a terra nenhuma obra se realiza,Deus, sem ti; nem para a sagrada esfera doamplo céu, nem entre os abismos marinhos;exceto as que espíritos perversos fazem,seguindo seus conselhos idiotas.Mas até mesmo os excessos nivelar sabes, darordem ò desordem; são caras a ti as criaturasinimigas de ti: o todo, junto, em harmonia,Senhor, tu reuniste, o bem, o mal, de modo queuma razão, única de todos, se desenvolve e vivepara a eternidade.£ eis que dela partem, fugindo, aqueles mortais

de alma corrompida, míseros, que ainda vão emtodo tempo procurando adquirir seu bem, masnõo vêem a lei universal de Deus, e não ouvemmais sua voz; pois, se a seguissem com bomsenso, poderiam gozar a mais bela vida.Mas por si cada um ora este procura, ora aqueledesastre, na sua idiotice: um para adquirir fama,em ásperas corridas de ambiciosos cuidados étodo preso; outro ao ganho dirige seuspensamentos sem moderação e sem qualquerdecoro; outro ainda busca uma vida inútil, e paragozar todo prazer carnal, ora levado a uma coisa,ora a outra, insaciado e sempre insatisfeito, noentanto faz com todo empenho e cuidado que

tudo aconteça contra seu desejo.Mas tu, dispensador de todos os bens,senhor dos nimbos e do luminoso raiodo erro desvias os homens todos,e a ignorância que a sofrer os leva,ó Pai, tu da alma afugentascada um, e fazes que cada um alcanceo teu pensamento,sobre o qual apoiando regescom a justiça o universo inteiro;de modo que,de tal honra por ti dignificados, nós te prestamospor nossa vez honra, celebrando com hinos semfim as tuas obras,assim como convém ao mortal.Nõo há mais alto valor tanto para os homenscomo para os deuses que, com hinos, louvarcomo se deve a comum lei que governa omundo.

Cleanto, Hino a Zeus.

CRISIPO

O sábio

Se Zenão foi o fundador da Estoá,Crisipo foi seu sistematizador, enquantoescreveu uma quantidade de obrasverdadeiramente imponente, que tiveramimportância excepcional.

Dele escolhemos as passagens em

que se exolta o "sábio" que encarna avida estóica. Recordamos que a figura dosábio era o paradigma vivo de vida e,portanto, um ponto de referênciaessencial. Certamente os Estóicos davamà figura emblemática do "sábio" um valorquase mítico. Todavia, estavamfirmemente convencidos (apenas Sênecamanifestou alguma dúvida o propósito) daperfeita possibilidade de realizar o modelo. Osábio pode otuar a virtude do homem (e,portanto, ser feliz) também entretormentos. Isto é afirmado também pelosEpicuristas, mas com (parcial) incoerência

com o fundamento de seu sistema, quepunha o bem no prozer (ainda queracionalmente entendido) e o mal na dor;os Estóicos, porém, que separavamclaramente o bem e o mal dos prazeres edas dores, pondo estas últimas entre os"indiferentes", acabavam sendo muitomois coerentes. Tornou-se bastantefamoso o episódio narrado por Cícero, doqual foi protagonista o estóico Possidônio(que viveu entre os sécs. II e Ia. C.).Quandoo grande Pompeu foi procurá-lo,enquanto estava gravemente doente,

com fortíssimas dores de artrite, mantevediscussão e fez palestra entre as dores,exclamando: "No entanto nãoconseguirás, dor! és coisa grave, sim, mas

 jamais admitirei que seja um mal”. O malé apenas o moral, nõo o físico. No bem

1. fl figura do sábio

€ o sábio, servindo-se nas coisas por elefeitas da experiência da vida, faz tudo bem, deforma prudente, moderada e conforme as outrasvirtudes; o idiota, ao contrário, de modo mau. € osábio é grande, firme, alto, forte.

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299Capítulo décimo primeiro - O <£stoicismo ____

Grande, enquanto pode conseguir as coisas queescolhe e se propõe; firme, enquanto cresceu em

todas as partes; alto, enquanto participa da alturaque cabe a um homem egrégio e sábio,- forte,enquanto é provido da força que lhe toca,tornando-se invicto e invencível. Por isso tambémnõo é forçado por alguém nem constrangeninguém, nõo é impedido nem impede, nõo sofreviolência de ninguém nem ele próprio com elaameaça alguém, não é senhor de ninguém nemtem senhores, não faz mal a ninguém nem elepróprio é disso alvo, não cai nos males nem nelesfaz alguém cair, não é enganado nem enganaoutros, não mente, nem se esconde de nada,nem lhe foge qualquer coisa, nem absolutamenteadmite a mentira; é feliz em máximo grau,

afortunado, rico, piedoso, coro a deus, digno dehonra, e além disso régio, condutor hábil, homempolítico, hábil administrador, homem de negócios.Os idiotas têm tudo aquilo que é contrário a estasCOiSQS.

O sábio foz tudo bem; e, com efeito, serve-se continuamente, sabiamente, fortemente,convenientemente e ordenadamente das expe-riências da vida. O idiota, ao contrário, por serinexperiente no reto julgamento e agindo se-gundo a disposição que tem, faz mal qualquercoiso, pois é muito instável e sujeito a arrepen-dimento em todos as coisas. O arrependimento édor pelos coisos feitos como se fossem malfeitos,

funesta paixão da alma e causa de dissensões.Com efeito, aquele que se arrepende enquantosofre por aquilo que aconteceu, ira-se contra simesmo como se fosse a causa disso.

Crisipo, Fr. 567.

2.0 sábio é imune à dor,que é uma perturbação da alma

Quem é forte é, ao mesmo tempo, confian-te, e quem é confiante certamente não teme;com efeito, o ser confiante nõo está de acordocom o temer. Mas quem é tomado pela dor é, oomesmo tempo, tomado pelo temor; com efeito,nós tememos como dominantes e inevitáveis ascoisas por cuja presença nos atemorizamos.Rssim o dor está em contraste com a fortaleza, éverossímil, portanto, que quem está sujeito à dor,está ao mesmo tempo sujeito ao temor, aoaviltamento e ao abatimento do ânimo. Aconteceque aquele mesmo ao qual ocorrem tais coisas,torne-se delas escravo e, na ocasião, se confessevencido. Quem sofre isso deve também sofrer otimidez e o indolência. Cstas coisas, porém, nãosucedem ao homem forte; portanto, nem a dor.Mas ninguém é sa-

piente se nõo for forte: ao sábio, portanto, nõocaberá a dor.

Rlém disso, quem é forte é, necessaria-mente, magnânimo; (quem é magnânimo) é in-victo; quem é invicto despreza as coisos terrenase julga que estejam a ele sujeitos; mas ninguémpode desprezar aquelas coisas pelas quois de-pois pode ser tomado pela dor; do que se deduzque o homem forte jamais é atingido pela dor;mas todos os sapientes sõo fortes; a dor,portanto, jamais atinge o sopiente.

€ como um olho perturbado nõo está emboa condição para realizar sua tarefo, e as partesrestantes e todo o corpo, quando se afastam deseu estado natural, faltam ao seu dever e à suatarefa, também a olmo perturbado nõo está em

grau de desenvolver sua tarefa. fi tarefa da almaé servir-se bem da razõo, e a alma do sopienteestá sempre em condição de servir-seotimamente da rozão; elo, portanto, jamais éperturbada. Mas a dor é perturbação da alma; osábio, portanto, estará sempre dela privado.

, Crisipo, fr. 570.

3. sábio vive uma vida feliz

Se a alma for sábia e a mente tiver bomsenso e estiverem aptas a realizar retamente ospróprios coisas e as dos outros, é necessário quevivam felizes, sendo obedientes às leis, tendodestino feliz e sendo coros aos deuses, Comefeito, nõo é verossímil que os prudentes nõosejam experientes sobre as ações humanas, nemque os que conhecem as coisas humanas nãoconheçam as divinas, nem que os experientessobre coisas divinas nõo sejam piedosos, nemque os piedosos nõo sejam caros oo deus; nemserão diferentes os que forem coros ao deus e osfelizes. ........

Nem os homens imprudentes sõo diferen-tes daqueles que ignoram aquilo que lhes cabe;nem aqueles que nõo conhecem suas coisasconhecem as coisos divinas; nem aqueles quetêm idéias idiotas sobre as coisos divinas sõo nõo

ímpios. Nem é possível que sejam caros oo deusos ímpios, nem que çs nõo caros ao deus nõosejam infelizes.

Crisipo, fr. 584.

4. O sábio pode ser feliz também nasdesventuras

Rprovo os sentimentos fortes e generososdos Cstóicos, que dizem que as coisas externasnão sõo impedimento para a felicidade, mas queo sóbio é feliz, mesmo que o toro de falárides oesteja queimando.

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Sextã parte - ;As escolas filosóficas da era Kelenís+ica

Os idiotas não participam d© nenhum bem,pois o bom é virtude ou aquilo qu® participa d®

virtudes; as coisas qu® provêm dos b®ns, quesão aquelas das quais se tem necessidade, sendovantajosas, cabem apenas aos sábios, assimcomo as coisas que provêm dos males, qu® sãoaquelas das quais não se tem necessidade,cabem apenas aos viciosos. São, com efeito,coisas nocivos. £ por isso todos os sábios sãoestranhos ao dano em ambos os sentidos; nõosão capazes de causar dano, nem de sofrer dano,enquanto os idiotas estão em situação contrária.

Crisipo, fr. 586.

5. O sábio possui todos os bens

A quem é sábio cabe absolutamente todobem, aos idiotas todo mal. Não é preciso crer queeles assim digam que, se existem bens, elescabem aos bons, e igualmente também para osmales. Digam, sim, que uns têm tantos bens quenada lhes falta porque têm vida per

feita e feliz, os outros tantos males porque têmvida imperfeita e infeliz.

(Gnumerando os paradoxos sobre o sa-piente) diremos justamente que tudo pertence aele, que sozinho sabe fazer uso de tudo, jus-tamente será também chamado belo (os deli-neamentos da alma são, com efeito, mais belosque os do corpo), justamente o único livre e nãosubmisso, justamente invicto, porque mesmoque se acorrente seu corpo, todavia não sepoderá acorrentar sua alma.

Não se pense, porém, que agora empa-relhemos a beleza física à graça de que falamos,que consiste na simetria das partes e em umaspecto decoroso, como se encontra tambémnas meretrizes, que todavia jamais direi que são

belas, mas, ao contrário, torpes; este atributo é,com efeito, conveniente a elas, uma vez queassim como no espelho aparecem ascaracterísticas do corpo, também no rosto e nosemblante as da alma. [...]

Crisipo, fr. 586-589, 591 -593 e598.

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(Sapí+ulo décimo se.gundo

O (Se/Hcismo e o Ecletismo

— !• jA posição “/

de Pi^o de £EJida

• Pirro de Élida (365/360 - 275/270 a.C.), que não nos dei-xou escritos, é o iniciador do Ceticismo. Sobre ele influiu o en-contro, depois de Alexandre Magno, com os Gimnosofistas, es-pecialmente Calano, que ateou fogo em si mesmo diante doexército macedônio sem emitir um só lamento.

• Segundo Pirro as coisas são em si indiferenciadas, inco-mensuráveis e indiscrimináveis, ou seja, não têm em si uma es-sência estável, e por isso seu ser se reduz a puras aparências.Seu caráter de provisoriedade e de inconsistência emerge so-bretudo quando as comparamos com a natureza do divino, queé absolutamente estável e sempre igual.

rro

na urezan erenc a a as

•Se as coisas assim se apresentam, os sentidos e a razão não estão em graudediscriminar a verdade e a falsidade. Portanto, o homem deve permanecer semopinião e abster-se de qualquer julgamento definitivo. Por conseguinte, não temsentido agitar-se por nenhum acontecimento, dado, justamente, que este é puraaparência.A atitude que o sábio deverá assumir é a da afasia, ou seja,calar e jamais expressar qualquer julgamento definitivo, e as-sim atingirá a ataraxía ou imperturbabilidade (não se deixaráperturbar por nada). Pondo-se à parte de tudo aquilo que podeperturbá-lo ou tocá-lo, o sábio poderá viver a vida "mais igual"

 

O modocom que os oa cançaa afasia e

• O sucesso de Pirro foi notável, e isso mostra como seu  jimonmodo de ver estava em sintonia com o da sua época. Entre seus e osseguidoresdiscípulos dintinguiu-se Tímon, pelo qual foram fixados por de Pirro

 

|||jjj| jA figum de "Pirro

Antes ainda que Epicuro e Zenão fun-dassem suas Escolas, Pirro, da cidade deElida, a partir de 323 a.C. (ou poucodepois), difundia seu novo verbo “cético”,

início a um movimento de pensamentodestinado a ter notável desenvolvimentono mundo antigo e também destinado,como o Jardim e a Estoá, a criar novo modode pensar e nova atitude espiritual, quepermaneceriam como pontos de referênciafixos na história das idéias do Ocidente.

im

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Pirro nasceu em Élida entre 365 e 360a.C. Juntamente com Anaxarco de Abdera,

um filósofo seguidor do Atomismo, partici-pou da expedição de Alexandre ao Oriente(334-323 a.C.), um acontecimento que de-veria incidir profundamente em seuespírito, demonstrando-lhe como podia serimprevistamente destruído tudo o que atéentão era considerado indestrutível e comodiversas convicções arraigadas dos gregoseram infundadas. No Oriente, Pirroencontrou os Gimnosofistas, espécie desábios da índia, com os quais aprendeuque tudo é vaidade (um destesGimnosofistas, chamado Calano, matou-sevoluntariamente, jogando-se entre aschamas e suportando impassível os es-pasmos das queimaduras). Por volta de324323 a.C., Pirro retornou a Élida, ondeviveu e ensinou, sem nada escrever.Morreu entre 275 e 270 a.C.

Pirro não fundou uma Escola propria-mente dita. Seus discípulos ligaram-se aele fora dos esquemas tradicionais. Maisdo que verdadeiros discípulos, eramapreciadores, admiradores e imitadores,homens que buscavam no mestresobretudo um novo modelo de vida, um paradigma existencial  ao qual se referir

constantemente, uma prova segura deque, apesar dos trágicos eventos queconvulsionavam os tempos e malgrado odesmoronamento do antigo quadro devalores ético-políticos, a felicidade e a pazde espírito ainda podiam ser alcançadas,quando se considerava até mesmoimpossível construir e propor novo quadro

mtm Os fundame.n+osda mensagem de Pirro

Nisso consiste a novidade que distin-gue a mensagem de Pirro, não apenas,obviamente, da dos filósofos anteriores,que buscavam a solução de outrosproblemas, mas também da dos filósofosde sua época, dos fundadores do Jardim edo Pórtico, que buscavam a solução domesmo problema de fundo, ou seja, oproblema da vida: consiste, precisamente,na convicção de que é possível viver “comarte” uma vida feliz, ainda que sem averdade e sem os valores, ao menoscomo eles foram concebidos e venera-

dos no passado.Como Pirro chegou a essa convicção,

racterístico dos gregos? E como pôdededuzir uma “regra de vida” e construir

uma “sabedoria”, renunciando ao ser e àverdade e declarando que todas as coisassão aparências vãs?

A resposta de Pirro está contida numtestemunho precioso do peripatético Arís-tocles, que o extraiu das obras de Tímon,discípulo imediato de Pirro: “Pirro de Élida(...) não deixou nada escrito, mas seu dis-cípulo Tímon afirma que aquele que querser feliz deve atentar para estas trêscoisas:1)em primeiro lugar, como são as coisas,por natureza; 2) em segundo lugar, qualdeve ser nossa disposição em relação aelas;3) finalmente, o que nos ocorrerá, se noscomportarmos assim. Tímon diz que Pirromostra que as coisas: 1) são igualmentesem diferença, sem estabilidade,indiscriminadas; logo, nem nossassensações nem nossas opiniões sãoverdadeiras ou falsas; 2) não é poisnecessário ter fé nelas, mas simpermanecer sem opiniões, seminclinações, sem agitação, dizendo arespeito de tudo: ‘é não mais do que nãoé’, ‘é e não é’, ou ‘nem é, nem não é’; 3)

m|j|g Todas as coisassão sem diferervça

Dos três pilares do Pirronismo, fixa-dos na passagem lida acima, o maisimportante é o primeiro.

Segundo Pirro as próprias coisassão, em si e por si, indiferenciadas,sem medida e indiscriminadas, e

 justamente “em conseqüência disso”sentidos e opiniões não podem nem dizero verdadeiro nem dizer o falso. Em outraspalavras, são as coisas que, sendo feitasassim, tornam os sentidos e a razãoincapazes de verdade e de falsidade.

Pirro, portanto, negou o ser e os prin-cípios do ser, e resolveu tudo na“aparência”.

Esse “fenômeno” (“aparência”),como podemos ver, transformou-se, nosCéticos posteriores, no fenômenoentendido como aparência de algo queestá além do aparecer (ou seja, de uma“coisa em si”). Dessa transformação foram

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Capítulo decimo segundo - CD (Seticismo e o Ecletismo

A posição de Pirro é mais complexa,como se vê em outro fragmento de Tímon,

que pôs nos lábios de Pirro estas palavras:

“Ora, direi, como a mim parece ser umapalavra de verdade, tendo um reto

cânone,que eterna é a natureza do divino e dobem, dos quais deriva para o homem avida mais

igual. ”

As coisas, segundo nosso filósofo, re-sultam ser mera aparência, não mais emfunção do pressuposto dualista daexistência de “coisas em si” e, como tais,

inacessíveis e de um seu “puro aparecer anós”, e sim em função da contraposiçãocom a “natureza do divino e do bem”.Medido com o metro dessa “natureza dodivino e do bem”, tudo parece irreal paraPirro e, como tal, é “vivido” por eletambém praticamente.

Se assim é, não podemos negar aexistência de um substrato quase religiosoque inspira o Ceticismo pirroniano. Oabismo que ele cava entre a única“natureza do divino e do bem” e todas asoutras coisas implica uma visão quase

mística das coisas e uma valorização davida que é de extremo rigor, precisamenteporque não concede às coisas do mundonenhum significado autônomo, porquantoconcede realidade ao divino e ao bem.

Cícero jamais considerou Pirro comocético, e sim como moralista que professa-va uma doutrina extremista, segundo aqual a “virtude” era o único “bem”, emrelação ao qual tudo o mais não mereciaser buscado. A ligação precisa e

O permanecersem opiniões e indiferentes

Se as coisas são “indiferentes”, “semmedida” e “indiscerníveis” e se, em conse-qüência, os sentidos e a razão não podemdizer nem o verdadeiro nem o falso, aúnica atitude correta que o homem podeter é a de não dar nenhuma confiança,nem aos sentidos nem à razão, maspermanecer “sem opinião”, ou seja,abster-se de julgar  (o opinar é sempre

um julgar) e, em conseqüência, per-manecer “sem nenhuma inclinação" (não

em direção a outra), e permanecer “semagitação”, ou seja, não se deixar perturbar

por algo, isto é, “permanecer indiferentes”.Esta “abstenção de juízo” se expressa

posteriormente com o termo epoché, queé de derivação estóica, mas exprime o

lUll jA “afasia”

e a falta de perturbações

Muitas vezes, na Metafísica,Aristóteles repisa o conceito de que quemnega o princípio supremo do ser, para sercoerente com essa negação, deveria calare não expressar absolutamente nada. E talé precisamente a conclusão a que Pirrochega, proclamando a “afasia”.

E a afasia comporta a ataraxía e aimper- turbabilidade, ou seja, a ausênciade perturbação, a quietude interior, “avida mais igual”.

Pirro foi famoso por ter dado provas,em muitos casos, de tal ausência deperturbação e de total indiferença. Narra-se que duas vezes mostrou pouca

imperturbabilidade. Numa delas, agitou-sepelo ataque de um cão enraivecido. Aquem o reprovou por não ter sabidomostrar e manter a imperturbabilidade,respondeu que “era difícil despojarcompletamente o homem”.

Nessa resposta, indubitavelmente,está contida a marca do f ilosofarpirroniano.

Esse “despojar completamente o ho-mem” não tem como fim a anulação totaldo homem, ou seja, o não-ser absoluto,mas, ao contrário, coincide com arealização da “natureza do divino e dobem, da qual deriva, para o homem, a vidamais igual”, ou seja, a realização daquelavida que não sente o peso das coisas, asquais, em relação

C ^ ^ ^ 7 -

0 Afasia. Significa,literalmente, falta depalavra. Do ponto de vistafilosófico indica a atitude donão-dizer- nada de definitivoe com valor de verdade.

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Sexta parte - y\s escolas filosóficas da e^a keJems+ica

àquela natureza, são apenas aparências in-diferentes, sem medida e indiscriminadas.

resoam

■Sn  Tí  mon de T^liurv+ee os seguidores de Pirro

O sucesso alcançado por Pirro é bas-tante significativo: com efeito, ele demons-tra que não nos encontramos diante de umcaso esporádico nem de um sentirestranho à sua época, devido às influênciasdo Oriente, mas que, ao contrário,

encontramo-nos diante de um homemque foi essencialmente consideradocomo modelo e até como intérpretedos ideais da sua época. Muitos dostraços do sábio estóico refletem os traçosdo sábio cético; o próprio Epicuro admiravao modo de viver de Pirro e freqüentementepedia a Nausífanes notícias dele. Em suapátria, Pirro foi estimado e honrado aponto “de ser eleito sumo sacerdote”, e

 Tímon chegou a cantá-lo como

O discípulo mais significativo de Pirrofoi Tímon de Fliunte (nascido entre 325 e

320 a.C. e morto entre 235 a 230 a.C.).A importância de Tímon reside em terposto por escrito as doutrinas do mestre,em tê-las sistematizado e em ter tentadopô-las em confronto com as dos outros fi-lósofos, lançando-as assim em circulação.Se Tímon não houvesse existido, a históriado ceticismo provavelmente não teria sidoa que foi e o patrimônio pirroniano talveztivesse sido em grande parte dispersado.

Segundo algumas fontes, com Tímona Escola acaba e silencia até o séc. I a.C.Outras fontes, ao contrário, dão uma listade nomes que atestariam a continuidadeda Escola até Sexto Empírico e Saturnino,que foram os últimos céticos daantiguidade. Mas, mesmo que tenha sidoassim, os representantes da Escola, depoisde Tímon e Enesídemo, permaneceramapenas como nomes vazios, privados designificado. Com Enesídemo inaugura-se,na realidade, uma nova fase do Ceticismo,da qual falaremos no próximo capítulo.

O CETICISMO DE PIRRO

As coisas em si são indiferenciadas,

incomensuráveis, indiscriminadas.

Não existe verdade certa.Segue-se que o homem deve permanecer

sem inclinação,indiferente

porque não existe nadaque seja digno de

interesse e de temor

sem. opiniãoou seja, deve abster-sedo julgamento, porque

não existem ascondições para formular

 julgamentos verdadeiros

sem exprimir

 julgamentos

(= afasia)porque seriam

imediatamente

 ________________________t T

O ideal é a “vida mais igual” (= ataraxía), semelhante à de Deus

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Capítulo décimo segundo - O (Zati cismo e o (Scle+ismo

II. O Cefi cismo e o éE^clefismo

na .Academia plafcmica

• O Ceticismo entrou também na Academia, com Arcesilau de Pitane (315240a.C. aproximadamente). Ele interpretou e desenvolveu em sentido cético algumasafinidades entre a ironia socrática e a doutrina de Pirro.

Objetivo polêmico de Arcesilau foi sobretudo a filosofia estóica, e particular-mente o conceito de "representação cataléptica", que, como vimos, é o fulcro dalógica estóica. Arcesilau negava que na representação pudessem existir os ele-mentos necessários para garantir além de qualquer dúvida sua verdade, eafirmava, portanto, que se devia suspender o assen- Arcesilau § 1 timento.

• O acadêmico Carnéades (aproximadamente 219-129 a.C.) introduziu o con-

ceito de "provável", seguindo este raciocínio: as coisas são em si incompreensíveis,mas, devendo tomar posição diante delas, nós as julgamos limitando-nos aoprovável. Carnéades-*§2

• Depois de Carnéades a Academia assumiu, com Fílon de Larissa, uma posi-ção eclética, ou seja, julgou oportuno acolher contributos de outras escolas filo-sóficas, tentando sua mediação. Por conseguinte, afastou-se dalinha cética que fora introduzida na Academia.  A Academia

Fílon introduziu novo conceito de "probabilidade", que eclética podemoschamar de "positiva". Enquanto para Carnéades as - * §3 coisas sãoincompreensíveis e nós as declaramos prováveis (probabilidade negativa), paraFílon as coisas são "compreensíveis" e, portanto, a verdade existe; somos nós quenão conseguimos captá-la de modo adequado e, portanto, devemos contentar-nos

com um saber provável.• O sucessor de Fílon, Antíoco de Ascalon (falecido pouco depois de 69

a.C.), rompeu definitivamente as pontes com o Antíoco Ceticismo e declaroua verdade não só "existente", mas tam- de Ascalon bém "cognoscível".Procurou mediar de modo eclético con- 4 tributos de Aristóteles, de Platão eem particular dos Estóicos.

• Um ecletismo moderadamente ceticizante foi defendido também por Cícero(1 0 6 - 4 3a.C.), o qual, embora não tivesse excelsa vocação filosófica, foi todavia amais sólida ponte através da qual a filosofia grega ,entrou no mundo romano. Cícero h> § 5

y\ ;Academia céticade y\rcesilau

O Ceticismo não se exaure com o cír-culo de pensadores vinculados a Pirro: en-quanto Tímon fixava e desenvolvia em seusescritos as linhas mestras do Pirronismo,naAcademia platônica Arcesilau (nascido emPitane mais ou menos em 315 a.C. e morto

-

va nova fase da Escola, assumindoposições em certos aspectos próximas àsde Tímon e Pirro.

Em especial, Arcesilau contrapôs umacrítica acerba ao critério estóico da verda-de, que os filósofos do Pórtico identifica-vam, como sabemos, com a“representação cataléptica”.

O eixo de sua crítica consistia em ne-gar a possibilidade de um acordo fundadosobre a verdade e a certeza.

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ScXtU parte - ^Ks escolas filosóficas da e^a helenística

Então, das duas, uma: ou o sábio es-tóico deverá contentar-se com opiniões, ouentão, se isso for inaceitável para o sábio,ele deverá suspender o acordo, ser “acata-léptico”.

A “suspensão de juízo”, que os Estói-cos recomendavam só nos casos de faltade evidência, é assim generalizada porArce- silau, uma vez estabelecido que“nunca existe evidência absoluta”.

Para viver praticamente, uma vez quefalta um critério absoluto de verdade, bas-tará a “razoabilidade”, à qual, de fato, to-dos os homens sábios se atêm, e que, por-tanto, demonstra-se suficiente.

O (Se+ici smo acadêmico

de CSaméades

Durante cerca de meio século aAcade-mia moveu-se lentamente ao longo do ca-minho aberto por Arcesilau, até que novoimpulso lhe foi dado por Carnéades (nasci-do em Cirene aproximadamente em 214a.C. e morto em 129 a.C.), homem dotado

de notável empenho e de excepcionalcapa-cidade dialética, unida a uma habilidaderetórica extraordinária. Carnéades tambémnão escreveu nada, confiando seu magisté-rio inteiramente à palavra.

Segundo Carnéades, não existenenhum critério de verdade em geral e,faltando um critério absoluto da verdade,desaparece também toda possibilidade deencontrar qualquer verdade particular.

Mas nem por isto desaparece tambéma necessidade da ação. E exatamente pararesolver o problema da vida que Carnéades

cogita sua célebre doutrina do “provável”.A doutrina do “provável” de Carnéa-

des, mais que como profissão de dogmatis-mo mitigado, deve-se entender como argu-mentação dialética voltada para derrubar odogmatismo extremo dos Estóicos. Em ou-tros termos, Carnéades teria procuradomostrar que, como não existe critérioabsoluto de verdade, o sábio estóico(assim como todos os outros homenscomuns) regulava-se segundo o critériodo “provável”.

Eis o seu raciocínio. Se não existe re-

presentação abrangente, tudo éincompreensível (acataléptico) e a

sentimento dado àquilo que é em si objeti-vamente incompreensível, mas que  paranós

pode aparecer como “provável”. Se,teoricamente, a primeira posição é acorreta, ao contrário, é a segunda quepraticamente nós, como homens, somosobrigados a abraçar para viver.

Fíl on de Larissa

A partir do séc. II a.C., faz-se sempremais forte, até tornar-se dominante noséc.

I a.C. e também mais tarde, a tendênciaao “ecletismo” (termo derivado do gregoek- léghein, que significa “escolher ereunir, tomando de várias partes”), quevisava a reunir e fundir o melhor (ou o queera considerado tal) das várias Escolas.

As causas que produziram esse fenô-meno foram: a exaustão da vitalidade dasEscolas singulares, o difundidoprobabilismo da Academia, a influência doespírito prático romano e a valorização dosenso comum.

O Ecletismo foi introduzido oficial-

mente na Academia (a Escola que, mais detodas as outras, o acolheu e divulgou) porFílon de Larissa (que se tornou chefe daEscola por volta de 110 a.C.). A novidadede Fílon, introduzida por volta de 87 a.C.através de dois livros escritos em Roma,deveria indubitavelmente ser a que SextoEmpírico assinala na seguinte passagem:“Fílon afirma que, quanto ao critérioestóico, isto é, à representaçãocataléptica, as coisas são incom-preensíveis; mas, quanto à natureza das próprias coisas, compreensíveis”.

A passagem, na interpretação de

Cícero, diria isto: o critério de verdadeestóico (a representação compreensiva)não é sustentável; e, posto que não ésustentável o critério estóico, que é o maisrefinado, nenhum critério se sustenta; istonão implica, todavia, que as coisas sejam“objetivamente incompreensíveis”; elassão, simplesmente, “incompreendidas pornós”. Com esta afirmação, Fílon se colocafora do Ceticismo. Com efeito, dizer que ascoisas “são compreensíveis quanto à suanatureza” significa fazer uma afirmaçãocuja pretensa intencionalidade ontológica

é “dogmática”, segundo os cânonescéticos. Significa, de fato, admitir uma

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Cãpítulo dédmo segundo - O íSe+icismo e o Êcletismo

pode dizer “a verdade existe, eu é que nãoa conheço”, mas só pode dizer: “não sei se

a verdade existe; sou eu, em todo caso,quem não a conhece”.Eis, então, a posição de Fílon, que

Cícero faz sua: não é necessário suprimirtotalmente a verdade, mas é necessárioadmitir a distinção entre verdadeiro efalso; todavia, não temos um critério quenos leve a esta verdade e, portanto, àcerteza, mas temos somente aparências,que conduzem à  probabilidade. Nãochegamos à percepção certa da verdadeobjetiva, mas nos avizinhamos dela com aevidência do provável.

Nasce assim novo conceito de “prová-

vel”, que não é mais o irônico-dialético,com o qual Carnéades refutava os Estóicos,porque este vem carregado de valênciadecisivamente positiva, que deriva daadmissão da existência da verdade.

Carnéades nega as duas proposiçõeses- tóicas: a) o verdadeiro existe, b) existeum critério para colher o verdadeiro; Fílonnega somente a segunda. Mas a admissãoda primeira muda o sentido da negação dasegunda e, principalmente, modifica avalência do “provável” que, posto ao ladode uma verdade objetiva, torna-se de

ual uer modo seureflexo ositivo.

y\ consolidaçãodo Ecletismo com^An+íocode ;Ascalon

Antíoco, que foi discípulo de Fílon(nasce por volta do início dos anos vinte doséc. II a.C. e morre depois de 69 a.C.),sepa-

rou-se do Ceticismo carneadiano antes domestre e, com suas críticas, induziu o mes-tre a mudar de rota.

 Todavia, enquanto Fílon se limitava aafirmar a existência da verdade objetivasem ter a coragem de declará-lacognoscível pelo homem e punha no lugarda certeza a probabilidade positiva,Antíoco deu o grande passo, com o qual seencerra definitivamente a história daAcademia cética, declarando a verdadenão somente existente, mas tambémcognoscível, e substituindo a probabi-lidade pela certeza veritativa.

Com base em tais afirmações, ele po--

 Todavia, às aspirações de Antíoco nãocorresponderam resultados efetivos. NaAcademia de Antíoco, de fato, não é Platãoque renasce, mas sim um amontoadoeclético de doutrinas verdadeiramenteacéfalo, sem alma e privado de vidaautônoma. Contudo, ele estava convencidode que Platonismo e Aristotelismo eramfilosofias idênticas, que expressavamsimplesmente os mesmos conceitos comnomes e linguagens diferentes.

Contudo, o que é altamenteindicativo, Antíoco chegou até a declarar aprópria filosofia dos Estóicos comosubstancialmente idêntica à platônico-aristotélica, diferindo apenas na forma. E

certas novidades inegáveis dos Estóicosforam por ele consideradas nada mais quemelhoramentos, complementações eaprofundamentos de Platão, a ponto deCícero poder escrever: “Antíoco, que erachamado de acadêmico, era, na verdade,

Cícero nasceu em 106 a.C. e morreu

em 43 a.C., assassinado pelos soldados deAntônio. As numerosas obras filosóficasque chegaram até nós foram escritas porele no último período da sua vida. Em 64a.C., escreveu os Paradoxa Stoicorum;em 45 a.C., os  Acadêmica, que noschegaram só parcialmente. De 45 a.C. étambém o De finibus bonorum et malorum. Em 44 a.C. foram publicadas asTusculanae disputationes e o De naturadeorum; ainda em 44 a.C. foi escrito o Deofficiis. A estas obras se agregam ainda:De fato, De divinatione, Cato maior desenectute e Laelius de amicitia, etambém as obras políticas De re publica eDe legi- bus. Do De re publicachegaram-nos os primeiros dois livrosincompletos, fragmentos do III, do IV, do Ve grande parte do livro VI, que ainda naantiguidade teve vida autônoma, sob otítulo de Somnium Scipionis.

Assim como Fílon e Antíoco foram osmais típicos representantes do Ecletismona Grécia, Cícero foi o mais característicorepresentante do Ecletismo em Roma.Diríamos, com uma metáfora moderna,que Antíoco coloca-se claramente “à

direita” de Fílon, enquanto Cícero seguemais a linha de Fílon. O rimeiro elaborou

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SextU parte - ;As escolas filosóficas da era kelems+ica

decididamente dogmático, o segundo umEcletismo precavido e moderadamente

ceticizante. Sem dúvida, do ponto de vistafilosófico, Cícero está abaixo de um e deoutro, não apresentando nenhuma novida-de que seja comparável às formulações doprobabilismo positivo do primeiro ou à sa-gaz crítica anticética do segundo.

Se estamos nos ocupando de Cícerono âmbito da história da filosofia, é maispor motivos culturais que teoréticos. Emprimeiro lugar, Cícero oferece, em certosentido, o mais belo paradigma da maispobre filosofia, que mendiga em cadaEscola migalhas de verdade. Em segundolugar, Cícero é de longe a mais eficaz, a

mais vasta e a mais significativa ponte

filosofia grega se introduziu na área dacultura romana e, depois, em todo o

Ocidente: e isso também é mérito nãoteorético, mas de mediação, de difusão ede divulgação cultural.

O que não impede que Cícero tenhaintuições felizes e até agudas sobre proble-mas particulares, especialmente sobre asquestões morais (o De officiis e asTuscula- nae são, provavelmente, suasobras mais vitais), e até mesmo análisespenetrantes. Trata-se, porém, de intuiçõese análises que se colocam, por assim dizer,abaixo da filosofia; sobre os problemas queestão nas montanhas ele tem pouco adizer, como, de resto, pouco tiveram a

dizer todos os representantes da filosofia

RH■■■ wm

O CETICISMO DEPOIS DE PIRRO

CarnéadesProbabilismo negativo.

“Tudo éincompreensível”,

portanto:-ou se suspende o

 julgamento (=epoché) -ou é precisoater-se ao que a nós

Fílon de LarissaProbabilismo positivo.

A verdade existe,

mas o homem não aconhece e,portanto, deve

contentar-se com oprovável

Enesídemo

Resolve o ser noaparecer, a substâncianos acidentes, o que éestável no que mudacontinuamente.

 Tudo escorre e nadapode ser fixado no

Arcesilau Jamais se verificamas condições para a

evidência,falta um critério

absoluto de verdade e,por isso, é preciso

ater-seao que é razoável

Sexto EmpíricoO homem não conhece ascoisas, mas o que aparecedas coisas (o fenômeno)

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Sexta parte - As escolas filosóficas da ei*a keleKiís+ica

 Também fílon d© Atenas, tornando-se seuseguidor, dizia que Pirro costumava lembrar-se

sobretudo de Demócrito e depois também deHomero, admirando-os e freqüentemente repe-tindo:como a estirpe dos folhas, tal a dos homens,1

e que costumava comparar os homens òs abe-lhas, às moscas, aos pássaros; citava tambémestes versos:vamos, amigo, morre também tu; por que telamentas assim?morreu também Pátrodo, que era muitomelhor que tu,s

e todos aqueles que se referem à instabilidade, àvacuídade e à pueril idade dos homens.

Pirro, test. 19-20.4. fls condições para ser feliz

Contra os que seguem Pirro, chamadoscéticos ou "eféticos", que afirmam que nadaé apreensível.

Antes de tudo é necessário indagar sobrenosso conhecimento; com efeito, se por naturezanada conhecemos, é supérfluo indagar sobre oresto. Também entre os antigos houve algunsque afirmaram isso, aos quais replicouAristóteles. Particular força em dizer isso tevetambém Pirro de élida, que porém nõo deixou

nada escrito; mas seu discípulo Tímon afirma queaquele que quer ser feliz deve considerar estastrês coisas: em primeiro lugar, como as coisassão por natureza; em segundo lugar, qual deveser nossa disposição para com elas; por fim, oque nos virá disso, comportando-nos assim. €lediz que Pirro mostra que as coisas sãoigualmente sem diferenças, sem es

'Homero,

tabilidade, indiscriminadas; por isso nem asnossas sensações nem as nossas opiniões são

verdadeiras ou falsas. Não se deve, portanto,crer nelas, mas estar sem opiniões, sem incli-nações, sem sobressaltos, dizendo sobre cadacoisa: "é não mais que não é", ou “é e não ê",ou "nem é, nem nõo é". Aos que se encontraremnessa disposição, Tímon diz que derivará emprimeiro lugar a afasía, depois a impertur- babilidade.

Pirro, test. 53.

5. fl vida na dimensão da serenidade e daquietude

 Teve na verdade muitos êmulos no nãopreocupar-se com nada; por isso também Tímondele diz o seguinte no Pfton e nos Silos:

Isto, Pirro, meu coração deseja ouvir, comoentõo, homem que ainda és,

vives serenamente em quietude,sempre sem pensamentos e imóvel nas idênticascondições,

sem prestar atenção aos redemoinhos de umasabedoria lisonjeira e, sozinho, aos homens

sen/es de guia como odeus

que viajando sobre toda a terra volta atrás seucurso,

mostrando o círculo inflamado da bem torneado

esfera.Isto, Pirro, meu coração deseja ouvir, comoentão, homem que ainda és,

vives serenamente em quietude, sozinho aoshomem servindo de guia como um

deus.

Vamos, direi eu, como a mim parece ser, umapalavra de verdade, tendo um reto cânon, quesempre é a natureza do divino e do bem, dosquais deriva ao homem a vida mais igual.

Pirro, test. 61 fl, 618, 62.

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Capítulo décimo terceiro

Os desenvolvimentos e as conquistas

da ciência na era kelenística

I. O “J^Ause-u" e a //13iblio+eca//

• A grande expedição de Alexandre no Oriente teve, entre outras coisas, oefeito de deslocar de Atenas o baricentro da cultura de língua grega. Sobretudo acientífica encontrou sede ideal em Alexandria (fundada em 332 a.C.). Aqui,promovido pela dinastia dos Ptolomeus, nasceu o 0 fioresc jmento Museu (que significa"Instituição consagrada às Musas), ao qual da c(l§nc/a estava anexa a Biblioteca: oprimeiro continha os laboratórios helenística científicos, a segunda todos os livrosque era possível recolher _> § 1-2 (várias centenas de milhares).

Como efeito dessas instituições houve o grande florescimento da ciência que,da filosofia, ampliou-se para a gramática, a geografia, a medicina, a geometria, amecânica e a astronomia.

 jln ;Ale?<andriatorna-se a capital culturaldo n\undo kelênico

No início do capítulo anterior exami-namos o surgimento de novos centros cul-turais em Pérgamo, Rodes e, sobretudo,Alexandria. Atenas ainda conseguiu manterseu primado no campo da filosofia, masAlexandria tornou-se o grande centro dacultura científica, que aí alcançou os mais

altos cumes tocados no mundo antigo.Os trabalhos de construção da cidade,

desejada por Alexandre em memória doseu próprio nome, iniciaram-se em 332a.C. e prolongaram-se por muito tempo. Aposição foi escolhida com intuito infalível:com efeito, encontrando-se junto à foz doNilo, ela se beneficiava ao mesmo tempodos resultados do cultivo das férteis terrasadjacentes e dos resultados do comércio. Apopulação cresceu rapidamente,agregando-se aos elementos locais aquelesprovenientes de toda parte, entre os quaisdestacam-se sobretudo os Hebreus.

to grego era predominante. Mas foi preci-samente nesse contexto cosmopolita quea dimensão cultural propriamente“helênica” ampliou-se para o sentido“helenístico” que explicamos (cf. p. 230).

Depois da morte de Alexandre, Ptolo-meu Lago recebeu o Egito e seussucessores o mantiveram durante longotempo, conservando as tradicionaisestruturas sociopo- líticas que haviamassegurado ao país uma vida milenar.Assim, impediram a heleni- zação do Egito,com a única exceção de Alexandria, para a

qual, ao contrário, procuraram atrair osintelectuais gregos, na tentativa detransformá-la por todos os meios na ca-pital cultural do mundo helenístico. E as-sim nasceu uma cidade moderníssima emum Estado de estrutura oriental, a qualteve um destino pode-se dizer único ou,pelo menos, inteiramente excepcional.

 Já a partir de aproximadamente 297a.C., Demétrio de Falera, que provinha dasfileiras dos Peripatéticos e que havia sidoobrigado a refugiar-se em Alexandria porrazões políticas, passou a manter intensoscontatos com Ptolomeu I Sóter, que pouco

a ouco tornaram-se mais estreitos. Demé-

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Sexta parte - As escolas filosóficas da era Kelenís-Hca

trio pensava fundar em Alexandria algoque fosse como que um Perípato de

proporções multiplicadas, construído eadaptado com base nas novas exigências.Chamou a Alexandria o próprio Estratão deLâmpsaco, escolarca do Perípato, que setornou inclusive preceptor do filho do rei.

A intenção de Demétrio e dePtolomeu era a de reunir em uma grandeinstituição todos os livros e todos osinstrumentos científicos necessários àspesquisas, de modo a fornecer aosestudiosos material que não encontrariamem nenhum outro lugar, induzindo-osassim a ir para Alexandria.

Desse modo, nasceram o “Museu”

(que significa “instituição sagradadedicada às Musas”, protetoras dasatividades intelectuais) e a “Biblioteca” aele anexa. O primeiro oferecia todo oinstrumental para as pesquisas médicas,biológicas e astronômicas; a segundaoferecia toda a produção literária dosgregos. Sob Ptolomeu II, a Bibliotecaencaminhou-se para a imponente cifra dequinhentos mil livros, que pouco a poucocresceu para setecentos mil, constituindo amais grandiosa coleção de livros do mundoantigo.

A Biblioteca teve diretores famosos,sendo de nós conhecidos todos os nomesdo período áureo: Zenódoto, Apolônio deRodes, Eratóstenes, Aristófanes deBizâncio, Apolônio Eidógrafo e Aristarco deSamotrá- cia. Como veremos logo, esseshomens lançaram as bases da ciênciafilológica.

 Já o Museu atraiu matemáticos, astrô-nomos, médicos e geógrafos, que, noâmbito dessa instituição, expressaram o

O nascimento da filoloqia

Zenódoto, que foi o primeiro bibliote-cário, iniciou a sistematização dosvolumes, mas foi Calímaco que, no reinadode Ptolomeu II (283-247 a.C.), compilou osPina- kes, ou seja, os “Catálogos” (em

nos quais ordenou os volumes por setorese gêneros literários, com ordenação

alfabética dos autores, breve biografia decada um, sistematização da produçãoindividual dos autores e solução dosproblemas de atribuição dúbia. OsCatálogos de Calímaco foram a base detodo o trabalho posterior.

Zenódoto, no entanto, aprontou a pri-meira edição de Homero e talvez tenhasido precisamente ele quem dividiu emvinte e quatro livros tanto a llíada como aOdisséia. Aristófanes de Bizâncio (257-180 a.C.) e Aristarco de Samotrácia (217-145 a.C.) também realizaram edições deHomero. Mas sobremodo importante foi

Aristarco, que constitui a principal fonte denossa tradição. O controle dos numerososexemplares da Biblioteca permitiram-lheidentificar e expurgar versos interpoladose apontar versos suspeitos. Foi a seuscomentários que se ativeram ospesquisadores posteriores.

Dionísio de Trácia, discípulo deAristarco, elaborou a primeira Gramáticagrega por nós conhecida, beneficiando-seda contribuição que os Peripatéticos eEstóicos deram nesse campo (em 145 a.C.refugiou-se em Rodes, expulso por

Ptolomeu Fiscon, pelas razões de queadiante falaremos). Já a interpretação alegórica de

Homero e de outros poetas, codificada porCrates de Maio em Pérgamo, desde entãose difundiu e fortaleceu (tendo sidoadotada, entre outros, pelos Estóicos), atése tornar predominante na época imperial.

Nesse período, também se difundiu ogênero literário da biografia, do qual poucorestou. Entretanto, no que se refere aosfilósofos, conhecemos pelo menos a tardiaexemplificação sintetizadora de DiógenesLaércio, que utilizou amplamente muito do

material recolhido nesse período.Por fim, devemos recordar que foi

esse movimento fi lológico e suasaquisições que tornou possível a ediçãodas obras esotéricas de Aristóteles, de que

 já falamos amplamente.Assim, é na Alexandria helenística

que estão as raízes históricas das

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313

II. CD grande florescimento

das ciências particulares

• Na geometria sobressai o nome de Euclides (viveu em torno de 330-277 a.C.), que nos seus Elementos apresentou de modo sistemático e rigorosotodas as descobertas da geometria helênica, segundo a metodologiafornecida por Aristóteles na sua lógica, ou seja, sobre a base de definições,postulados e axiomas (que são especificações do princípio de não-contradição).

No âmbito da geometria é necessário também mencionar o nome de Apolôniode Perga (séc. III a.C.) por seus estudos fundamentais sobre as secções cônicas.

«*No que se refere à mecânica o nome de maior destaque Q proqresso é o deArquimedes (287-212 a.C.), que foi um gênio poliédrico, da mec^n jca pois ocupou-se dehidrostática, de estática (descobriu as leis da _> § 2 alavanca), de matemática e deengenharia.

Com ele se parelha o matemático Heron (que pode colocar-se entre o séc. IIIa.C. e o séc. I d.C.), cuja atividade é difícil de se reconhecer porque com seu nomeforam transmitidos escritos de outros.

• Particular consideração merece o desenvolvimento da astronomia, pelasrelações que ela teve com a filosofia.A concepção astronômica dos gregos era geocêntrica e os astrônomos imaginavam

que os corpos celestes estivessem colocados sobre uma esfera imaginária. Já Platão percebera que a rotação perfeitamente circular não bastava para

explicar coerentemente os movimentos dos planetas. Eudóxio, Calipo e Aristótelesprocuraram introduzir estas anomalias no modelo geral das esferas concêntricas,mutiplicando-as. Todavia, foi Hiparco de Nicéia que forneceu uma explicação dasanomalias das revoluções dos planetas, introduzindo a hipótese de uma órbitaexcêntrica do sol.

Além desses astrônomos é digno de menção Aristarco de Samos (primeirametade do séc. II a.C.), que procurou superar a hipótese geocêntrica, e desenhouum modelo do cosmo em que todos os astros giram em torno do sol.

• Não sem implicações filosóficas foi também o desenvolvimento damedicina (especialmente dos estudos anatômico fisiológicos) e da geografia,que alcançou tal precisão de cálculo de modo a permitir que Eratóstenesavaliasse com boa

aproximação as dimensões da terra.

As matemáticas:(Suclides e ^polônio

m Euclides, autor da “suma”da matemática grega

Em virtude da disposição própria dopensamento grego, a matemática foi sem

dúvida a ciência que gozou de maiorestima,

de Pitágoras a Platão. Basta lembrar que,segundo a tradição, Platão mandou inscre-ver na entrada da Academia a frase “nãoentre quem não for geômetra”. E já vimoso papel e o peso que a matemáticadesempenhou tanto entre os Pitagóricoscomo no Platonismo.

Coube a Euclides, um dos primeiroscientistas que se transferiu para Alexan-

dria, a honra de elaborar a suma dopensamento matemático grego com

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Elementos, cuja base conceitual resistiupraticamente até o século XIX. Nãosabemos quase nada da vida de Euclides.

 Todos os dados em nosso poder levam-nosa situar o ápice de sua vida em torno doano de 300 a.C. (as datas de 330-277 a.C.para sua vida são convencionalmenteassumidas como prováveis).

Outras obras euclidianas (os Dados, aÓtica e Sobre as divisões, que noschegaram em versões árabes) também seconservaram, mas são obras menossignificativas. Se é verdadeiro um episódiorelatado por Proclo, seu caráter torna-seperfeitamente iluminado: como o reiPtolomeu lhe perguntara se não havia umcaminho mais simples para introduzir as

pessoas na matemática, Eucl idesrespondeu que “não há caminhos régiosnas matemáticas”.

estmtu^ametodológica dos "Elementos” deEuclides

O procedimento dos Elementos é odo discurso axiomático, ou seja, oprocedimento segundo o qual, postascertas coisas, seguem- se necessariamenteoutras, estruturalmente concatenadas.Nessa obra encontramos em operação, de

modo preciso, as estruturas da deduçãopróprias da lógica aristotélica, assim comosua base teorética geral. Como a base dalógica aristotélica prevê precisamente de-finições, princípios ou axiomas comuns, epostulados específicos para cada ciência,os Elementos de Euclides apresentamuma série de definições, cinco postulados e os axiomas comuns. Asdefinições calibram os termos que entramno discurso; os axiomas comuns sãoespecificações do princípio da não-contradição, sobre o qual, segundo Aris-

tóteles, nos devemos basear paradesenvolver qualquer discurso lógico; os“postulados” são afirmações de base, decaráter fundamentalmente intuitivo (e,portanto, afirmações imediatas, ou seja,não demonstráveis e não mediáveis), queconstituem o próprio substrato daexposição. Como é sabido, o quinto postulado provocou inúmeros problemas efoi na tentativa de resolvê-los quenasceram as geometrias não-euclidianas.Mas, como falaremos disso a seu tempo,não entraremos aqui nos detalhes dasquestões relativas aos postulados.

-

célebre “elenco”, portador de gloriosa his-tória, que inicia inclusive a Escola eleática,particularmente os célebres argumentos

de Zenão, prosseguindo depois comGórgias e a dialética socrática, com Platãoe Aristóteles.

El■ O método da exaustão

 Juntamente com esse método,Euclides também usa aquele que, maistarde, seria chamado “método daexaustão”, aplicado sobretudo nos últimoslivros, mas que tem no décimo livro a suaprimeira formulação paradigmática:“Tomando-se como dadas duas grandezasdesiguais, se se subtrai da maior uma

grandeza maior do que a metade, à parterestante outra grandeza maior do que ametade e assim sucessivamente, restaráuma grandeza que será menor do que agrandeza menor tomada.” O exemplo quese costuma apresentar para esclarecer demodo intuitivo essa proposição é oseguinte: seja  A a grandeza maior, porexemplo um círculo, e B a grandeza me-nor; agora, subtraiamos ao círculo umagrandeza maior do que a sua metade, porexemplo, inscrevendo no círculo um qua-drado (e, portanto, subtraindo da área docírculo a área do quadrado); depois pros-

seguimos, subtraindo à parte restante ou-tra grandeza maior do que a metade, porexemplo, bissectando os arcos determina-dos do lado do quadrado e assim obtendoum octágono (que subtrairemos da área docírculo); assim procedendo, por bissecção,obteremos pouco a pouco um polígono quetende a aproximar-se cada vez mais do cír-culo e, portanto, uma grandeza tal que,subtraída à do círculo, torna-se menor doque a grandeza B dada, qualquer que estaseja. Assim, por esse caminho, é semprepossível encontrar uma grandeza sempre

menor do que qualquer grandeza dada, pormenor que ela seja, porque não existe umagrandeza mínima.

A. Frajese, a este propósito, recordou justamente Anaxágoras, que sustentavaque há sempre um menor do que omenor  (divisi- bilidade ao infinito dashomeomerias), assim como também hásempre um maior em relação a qualquercoisa grande. Portanto, em Anaxágorasencontra-se um antecedente dessemétodo.

Muitas vezes discutiu-se sobre a “ori-ginalidade” do conteúdo desses

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Capítulo décimo terceiro - Os desevolvimentos e as conquistas

Uma página dos Elementos deEuclides (XVII teorema do XIII livro)no mais famoso códice desta obraque remonta ao ano 888 (Oxford,Bodleian Library).

tudo o que os gregos haviam pensadosobre a questão nos três séculosanteriores. Mas também está fora dedúvida que, no caso, a genialidade está nasíntese, e também que foi na forma dessasíntese que a matemática grega fezhistória.

EU Apolônio de Perga

A parte Arquimedes, de quem logo fa-laremos, o maior matemático grego depoisde Euclides foi Apolônio de Perga, que

viveu na segunda metade do séc. III a.C.Estudou em Alexandria, mas lecionou emPérgamo.

De sua autoria, chegaram até nós asSeções cônicas. Esse tema não eracompletamente novo, mas Apolôniorepensou a fundo a disposição da matéria ea expôs de modo rigoroso e sistemático,introduzindo inclusive a terminologiatécnica para designar os três tipos decones, isto é, “elipse”, “parábola” e“hipérbole”. As Seções cônicas sãoconsideradas pelos historiadores da

matemática como obra-prima de primeira

houvesse aplicado suas descobertas àastronomia, teria revolucionado as teoriasgregas das órbitas planetárias. Mas, como

se sabe, essas aplicações efetuar-se-ão sóna época moderna, por Kepler.

2t£ -A mecânica:^Arquimedes e •H eron

Efifl Arquimedes e suas obras

Arquimedes nasceu em Siracusa porvolta de 287 a.C. Seu pai, Fídias, era

astrônomo. Esteve em Alexandria, mas nãoficou ligado ao ambiente do Museu. Viveua maior parte do tempo em Siracusa, umavez que era ligado à casa reinante porlaços de parentesco e amizade. Morreu em212, trucidado durante o saque da cidadepelas tropas romanas comandadas porMarcelo. Apesar de Marcelo haverordenado que lhe poupassem a vida, emsinal de homenagem ao grande adversárioque, com engenhosas máquinas bélicas,defendera longamente a cidade, umsoldado o matou enquanto se ocupava deseus estudos, como quer a tradição, que

lhe põe nos lábios, no extremo instante, afrase que se tornou célebre: “Noli turbarecirculos meos” (a forma original relatadapor Valério Máximo é “Noli obsecro circu-lum istum disturbare”). Por seu desejo,como símbolo, foi inscrita no túmulo de Ar-quimedes a esfera inserida em um cilindro,em lembrança de algumas de suas maissignificativas descobertas nesse campo.Quando foi questor na Sicília, em 75 a.C.,Cícero encontrou a tumba e a fez restaurarcomo prova de grande veneração.

Muitas de suas numerosas obras fo-

ram conservadas: Sobre a esfera e ocilindro, Medida do círculo, Sobreespirais, Sobre a quadratura daparábola, Sobre conóides e esferóides,Sobre o equilíbrio dos planos, Corposflutuantes, O arenário, e um escritoSobre o método, dedicado a Eratós-tenes.

m Os contributos matemáticos/ físicose metodológicos de Arquimedes

Não são poucos os historiadores daciência antiga que consideram Arquimedes

como o mais enial dos cientistas re os.

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Sexta pãVtB - As escolas filosóficas da era kelems+ica

Suas contribuições mais destacadas são ada problemática da quadratura do círculo ea da retificação da circunferência. No

escrito originalMedida do círculo,

doqual nos chegou apenas um extrato,Arquimedes teria chegado até o polígonode 384 lados. O material tratado nas obrasSobre a esfera e o cilindro e Sobreconóides e esferóides contémimportantes integrações dos Elementosde Euclides e ainda constitui um capítuloimportante dos tratados de geometria. Omesmo se pode dizer das conclusões a quechegou em seu tratado Sobre espirais.

No Corpos flutuantes, Arquimedeslançou as bases da hidrostática. Nasproposições 5 e 7 do livro lêem-se dois

conhecidos princípios. O primeiro: “Dasgrandezas sólidas, aquela que é mais leveque o líquido, abandonada no líquido,imerge de modo que tal volume do líquidoqual é o da parte submersa tenha omesmo peso de toda a grandeza sólida.” Osegundo: “As grandezas mais pesadas doque o líquido, abandonadas no líquido, sãotransportadas para baixo, até o fundo, eserão tanto mais leves no líquido quanto éo peso do líquido que tem tal volumequanto o volume da grandeza sólida” (esseé o conhecido “princípio de Arquimedes”).

No Equilíbrio dos planos lançou asbases teóricas da estática. Em especial,estudou as leis da alavanca. Imaginemosuma reta em forma de haste, apoiando-sesobre um ponto de apoio, e coloquemosnos extremos dois pesos iguais: adistâncias iguais do centro, estão emequilíbrio; a distâncias desiguais, temosuma inclinação para o lado do peso que seencontra a maior distância. Com basenisso, Arquimedes chega à lei segundo aqual duas grandezas estão em equilíbrio adistâncias que estejam em recíprocaproporção às próprias grandezas. A frase

com que passou para a história e quecostuma ser citada em latim, “Da mihi ubiconsistam et terram movebo” (“Dá-me umponto de apoio e erguerei a terra!”), definea grandiosidade da descoberta.(Arquimedes teria pronunciado a frasefazendo descer ao mar uma gigantescanave mediante um sistema de alavancas. Afrase é registrada por Simplício, um dosúltimos neoplatônicos do mundo antigo).

 Já o  Arenário é importante para aaritmética grega. Nele, Arquimedesconstrói um sistema para expressarnúmeros muito grandes, coisa que até

modo intencionalmente provocador, elecalculava o número de grãos de areia (daí o título do livro) que seriam necessáriospara encher o cosmo. Mas, por maior queseja o suposto número de grãos de areia(que ele calcula), trata-se de númeromuito grande, sim, mas determinado.

No passado, destacou-se o fato deque as demonstrações de Arquimedes sãofreqüentemente complicadas e pesadas(sobretudo quando faz uso do método porexaustão). Entretanto, seu escrito Sobre ométodo, dirigido a Eratóstenes (de quefalaremos adiante), descoberto no início deséculo XX, mostra que, em suasdescobertas, Arquimedes não procedia deacordo com aqueles métodos complexos e

artificiosos. Para chegar às descobertas,ele se entregava freqüentemente a ummétodo indutivo e intuitivo (“por viamecânica”), ou seja, construindo figuras edepois passando à comprovação,demonstrando rigorosamente aquilo que

uimedes eseus estudos de engenhciHa

Arquimedes foi matemático e assimse considerava, ou seja, alguém que

tratava teoreticamente os problemas,considerando seus estudos de engenhariacomo algo marginal. E, no entanto,precisamente por isso, foi admiradíssimoem sua época e por seus pósteros, dadoque suas descobertas nesse campoatingiram muito mais a fantasia daspessoas do que suas dificílimasespeculações matemáticas. As máquinasbalísticas inventadas para defenderSiracusa, os aparelhos para transporte depesos, a idealização de uma bomba parairrigação baseada no princípio da chamada“rosca sem fim” e as suas descobertas

ligadas à estática e à hidrostática fizeramdele o maior engenheiro do mundo antigo.Quer a tradição que, durante o cerco deSiracusa, chegou a pensar até mesmo nouso dos espelhos ustórios (dificilmentetrata-se de pura lenda, pois Luciano de Sa-mosata já falava disso). Também construiuum planetário, que depois foi levado paraRoma, despertando a admiração de Cícero.A narrativa de Vitrúvio sobre como Arqui-medes alcançou a descoberta do “peso es-pecífico” (a relação entre peso específico evolume), contada até mesmo nos livros

das escolas de Ensino Fundamental, é pelo

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Capítulo décimo terceiro - Os d esevolvimentos e as conquistas

que sabemos sobre o método intuitivo comque Arquimedes alcançava suas descober-tas antes de dar-lhes prova racional, muito

embora ninguém possa garantir a histo-ricidade do relato.Vejamos o episódio. Geron, rei de

Siracusa, quis oferecer uma coroa de ourono templo. Mas o ourives subtraiu parte doouro, substituindo-o por prata, quecombinou com a restante parte de ouro naliga. Aparentemente, a coroa ficouperfeita. Mas, surgindo a suspeita defalsificação, e como Geron não podia darcorpo à suspeita, pediu a Arquimedes quelhe resolvesse o caso, refletindo sobre oque estava ocorrendo. Arquimedescomeçou a pensar intensamente na

questão. E, no momento de tomar banho,observou que, ao entrar na banheira (que,naquela época, era uma tina), saía água namesma proporção do volume do corpo queentrava. Assim, de repente, intuiu osistema com o qual poderia determinar apureza ou não do ouro da coroa.(Arquimedes prepararia dois blocos, um deouro e um de prata, cada qual de pesoigual ao da coroa; imergiria os dois naágua, medindo o volume de águadeslocado por cada um deles e a relativadiferença; depois, verificaria se a coroa

deslocaria um volume de água igual aodeslocado pelo bloco de ouro; se nãoacontecesse isso, significaria que o ouro dacoroa havia sido alterado.) No entusiasmoda descoberta, precipitou-se para fora datina e correu para a casa, nu como estava,gritando “descobri, descobri”, que em gre-go se diz éureka, exclamação que setornou proverbial, permanecendo em usoaté hoje. Discutiu-se longamente sobre oprocedimento usado por Arquimedes, jáque Vitrúvio é muito genérico. Galileucomeçará precisamente com um escritosobre esse tema: Discurso do sábio

Galileu Galilei a respeito do artifício

BI A figura de -Heron

Entre os matemáticos e engenheirosdo mundo antigo, deve-se mencionarHeron, a quem são atribuídas diversasdescobertas. Infelizmente, os dados de suavida são desconhecidos. Viveuprovavelmente entre os sécs. III a.C. e Id.C. A questão é complicada por doisfatores: a) o fato de Heron ser nome co-mum; b) o fato de que com esse nome

também se desi nava o en enheiro como

 Talvez aquilo que nos chegou sob o nomede Heron não seja obra de um único autor.

Parece certo que muito daquilo que

aparece sob o nome de Heron pertença àera helenística.Contudo, a questão heroniana ainda está

por ser resolvida de modo satisfatório.

^llm yA astronomia: o geocentrismo

tradicional dos gregos, a

tentativa keliocêntrica

revolucionária de ;Aristarco e a

restauração ge.oczê.nfncade-H i parco

EH Os astrônomos íSwdóxio,Calipo e 'Heráclide.s do Ponto

Salvo algumas exceções de quefalaremos, a concepção astronômica dosgregos era geocêntrica. Imaginava-se queem torno da terra girassem as estrelas, osol, a lua e os planetas, com movimentocircular perfeito. Assim, pensou-se quedeveria haver uma esfera que guiava aschamadas estrelas fixas e uma esfera paracada planeta, todas concêntricas emrelação à terra. Deve-se recordar que“planeta” (deriva de  planomai, cujosentido é “vou errante”) significa “estrelaerrante”, ou seja, estrela que apresentamovimentos complexos e aparentementenão regulares (de onde o nome,precisamente).

Platão já compreendera que uma sóesfera para cada um era insuficiente paraexplicar o movimento dos planetas.

Seu contemporâneo Eudóxio de Cnido

(viveu aproximadamente entre 408-355a.C.), que foi o cientista mais ilustre quese hospedou na Academia, procurou asolução para o problema. Mantendofirmemente a hipótese do movimentocircular perfeito das esferas que guiam osplanetas, era preciso explicar quantasesferas seriam necessárias para dar contade suas aparentes anomalias (suaaparente aproximação regular ou seudeslocamento para a direita e para aesquerda, segundo a latitude). A hipótesede Eudóxio, de caráter geométrico, foirealmente muito engenhosa: para explicar

“ ”

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Sexta pãrte - y\s e-scolas filosóficas da era helenística

 planetas número das esferas número das esferas número das esferas

segundo Eudóxio segundo Calipo segundo Aristóteles

SATURNO 4 (+0) 4 (+3) 7 JÚPITER 4 (+0) 4 (+3) 7

MARTE 4 (+1) 5 (+4) 9

VÊNUS 4 (+D 5 (+4) 9

MERCÚRIO 4 (+1) 5 (+4) 9

SOL 3 (+2) 5 (+4) 9

LUA 3 (+2) 5 (+0) 5

 Total 26 (+7) 33 (+22) 55

deriam dar como resultado os deslocamen-tos dos astros que nós observamos.

Ao todo, portanto, Eudóxio supôs vin-te e seis esferas. Não se preocupou com asrelações das esferas motrizes de cadaplaneta com as do planeta seguinte, nemcom as eventuais influências de umassobre as outras. Talvez pensasse ocomplexo sistema como hipótesegeométrico-matemática, não fisicizando asesferas.

Seu discípulo Calipo considerounecessário aumentar o número das esferas

em sete, transformando-as em trinta etrês. Por seu turno, introduzindo oelemento celeste do éter, Aristótelesfisicisou o sistema, tendoconseqüentemente de introduzir esferasreativas, com movimento refluente,destinadas a neutralizar o efeito dasesferas do planeta superior sobre a esferado planeta inferior. E constata-se queessas esferas com movimento refluentesão tantas quantas as esferas dosmovimentos supostos necessários paracada planeta, menos uma. Obteve-se,assim, um número de cinqüenta e cincoesferas. Eis um quadro sinótico que ilustraos sistemas astronômicos de Eudóxio, Cali-po e Aristóteles.

Uma tentativa verdadeiramente novae original foi feita por Heráclides do Ponto,contemporâneo de Eudóxio, que supôs que“a terra situa-se no centro e gira”,“enquanto que o céu está parado”.Segundo um testemunho antigo (de resto,não completamente seguro), Heráclidessupôs também, para explicar algunsfenômenos que a hipótese de Eudóxio nãoexplicava, que Vênus e Mercúrio girassem

circularmente em torno do sol que, por seu

 jAWsta^co de Samos,o ^íSopérnico antigo”: suasteses e as razões queobstaculizaram seu sucesso

Foi na primeira metade do séc. III (e,portanto, na era helenística de que nos es-tamos ocupando) que se teve a tentativamais revolucionária da antiguidade, porobra de Aristarco de Samos, chamado “oCopérnico antigo”. Como registraArquimedes, ele supôs “que as estrelasfixas são imutáveis e que a terra gira em

torno do sol, descrevendo um círculo”.Como se vê, Aristarco retoma a idéia deHeráclides do Ponto, mas vai mais além,sustentando que o sol é o centro em tornodo qual giram todos os astros. Pareceque ele concebia a idéia de um cosmoinfinito. Com efeito, dizia que a esfera dasestrelas fixas, que tem como centro opróprio centro do sol, era tão grande que ocírculo segundo o qual a terra se moviaestava a tal distância das estrelas fixas“como o centro de uma esfera está para asua superfície”. O que significa,precisamente, uma distância infinita.

Um único astrônomo seguiu a tese deAristarco: Seleuco de Selêucia (que teveseu auge em torno de 150 a.C.) Aocontrário, Apolônio de Perga, o grandematemático de que já falamos, e sobretudoHiparco de Ni- céia, reprovaram a tese ereimpuseram o geo- centrismo, que resistiuaté Copérnico.

As razões que obstaculizaram o suces-so da tese heliocêntrica são numerosas:

a) a oposição religiosa;b) a oposição das seitas filosóficas, in-

clusive as helenísticas;

c) a deformidade em relação ao senso

Capítulo décimo terceiro - Os desevolvimen+os e as conquistas

d) alguns fenômenos que pareciampermanecer inexplicados.

Bastava eliminar as complicações

criadas por Eudóxio com a multiplicação donúmero de esferas através da formulaçãode novas hipóteses que, embora mantendoa construção geocêntrica geral e as órbitascir- culares dos planetas, podiam muitobem “salvar os fenômenos”, como então sedizia, ou seja, explicar aquilo que aparecepara a visão e a experiência. Essashipóteses se reduzem a duas, muitoimportantes:

1) a dos “epiciclos” (em certa medida já antecipada por Heráclides);

2)a dos “excêntricos”.

1) A hipótese dos “epiciclos”, como jáacenamos, consistia em admitir que os pla-netas giravam em torno do sol, que, porseu turno, girava em torno da terra.

2) A hipótese do “excêntrico” consis-tia em admitir órbitas circulares em tornoda terra com um centro não coincidentecom o centro da terra, sendo, portanto,“excêntrico” em relação a esta.

na •Hiparco de AJicéiae os consensos por ele ob+id os

Hiparco de Nicéia, no auge por voltade meados do séc. II d.C., deu a explicaçãomais convincente, para a mentalidade daépoca, sobre os movimentos dos astroscom base nessas hipóteses. A distânciadiversa do sol e da terra e as estações, porexemplo, são facilmente explicáveissupondo-se que o sol gira segundo umaórbita excêntrica em relação à terra. Comhábeis combinações das duas hipóteses,ele conseguiu dar conta de todos osfenômenos celestes. Desse modo, ogeocentrismo foi salvo e, ao mesmo tem-po, nenhum fenômeno celeste parecia ficar

sem explicação.E assim que Plínio louva o nosso as-trônomo: “O próprio Hiparco, que nuncaserá suficientemente elogiado, já que nin-guém mais do que ele mostrou que o ho-mem tem afinidade com os astros e quenossas almas são parte do céu, descobriuuma estrela nova e diferente que nasceuna sua época. E, constatando que o lugarem que ela refulgia se deslocava,questionou-se se isso não deveriaacontecer com mais freqüência e se asestrelas que nós consideramos fixastambém não se moveriam: conse-

 

que seria árdua até mesmo para um deus,a de contar as estrelas para os pósteros e catalogar os astros, mediante

instrumentos por ele inventados, pelosquais podia indicar suas posições egrandezas, de modo que se pudessefacilmente reconhecer daqui não apenasse as estrelas morriam e nasciam, mastambém se alguma se deslocava ou se mo-via, crescia ou diminuía. E assim deixou océu como herança para todos oshomens, para o caso de que seencontrasse um homem que estivesse emcondições de recolher sua herança.”

E como herança deixou um catálogo

gQjg O apogeu da medicina

kelenística com Êrófilo e

Êrasísteato e sua involução

posterior

No Museu de Alexandria, na primeirametade do séc. III a.C., realizaram-se pes-quisas de anatomia e fisiologia muito im-portantes, sobretudo pelos médicos Erófilode Calcedônia e Erasístrato de Júlida. A

possibilidade de dedicar-se à pesquisavoltada para o puro incremento do saber,a aparelhagem posta à disposição peloMuseu e a proteção de Ptolomeu Filadelfo,que permitiu a dissecação de cadáveres,fizeram com que tais ciências realizassemnotáveis progressos. E certo que Erófilo eErasístrato chegaram até a realizaroperações de vivissec- ção em algunsmalfeitores (com permissão real),suscitando muito alvoroço.

A Erófilo devem-se muitasdescobertas no âmbito da anatomiadescritiva (algumas ainda levam seunome). Ele superou definitivamente aconcepção de que o órgão central doorganismo vivo fosse o coração, de-monstrando que, ao contrário, era océrebro. Conseguiu também estabelecer adistinção entre nervos sensores e nervosmotores. Retomando uma idéia de seumestre Praxá- goras, Erófilo estudou aspulsações e indicou seu valor diagnóstico.Por fim, retomou a doutrina dos humores,de gênese hipo- crática.

Erasístrato distinguiu as artérias dasveias e sustentou que as primeiras contêm

o ar, ao passo que as se undas contêm o

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Sextã pãVtB - ;As escolas filosóficas da era kelenís+ica

explicaram o equívoco, esclarecendo que:a) com a denominação de “artéria”, osgregos indicavam também a traquéia e os

brônquios e b) que nos animais mortos(que eram seccio- nados) o sangue passadas artérias para as veias. As suasexplicações fisiológicas adotaram critériosinspirados no mecanicismo (especialmentede Estratão de Lâmpsaco). Toda adigestão, por exemplo, era explicada emfunção da mecânica dos músculos, ao pas-so que a absorção do alimento por partedos tecidos explicava-se com o princípioque passou para a história como princípiodo horror vacui, segundo o qual anatureza tende a preencher todo vazio.

Esse momento de glória, porém, não

durou muito tempo. Filino de Cós, discípulode Erófilo, se afastou do mestre e, prova-velmente sob a influência do Ceticismo,abriu caminho para a Escola que seria cha-mada dos Médicos empíricos, que rejeita-vam o momento teorético da medicina,confiando unicamente na experiência.Serapião de Alexandria consolidou essaorientação, que teve longa história atéque, já na era cristã, fundiu-se com oNeoceticismo, por obra de Menódoto. Porfim, devemos recordar que a doutrina deErasístrato, segundo a qual nas artérias

circula ar, constitui um antecedente damedicina que, sobretudo por influência daEstoá, daria muito relevo ao  pneuma,fluido vital de natureza aérea ue

ca). Mas teremos oportunidade de exami-nar a formulação mais sofisticada dessadoutrina, sintetizada com a tradicional

doutrina humoral, quando falarmos de

;A geografia; Eratóstenes

A geogradia encontrou sua sistemati-zação na obra de Eratóstenes. Em 246 a.C.ele foi chamado pelo rei Ptolomeu II aAlexandria como diretor da Biblioteca, con-forme recordamos, e foi amigo deArquimedes. Era versado em muitoscampos do saber, mas não a ponto deimpor-se de modo peremptório. Seu mérito

histórico foi o de ter aplicado amatemática à geografia e o de teresboçado o primeiro mapa do mundoseguindo o critério dos meridianos e dosparalelos.

Baseando-se em cálculosengenhosos, fundamentados e comcorreção metodológica, Eratóstenestambém conseguiu calcular as dimensõesda terra. O resultado por ele obtido foi de252 mil estádios (aproximadamente39.960 quilômetros). Na antiguidade, ovalor do estádio não era uniforme. Mas, seé verdade que o estádio adotado porEratóstenes eqüivalia a 157,5 metros,então a cifra que daí resulta é apenas pou-cas dezenas de quilômetros inferior à que

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Capítulo décimo terceiro - Os d esevolvimen+os e as concjwis+as

II I. íSonclusões

sobre a ciência Kde.nística

• Em uma avaliação complexiva da ciência helenística salta aos olhos o cará-ter especializado que ela assumiu, bem como sua autonomia tanto em relação àreligião como em relação com a filosofia, autonomia que lhe adveio sobretudo apartir da sua origem aristotélico-peripaté- características tica. Mas a independênciada filosofia vale apenas quanto ao da ciência objeto de pesquisa (que no caso daciência é parcial e específi- helenística co, e no caso da filosofia é universal e geral),e não quanto à -> §1-2 intenção que permaneceu contemplativa, isto é, teorética.

como camtei* peculiar

da ciência kelenís+ica

Como nos mostra a exposição da ciên-cia helenística em seus diversos setores,encontramo-nos diante de um fenômenoem larga medida novo, tanto na qualidadecomo na intensidade.

Os historiadores da ciência

destacaram bem que o aspecto que defineo fenômeno está no conceito deespecialização. O saber se diferencia emsuas “partes” e procura se definir de modoautônomo em cada uma dessas partes, ouseja, com lógica própria e não comosimples aplicação da lógica do todo em queas partes se inserem.

Segundo o modo comum de entenderesse fenômeno, essa especializaçãopressupõe dupla libertação: a) da religiãotradicional ou de um tipo de mentalidadereligiosa que defende certos limites, em

determinados âmbitos, comointransponíveis; b) da filosofia e seusrespectivos dogmas.

Ora, isso é indubitavelmenteverdadeiro, mas é necessário precisaralgumas coisas.

a) E inegável a liberdade religiosa deque os pensadores sempre gozaram naGrécia. Deve-se reconhecer, porém, que adissecação de cadáveres e a vivissecçãohumana teriam sido impossíveis emAtenas, só se tornando possíveis pelaproteção dos Ptolo- meus e em umambiente como Alexandria, sem

reconceitos e aradoxalmente situado em

não terá sido antes uma concessão total àcuriosidade do cientista? Para o cientista,o criminoso já não é um homem?).

b) A independência em relação à filo-sofia também é verdadeira, mas não deveser exagerada; ao contrário, deve serredimen- sionada. Como vimos, ossistemas helenís- ticos são os maisdogmáticos que o mundo antigoconheceu. Não menos que a Estoá, Epi-curo sustentava que o sábio deve ter “dog-mas” e que esses dogmas são intocáveis.

O fato de Atenas ter permanecido comocapital da filosofia e Alexandria ter-setornado a capital da ciência, com a grandedistância que havia entre as duas cidades,colocou a ciência alexandrina ao abrigodaqueles dogmas e deixou-a livre para sedesenvolver.

Entretanto, nunca será demais insistirno fato de que foram os Peripatéticos,como Demétrio de Falera e Estratão deLâmpsaco, que projetaram para Alexandriauma organização que reproduzisse oPerípato em grande escala. E comoDemétrio fora discípulo de Teofrasto, ocientista do Perípato, não se deve portantoexagerar a cisão destacada por muitos. Deresto, o próprio Aristóteles deu provas desaber conduzir pesquisas com métodoempírico rigoroso (na História dosanimais ou na sua Coletânea dasconstituições), pesquisas que Teofrastocontinuou na botânica, de modo que apesquisa especializada alexandrina temseus antecedentes precisamente noPerípato. Em linhas gerais, poderíamosdizer que avesso a pesquisasespecializadas era o novo espírito das

novas Escolas helenísticas mas não o

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Sextã parte - y\s escolas filosóficas da era Kelenística

cia nesse momento foi a especialização,perseguida sem a necessidade de elabora-ção de uma base filosófica; ao contrário,pondo explicitamente essa base entre pa-rênteses.

■1» ° espírito teóricoda ciência greco-keJenística

 Todavia, há outro ponto importante adestacar. A ciência especializada deAlexandria não apenas se libertou dospreconceitos religiosos e dos dogmas

filosóficos, mas pretendeu assumiridentidade autônoma própria também emrelação à “técnica”, com a qual, ao invés,se fôssemos julgar com a mentalidade dehoje, pareceria natural estabelecer umaaliança.

A ciência helenística desenvolveu oaspecto teórico das ciências particulares,mas apenas isso, desprezando o momentoaplica- tivo-técnico em sentido moderno. Amentalidade tecnológica é o que de maisdistante se possa pensar da ciência antiga.Costuma- se citar a atitude de Arquimedes

em relação às suas próprias descobertasno campo da mecânica, que eleinterpretava, se não como distração,certamente como momento marginal desua verdadeira atividade, que era a dematemático puro.

Muita gente se perguntou o porquêdesse fato que hoje nos parece tão pouconatural. No mais das vezes, buscou-se aresposta nas condições socioeconômicasdo mundo antigo: o escravo estava nolugar da máquina, razão pela qual o senhornão tinha necessidade de aparelhosespeciais para evitar esforços ou resolver

problemas práticos. Ademais, comosomente uma minoria se beneficiava dobem-estar, não havia necessidade dedesfrute intensivo, nem da produçãoagrícola nem da artesanal. Em suma: aescravidão e a discriminação social seriam

sito, recorde-se a distinção de Varrãoentre três tipos de instrumentos:

a) os “falantes” (os escravos);b) os “falantes pela metade” (os

bois);c) os “mudos” (os instrumentos

mecânicos).Aristóteles chegara até a teorizar

isso: “nas técnicas o operário está nacategoria dos instrumentos”, e “o escravoé uma propriedade animada e todooperário é como um instrumento, queprecede e condiciona os outrosinstrumentos”. Tudo isso, sem dúvida, éfundamental para explicar os fenômenosque estamos estudando.

O ponto chave, porém, é outro: aciência helenística foi o que foi porque,embora mudando o objeto dainvestigação em relação à filosofia(concentrando-se nas “partes” ao invés deno “todo”), manteve o espírito da velhafilosofia, o espírito “contemplativo” queos gregos chamavam de “teorético”.

O espírito do velho Tales, que, comose conta, caiu no fosso enquantocaminhava a contemplar o céu, e quePlatão apresentava como símbolo do maisautêntico espírito teorético, encontra-seinteiramente em Arquimedes, naquela suaadvertência superior: “Noli turbarecirculos meos”, dirigida ao soldadoromano que estava para matá-lo, bemcomo naquele seu entusiasmado“éureka!”. Encontra-se também naquelahistorieta segundo a qual Euclides, instadopor alguém a explicar-lhe para que serviaa sua geometria, como resposta deu-lhedinheiro, uma espécie de esmola, como sedá a um mendigo. E o próprio Ptolomeuapresentará sua astronomia como averdadeira ciência no sentido da antigafilosofia, ao passo que Galeno dirá que,

para ser tal, o ótimo médico deverá serfilósofo.

Em suma, a ciência grega foi animadaprecisamente por aquela força “teorético-contemplativa”, ou seja, aquela força queimpelia a considerar as coisas visíveis

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OS ÚLTIMOSDESENVOLVIMENTOSDA FILOSOFIA PAGÃANTIGA

■ As Escolas na era imperial

■ Plotino e o Neoplatonismoe os últimosdesenvolvimentos da

“O anseio do homem deveria tendernão apenas a manter-se sem culpa,mas a ser Deus.”

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Capítulo décimo quarto

O Neo-estoicismo: Sêneca, Epicteto e Marco Aurélio

Capítulo décimo quinto

Neoceticismo, Neo-aristotelismo,Médio-platonismo, Neopitagorismo, o “Corpus

Hermeticum” e os “Oráculos Caldeus”

Capítulo décimo sexto

Plotino e o Neoplatonismo

32

339

Capítulo décimo sétimo

A ciência antiga na era imperial 373

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Capítulo décimo quanto

O 7\)eo-es+oicismo: Sêneca/ Êpicteto

e ]\Aa.^<zo ^urêlio

I. {Samcfensticas do 7\)eo-es+oicismo

• A filosofia estóica encontrou terreno fértil em Roma. Os romanos tinhaminteresse especial pelos problemas éticos, e o modo específico com que os Estóicosos apresentavam estimulava de modo particular sua sensibilidade.

Características Em Roma, porém, o Estoicismo absorveu tambémelemen- do Estoicismo tos do Platonismo, forte tensão espiritualista e profundoalen- romano to religioso.

üjmcteHsticas gerais do

Estoicismo romano

O último grande florescimento da fi-losofia do Pórtico deu-se em Roma, ondeassumiu características peculiares eespecíficas, tanto que os historiadores dafilosofia utilizam unanimemente o termo“Neo-estoicis- mo” para designá-lo.

A propósito, deve-se observar que oEstoicismo foi a filosofia que, em Roma,sempre teve maior número de seguidorese admiradores, tanto no períodorepublicano como no período imperial.Aliás, o desaparecimento da República,com a conseqüente perda de liberdade docidadão, fortaleceu notavelmente nos

espíritos mais sensíveis o interesse pelosestudos em geral e pela filosofia estóicaem particular.

Ora, precisamente as característicasgerais do espírito romano, que só sentiacomo verdadeiramente essenciais osproblemas práticos e não os puramenteteoréticos, juntamente com ascaracterísticas particulares do momentohistórico de que falamos, é que nospermitem explicar com facilidade a cur-vatura especial sofrida pela problemáticada última época da Estoá.

a) Em primeiro lugar, o interesse pela

na Estoá romana da época imperial e, emalguns pensadores, quase exclusivo.

b) O interesse pelos problemaslógicos e físicos reduziu-seconsideravelmente e a própria teologia,que era uma parte da física, assumiucolorações que podemos qualificar pelomenos de exigencialmente espiritualistas.

c)Reduzidos consideravelmente oslaços com o Estado e com a sociedade, oindivíduo passou a buscar a própriaperfeição na in~ terioridade daconsciência, criando assim um climaintimista, nunca encontrado até então nafilosofia, pelo menos nessa medida.

d) Irrompeu forte sentimentoreligioso, transformando de modo bastanteacentuado a têmpera espiritual da velha

Estoá. Mais ainda: nos escritos dos novosEstóicos encontramos inclusive uma sériede preceitos que lembram preceitosevangélicos paralelos, como o parentescocomum de todos os homens com Deus, afraternidade universal, a necessidade doperdão, o amor ao próximo e até o amorpor aqueles que nos fazem mal.

e) O platonismo, que já exerceracerta influência sobre Possidônio, inspirounão poucas páginas dos estóicos romanos,com suas novas características “médio-platônicas”. Em especial, merece relevo ofato de que o conceito de filosofia e de

“ ”

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Sétima parte - Os úl+imos deserwolvime^fos da filosofia paga a^+iga

II. s eKveca

•Sêneca (falecido em 65 d.C.) oscilou constantemente entre o naturalismo daEstoá e o dualismo platônico, sustentado por sincero sentimento religioso. Toda-via, Sêneca não soube dar fundamento filosófico a estas últimas instâncias, nem

em âmbito teológico (sua representação de Deus oscila entre opersonalismo e o panteísmo), nem antropológico (a alma é con-siderada superior ao corpo, mas acaba por ser da mesma subs-tância do corpo).

Do ponto de vista ético Sêneca introduz duas grandes no-vidades na doutrina estóica: o conceito de "consciência" (cons-ciência originária do bem e do mal) e o de "vontade", ao qualse liga agudo senso do pecado e da culpa.

Sobretudo o conceito de vontade em Sêneca é de grande importância, porque

põe em evidência uma faculdade distinta da razão, em parte superando ointelectualismo ético dos gregos, ou seja, a convicção de que basta conhecer o bempara praticá-lo.

Quanto ao agir humano, Sêneca deu grande importância à dimensão moralinterior, e negou qualquer valor às diferenças sociais e políticas dos homens: todosos homens são iguais enquanto tais. Não há filósofo estóico que, mais do que ele,tenha-se oposto à instituição da escravidão e exaltado o amor e a fraternidadeentre os homens.

necaen rena urasmoes coe

Sêneca,en+re nafumlistno

es+óico e dualismo

Lúcio Aneu Sêneca nasceu em Córdo-ba, na Espanha, entre o fim da era pagã eo princípio da era cristã. Em Roma,participou ativamente e com sucesso davida política. Condenado por Nero aosuicídio em 65 d.C., Sêneca matou-se comestóica firmeza e admirável força deespírito.

Da rica produção de Sêneca,chegaram até nós: De providentia, Deconstantia sa- pientis, De ira, Ad

Mareiam de consolatione, De vidabeata, De otio, De tranquillitate animi,De brevitate vitae, Ad Polybium deconsolatione, Ad Helviam matrem deconsolatione (esses escritos também sãoindicados pelo título geral de Dialogorumlibri).

Além desses, também nos chegaram:De clementia, De beneficiis, Naturalesquaestiones (em oito livros) e aimponente coletânea das Cartas aLucílio (124 cartas divididas em vintelivros). Também nos chegaram algumastragédias, destinadas mais à leitura do

conce pçao teoló 9 íca

Sêneca é um dos expoentes da Estoáem que mais se evidenciam a oscilaçãoem relação ao pensamento de Deus, atendência a sair do panteísmo e asinstâncias espiritualistas de que falamos,inspiradas em acentuado sopro religioso.Na verdade, em muitas passagens,Sêneca parece perfeitamente alinhadocom o dogma panteísta da Estoá: Deus éa Providência imanente, é a Razãointrínseca que plasma a matéria, é aNatureza, é o Fado. Entretanto, onde areflexão de Sêneca é mais original, ou

seja, no captar e interpretar o sentimentodo divino, seu Deus assume traços

y\ntropologia e psicologia

Um fenômeno análogo descobre-setambém na psicologia. Sêneca destaca odualismo entre alma e corpo com acentosque não raramente recordam de perto oFédon platônico. O corpo é peso, vínculo,cadeia, prisão da alma; a alma é o

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Cãpítulo décimo quãvto - CD /\)eo-es+oicismo: 5êneca, Êpic+eto e }V\at*c.o /VuV‘lio

mem, que tende a libertar-se do corpo paraalcançar sua pureza. É evidente que essas

concepções atingem as afirmações estóicasde que a alma é corpo, substânciapneumática e hálito sutil, afirmações queSêneca, no entanto, reafirma. A verdade éque, em nível intuitivo, Sêneca vai além domaterialismo estóico; depois, porém,faltando-lhe as categorias ontológicas parafundamentar e desenvolver tais intuições,as deixa suspensas no ar.

Ainda com base na análise psicológi-ca, da qual é mestre, Sêneca descobre a“consciência” (conscientia) como forçaespiritual e moral fundamental do homem,colocando-a em primeiro plano como, antesdele, ninguém fizera no âmbito da filosofiagrega e romana. A consciência é oconhecimento do bem e do mal, originárioe ineliminável. Ninguém pode esconder-sedela, porque o homem não pode esconder-se de si mesmo.

Como vimos, a Estoá insistia no fatode que a “disposição de espírito” determi-

 

conformidade com a tendência fundamen-talmente intelectualista de toda a ética

grega, essa disposição de espírito derivado “conhecimento”, que é próprio do sábioe nele se resolve. Indo além, Sêneca falaexpressamente de “vontade”. E mais: pelaprimeira vez no pensamento clássico, falada vontade como de uma faculdadedistinta do conhecimento. Nessadescoberta, Sêneca foi ajudado de mododeterminante pela língua latina: comefeito, o grego não tem um termo quecorresponda perfeitamente a volun- tas.Entretanto, não soube dar um adequadofundamento teorético a essa descoberta.

Outro traço diferencia Sêneca da anti-ga Estoá, bem como da totalidade dos filó-sofos gregos: o acentuado sentido depecado e de culpa de que cada homemestá maculado. O homem éestruturalmente pecador, diz nossofilósofo. E, indubitavelmente, essa é umaafirmação que se coloca em clara antíteseem relação à pretensão de perfeição que,

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328 ' •Sétima pattc - Os últimos desenvolvimentos da filosofia pagã antiga

alguém nunca pecasse, não seria homem;o próprio sábio, enquanto permanece

homem, não pode deixar de pecar, g

y\ fraternidade universal

No âmbito da Estoá, Sêneca talvez te-nha sido o pensador que mais acentuada-mente contrariou a instituição daescravidãoe as distinções sociais: o verdadeiro valor ea verdadeira nobreza são dados somentepela virtude, que está indistintamente à

dis-posição de todos, pois exige unicamente o“homem nu”.

A nobreza e a escravidão socialdependem da sorte; todos incluem servos enobres entre seus mais antigosantepassados; na origem, todos os homenseram inteiramente iguais. A única nobrezaque tem sentido é a que o homem constróipara si na dimensão do espírito. E eis anorma que Sêneca propõe para regular omodo como o senhor deve se comportarem relação ao escravo e o superior em

relação ao inferior: “Comporta-te com osinferiores como gostarias que secomportassem contigo aqueles que te sãosuperiores.” Trata-se de máxima que seaproxima bastante do espírito evangélico.

No que se refere às relações entre oshomens em geral, Sêneca põe como funda-mento a fraternidade e o amor. Apassagem seguinte expressa seupensamento de modo paradigmático: “Anatureza nos produz como irmãos,gerando-nos dos mesmos elementos edestinando-nos aos mesmos fins. Elainseriu em nós um sentimento de amor

recíproco, com que nos fez sociáveis, deu àvida uma lei de eqüidade e justiça eestabeleceu, segundo os princípios ideaisde sua lei, que é coisa mais mísera ofenderque ser ofendido. Ela ordena que nossas

# Vontade. Foi sobretudoSêneca que trouxe para oprimeiro plano esteconceito, do qual osfilósofos gregos não têmcorrespondente exato.Max Pohlenz, um dosmaiores conhecedores doEstoicismo, fornece a melhorexplicação: "A vontade tempara os gregos umsignificado diferente e muitomais restrito que para nós,de modo a passar não só emSócrates, mas em toda afilosofia grega, abso-lutamente em segundoplano. [...] Dizendo 'vontade'pensamos em umaunç o ps qu cagua men e s n ao n e ec o e o

sen men o, e a sentimosindependente também doobjeto para o qual dirige-se.Falamos, por exemplo, de'força de vontade' e de'homem volitivo', sem darqualquer indicação dadireção dessa vontade. Em

absoluto esta palavraescapa de uma tradução emgrego. [...] De um quererparticular, independente do

verso: ‘Sou homem e não considero estra-nho a mim nada do que é humano.’ Tenha-mos sempre presente esse conceito de quenascemos para viver em sociedade. E

nossa sociedade humana é precisamentesemelhante a um arco de pedras que nãocai justamente porque as pedras, opondo-se umas às outras, sustentam-sereciprocamente e, assim, sustentam o

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Cãpítulo décimo C[UãYtO - CD /SJeo-esfoicismo: .Sêneca, íSpic+e+o e  ]Aa.v-c.o y\urélio

III. (Sp ic+eto

•A moral de Epicteto se fundamenta substancialmente sobre dois conceitos: ode diáiresis e o de proáiresis.

A diáiresis é o princípio segundo o qual as coisas são distintas em duasclasses: as que "não dependem de nós" (opiniões, desejos, impulsos, repulsões).

A proáiresis é uma escolha originária, que se segue a esta divisão, e queimpõe o caráter moral ao homem. Com a Os princípios proáiresis, com efeito,o homem pode escolher ou as coisas que da “diáiresis" não dependem denós, ou então as que dependem de nós. No e da "proáiresis" primeiro caso,cairá à mercê das próprias coisas, dos eventos e § 1 dos outros homens, e perderásua liberdade, será vítima de toda uma série de sofrimentos e perturbações e,portanto, será infeliz. Se, ao contrário, com a proáiresis escolherá as coisas quedependem de nós, terá apenas vantagens, eliminando toda fonte de dor e de

sofrimento e, portanto, será feliz.Epicteto tem uma concepção personalista de Deus e da providência que, po-rém, como no caso de Sêneca, apresenta sem fundamento ontológico adequado.

//!•/» • // U / • > //cuar^esis e proa iresrs

Epicteto nasceu em Hierápolis, na Fri-gia, entre 50 e 60 d.C. Pouco depois de 70d.C., quando ainda era escravo, começou afreqüentar as aulas de Musônio, que lhe re-

velaram sua própria vocação para a filoso-fia. Expulso de Roma por Domiciano, jun-tamente com outros filósofos (em 88/89 ouem 92/93 d.C.), deixou a Itália, retirando-se para a cidade de Nicópolis, no Epiro,onde fundou uma escola que alcançougrande sucesso, atraindo ouvintes de todasas partes. Não se conhece a data de suamorte (alguns pensam em 138 d.C.).Querendo ater- se ao modelo socrático dofilosofar, Epicteto não escreveu nada.Felizmente, suas aulas eram freqüentadaspelo historiador Flávio Arriano, que (talvez

na segunda década do séc. II d.C.) teve afeliz idéia de pôr seus ensinamentos porescrito. Nasceram assim as Diatribes(Discursos ou Dissertações), em oitolivros, dos quais quatro chegaram até nós.Arriano também compilou um Manual (Encheiridion), extraindo das Diatribesas máximas mais significativas.

O grande princípio da filosofia deEpicteto consiste na divisão das coisas emduas classes:

a)aquelas que estão em nosso poder(ou seja, opiniões, desejos, impulsos erepulsões);

b a uelas ue não estão em nosso

vidades nossas, como, por exemplo, corpo,parentes, haveres, reputação esemelhantes).

O bem e o mal residem exclusivamen-te na classe das coisas que estão emnosso poder, precisamente porque estasdependem de nossa vontade, e não naoutra classe, porque as coisas que não

estão em nosso poder não dependem denossa vontade.

Nesse sentido, não há mais lugar paracompromissos com os “indiferentes” e comas “coisas intermediárias”. A escolha, por-tanto, é radical, peremptória e definitiva:não se pode buscar as duas classes decoisas ao mesmo tempo, porque umascomportam a perda das outras e vice-versa. Todas as dificuldades da vida e oserros que se cometem derivam de não selevar em conta essa distinçãofundamental. Quem escolhe a segunda

classe de coisas, isto é, a vida física, osbens, o corpo e seus prazeres, não só vaiao encontro de desilusões econtrariedades como também perde até aliberdade, tornando-se escravo das coisase dos homens que constituem ouconcedem os bens ou vantagens materiais.Quem, ao contrário, rejeita em bloco ascoisas que não dependem de nós e seconcentra nas coisas que dependem denós torna-se verdadeiramente livre, por-que confronta-se com atividades que sãonossas, vive a vida que quer e,conseqüentemente, alcança a satisfação

es iritual a az da alma.

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Sétima pavte - Os últimos desenvolvimentos da filosofia  pagà antÍ0a

escolha, pré-decisão) é a decisão e aescolha de fundo, que o homem faz de

uma vez para sempre e com a qual,portanto, determina o diapasão do seu sermoral, e disso dependerá tudo o que fará ecomo o fará.

Está claro que, para Epicteto, aautêntica  proháiresis coincide com aaceitação do seu grande princípio, quedistingue as coisas que estão em nossopoder das coisas que não estão em nossopoder, estabelecendo que o bem estáexclusivamente nas primeiras. Fica claroque, uma vez realizada essa “escolha defundo”, as escolhas particulares e as açõessingulares brotarão como conseqüência

dessa escolha. Assim, a “escolha de fundo”constitui a substância de nosso ser moral.Conseqüentemente, Epicteto pode muitobem afirmar: “Não és carne nem pêlo, massim escolha moral: se esta for bela, serásbelo.”

Para o leitor moderno, a “escolha defundo” poderia parecer um ato de vontade.Se assim fosse, a ética de Epicteto seriauma ética voluntarista. Mas não é assim: a proháiresis é ato de razão, juízocognoscitivo. A “ciência” socráticacontinua sendo o fundamento da

 proháiresis.Epicteto não rejeita a concepção ima-nentista própria da Estoá, mas injeta-lhefortíssima carga espiritual e religiosa.Desse modo, embora não levando a umasuperação do panteísmo materialista, osfermentos que ele introduz levam a umaposição que se encontra no limite daruptura, atingindo a doutrina da velhaEstoá em vários pontos.

Deus é inteligência, ciência, bem.Deus é providência, que não cuidasomente das coisas em geral, mas tambémde cada um de nós em particular.

Obedecer ao logos e fazer o bem,portanto, significa obedecer a Deus e fazersua vontade. Servir a Deus quer dizer,também, louvar a Deus. A liberdade coinci-de com a submissão à “vontade de Deus”.

O tema do parentesco do homem com

Com Epicteto(Hierápolis, *50/60 - Nicópolis, f 138)a Estoá demonstra que um escravopode ser filósofo.

dar adequado fundamento ontológico àsnovas instâncias que propunha. Tudo oque Epicteto nos diz sobre o homem(sobre a “escolha de fundo”) estariateoreticamente bem mais correto secolocado no âmbito de uma metafísica

dualista de tipo platônico do que posto nocampo da concepção monís- tico-materialista da Estoá. Assim, tudo o queele diz de Deus implicaria em aquisiçõesmetafísicas até mesmo mais maduras doque as alcançadas por Platão e Aristóteles

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Cãpítulo décimo CfUãYtQ - CD /SJeo-es+oicismo: .Sêneca, (Spic+e+o e ]\Aar<zo ;Au^élio

IV. J^Acxrc-o Aurál io

• Marco Aurélio (121-180 d.C.) escreveu as Recordações (ou Solilóquios),uma coletânea de reflexões cuja nota predominante é o sentido dacaducidade das coisas. O resgate desta condição se tem, no planoontológico,na concepção do Uno-Tudo que dá significado a todas as coi-  A "nulidade"sas; no plano moral é, ao invés, o sentido do dever que dá valor das coisasmoral ao viver. -> § 1

•As novidades mais conspícuas introduzidas por Marco Aurélio nadoutrina da Escola se referem à antropologia: o homem é composto decorpo, alma — que é sopro ou  pneuma — e de intelecto ou mente (ou nous),que é

superior à alma.  A antropologiaDo ponto de vista moral, o intelecto está acima de todo - * §2 evento:nada o pode atingir, a não ser o julgamento que ele pr prio formula sobre ascoisas. O verdadeiro mal para o homem est nas falsas opiniões. Com efeito,

^ulidade." das coisas

Marco Aurélio nasceu em 121 d.C. Su-biu ao trono aos quarenta, em 161, e mor-reu em 180 d.C. Sua obra filosófica, redigida

em grego, intitula-se Recordações (ou Soli-lóquios) sendo constituída por uma série demáximas, sentenças e reflexões (de “frag-mentos”, como diríamos hoje), escritas atémesmo durante suas duras campanhas mi-litares (e que não tinham por objetivo a pu-blicação).

Uma das características do pensamen-to de Marco Aurélio, a que mais impressionaos leitores de Recordações, é a insistênciacom que ele tematiza e reafirma a caducida-de das coisas, sua passagem inexorável,sua monotonia, insignificância e substancialnulidade.

Esse sentimento das coisas já seencontra decididamente distante dosentimento grego, não apenas da épocaclássica, mas também do primeirohelenismo. O mundo antigo está sedissolvendo e o cristianismo começainexoravelmente a conquistar os espíritos.Encontra-se em andamento a maiorrevolução espiritual, que começa a esvaziartodas as coisas de seu antigo significado. Eé essa reviravolta, precisamente, que dá aohomem o sentido da nulidade de tudo.

Marco Aurélio, porém, está profunda-

mente convencido de que o antigo verbo es

tóico continua em condições demostrar que as coisas e a vida, para alémde sua aparente nulidade, têm sentidopreciso.

a) No plano ontológico e cosmológico,é a visão panteísta do Uno-todo, fonte e es-

tuário de tudo, que resgata as existênciasindividuais da falta de sentido e da vaidade.

b) No plano ético e antropológico, é odever moral que dá sentido ao viver. E,nesse plano, Marco Aurélio acaba, em maisde um ponto, por refinar alguns conceitosda ética estóica a ponto de levá-los a tocarconceitos evangélicos, embora em bases di-ferentes. Aliás, Marco Aurélio não hesita eminfringir expressamente a ortodoxia estóica,sobretudo quando procura fundamentar adistinção entre o homem e as outras coisas,e a tangência do homem com os deuses.

 jjglll antropologia

Como sabemos, a Estoá distinguira ocorpo da alma no homem, dando claraproe- minência à alma. Entretanto, essadistinção nunca chegou a ser radical,porque a alma continuava como entematerial, um sopro quente, ou seja,pneuma, permanecendo portanto com a

mesma natureza ontológica do corpo.

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Sétima parte - Os úl+imos deseiavolvimeia+os da filosofia pagã an+iga

Marco Aurélio rompeu esse esquema,assumindo três princípios como constituti-

vos do homem:a) o corpo, que é carne;b) a alma, que é sopro ou pneuma;c) o intelecto ou mente (nous), superior

à própria alma.Enquanto a Estoá identificava o hege-

mônico ou princípio diretor do homem (a in-teligência) com a parte mais alta da alma,Marco Aurélio o coloca fora da alma, identifi-cando-o precisamente com o nous, ointelecto.

Com base no que dissemos, pode-seentender muito bem porque, para Marco

Aurélio, a alma intelectiva constitui nossoverdadeiro eu, o refúgio seguro para o qualdevemos nos retirar para nos defendermosde qualquer perigo e para encontrar asenergias de que necessitamos para viveruma vida digna de homens.

O hegemônico, isto é, a alma intelecti-va, que é o nosso Demônio, é invencível, se

-

nada pode dobrá-lo, nada pode golpeá-lo, nem fogo nem ferro nem violência de

qualquer espécie, se ele não o quiser.Somente o juízo que ele emite sobre ascoisas pode golpeá-lo; mas, então, nãosão as coisas que o atingem, e sim asfalsas opiniões que ele mesmo produziu. Desde que conservado reto eincorrupto, o “nous” é o refúgio que dá aohomem a paz absoluta. A velha Estoá jádestacara o vínculo comum que liga todosos homens, mas somente o Neo-estoicismoromano elevou esse vínculo ao preceito doamor. E Marco Aurélio encaminhou-se semreservas nessa direção: “E ainda é próprio

da alma racional amar o próximo, o que éverdade e humildade (...)”. Também o sentimento religioso de

Marco Aurélio vai muito mais além do que oda velha Estoá: “dar graças aos deuses dofundo do coração”, “ter sempre Deus namente”, “invocar os deuses” e “viver comos deuses” são expressões significativasque se repetem nas Recordações, prenhesde novas valências. Mas o mais significativode todos a respeito disso é o seguintepensamento: “Os deuses não podem nadaou podem alguma coisa. Se não podem, porque lhes diriges preces? Se podem, por que

não lhes súplicas que te concedam nãotemer nem desejar algumas dessas coisas ede não te amargu- rares por algumas delas,ao invés de obtê- las ou evitá-las? Porque,de qualquer forma, se eles podem ajudar oshomens, devem ajudá-los também nisso.

 Talvez digas: ‘Os deuses deram-mefaculdade para agir a esse respeito.’ Então,não é melhor que te sirvas livrementedaquilo que está em teu poder ao invés deinquietar-te servil e vilmente por aquilo quenão está em teu poder? Ademais, quem tedisse que os deuses não nos coadju- vam

também naquilo que está em nosso poder?Começa a suplicar-lhes nesse sentido everás.”

Com Marco Aurélio, o estoicismo semdúvida alcançou seu mais alto triunfo, nosentido de que, como já se observou justa-mente, “um imperador, o soberano de todoo mundo conhecido, professou-se estóico eagiu como estóico” (M. Pohlenz). Mas, logodepois de Marco Aurélio, o estoicismo ini-ciou seu declínio fatal: poucas gerações de-pois, no séc. III d.C., desapareceu como cor-

 

Miirco Attrclio ( 1 2I - í HO) c   j última (Lisi^iwnícs fi^unis da l-.stoá.

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, , . wCãpítulo dccifflO C[UãYtO - O AJeo-es+oicismo: Sêneca, Epicteto e ^/\a**co jAurêtío --------------------

Sêneca

ÜHDeus está próximo

de ti, está contigo, está dentro de

ti

Nos momentos de introspecçõo e de :análise psicológica, Sêneca descobre um \Deus bem diferente do estóico: é um Deus \que assume traços pessoais e espirituais,  j

que tem com o homem individual, em parti-' cular com o homem bom, uma ligaçãoestrei- ; tíssima, que ouve sua prece, que o

auxilia. '■ O homem virtuoso, de resto, temem si algo ; de divino, que se manifesta emum compor- : tamento que imita o de Deuse que suscita .| nos outros homens um sentimento devene-'| ração.....■ ..... . :

fozes algo ótimo e salutar a ti, se,como escreves, persistes em tenderásabedoria, que é tolice pedir aos deuses,dado que podes obtê-la por ti mesmo. Nõo é

preciso levantar as mãos ao céu nemimplorar ao guarda do templo que nos deixeaproximar da orelha da estátua, como seassim pudéssemos contar com melhoraudição: Deus está próximo de ti, estácontigo, está dentro de ti. Quero dizer,Lucílio, em nós habita um espírito sagrado,que observa e controla nossas ações boas 0más; conforme nós o tratamos, assimtambém ele nos trata. Na verdade, nenhumhomem pode ser virtuoso sem Deus: poderiaalguma coisa erguer-se acima da sorte semser ajudado por ele? Cie nos inspiroprincípios nobres e elevados. Cm todohomem virtuoso habita um Deus (nãosabemos qual). Se te encontrares diante deum bosque espesso de árvores seculares eque superam a altura costumeira, que tira avisão do céu com a extensão dos galhosque, entrelaçando-se, cobrem-se um aooutro, a altura d0smesurada da selva e asolidão do lugar e a maravilha que suscitauma sombra tão espessa 0 ininterrupta emum espaço aberto, te conv0nc0rão de queexiste um Deus. Se um antro não produzidoartificialmente pela mão do homem, maselaborado com tanta amplitude por causas

naturais, mantém como que suspenso sobrerochas profundamente erodi- das um monte,certo sentido de reli iosa venera ão atin irá

centes dos grandes rios; lá onde daprofundidade irrompe com ímpeto e de

repente um vasto rio, elevam-se altares; asfontes de águas termais são objeto de culto,0 a cor escura ou a profundidadedesmesurada tornaram sagrados certoslagos. Se vires um homem impávido diantedos perigos, purificado dos paixões, serenoentre as adversidades, calmo 0m meio àstempestades, que olha os homens do alto eos deuses face a face, não serás tomado porum sentimento de veneração para com ele?Nõo dirás: "Há algo de demasiado grande edemasiado elevado, para quo se possaconsiderar semelhante ao pequeno corpoem que se encontra?" Uma força divina nele

desceu; uma potência celeste guia esteânimo superior, extraordinário, moderado,que passa sobre todas as coisas, conscienteda sua insignificância, que ri d0 nossostemores e de nossos desejos. Nõo pode umser tão grande permanecer firme sem oauxílio de um Deus; por isso, com a maiorparte de si, ©ncontra-s© lá, de ondedesceu. Como os raios do sol que tocam aterra, mas permanecem lá, de ond©emanaram, também este ânimo grande esagrado, descido no corpo para queconhecêssemos mais de perto [certosaspectos] da divindade, habita conosco,mas permanece ligado à sua origem: deladepende, para ela olha e anela, e está nomeio de nós, mas como um ser melhor.

 

fí consciência é o juiz denossas culpas

, De toda ação nossa somos chamados ; aprestar contas, mesmo que não diante doshomens, mas, em todo caso, diante de nós ,mesmos, fíinda que consigamos manter es-í condidas dos outros nossas culpas, nempor : isso podemos ficar tranqüilos: o juizmais : implacável está, de fato, dentro denós, e dele nada podemos esconder.Nenhum delito permanece, portanto,impune, porque a consciência da culpaatormento quem a cometeu e não o deixaem paz, fazendo-o viver constantemente naansiedade e no medo.

De resto, saibas que no fundo também

nos espíritos mais depravados existe o sen-so do bem, e que não ignoram o que é o

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Sétima parte - Os últimos desenvolvimentos da filosofia pagã antiga

mas nõo dão atenção a ele; todos dissimu-lam suas culpas e, embora estas tenham

tido final feliz, eles gozam seus frutos, masprocurando mantê-las escondidas, flconsciência reta, ao contrário, quer mostrar-se e fazer-se notar: a maldade teme até astrevas. Por isso, parece-me que €picurotenha dito com fineza: "fl um delinqüentepode acontecer permanecer escondido, masnõo pode ter certeza disso", ou então, se

 julgas que o significado torne-se mais clarodeste modo: “Aos culpados nõo adiantapermanecer escondidos, porque, mesmoque tenham a sorte de permanecerescondidos, nõo têm certeza disso", é o se-guinte: quem comete um delito pode estarimune de perigos, [mas nõo dos temores].Nõo creio que este pensamento, explicadoassim, esteja em contraste com os princípiosde nossa escola. Por quê? Porque a primeirae a mois grave punição dos culpadosconsiste no fato de ter cometido.o culpa, enenhum delito, por mais que a sorte oadorne com seus dons, o proteja e odefenda, permanece impune, pois a pena dodelito está no próprio delito. Não bastasseisso, a esta pena seguem logo outras: o terconstantemente medo, o espantar- se e onão crer na própria segurança. Por que

libertar a maldade deste tormento? Por quenão deixá-la continuamente abalada? Nãoestamos de acordo com €picuro quando dizque nada é justo por natureza e que os deli-tos devem ser evitados porque não se podeevitar o medo: admitamos com ele que asmás ações são torturadas pela consciência,e que seu tormento é a ânsia contínua que aincomoda e molesta e o não poder confiarem quem lhe garante a tranqüilidade.Exatamente esta, com efeito, €picuro, é aprova de que nós, por natureza, detestamoso delito: todos têm medo, mesmo queestejam em segurança. fl sorte subtraimuitos ao sofrimento, ninguém ao medo. €por que, a não ser porque está enraizada emnós a aversão por aquilo que a naturezacondenou? Por isso, também os que estãoescondidos jamais têm certeza de assimpermanecer, porque a consciência os inculpae os denuncia a si mesmos. Mas estarconstantemente em ansiedade é próprio dosculpados. Uma vez que muitos delitos fogemà lei, aos juizes e às penas sancionados pelalei, seria grande mal para nós se tais delitosnõo fossem imediatamente castigados comos duras punições infligidas pela natureza, e

o medo nõo substituísse o sofrimento deuma pena.

O belo sonho do

imortalidade doolmo

€m Sêneca é Fortíssimo o desejo decrer em uma sobrevivência eterna da almadepois : da morte. Fl ontologia estóica nãolhe permi- : te, porém, Fundamentarracionalmente tal: tese, que ele apresenta,portanto, como um "belo sonho”, ao qual éagradável abandonar-se. Fl vida terrenaaparece, em tal perspectiva, como Fasetransitória, espécie de ' gestação que nos

prepara para a verdadeira vida, a que teminício com a morte e a libertação da almaem relação ao corpo que : o mantinha

Através desta vida mortal, somospreparados para aquela outra vida, melhore mais longa. Como o útero materno noscontém por nove meses e nos prepara nãopara si, mas pora aquele lugar em quesomos mandados já capazes de respirar ede resistir ao ar livre, também através desteperíodo que se estende da infância à velhice

amadurecemos para outro parto. Outronascimento nos espera, outra condição. Nãopodemos ainda suportar a visão do céu, Q nõo ser de longe. Por isso, olha intrépidopara aquela hora decisiva: é a última, nãopara a alma, mas para o corpo. Olho tudoisso que está ao teu redor como a mobíliade um lugar onde és hóspede: é precisopassar além. fl natureza despoja quem saida vida como quem entra. Nõo podes levarembora mais do que trouxeste nascendo; aocontrário, é preciso deixar também grandeparte daquilo que corregaste pela vida: ser-te-á tirado o invólucro mais externo que te

envolve, a pele; ser-te- á tirada a carne e osangue que corre e circula por todo ocorpo,- ser-te-õo tirados os ossos e osmúsculos, que sustentam as partes moles elíquidas. €ste dia que temes como o último éo do nascimento para a eternidade. Depõe opeso: por que temporizas, como se antesnão tivesses saído, deixando o corpo emque estavas escondido? Tu te manténsagarrado, ofereces resistência: tambémentão foste expulso com grande esforço porparte de tua mõe. Gemes, te lamentas:também este choro é próprio de quem estánascendo, mas entõo era preciso perdoá-lo:

tinhas vindo ao mundo ignorante einexperiente. Saído do quente e macio refú-

 

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Cãpítulo d6CÍ 1tlO C[UãrtO - CD /VJeo-estoicismo: Sêrveca/ Epicteto e J^Aartzo /\(-u‘élio

duro, e, ainda tenro e absolutamente semexperiência, ficaste atônito no meio de

coisas desconhecidas, mas agora, aocontrário, para ti não 0 coisa nova S0rS0parado daguilo de que antes fizeste parte;abandona serenamente estes membrosdoravante inúteis e deixa este corpo porlongo tempo habitado. Será dilacerado,sepultado, destruído: por que te entristeces?Acontece sempre assim: perde-s0 o invó-lucro que envolve quem nasce. Por queamas estas coisas como se fossem tuas?Apenas te recobriram: chegará o dia que teseparará à força e te arrancará daconvivência com este repelente e fétidoventre.

y Imitemos os deuses # ecomportcmo-nos *com todos os homenscomo com irmãos

Rssim como os deuses se comportamem reloçõo o nós, também nós devemosnos comportar nos relações com nossos se-

melhantes. Isto significa nõo só que nõodevemos fazer o mal, mas também que de-vemos fazer o bem, oté àqueles que nosfazem mal. Descendemos todos da mesma \origem, somos membros de um imenso or- ‘ganismo, somos irmãos, e, pelo bem, nos- jso e do todo de que somos parte, nossas !ações devem ser marcadas pelo amor re- •cíproco.

O primeiro verdadeiro ato deveneração para com os deuses é crer neles,• depois reconhecer sua majestade ereconhecer sua bondade, sem a qual não hámajestade; saber que são eles quegovernam o mundo, que regulam tudo comsua forza, que protegem o gênero humano,às vezes descurando os indivíduossingulares. Cies não infligem e não sofrem omal; por outro lado, punem alguns,seguram-nos com freio e por vezes impõempunições sob a aparência de benefícios.Queres propiciar-te os deuses? Sê bom.Quem os imita presta-lhes o devido culto.Cis outro problema: como devemos noscomportar com os homens? O que fazemos?

Que preceitos ordenamos? De nõo derramarsangue humano? é muito pouco não fazer o

grande mérito que o homem seja humildeem relação a outro homem. Cnsinamos a

estender a mão ao náufrago, a indicar ocaminho a quem se extraviou, a dividir opão com quem tem fome? € por queenumerar todas as ações que se devemfazer ou não fazer, enquanto posso dor-lheesta breve fórmula, que compreende todosos deveres do homem? Tudo aquilo que vês,que encerra o divino 0 o humano, é um uno:somos os m0mbros de um imensoorganismo. A natureza nos criou irmãos,gerando-nos dos mesmos elementos e paraos mesmos fins; infundiu-nos um amorrecíproco e nos tornou sociáveis.Cstabeleceu a eqüidade e a justiça: por seu

decreto é mais triste fazer o mal que sofrê-lo; por seu comando as mãos devemsempre estar prontas para ajudar.

 Tenhamos sempre este verso no coração enos lábios: "Sou um homem, e nõo julgoestranho a mim nada daquilo que é hu-mano". Coloquemos tudo em comum:nascemos para [uma vida em comum],Nossa sociedade é muito semelhante a umaabóbada de pedras: ela cairia, caso aspedras não se sustentassemreciprocamente, e é justam0nte isto que a

EPICTETOfmmimmmmmmiam

O homemcomo escolho moral

Com Cpicteta o Cstaó demonstro queum escravo pode ser filósofo e pode ser atémais "livre" do que os livres no sentido co-mum da palavra. Sua excepcional persona-lidade moral e sua inata vocação educativaforam causa do notável sucesso de sua es-cola.

Como Sócrates, ele não quis escrevernada. Mas, por sorte, o historiador FlávioRrriano freqüentou suas aulas, pondo porescrito e publicando muitas das coisas queCpicteta dizia, e em todo caso as coisasque exprimiam o núcleo do seu

pensamento. Rlém disso compôs também

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Setimã parte - Os últimos desenvolvimentos da filosofia pagã antiga

traindo as coisas essenciais das aulas de 'Epicteto.

Rs Diatribes ou Conversações deEpícte- to transcritas por Rrriano, assimcomo o Ma- , nual, foram sempre muitolidos em todos os tempos. Sõo de fatoinvestigações do espírito humano deextraordinário lucidez e pro- \ fundidade.

Elas percorrem exatamente emsentido ■ oposto o caminho hoje seguidopelo homem, que gosta da opulência e estáem contínua busca de riqueza e de poder. E

 justamente por isso Epicteto desempenhaem certo sen- > tido o papel de voz daconsciência, que nõo pode se calar.

O que é que se serve de tudo? flescolha moral. O que se encarrega de tudo?fl escolha moral. O qu® destrói totalmente ohomem, ora com a fome, ora com o laço,ora atirando-o de um precipício? fl escolhamoral. E, então, o que há de mais forte noshomens? £ como pode ser que aquilo que écoercível seja mais forte do que aquilo que éincoercível? O que pode impedir pornatureza a faculdade visiva? fl escolha morale os objetos que não dependem da escolhamoral. O mesmo vale para a faculdadeauditiva e para a da linguagem. E a escolhamoral, o que por natureza pode impedi-la?Nenhum dos objetos que não dependem daescolha moral: ela própria se impedequando é extraviada. Por isso, sozinha setorno vício ou virtude.

Portanto, a partir do momento que éuma faculdade tão poderosa e proeminentea tudo o mais, venha dizer-nos que o carneé superior a qualquer outra realidade. Nemse a própria carne se dissesse superior, nóspoderíamos tolerar! Pois bem, Cpicuro, oque faz esta afirmação? Aquilo que

escreveste Sobre o Fim, R Física e Sobre oCônon? Que te impeliu a deixar crescer abarba? Que escreve, no momento demorrer: "Vivendo o último dia, que é tam-bém um dia feliz..."? fl carne, ou a escolhamoral? Cntão podes sustentar haver algosuperior à escolha moral, sem ser louco? ésde fato a tal ponto cego e surdo?

€ então? Pretende-se talvezdesprestigiar as outras faculdades? Deforma nenhuma! Sustenta-se talvez que nãohá nenhuma utilidade nem progresso forada faculdade da escolha moral? De modonenhum! Seria tolice, impiedade e

ingratidão para com Deus. Atribui-se, sim, a

Sobre aquilo quedepende de nós e aquilo

que não depende de nós

R passagem que segue apresenta,em- l bora de modo sumário, um mapaquase i completo dos temas de fundo dafilosofia de j Epicteto. O esquema lógico dodiscurso pode ? ser resumido nos doispontos seguintes. j /) Entre todas asfaculdades, apenas j , uma é capaz detomar como objeto e com- \ preender a simesma e as outras coisas; é a j : faculdadedo raciocínio (a razõo, o logos), a ifaculdade de usar as representações. j

2 ) Umo vez que esta é a faculdadede ! longe mais importante, os deuses atorna- j ram dependente de nós, ou seja,livre, en- j quanto todos as outras coisas (ocorpo e tudo j . aquilo que está ligado aocorpo e os assim j : chamados bensexteriores) não quiseram, ou j melhor, nõopuderam torná-las dependen- \ tes de nós,ou sejo, colocá-las em nosso ; poder.

O que diz Zeus? "Cpicteto, se tivessesido possível, também teu corpo e tuaspobres substâncias eu teria feito livres eisentas de impedimentos. Mas — nãoignores — este corpo não é teu: é barrohabilmente amassado. E, uma vez que nãopudemos fazer isto, te demos certa parte denós, esta faculdade de tender e de repelir,de desejar e de ter aversão, ou seja, emresumo, a faculdade de usar as represen-tações; se te preocupas com isso e nelacolocas aquilo que é teu, jamais serásimpedido, jamais embaraçado, não telamentarás, não reprovarás e não adularásninguém. E então? Parece-te coisa de poucaimportância este dom?1'

"De modo algum!"Cstás contente com isso?"Sim, com o auxílio dos deuses".IMós, porém, agora, mesmo podendo

cuidar de uma só coisa e a uma só coisamantermo- nos ligados, preferimos ocupar-nos de muitas coisas e a muitas nosligarmos: ao corpo, ao patrimônio, ao irmão,ao amigo, ao filho, ao escravo. Desse modo,ligados a muitas coisas, ficamos pesadospor causa delas e arrastados. Por

conseguinte, se o tempo é desfavorávelara a nave a ão sentamo-nos tensos e

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Capítulo décimo quarto - O y\)eo-e stoicismo : Sêneca, Êpicteto e Marco Aurélio ------------------------------

vento sopra? Bóreo". o que há entre nós eele?". "E Zéfiro, quando soprará?". "Quando o

ele parecer bem, meu caro, ou a tolo. Deusnão fez a ti administrador dos ventos, masColo". O que fazer então? é preciso tornarmelhor aquilo que está em nosso poder, e dos outras coi-sas usar como requer sua natureza. ”€ comorequer sua natureza?". Como Deus quer.

"Apenas a mim se deve cortar acabeça, agora?”

Como? Desejarias que a cabeça detodos fosse cortada para tua comodidade?Não queres estender o pescoço, como olaterano1 em Roma, que Nero mandoudecapitar? Cstendeu o pescoço, de fato, e ogolpearam; como o golpe não foisuficientemente forte, endireitou- se por ummomento, mas imediatamente tornou aapresentar a cabeça. Algum tempo antesfora até ele Cpafrodito,8 liberto de Nero, e lheperguntara a razão do seu desentendimentocom o príncipe. "Se eu quiser — respondeu-lhe —, direi a razão ao teu senhor pessoal-mente".

"O que, então, é preciso terpresenteiem tais circunstâncias?". Que outrocoisa a não ser esta pergunta: o que mepertence e o que não me pertence? O que

está em meu poder e o que não está emmeu poder? Devo morrer: talvez entregemidos? Devo ser preso em correntes:talvez também entre lamentos? Devo ir parao exílio: pois bem, que me impede de partirrindo, sereno e com bom humor?

"Dize-me o segredo".l\lão o digo; em efeito, isto depende de

mim."Mas eu te porei em grilhões”.Homem, o que dizes? A mim? Porás em

grilhões minho perna; minha escolha moralde fundo nem Zeus poderá vencê-la.3

"£u te jogarei na prisão".

 Jogarás meu corpo.“Mondarei cortar tua cabeça”.€ quando acaso eu te disse ser o único

cuja cabeça jamais poderia ser cortada?Sobre estas coisas deveriam refletir

aqueles que se dedicam à filosofia, estas

e e personagem, c nsu e renome, opor or em e ero, por er par c pa oPisõo em 65 d.C.

pa ro o o por a gum empoPo e ser uma a us o a um ep s o

Çp cteto era coxo e, con orme a gunsso, em Or genes, Contra Celso, VII, 53 ,Çpafrodito que lhe quebrou a perna.

MARCO AURÉLIO

Dos Pensamentos

Marco fíurélio é a última dosgrandes Figuras da Estoá. Depois de seter encarnado no escravo Epicteto, aEstoá tomou corpo em um imperadorromano. Esta é uma demonstração deque suas idéias sobre a igualdade de

todos os homens na virtude do Estóicoverdadeiramente se realizaram.Os Pensamentos que Marco fíurélio

nos deixou são uma série de fragmentosou, como também se diz, com imagemliterária, "estilhaços", escritos de modopenetrante e por vezes cativante.

fí vida se apresenta como umescorrer de todas as coisas paro odissolução, como futilidade de umcontínuo repetir-se. Contudo, para alémde suo aparente nulidade, vistas naunidade do todo, têm seu sentido preciso.

E, analogamente, na dimensão

moral, adquire sentido preciso a vida dohomem e suas ações se revestem designificado preciso. fís própriasadversidades nõo esmagam o homem,porque a alma pode dominá- los esubmetê-las justamente em dimensãomoral.

Em Marco fíurélio ressoam algunsconceitos cristãos, que todavia ele nõoapresenta como tais, mantendo distânciados cristãos.

Notemos, por exemplo, tudo o queele diz sobre perdoar os outros e sobre a

oração a Deus nas passagens quecitamos.Característico de Marco fíurélio é o

1. O rápido fluir de todas as coisas e a superaçãodestas na visão da realidade adquirida pelafilosofia

A vida humana tem a duração de umátimo; a substância, fluida; as sensações,obscuras; a estrutura do corpo inteiro,corruptível; a alma, errante; a sorte, incerta;

o fama, casual; em poucas palavras, aquiloque se refere ao corpo é uma corrente que

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Setima PClTtC - CDs úl+imos desenvolvimentos da filosofia pagã antiga

alma, sonho e vaidade; a existência ébatalha e estadia em terra estrangeira; a

glória póstuma, esquecimento.O <que resta, portanto, que nos possaescoltar? Única 0 som0nt0, a filosofia. C©sta consiste em conservar incontaminadoo teu gênio interior de qualquer insulto edano, superior à dor e ao prazer; em jamaisagir de modo desconsiderado ou falso ouhipócrita; em não ter necessidade d© queoutros op0r0m ou não; além disso, em estarpreparado para acolher qualqueracontecimento e destino como coisa pro-V0ni0nte de onde ele próprio veio, e,sobretudo, firme em esperar a morteserenamente, como coisa não diferente da

dissolução daqueles átomos dos quais todoser animado é composto. Se, portanto, a taiselementos de nenhum modo é danosotransmutar-se continuamente um no outro,por qual motivo deveremos temer atransformação de todas as coisas e suadissolução? Isso ocorre segundo a natureza,e nada do que acontece segundo a natureza0 mau.

2. fl parte mais elevada de nossa almanão é dominada pelas adversidades,mas as domina

Quando 0 órgão qu© nos dominainteriormente é conforme à natureza, suaatituçl© diante daquilo que sucede é tal queele sempre pode S0 dirigir com facilidadepara aquilo que é possível 0 permitido, dadoque não nutre preferência por nenhumamatéria determinada, mas tende sempre,com certas condições, para sua meta.Quando, depois, algum obstáculo se Ih©apresenta, ele o sobrepuja, como as chamasfazem com o que encontram. Uma pequenalâmpada ficaria sufocada com isso, mas umagran- d0 chama se apodera imediatamente

3. 0 paz que o homem pode alcançar noíntimo da própria alma

Blguns procuram retirar-se nos campos,no mar, sobre os montes, 0 também tucostumas desejar ardentemente tais lugares;

porém, é digno de um homem vulgar 0ignorante, pois podes, quando quiseres,

retirar-te em ti mesmo. Com efeito, ohomem não pode se retirar 0m algum lugar0m que haja tranqüilida- d0 maior ou calmamais absoluta a não ser no íntimo da própriaalma, e especialmente para aquele que temem si idéias tois que, apenas por contemplá-los, imediatamente readquire toda a paz dopróprio espírito. € por paz não entendo outracoisa que o boa ordem. Recolhe- te,portanto, freqüentemente nesta solidão erenova-te com as meditações às quaisrecorres.

Cstas devem, porém, ser concisas,simples 0 tais que, logo que as encontres,

possam bastar para excluir de ti toda a tuamelancolia e para deixar-te sem iras. Comefeito, com o que te irritarás? Com amaldade dos homens? Recorda aquelasentença que afirma que os seres racionaisnasceram um para o outro, que a paciênciaé também parte da justiça, que eles erramsem querer; e se pensares em todos os que,depois de serem combatidos, enganados,detestados, feridos, agora estão reduzidos acinzas, sem dúvida te acalmarás.

Ou ficarás irado por aquilo que te foi re-servado pela ordem universal?

Cntão tembra-t© do dilema; “ouprovidência ou átomos", 0 d© todas asrazões com as quais foi demonstrado que omundo é como uma cidade.

Ou ainda te perturbará aquilo que serefere ao corpo?

Cntõo reflete que a razão, uma vezabstraída e tornada consciente do própriopoder, não se mistura com movimentosdoces ou violentos dos sentidos, e lembra-tedaquilo que ou- viste e provaste a respeitodo prazer e da dor.

Ou t© transtornará a ambição?Cntão observa como o 0squ0cim0nto

des- C0 rapidam0nt0 e tudo se afunda noabismo sem limites do tempo, o vazio doeco, a inconstância, a desconsideração dequem parece distribuir o elogio, e aestreiteza do lugar em que está circunscritaa tua fama; pensa que a terra inteira não émais que um ponto e deste é parte o

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{Sapítulo décimo qwin+o

^Nleoceticismo, j\) eo-a nsfotel is mo,

^/Vlé-dio-platornsmo, 7\)eopita0orismo / o

^(Sorpus 'Hlermeficum// e os u0^ck(Zv\os

<Saldeus /;

I. O renascimento do Pi rronismo e

o /\)eoceticismo de éSnesídemo e

de Sexto Empírico

• Depois da virada eclética da Academia, a doutrina cética encontrouexpressão autônoma em Enesídemo de Cnossos, que procurou remeter-sediretamente a Pirro. A tese basilar de Enesídemo é que cada coisa "não é maisisto do que aquilo". Para demonstrar tal tese e para refutar os M caíegor(as que anegavam, ele compôs um quadro das supremas "catego- da dúvida rias dadúvida", que os antigos chamavam "tropos", nos quais Enesídemo procuravarecolher de modo sistemático os vários motivos pe- § 7 ios quais um

conhecimento certo não pode existir. Em particular, ele negava a "relaçãocausai" entre os fenômenos e, portanto, a base do raciocínio científico que sefundamenta, justamente, sobre a busca das causas. #

 Tal posição levava a uma forma de Heraclitismo, porque a realidade sema ligação estrutural da causa-efeito, e sem uma estabilidade substancial, sereduz a fenômenos em perene fluxo.

• O Ceticismo de Sexto é formulado do seguinte modo:a)de um lado postula a existência de um objeto externo, existente em si,

do qual nada se pode dizer;b)do outro, postula a existência do fenômeno, isto é, daquilo que do

objeto aparece ao sujeito, que se considera ser uma cópia do próprio objeto.É lícito que nos pronunciemos sobre os fenômenos, enquanto que,

sobre a realidade externa (sobre o objeto em si) deve- o fenomenismo mossuspender o julgamento. de Sexto

Dessa concepção brota uma ética que não se funda sobre Empírico oraciocínio e sobre princípios firmes (dogmas), mas sobre o e sua concepção

senso comum e sobre o que a experiência sugere vez por vez. O da

felicidade homem deve seguir as sugestões fornecidas por sua natureza, ^ §2 pelos seus impulsos, pelas leis do lugar em que se encontra, e nãopermanecer inerte.

A suspensão do julgamento tem grande importância para o homem,enquanto produz um estado de ataraxía (imperturbabilidade) que, unido àmetriopatia (a justa moderação das afecções às quais estamos expostos),realiza o estado de vida feliz possível ao homem.

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340. ........ Sétima parte - O s úl+imos desem/olvimeia+os da filosofia paga arvHgc

e a revisão do Pirronismo

A reviravolta eclético-dogmática daAcademia e, sobretudo, os posicionamentosestoicizantes de Antíoco levaram algunspensadores, ainda convencidos da validadedas instâncias céticas impostas porArcesilau e Carnéades, a denunciar o novodogma- tismo e a repensar ainda maisradicalmente as instâncias céticas. Por essarazão, Enesí- demo de Cnossos abriu emAlexandria uma nova Escola cética,escolhendo como ponto de referência nãomais um pensador ligado à Academia, jádefinitivamente comprometida, e sim umpensador que, relido de modo particular,pudesse inspirar e alimentar melhor quetodos o novo Ceticismo. Esse modelo foiencontrado em Pirro de Elida, e osDiscursos pirrônicos escritos por Enesídemose transformaram no manifesto do novomovimento. A obra soa como verdadeirodesafio, devido ao seu eloqüente programainovador. Todos os elementos à nossadisposição parecem sugerir como data deelaboração do escrito os anos em torno de43 a.C., logo após a morte de Cícero.

A tese de base de Enesídemo é quecada coisa não-é-mais-isso-que-aquilo, oque implicava a negação da validade dosprincípios de identidade, de não-contradiçãoe do terceiro excluído. Implicava, pois, anegação da substância e da estabilidade noser das coisas, e, daí, levava à sua totalindeter- minação ou, como salientouEnesídemo, à sua “desordem” e à sua“confusão”.

Foi precisamente essa a condição dascoisas que Enesídemo procurou fazer emer-gir, de modo programático, mostrando emprimeiro lugar que à aparente força persua-

siva das coisas era sempre possível contra-por considerações dotadas de igual grau decredibilidade, que anulavam (ou, pelo me-nos, contrabalançavam em sentido oposto)aquela aparente força persuasiva. Com esseobjetivo, Enesídemo elaborou aquilo quenós, modernos, podemos chamar de quadrodas supremas categorias da dúvida e queos antigos chamavam de “tropos” ou “mo-dos” que levam à suspensão do juízo.

Eis o quadro desses “tropos”, que setornou muito célebre:

1)Os vários seres vivos têm diferentes

constituições dos sentidos, que comportamsensações contrastantes entre si.

2) Contudo, mesmo que nos limitemosapenas aos homens, notamos entre eles

tais diversidades no corpo e naquilo que sechama de “alma”, a ponto de comportardiversidades radicais também nassensações, nos pensamentos, nossentimentos e nos comportamentospráticos.

3) Até mesmo no homem individual-mente a estrutura de cada sentido édiversa, a ponto de comportar sensaçõescontrastantes entre si.

4) Ainda no homem, tomado singular-mente, são bastante mutáveis asdisposições, os estados de espírito e assituações e, portanto, as respectivas

representações.5) Conforme tenham educação diversa

ou pertençam a povos diversos, os homenstêm opiniões diferentes sobre tudo (valoresmorais, deuses, leis etc.).

6) Não existe nenhuma coisa que apa-reça em sua pureza, porque tudo está mis-turado com o resto e, conseqüentemente,nossa representação resulta condicionada.

7) As distâncias e posições em que seencontram os objetos condicionam asrepresentações que deles temos.

8) Os efeitos que as coisas produzem

variam de acordo com sua quantidade.9) Todas as coisas são por nós capta-das em relação com outras e nunca por simesmas.

10) Conforme a freqüência ou raridadecom que aparecem, os fenômenos mudamnosso juízo.

Por tódos esses motivos, portanto, im-põe-se a “suspensão do juízo” (epoché).

A compilação desse quadro, porém,representa apenas uma primeira contribui-ção ao relançamento do Pirronismo porparte de Enesídemo. Com efeito, nosso filó-sofo também procurou reconstruir o mapa

das dificuldades que impedem a construçãode uma ciência e tentou desmantelar demodo sistemático as condições e os funda-mentos postulados pela ciência.

Ora, a possibilidade da ciência supõe,em geral, três coisas:

a) a existência da verdade;b) a existência das causas (dos princí-

pios ou razões causais);c) a possibilidade de inferência

metafe- nomênica, ou seja, a possibilidadede entender as coisas que se vêem como“sinais” (efeitos) de coisas que não se vêem

(e que devem ser postuladas precisamentecomo causas necessárias para explicar as

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Capitulo decimo quinto - 7\Jeoce-Hcismo, Jeo-aris+o+e!ismo, A^édio-pla+onismo. 341

Enesídemo procurou desmantelaresses três fundamentos, insistindo

sobretudo no segundo. Também a propósitodessa questão ele procurou elaborar umquadro de “tropos”, isto é, de erros típicosem que recai quem quer buscar a “causadas coisas”.

Depois de denunciar a pretensão deencontrar as causas dos fenômenos,Enesídemo passa ao problema da inferênciaou, para falar em linguagem antiga, aoproblema dos “sinais”, ao qual dedicouanálise específica, talvez a primeira quetenha sido feita no âmbito do pensamentoantigo.

O núcleo essencial de seu pensamento

é o seguinte: no momento em que preten-demos interpretar um fenômeno como um“sinal”, colocamo-nos já sobre um planometafenomênico, enquanto entendemos ofenômeno como o efeito (que se manifesta)de uma causa (que não se manifesta), ouseja, pressupomos simplesmente(indevidamente) a existência do nexoontológico causa-efei- to e sua validadeuniversal.

Sexto Empírico nos relata que Enesí-demo conjugou seu Ceticismo com o He-raclitismo e, em seus Esboços pirrônicos,

escreve textualmente: “Enesídemo diziaque a orientação cética é um caminho queconduz à filosofia heraclitiana.” E isso écompreensível. Com efeito, à medida queEnesídemo resolvia o ser no aparecer, o“em-si” no “para-nós”, a substância noacidente (assim como Pirro), ele tolhia ofundo estável do ser e da substância,devendo conseqüentemente desembocar noHeraclitismo, ou melhor, naquela forma deHeraclitismo que, deixando de lado aontologia do logos e da harmonia doscontrários, já a partir de Crá- tilo pusera aênfase no mobilismo universal e na

instabilidade de todas as coisas (ao passoque Pirro, como vimos, desembocara emuma forma de Eleatismo em negativo, pa-ralela a essa).

Enesídemo se ocupou a fundo dasidéias morais, sobretudo com o objetivo dedesmantelar as doutrinas dos adversáriosnesse campo. Ele negou que os conceitosde bem e mal e de indiferentes (preferíveise não-pre- feríveis) estivessem no domínioda compreensão humana e doconhecimento. Também criticou a validadedas concepções propostas pelos dogmáticos

em relação à virtude. Por fim, ele própriocontestou sistematicamente a possibilidade

tou a não existência de um telos, ou seja,de um “fim”. Para ele, como para os Céticos

anteriores, o único fim, quando muito, po-deria ser a própria “suspensão do juízo”,com o estado de “imperturbabilidade” deladecorrente.

2 CD íSe+icismode Sexto 6£-n\píric.o

São escassas as informações quetemos sobre a história do Ceticismo depoisde Enesídemo. Só conhecemos bem SextoEmpírico (cujas obras principais chegaramaté nós), que viveu cerca de dois séculosdepois de Enesídemo.

Sexto viveu na segunda metade doséc. II d.C. e talvez tenha morrido emprincípios do séc. III d.C. Não sabemos ondeensinou. Parece que já no tempo do mestrede Sexto a Escola saíra de Alexandria. Alémdos Esboços pirrônicos, chegaram até nósoutras duas obras de Sexto, intituladas,respectivamente, Contra os professores(matemáticos), em seis livros, e Contra osdogmáticos, em cinco livros, comumente

citadas com o título unitário Contra osmatemáticos (“matemáticos” são oshomens que professam artes e ciências) ecom a numeração progressiva dos livros deum a onze.

O fenoijienismo de Sexto revela-se for-mulado em termos claramente dualísticos:o fenômeno torna-se a impressão ou altera-ção sensível do sujeito e, como tal, écontraposto ao objeto, à “coisa externa”, ouseja, à coisa que é diferente do sujeito,pressuposta como causa da alteraçãosensível do próprio sujeito. Assim, pode-seafirmar que, enquanto o fenomenismo dePirro e de Enesídemo resolvia a realidadeno seu aparecer, era um fenomenismoabsoluto e, portanto, metafísico (bastarecordar que o fenomenismo de Pirrolevava expressamente à admissão de uma“natureza do divino e do bem”, que viveeternamente, e da qual “deriva para ohomem a vida mais igual”, e que o fenome-nismo de Enesídemo levava tambémexpressamente a uma visão heraclitiana doreal), o fenomenismo de Sexto Empírico, aocontrário, era um fenomenismo de carátertipicamente empírico e antimetafísico:

como mera alteração do sujeito, ofenômeno não resume em si toda a

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Sétima paYte - Os últimos desenvolvimentos da filosofia pagã antiga

do, senão como incognoscível de direito(afirmação, esta, que seria uma forma de

dogma- tismo negativo), pelo menos comonão conhecido de fato.Sexto admite a liceidade do fato que o

cético assinta a algumas coisas, vale dizer,às alterações ligadas às representaçõessen- soriais. Ou seja, trata-se de umassentimento puramente empírico e, comotal, não dogmático.

A fusão das instâncias do ceticismocom as da medicina empírica comportou,também no campo da ética, notável afasta-mento das posições do Pirronismo originá-rio. Com efeito, Sexto constrói uma espéciede ética do senso comum, muito elementar

e calculadamente primitiva.Segundo Sexto, é possível viver segun-

do a experiência comum e segundo o “cos-tume”, se nos conformarmos a estas quatroregras elementares:

a) seguir as indicações da natureza;b) seguir os impulsos de nossos senti-

dos, que nos levam, por exemplo, a comerquando temos fome e a beber quando senti-mos sede;

c) respeitar as leis, os costumes e ocódigo moral do próprio país;

d) não permanecer inerte, mas exercer

uma arte.Conseqüentemente, o Ceticismo empí-rico não prega a “apatia”, e sim a “metrio-patia”, ou seja, a moderação das sensaçõesque experimentamos por necessidade. Tam-bém o cético sente fome, sede e outrassensações semelhantes; mas, recusando-sea julgá- las males objetivos, males pornatureza, ele limita a perturbação derivadadessas sensações. Sexto já não pode,precisamente com base na experiênciareavaliada, considerar que o cético deva serabsolutamente “impassível”.

Além disso, a revalorização da vida co-mum comporta também uma revalorização

precisa do útil. O fim pelo qual se cultivamas artes (recorde-se que cultivar as artes éo quarto preceito da ética empírica deSexto) indica-se expressamente como “oútil da vida”.

Por fim, é digno de nota o fato de queSexto apresenta a obtenção da imperturba-bilidade, ou seja, da “ataraxía”, quase comoconseqüência casual da renúncia do céticoa julgar acerca da verdade, ou seja, comocasual e inesperada conseqüência da sus-pensão do juízo. Escreveu Sexto: “Os céti-cos esperavam atingir a imperturbabilidadedirimindo a desigualdade que há entre osdados do sentido e os da razão; porém, nãoo conseguindo, suspenderam o juízo e, co-mo que por acaso, a essa suspensão sobre-veio a imperturbabilidade, como a sombra

im do íSeticismo an+iqo— i o

Com Sexto Empírico, juntamente comseu triunfo, o Ceticismo celebra também aprópria destruição.

 Todavia, destruindo a si mesmo, nãodestruiu a filosofia antiga, que aindaapresenta um período de história gloriosadepois dele. Destruiu certa filosofia, oumelhor, aquela mentalidade dogmática quefora criada pelos grandes sistemas"helenísticos, sobretudo pelo sistemaestóico. E é muito indicativo o fato de que,em suas várias formas, o Ceticismo nasça,se desenvolva e morra em sincronia com onascimento, o desenvolvimento e a mortedos grandes sistemas helenísticos.

Depois de Sexto a filosofia retoma o

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Capítulo décimo quinto - AJeoce+icismo, y\' eo-aris+o+elismo, ^Aédio-platonismo.343

II. O renascimento do ;Aris+otelismo

de y\.ndrônico a ^Alexandre de ^Vfrodísia

• O renascimento do pensamento aristotélico é em gran- Ar  jst ót eiesde parte devido à edição, absolutamente primeira, feita por bi jcado

Andrônico de Rodes (séc. I a.C.), das obras de escola do Esta-  por Andrônicogirita. § 1

• Depois dessa edição formou-se uma tradição de comentários, que teveem Alexandre de Afrodísia seu máximo representante.

Os mais importantes contributos de Alexandre se referem à noética (istoé, à doutrina do intelecto). Ele afirma que Aristóteles admitia três gêneros deintelecto: o intelecto material, que é a pura possibilidade de conhecer todas

as coisas; o intelecto adquirido ou in habitu, que é o inte- Alexandre lecto postoem ato com o "hábito" de pensar; o intelecto agente de Afrodísia ou produtivo,do qual depende a atividade de pensar do inte- e a doutrina lecto material e,portanto, seu tornar-se in habitu. do intelecto

O intelecto agente para Alexandre seria o próprio Deus e, -> § 2

portanto, único para todos. Deus, com efeito, enquanto pensamento depensamento, é, ao mesmo tempo, inteligível supremo e intelecto supremo:enquanto inteligível supremo é causa da inteligibilidade de todas as coisas;enquanto intelecto supremo é a realidade que leva nosso intelecto ao ato.Mas, para que isso aconteça, é preciso postular uma relação direta, umatangência entre Deus e nós, que desemboca em uma "assimilação de nossointelecto ao intelecto divino".

A edição

do "(Z-orpiAS ^Ans+o+elicum”

■feita poK 1 yAnd^ômco

 Já acenamos anteriormente às roma-nescas vicissitudes sofridas pelas obras“esotéricas” de Aristóteles. Retomando ecomplementando o que já dissemos,podemos resumir do seguinte modo asetapas mais destacadas daquelas

vicissitudes.a)Neleu (nomeado por Teofrasto her-

deiro da biblioteca do Perípato) levou osescritos aristotélicos para a sua terra natal,Scepse, na Ásia Menor, onde, porém, elesnão foram utilizados nem sistematizados.

b) De alguns desses escritos (ou, pelomenos, de algumas partes deles)certamente foram feitas algumas cópias(devia haver cópias de escritos esotéricos,além de em Atenas, também na bibliotecade Alexandria e, provavelmente, em Rodes,terra do peripa- tético Eudemo), mas quepermaneceram como letra morta, já que

lidas, estudadas a fundo e assimiladas poralgum filósofo da era helenística.

c) A recuperação dos escritosesotéricos de Aristóteles foi obra deApelicão, que também providenciou suapublicação, mas de modo bastanteincorreto, de modo que permanecerampouco compreensíveis.

d) Os preciosos manuscritos de Aristó-teles foram confiscados por Sila e levadospara Roma, onde o gramático Tirânionentregou-se a trabalho sistemático de

reordenação (que, no entanto, nãoconseguiu concluir).

e) Algumas cópias de obras esotéricasforam postas em circulação em Roma poriniciativa de livreiros, mas, ainda uma vez,tratava-se de cópias bastante incorretas,feitas somente com objetivo de lucro poramanuenses inábeis.

f) A edição sistemática dos escritos deAristóteles foi obra de Andrônico de Rodes(nas duas décadas seguintes à morte deCícero), que compilou também os catálogoscom explicações, realizando um trabalhoque constituiria a premissa indispensável,

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Setima pãttc - CDs últimos desenvolvimentos da filosofia pagã antiga

mos assuntos. Às vezes deu novos títulos àsobras assim constituídas. É bastante prová-vel, por exemplo, que a organização de to-

das as obras lógicas em um único corpusremonte precisamente a ele. E procedeu demodo análogo com os vários escritos de ca-ráter físico, metafísico, ético, político, esté-tico e retórico. A organização geral e parti-cular que Andrônico imprimiu ao Corpus Aristotelicum tornou-se definitiva. Ela con-dicionou toda a tradição posterior, inclusiveas edições modernas. Em suma: a ediçãorealizada por Andrônico estava verdadeira-mente destinada a “fazer época” em todosos sentidos, como já dissemos.

Ao contrário das obras “exotéricas”publicadas por Aristóteles, as “esotéricas”,

que constituíam precisamente as lições des-tinadas ao uso interno da Escola, eram bas-tante difíceis e freqüentemente obscuras.Assim, era necessário reconstruir o sentidodessas obras. Em resumo: era preciso reali-zar aquele trabalho de mediação que, noantigo Perípato, era feito durante as aulas.Assim nasceu o “comentário”, que pouco apouco tornou-se mais refinado, chegandopor fim à explicação de cada frase do textoaristotélico.

Andrônico e os Peripatéticos do séc. Ia. C. por ele influenciados prepararam o

caminho com paráfrases, monografias e ex-posições resumidas. Com os Aristotélicosdos primeiros dois séculos da época cristã edo início do séc. III, o comentário se conso-lidou, tornando-se o gênero literário atravésdo qual se devia ler e entender Aristóteles.Sobre todos os Peripatéticos dessa época,porém, sobressai Alexandre de Afrodísia,que se impôs como autoridade na matéria efoi considerado o comentador porexcelência.

Particular das ruínas da Acrópole de Rodes:em primeiro plano,os alicerces do templo coríntio de Artemisa;

ao fundo, 2 ;Alexcmdre de ;Afrodísiaas colunas dóricas do templo de Apoio. , ..e sua Kvoerica

Andrônico não se limitou a apresentarcondições para uma leitura inteligível dostextos, mas também se preocupou em agru-par os escritos que tratavam do mesmo as-sunto e reordená-los precisamente combase em seu conteúdo, do modo maisorgânico possível. Conjugou alguns brevestratados que eram mais ou menosautônomos (e que possuíam também títuloespecífico) a tratados de maior dimensão

Pouquíssimo sabemos sobre a vida deAlexandre. Parece que teve cátedra de filo-sofia em Atenas entre 198 e 211 d.C., sobSetímio Severo. Dos numerosos comentáriosescritos por Alexandre, chegaram até nós oscomentários aos Primeiros Analíticos (livroI) , aos Tópicos, à Meteorologia, àMetafísica (segundo os estudiosos, porém,só a parte concernente aos livros I-V seriaautêntica) e ao pequeno tratado  Acerca da

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Cãpítulo décimo quiflto - TSJeoce+icismo, ;\]eo-<u'islol<'lismo, ;V\ Adio-pIa+cn-\isino, 345

Alexandre é conhecido sobretudo porsua interpretação da teoria do intelecto.

Suas idéias sobre a questão tiveram notávelinfluência sobre o pensamento da Idade Mé-dia e até sobre o pensamento do períodorenascentista. Por essa razão, devemos tra-tar delas.

Alexandre distinguia três espécies deintelecto no homem:

a) o intelecto físico ou material, que épura possibilidade ou potência de conhecertodas as coisas;

b) o intelecto adquirido ou in habitu,que, mediante a realização de sua potencia-lidade, possui sua perfeição, ou seja, ohábito do pensar, isto é, de abstrair a formada matéria;

c) o intelecto agente ou produtivo, valedizer, a causa que torna possível ao intelec-to material a atividade do pensar e, portan-to, o tornar-se intelecto in habitu.

 Todavia, Alexandre destaca-se do Esta-girita pelo fato de não admitir que o “inte-lecto agente” esteja “em nossa alma”, fa- zendo dele uma entidade única para todosos homens, e, até mesmo, identificando-ocom o princípio primeiro, ou seja, com oMotor Imóvel, que é Pensamento de pensa-mento.

Coloca-se, assim, o problema de comoo intelecto agente, que é Deus, pode fazercom que o intelecto material se torne inte-lecto in habitu, ou seja, que o intelecto ma-terial adquira o hábito da abstração. Ale-xandre fornece duas respostas diferentes aoproblema, as quais se integram reciproca-mente.

Por sua natureza, o intelecto agente étanto Inteligível supremo como Intelectosupremo, sendo causa do hábito de abstra-ção do intelecto material, tanto como a) In-teligível supremo quanto como b) Intelectosupremo.

a) Como Inteligível supremo, o Intelec-to produtivo é causa ou condição do hábitode abstração do nosso intelecto, no sentidode que, sendo o Inteligível por excelência, écausa da inteligibilidade de todas as outras

coisas, é a forma suprema que dá forma atodas as outras coisas. (E, precisamente, o

nosso intelecto só conhece as coisas àmedida que elas são inteligíveis e têmforma, ao passo que o hábito de abstraçãooutra coisa não é do que a capacidade decaptar o inteligível e a forma.).

b) Mas o intelecto produtivo também écausa do hábito de abstração do nossointelecto na qualidade de supremo Intelec-to, ou melhor, precisamente como Inteligí-vel supremo, que, por sua natureza, é tam-bém Intelecto supremo. Em suma, trata-sede uma ação direta e imediata do intelectoprodutivo sobre o intelecto material queAlexandre postula como necessária, alémda ação indireta e mediata queexaminamos.

Para poder operar desse modo, o inte-lecto produtivo precisa entrar em nossaalma e, portanto, estar em nós. Mas, devidoà identificação operada por Alexandre entreo Intelecto produtivo e a Causa primeira, ouseja, Deus, deve tratar-se de presença que“vem de fora” e que não é parteconstitutiva de nossa alma.

Assim, a condição sine qua non do co-nhecimento humano é a participação ime-diata no Intelecto divino (“o Intelecto que

vem de fora”). Além disso, é claro que ocontato do nosso intelecto com o Intelectodivino só pode ser imediato e, portanto, decaráter intuitivo. Alexandre fala até mesmode “assimilação de nosso intelecto ao Inte-lecto divino”, usando linguagem que recor-da a dos médio-platônicos.

 Todavia, para poder satisfazer a fundoessas novas exigências místicas, o Aristote-lismo deveria transformar-seprofundamente e tornar suas as instânciasdo Platonismo, perdendo assim sua própriaidentidade. E compreensível, portanto, que,depois de Alexandre, o Aristotelismo sóconseguisse sobreviver à guisa de momentopropedêutico ou complementar doPlatonismo. Com efeito, é nesse sentido queos comentadores neoplatônicosalexandrinos lerão e comentarãoAristóteles. Com Alexandre termina a

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SétiíTlã pãttC - Os últimos desenvolvimentos da -filosofia pagã a ntiga

III. O MéA io-platonismo

• Com a destruição da sede daAcademia em 86 a.C. a Escolade Platão cessava a atividade regular em Atenas, mas oPlatonismoressurgia com novas características em Alexandria, nasegundametade do séc. I a.C. com Eudoro, e depois se difundia umpoucopor todo lugar nos sécs. I-II d.C., graças a personagenscomo Tra-silo, Plutarco de Queronéia, Gaio, Albino, Apuleio, Téon eÁtico.

•As características desta nova estação do Platonismo,cha-mada de Médio-platonismo, são:

 

Nascimento doMédio-platonism ^

Características filosóficasdo Médio-platonismo -+§2-4

dh ° Mádio-pla+cmismo em

^Alexandria e sua

difusão

Em 86 a.C., ao conquistar Atenas, Sila

“pôs as mãos sobre os bosques sagrados emandou cortar as árvores da Academia, omais verde dos subúrbios da cidade, bemcomo as do Liceu”. Desse modo a Academiasofreu também a devastação da sede, alémdo progressivo esvaziamento de sua mensa-gem, culminando com o Ecletismo de Antío-co, que chegou até mesmo a acolher algunsdogmas da Estoá.

 Todavia, pouco depois, o Platonismorenascia em Alexandria com Eudoro (nasegunda metade do séc. I a.C.), voltando ase expandir por toda parte, aumentandopouco a pouco sua consciência e incidência,a ponto de culminar na grande sínteseneoplatônica de Plotino no séc. III d.C.Entretanto, o Platonismo que vai de Eudoroa todo o séc. II d.C. não tem mais ascaracterísticas do velho Platonismo, masainda não apresenta as características quesó Plotino lhe imprimirá. Além disso, revelavárias incertezas, oscilações e contradições,devido ao entrelaçamento variado do velhoe do novo. Desse modo, para designar oPlatonismo desse período, os estudiososcunharam o termo “mé- dio-platonismo”,que significa precisamente o Platonismo

situado entre o velho e o novo.

2 Característicasdo }Aé-d io-platonismo

a) O Médio-platonismo recupera o su-pra-sensível, o imaterial e o transcendente,

rompendo claramente as pontes com o ma-terialismo há muito tempo dominante.b) A conseqüência lógica dessa

retomada foi a reproposição da teoria dasIdéias. Alguns Médio-platônicos, aliás, arepensaram a fundo, procurando integrar aposição assumida por Platão com a posiçãoaristotélica. Albino e seu círculoconsideraram as Idéias, em seu aspectotranscendente, como “pensamentos deDeus” (sendo o mundo do Inteligívelidentificado com a atividade e com oconteúdo da Inteligência suprema) e, emseu aspecto imanente, como “formas” das

coisas. A transformação da teoria das Idéiasfoi acompanhada, como conseqüência lógi-ca, por uma transformação paralela da con-cepção de toda a estrutura do mundo doincorpóreo, com resultados que constituemclaramente prelúdio ao Neoplatonismo.

c) O texto que os Médio-platônicosconsideraram como ponto de referência edo qual extraíram o próprio esquema para orepensamento da doutrina platônica foi oTimeu. Com efeito, na difícil tarefa de re-duzir a filosofia platônica a sistema e tentaruma síntese dela, o Timeu era o diálogo que

oferecia de longe a trama mais sólida.

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Capítulo décimo quinto - /Sleoce+icismo, /\!eo-a>*is+o+elismo, Médio-platonismo...

d) A “doutrina dos princípios” do Pla-tão esotérico, ou seja, a doutrina da Mônadae da Díade, foi retomada em parte, mas per-

maneceu decididamente como pano de fun-do. Teve importância muito maior no âmbitodo movimento neopitagórico.

e) Para os Médio-platônicos, assim co-mo para os filósofos da era anterior, o pro-blema ético continuou proeminente, sendo,porém, reproposto e fundamentado demodo novo. A palavra de ordem de todas asescolas helenísticas foi “segue a natureza(physis) ”, entendida de modo materialista-imanentista. Ao contrário, a nova palavra deordem dos Médio-platônicos foi “segue aDeus”, “assimila-te a Deus”, “imita Deus”.Logicamente, a descoberta da

transcendência modificaria, pouco a pouco,toda a visão de vida proposta pela erahelenística. Unanimemente, os Médio-platônicos reconheceram a marca autênticada vida moral precisamente na assimilaçãoao divino transcendente e incorpóreo.

do ,/Vlédio-platonismo

Na primeira metade do séc. I d.C. si-tua-se a atividade de Trasilo, a cujo nomeestá ligada a divisão dos diálogos platônicosem tetralogias.

A cavalo entre os sécs. I e II d.C. viveuPlutarco de Queronéia, discípulo do egípcioAmônio Hérmias, que havia constituído emAtenas um círculo de Platônicos.

Na primeira metade do séc. II d.C. vi-veu Gaio, a cuja escola, ao que parece,esta- vam ligados Albino e Apuleio.

Ao séc. II d.C. pertenceram muitos pla-tônicos, entre os quais aparecem Téon deEs- mirna e Atico.

Nessa época, o Platonismo já se impu-sera como uma espécie de pensamento ecu-mênico.

Significado e importância

do y\Aédio-plator»ismo

Por longo tempo desconhecida, hoje aimportância do Médio-platonismo é clara.O Neoplatonismo seria quase inexplicávelsem o movimento médio-platônico. Em suas

fíusto de fi lósofo que, segundoalguns, representa Plutarco.I'ucoulra-se no museu de Delfos,

lições, Plotino comentou fundamentalmentetextos médio-platônicos e textos de

Peripaté- ticos influenciados pelo Médio-platonismo. Ademais, extraiu dos Médio-platônicos alguns problemas de fundo comas relativas soluções.

Além disso, o Médio-platonismo tam-bém é importante para a compreensão doprimeiro pensamento cristão, ou seja, daprimeira Patrística, que, antes donascimento do Neoplatonismo, extraiudessa corrente as categorias depensamento com que procuroufundamentar filosoficamente a fé.

O Médio-platonismo, portanto, é um

dos elos de conjunção essenciais na históriado pensamento ocidental.Os limites desse movimento são cons-

tituídos pelo fato de que as tentativas de re-visão e sistematização do Platonismo per-maneceram oscilantes e, por assim dizer, ameio caminho. Com efeito, nenhum médio-platônico conseguiu chegar a uma síntese,se não definitiva, ao menos exemplar. Nãofaltaram homens talentosos ao Médio-platonismo, mas faltou-lhe o gênio criadorou recriador. E precisamente por isso per-maneceu como filosofia de transição, nametade do caminho que leva de Platão a

Plotino.

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Sétima parte - Os últimos desenvolvimentos da filosofia pagã antiga

IV. O T^eopitagorismo

• Nos sécs. I e II d.C., ao mesmo tempo que o Médio-pla-txpoentes do  tonismo, renasceu o Pitagorismo, cujos representantes de pon-Ne°Pltagonsmo ta foram Moderato de Gades, Nicômaco de Gerasa e sobretudo

Numênio de Apaméia.• Os Neopitagóricos repuseram em primeiro plano a dimensão do imaterial,

caída em total esquecimento durante o período do Helenismo. Retomaram a dou-trina da Mônada e da Díade de Platão, modificando-a em algunspontos. Deram máximo relevo à Mônada, fazendo derivar delatambém a Díade. A doutrina platônica das Idéias passou parasegundo plano, enquanto a doutrina dos números adguiriu gran-de importância, também com valência alegórica e teológica. Nesteclima particular a moral adquiria forte coloração mística.

• Com Numênio o Neopitagorismo

atingiu seu vértice, fun-dindo-se com o Médio-platonismo.A tese de fundo de Numênio consiste na explícita reafirmação

de que o verdadeiro ser é o incorpóreo, entendendo com isso nãotanto um ente singular, e sim uma estrutura hierárquica de

supra-sensível-*§3 hipóstases, ou seja, de substâncias supra-sensíveis e divinas, de cará-ter triádico. O primeiro Deus só se relaciona com as idéias puras; osegundo Deus corresponde ao demiurgo platônico e cria o cosmo imitando o primei-ro Deus; o terceiro Deus corresponde à alma cósmica que ordena e vivifica a matéria.

Característicasfilosóficasgerais - * § 2

Numênio:aestruturahipostátic

 

 jg|gj "Renascimento do Pitagorismo

A antiga Escola pitagórica manteve-seativa até princípios do séc. IV. O sintomamais significativo da crise da Escola foi oepisódio, já relatado, da venda dos livrospitagóricos, até então mantidos secretos,por parte de Fi- lolau, contemporâneo deSócrates. Mas o Pitagorismo renasceu aindana era helenística, talvez já a partir do séc.III a.C. Inicialmente, isso ocorre de formaum pouco ambígua: alguns anônimospublicaram uma série de escritos sob falsosnomes de antigos Pitagóricos, com oevidente objetivo de fazer passar porpitagóricas doutrinas de filósofosposteriores. Os escritos e testemunhosdesses “falsos” Pitagóricos que chegaram

até nós não apresentam grande interessefilosófico, mas muito mais interesse culturale documentário.

Interesse maior merecem, ao invés, osnovos Pitagóricos, que se apresentam comsua própria fisionomia e seu nome e, entreeles, sobretudo os expoentes da correntemetafísica, entre os quais salientam-sesobretudo Moderato de Gades, que viveu noséc. I d.C., Nicômaco de Gerasa, que viveuna primeira metade do séc. II d.C., Numêniode Apaméia, que viveu na segunda metadedo mesmo século.

O aspecto místico do Neopitagorismo é

representado por Apolônio de Tiana, que

de Setímio Severo), com o objetivo deapresentar Apolônio como fundador denovo culto religioso baseado na

y\s doutrinas dos TMeopitagóricos

Eis as linhas de fundo e os temasprincipais daquilo que mais propriamentese costuma chamar Neopitagorismo, quefloresceu entre o fim da era pagã e osprimeiros dois séculos depois de Cristo.

a) Os Neopitagóricos operam paralela-mente aos Médio-piatônicos a redescobertae a reafirmação do “incorpóreo” e do“imaterial”, ou seja, a recuperaçãodaqueles horizontes que se haviam perdidocom os sistemas da era helenística.

b)A doutrina da Mônada e da Díadesubmete-se a aprofundamentos de certorelevo. A partir de uma formulação original,que via na Mônada e na Díade a duplasuprema de contrários, delineia-se umatendência sempre mais acentuada de  pôr aMônada em posição de absoluto privilégio,distinguindo “primeira” de “segundamônada” e só a esta última contrapondo aDíade e, ainda mais, procurando deduzir daMônada suprema toda a realidade, inclusivea própria Díade.

c) Dá-se escasso destaque à doutrinadas Idéias e, assim mesmo, subordinando-aà doutrina dos números, os quais, além de

em sentido metafísico também são

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Capítulo décimo quinto - AJeoceticismo, Aleo-anstotelismo, Médio-platonismo...

teológico, aliás, teosófico, isto é,desenvolve-se verdadeira e própriaaritmologia ou aritmosofia.

d)No que se refere à concepção dohomem, os Neopitagóricos trazem à baila adoutrina da espiritualidade da alma e de suaimortalidade (e, conseqüentemente,também retomam e reafirmam a doutrinada metempsicose). O fim do homem indica-se no afastamento do sensível e na uniãocom o divino.

e)A ética neopitagórica assume fortecoloração mística. A própria filosofiaentende-se como revelação divina e a figuraideal do filósofo, identificada de modoparadigmático com Pitágoras, mais do que ade um homem perfeito, torna-se a de um

ser próximo a um Demônio ou a um Deusou, em todo caso, a de um profeta ouhomem superior, que se relaciona com osdeuses.

A umêmode^ améia e a fusão

O Neopitagorismo atingiu o seu cumecom Numênio, mas, ao mesmo tempo, fun-diu-se com o movimento Médio-platônico,que acontecia paralelamente.

Como sabemos, para os filósofosgregos o problema metafísico porexcelência se resume na pergunta “o que é

o ser?” Numênio o repropõe precisamentenessa forma.A resposta que ele dá à pergunta

pressupõe não apenas a superação genéricado materialismo, mas até mesmo suasistemática derrocada. O ser não podeidentificar-se com a matéria porque ela éindeterminada, desordenada, irracional eincognoscível, ao passo queo ser não muda. Não pode se identificarcom um corpo, pois, em si mesmos, oscorpos estão submetidos a contínuamudança e têm necessidade de algo que,em todo caso, os faça perdurar. Esse algo,por seu turno, não pode ser um corpo,porque, se assim fosse, já de saída tambémeste teria necessidade de um princípio ul-terior que lhe garantisse a estabilidade e apermanência. Esse algo, portanto, terá deser “incorpóreo”. O ser, então, será arealidade imutável e eterna do incorpóreo,este é inteligível. O sensível, ou seja, ocorpóreo, não é ser, mas devir.

Este Ser que realmente é e nunca setorna nem perece, ou seja, o Incorpóreo, étambém o bíblico “Aquele-que-é”. Naverdade, Numênio estava convencido deque o ensinamento de Platão correspondiaao antigo ensinamento de Moisés, que ele

conhecia bem e que interpretava de modoalegórico, ao mo do de Fílon, o Judeu (do

a convicção de que a concepção doIncorpóreo e do Ser professada por Platãocorrespondia à de Moisés, como tambémafirmava que Platão, no fundo, nada maisera do que um “Moisés ati- cizante”, ouseja, um Moisés que falava em ático.

Qual é a estrutura do ser e do incorpó-reo? Nos Médio-platônicos, sobretudo os doséc. II d.C., já se encontra claramente a ten-dência de conceber a realidade imaterialem sentido hierárquico-hipostático, e certaconfiguração dessa hierarquia em sentidotriádico. Numênio levou essa tendência aoseu maior grau de clareza antes de Plotino.

O Primeiro Deus relaciona-seexclusivamente com as essências puras, ouseja, com as Idéias, enquanto o Segundo

Deus ocupa-se da constituição do cosmo.Numênio considera, precisamente, que aIdéia do Bem ou Bem em si, de que Platãofala na República e dela faz depender asoutras Idéias, coincide com o PrimeiroDeus. Ao invés disso, o Demiurgo queconstituio cosmo, de que Platão fala no Timeu, éconsiderado ser “bom”, mas não “Bem”;esse, portanto, é diferente do DeusSupremo, precisamente o Segundo Deus.Dele não depende o mundo das Idéiassupremas, que depende do Primeiro, massim o mundo da gênese. O Segundo Deusimita o Primeiro, pensa as essênciasproduzidas pelo Primeiro e as reproduz nocosmo.

O Terceiro Deus, que nada mais é doqueo Segundo em sua função especificamentedemiúrgica, ou seja, em sua funçãoordenadora da matéria informe (Díade), éevidentemente aquilo que o próprioNumênio chama de “alma do mundo” ou,mais precisamente, “alma boa” do mundo.(Com efeito, ele também admite uma alma“má” do mundo, que é a alma própria damatéria sensível.)

São numerosas as tangências que é

possível observar entre Numênio e Plotino,algumas relativas a certos corolários eoutras relativas aos próprios fundamentosdo sistema.

Em primeiro lugar, Numênio antecipao princípio que inspira a “processão” dashipós- tases plotinianas, segundo o qual oDivino dá sem que o seu dar o empobreça.

Ademais, é notável a afirmação de Nu-mênio segundo a qual a contemplação doSegundo Deus, que olha o Primeiro,constitui a base da qual deriva a possibilidade da criação do cosmo. Comefeito, a contemplação tem papel

determinante no sistema plotiniano.Além disso, nosso filósofo formula o

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Sétima pavte - Os últimos desenvolvimentos da filosofia paga antiga

v. O ^(So^pus f"le^meticum■ //

• Nos sécs. Il-lll d.C. desenvolveu-se uma literatura de caráterreligioso-soteriológico, ou seja, referente ao problema da salvaçãoeterna, que os gregos consideraram inspirada por seu deus Hermes.

A filosofia que essa literatura exprimia reafirmava o conceitodetranscendência, e antevia uma estrutura do supra-sensível decaráterhierárquico, assim articulada: no vértice estaria o Deus supremo, luzsuprema; no segundo nível o filho primigênio, entendido comoLogos;

depois viria o intelecto demiúrgico, o "Antropos" (ou seja, o Homem-ldéia, modelo dohomem), e por fim o intelecto humano. A ação do logos e do intelecto demiúrgico é

vistatambém como a ação da luz que penetra a treva, equiparada à matéria. 

O "CorpusHermeticum" e aestruturahipostàticada realidade

CD "Herme+ismo e a kipós+ase

Na era helenística, nos primeiros séculos daera imperial (particularmente nos sécs.

II e III d.C.), desenvolveu-se uma literaturade caráter filosófico-soteriológico-religioso(que, em parte, chegou até nós), de nature-za variada, mas com o traço comum da pre-

tensão de ter sido revelada por Thot, o deusegípcio, escriba, intérprete e mensageirodos deuses, que os gregos identificaramcom seu deus Hermes e o chamaram deHermes Tris- megistos (= três vezesgrande), de onde o nome de “literaturahermética” (isto é, inspirada por Hermes).

Entre os numerosos escritos atribuídosa Hermes Trismegistos o grupo sem dúvidamais interessante constitui-se de dezessetetratados (o primeiro traz o título dePimandro), mais um escrito que chegou aténós apenas em uma versão latina (no

passado atribuído a Apuleio) de um tratadocom o título> Asclé- pio (talvez compostono séc. IV d.C.). É justamente este grupo deescritos que se chama de CorpusHermeticum (= Corpo dos escritos queestão sob o nome de Hermes).

Deus é concebido em função do incor-póreo, da transcendência e da infinitude;também concede-se ainda como Mônada eUno, “princípio e raiz de todas as coisas”;por fim, é expresso também em função daimagem da luz. Teologia negativa e positivase entrecruzam: de um lado, tende-se aconceber Deus como estando acima de

tudo, como totalmente outro de tudo a uilo

existe, como “sem forma e sem figura”, e,portanto, até como “privado de essência”,e, por isso, inefável; do outro, reconhece-seque Deus é Bem e Pai de todas as coisas, e,portanto, causa de tudo e, enquanto tal,tende-se a representá-lo positivamente.

A hierarquia dos “intermediários” en-tre Deus e o mundo é assim concebida:

1)No vértice está o Deus supremo, luz

e intelecto supremo.2) Depois vem o Logos, que é “filho”

primogênito do Deus supremo.3) Do Deus supremo deriva também

um intelecto demiúrgico, que é “consubs-tanciai” em relação ao Logos.

4) Depois temos o  Antbropos, ouseja,o homem incorpóreo, também este deriva-do de Deus e “imagem de Deus”.

5) Segue-se, por fim, o intelecto dadoao homem terreno (rigorosamente distintoda alma e claramente superior a ela), que é

tudo o que de divino existe no homem.A geração do homem terrestre explica-se de modo complexo. O  Antbropos ou ho-mem incorpóreo, terceiro gerado pelo Deussupremo, quer imitar o intelecto demiúrgicoe criar, também ele, alguma coisa. Obtida apermissão do Pai, o  Antbropos atravessa assete esferas celestes até a lua, recebendo,por participação, as potências de cada umadelas, e depois se aproxima da esfera dalua e vê a natureza sublunar.Imediatamente o  An- thropos se enamoradessa natureza, e, por sua veè, a naturezase enamora do homem. Mais precisamente,

o homem se enamora da própria ima em

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Capitulo decimo quinto - 7\)e.oceticismo, 7\)eo-aHs+otelismo, AAédio-pla+onismo...

é tomado pelo desejo de unir-se a ela, e as-sim cai. Nasce, de tal forma, o homem ter-

restre, com a sua dúplice natureza,espiritual e corpórea.A mensagem do Hermetismo, da qual

provém toda sua sorte, resolve-se em umadoutrina da salvação, e suas teoriasmetafísi- co-teológico-cosmológico-antropológicas não são mais que ossuportes de tal soteriologia.

Como o nascimento do homem terres-tre deve-se à queda de Antbropos (o homemincorpóreo) que quis ligar-se à naturezamaterial, também sua salvação consiste nalibertação dos laços materiais. Os meios

mento (gnose) da doutrina hermética. Ohomem deve em primeiro lugar conhecer a

si mesmo, convencer-se de que a sua natu-reza consiste no intelecto. E, uma vez que ointelecto é parte de Deus (= Deus em nós),reconhecer a si mesmo deste modo significareconhecer a Deus. Todos os homens pos-suem o intelecto, mas apenas em estadopotencial; depende, porém, de cada umdeles possuí-lo em ato ou então perdê-lo. Seo homem, por causa da escolha do bem,sabe manter o próprio intelecto, entãotorna-se digno de tal dom divino e não deveesperar a morte física para alcançar seufim, ou seja, para “divinizar-se”.

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352......... Sétima parte - Os úl+imos desenvolvimen+os da filosofia pagã a n+iga

VI. Os "O rãculos (Saldeus^

Oi "Ordculos * ComPostos'30 que parece, por Juliano o Teurgo no séc. IICal deus "U  <Ji d-C., estes escritos, por muitos aspectos afins ao Corpus Herme- . § j

ticum, apresentam doutrinas inspiradas no Médio e Neopla-tonismo: em particular retomam o esquena ontológico da tríade para

interpretar toda a realidade, e introduzem a doutrina e as práticas da teurgia, que é aarte que não se limita a falar sobre Deus, como a teologia, mas evoca os deuses eobtém sua intervenção.

-1  CDs “Oráculos (Saldeus”:

introdução dos conceitosde “tríade17 e de “teurgia'7

Os Oráculos Caldeus são uma obra emhexâmetros (da qual nos chegaram algunsfragmentos), ao que parece escrita por Ju

liano, o Teurgo, no séc. II d.C. Essa obraapresenta muitas analogias com os escritos

herméticos, mas, ao invés de vincular-se àsabedoria egípcia, liga-se à caldéia.

O autor afirma ter recebido dos deu-ses esses oráculos. As doutrinas metafísicascontidas nos Oráculos se inspiram no Mé-dio-platonismo, no Neopitagorismo e apre-sentam muitas tangências com Numênio.

A novidade consiste no conceito de“tríade”, com o qual se interpreta toda arealidade: “A tríade contém todas as coisase de todas é medida.”

Ademais, os Oráculos também apre-sentam a doutrina da “teurgia”, que é a

arte da magia aplicada a fins religiosos. O“teólogo” fala a respeito de Deus, enquantoo “teurgo” invoca os deuses e atua sobreeles.

As práticas teúrgicas purificam a almae garantem a união com o divino por viaalógica.

Os últimos Neoplatônicos, consideran-do os Oráculos Caldeus como livro sagrado,utilizaram-no do mesmo modo que os

Particular de direita de “A Escola de Atenas” de

Raffaello, representando Zoroastro tendo namão o globo que representa o céu (a figura queestá na sua frente representa Ptolomeu que temna mão o globo terrestre, e a posição peculiarindica o influxo do céu sobre a terra).Zoroastro vweu cerca de sete séculosantes de Cristo.Os Renascentistas, aos quais Raffaello se inspira,consideravam-no autor dos Oráculos Caldeus.Os Oráculos são, na realidade, obra da eraimperial, cujo autor é provavemente Juliano o

 Teurgo (séc. II a .C.). Na antiguidade tardia osOráculos Caldeus tiveram grande influência.

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353Capítulo décimo quinto - .Neoceticismo, AJeo-aHstotelismo, Médio-platonismo... ------------------—

SEXTO EMPÍRICO

Dos €sboços pirrônicos

: Sexto é chamado "Empírico “ porque une j; às instâncias do Ceticismo pirrônicoalgumas  j ; instâncias que Foram impostaspela mediei- j ; na empírica. Os médicosgregos se dividem,  j ! com efeito, em trêscorrentes: a dos médicos j \ doutrinários, ados médicos metódicos e a \ ; dos médicosempíricos.

 jí Sexto é importante porque, levando a \termo a direção do pensamento iniciadocinco \ séculos antes, deixou-nos o que sepoderia [ chamar de "suma" do Ceticismoantigo. Seus \ Csboços pirrônicosapresentam esta "suma"i de modo sintético. Sua vasta obra emonze : livros, com o título Contro osmatemáticos, é ; apresentado, ao contrário,de modo analíti-

i co e com a tentativa sistemática derefuta- \ ção das várias formas dedogmatismo.\ Sexto atenua algumas posições do Ce-1 ticismo radical. Cm particular, enquantoPirroi reduzia a realidade ao puro fenômeno, Sex-I to reintroduz a distinção entre aquilo que |aparece a nós e o objeto existente para ]além do fenômeno (como existente em si1 para além do seu aparecer ou nõo).Cie afir- j ma que o fenômeno seja oafecçõo do su- ‘ jeito em contraposição aoobjeto externo. í fís fórmulas céticos que

1. Denominações do Ceticismo

O direcionamento cético se chama“inves- tigativo", pela ação do investigar edo indagar; "suspensivo", por causa dadisposição de espírito que, depois daindagação, conserva em relação ao objetoindagado, e "dubitativo", justamente, porseu duvidar e investigar a respeito de todasas coisas, como alguns afirmam, ou porcausa da sua perícia em afirmar ou negar, e"pirrônico", porque parece-nos que Pirro, de

modo maior e mais manifesto de todos osque o precederam, tenha contribuído para

2. O que é o Ceticismo

O Ceticismo explica seu valor ao

contrapor os fenômenos e as percepçõesintelectivas de qualquer modo, razão pelaqual, em conseqüência da igual força dosfatos e das razões contrapostas, chegamos,antes de tudo, à suspensão do julgamento e,portanto, à impertur- babilidade. Dizemos"valor", sem acrescentar a esta palavranenhuma significação sutil, em seu sentidosimples em relação ao verbo "valcsr". Apalavra "fenômenos", damos, agora, osignificado de "dados do sentido", e por issocontrapomos a estes as "percepções dointelecto". O acréscimo, depois, "de qualquermodo", pode referir-se às palavras "explica

seu valor" (damos, conforme dissemos, àpalavra “valor" sua significação simples eplana), e às que vêm a seguir, "contrapõe osfenômenos e as percepções intelectivas". C,na verdade, porque fazemos estacontraposição de vários modos, opondofenômenos a fenômenos, ou percepçõesintelectivas a percepções intelectivas, ouaqueles a estos, para compreender todas ascontraposições dizemos "de qualquermodo". Ou entõo se refere aos fenômenos eàs percepções intelectivas, como a dizer “dequalquer modo aqueles e estas aconteçam",isto é, sem procurar de qual modo se têm osfenômenos ou de que maneira aspercepções intelectivas, mas tomando estosdenominações em seu significado simples eplano. Por "razões contrapostas" nãoentendemos, absolutamente, a afirmação ea negação, mas, simplesmente, razões quese combatem entre si. Por "igual força",depois, entendemos paridade em relação àcredibilidade e à nõo credibilidade, de modoque nenhuma das duas razões contrastantesseja preferida à outra. "Suspensão do

 julgamento" é uma atitude da mente, razãopela qual nem rejeitamos nem aceitamos.

"Imperturbabilidade", depois, eqüivale àausência de perturbações e serenidade deespírito. Como à suspensão do julgamentosegue-se a imperturbabilidade, nós odemonstraremos lá onde falaremos do fimdo Ceticismo.

3. O Cético

 Junto com o conceito dodirecionamento cético demos, também, o dofilósofo pirrônico, no que se refere à suafaculdade. Com efeito, chama-se assimaquele que participa da faculdade daqueledirecionamento.

4. Princí ios do Ceticismo

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Sétima parte - Os últimos desenvolvimentos da filosofia paga a ntiga

de natureza oito © nobre, perturbados peladesigualdade que percebiam nas coisas, e

não sabendo a quais delas deveriam depreferência dar seu consentimento,puseram-se a procurar em que consistiria averdade e a falsidade nas coisas, a fim dealcançar, mediante tal decisão, aimperturbabilidade. fllém disso, o princípiofundamental do Ceticismo é, sobretudo,isto: a toda razão se opõe umo razão deigual valor. Com isso, de fato, cremosconseguir não estabelecer nenhum dogma.

5. Se o Cético dogmatiza

Dizemos que o Cético não dogmatiza,

mas no sentido em que alguns tomam estapalavra, para os quais, comumente, é dogmaconcordar com uma coisa qualquer, uma vezque o Cético assente às impressões que seseguem necessariamente às representaçõessensíveis, flssim, por exemplo, sentindo calorou frio, não diria: "creio que não estousentindo calor ou frio”: mas digamos que nãodogmatiza no significado que outros dão àpalavra dogma, isto é, concordar comalguma das coisas que são obscuras 0 queconstituem obj0to de p0squisa por parte dasciências (o pirrônico não concorda com nadaobscuro). Mas também não dogmatiza ao

proferir, a respeito das coisas obscuras, asexpressões céticas, como "por nada mais",ou entõo, "não estabeleço nada" e algumaoutra de que logo falaremos. Com efeito,aquele qu© dogmatiza põe como verdadeirae real a sua asse- veraçõo assim chamadadogmática, ©nquanto o Cético põe estasexpressões não como verdadeiras e reais emsentido absoluto, flssim como, de fato, aexpressão "todas as coisas sõo falsas"afirma, junto com a falsidade de todo o resto,também a falsidade de si mesma (diga- se omesmo da expressão ''nada é verdadeiro"),também o Cético entende que a expressão

”por nada mais” afirma "por nada mais"também de si mesma, e dessa formacircunscreva a si mesma junto com o resto.O mesmo dizemos das outras expressõescéticas, fl não ser que, s© aquele quedogmatiza põe como verdadeira e real a suaasseveração, e o Cético, ao contrário,profer© suas expressões d© modo que elospossam ser circunscritas por si mesmas, nãose poderá dizer qu© ©I© dogmatiza aoproferir tais expressões. €, o que mais im-

-

afirmando categoricamente nada a respeitodas coisas que estão fora dele.

6. Se o Cético tem uma seita

Analogamente nós nos comportamosao responder ò pergunta se o Cético t®muma seita. Se, com efeito, por seitaentendermos uma propensão o muitosdogmas, que têm entre si e com osfenômenos certa coerência, e por dogmaentendermos o assentimento a uma coisaobscura, afirmamos que o Cético não temuma seita.

7.Critério do Ceticismo

Que prestemos fé nos fenômenos éclaro por tudo o que dizemos a respeito docritério do direcionamento cético. "Critério"se diz de dois modos: o que crê naexistência ou inexistência d© uma coisa[...] e o que se refere à conduta, razão pelaqual, referindo-nos a ele, durante nossa vidafazemos algumas coisas 0 outras não.. Dissofalaremos agora. Dizemos, portanto, que ocritério do direcionamento cético é ofenômono, isto é, a roprsssntação sensívelque, apoiando-se sobre a persuasão e sobrea impressão involuntária, não pode ser

objeto d© investigação. Por isso, ninguém,talvez, contestará qu© o obj©to apareçaassim ou assim, mas se levantará a questãosobre isto, se é tal como aparece. Daí,referindo-nos aos fenômenos, vivemos semdogmas, observando as normas da vidacomum, pois não podemos viver sem fazerabsolutamente nada. Csta observância dasnormas da vida comum pareceserquadripartida, 0 consistir, em parte, noguia da natureza; om part0, no impulson0C0SSÓrio dos d0sejos; parte, ainda, natradição das leis e dos costumes; 0,finalm0nt0, 0m part0 no 0nsinam©nto das

art0s. Na guia da natureza, ©nquanto somospor natureza providos de sentido e deinteligência; no impulso necessário dosdesejos, enquanto a fome nos conduz para aalimentação, a sede para a bebida; na tradi-ção dos costumes e das leis, enquanto consi-deramos a piedade como um bem, aimpiedade como um mal em relação à vidacomum; no ensinamento das artes,enquanto não ficamos inativos nas artes queaprendemos. Todavia, dizemos que tudo issofica lon e de ual uer afirma ão do mática.

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íSapí+ulo cÍÁcimo se^ío

Plotmo a o eoplafoKvismo

I. £^\êrvese e.

es+m+um do sistema

•Amônio Sacas fundou a Escola Neoplatônica de Alexan-  Amônjo

dria. Entre seus discípulos sobressai Plotino (205-270 d.C.), o úl- e

P/oüno timo dos grandes pensadores gregos que, com um imponente §i_ 2 sistema, se coloca, em certa medida, no mesmo plano de Platãoe Aristóteles.

• Para Plotino a realidade se articula em três hipóstases (= substâncias):o Uno, a Inteligência/Espírito, e a Alma.

 Todo ser subsiste e é aquilo que é em virtude de sua "unidade", a qual ésuperior ao ser, porque é sua causa. No vértice da realidade há umahipóstase, o Uno-bem, capaz de dar unidade a todas as coisas, de infinita

potência. Todavia, nosso raciocínio pode captar apenas entes finitos e conotaçõesdefinidas das coisas. Por conseguinte, deste Um o Uno supremo supremo sepode falar prevalentemente em termos negativos, -»§ 3 ou seja, pode-se dizersobretudo o que não é. Ou se pode falar dele em termos positivos, mas porvia analógica: por exemplo, pode-se dizer que é pensamento, entendendocom isso que se "assemelha" ao pensamento, mas, na realidade, é "super-pensamento"; ou se pode dizer que é "vida", mas na realidade é "super-

"

• Plotino também se põe o problema, totalmente novo no pensamentogrego, do por que o Uno existe, e por que é o por que Q uno que é. existe, e por que

A esta pergunta ele responde, introduzindo o revolucio- é aquilo que é nárioconceito de "autocriação": o Uno existe porque se auto- -»§ 3 criou; e é aquilo

que é, ou seja, Bem absoluto, porque quis ser no melhor modo possível.

• Outro problema de grande importância metafísica é "por que e comodoUno derivaram as coisas"; com efeito, se o Uno gozava já de absolutaperfeição,por qual motivo produziu algo diferente de si?Plotino responde, notando primeiro que o gerar do Unonão o empobrece (como a luz produzida por uma fonte nãoempobrece aquela fonte), e além disso que o gerado ésempre

de natureza inferior em relação àquele que gera. A geração 

Por que e comodo Unoderivaram osmuitos ->§4

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Capítulo décimo sexto - Ploti no e o /\) eopI aton i s mo

• Também a matéria, apesar da sua negatividade, tem razão de ser nosistema plotiniano: ela constitui a etapa extrema  A matéria da processão a

partir do Uno, em que a potência que deriva do -> § 7 Uno se enfraqueceu, aponto de não ter mais a força para contemplar. E, uma vez que acontemplação é a força que permite criar, a matéria é um negativo. Mas,enquanto ela é vivificada e como que resgatada pela Alma, de algum modoespelha as formas das hipóstases superiores e assume, à medida do possível,o positivo.

• O homem é fundamentalmente sua alma, e a alma hu- 0 homemmana é um momento da hipóstase Alma, da qual participa o éa su a almacaráter de atividade; portanto, também quando está no corpo, _»§ ga alma exercita todas as atividades cognoscitivas, incluindo a sensação, quePlotino não entende como momento passivo, mas como "pensamento oculto"da alma.

• A condição ideal da alma é a liberdade; mas esta se obtém apenas natensão para o Bem, ou seja, mediante a separação do corpóreo e a reuniãocom o Uno. Exatamente nisso está o vértice da ética plotiniana: na"unificação" — ou, como também diz, no "êxtase" —, ou seja, na capacidadede despojar-se de tudo, de toda alteridade, e de unir-se ao  A via do retornoUno. Tal itinerário é chamado também de via do "retorno" ou ao Unoda "conversão", enquanto devolve o homem às origens de seu -> § 9-10 ser.

lição, exclamou: “Este é o homem que eubuscava!” E com ele ficou nada menos que

onze anos. Ademais, através de Porfíriosabemos que Plotino “atinha-se ao espíritode Amônio no método de investigação” e,além disso, sabemos também que grandeparte do conteúdo de seu pensamentoprovinha de Amônio.

Como todos os escritos dos mais insig-nes discípulos pagãos de Amônio se perde-ram, restando apenas as Enéadas dePlotino, não podemos saber o quantoPlotino deve a Amônio. Mas o fato seguinte,relatado pela tradição, é particularmenteeloqüente. Certo dia foi à Escola de Plotinoum seu ex- condiscípulo da Escola deAmônio. Plotino procurou evitar iniciar alição e, instado pelo amigo, respondeu:“Quando o orador sabe estar falando apessoas que já conhecem aquilo que elequer dizer, cessa qualquer ardor.” E, depoisde breve conversação, foi embora. Não éfortuito pensar que a relação entre Amônioe Plotino tenha sido mais ou menos a queexistiu entre Sócrates e Platão. (Entre osdiscípulos de Amônio, os mais célebresforam Orígenes o Pagão, Lon- gino e Erênio.Orígenes, o Cristão, de que falaremosadiante, também assistiu às lições de

Amônio, talvez antes que Plotino chegassea Alexandria.)

y\mônio S>c\cas; o

mestre de Plotino

Com Numênio de Apaméia chegamosaos umbrais do Neoplatonismo, mas a forjaem que os líderes desse movimento setemperaram foi a Escola de Amônio Sacasem Alexandria, entre os sécs. II e III d.C.Através de Porfírio, sabemos que Amônio foieducado em uma família cristã; mas, depoisque passou a se dedicar à filosofia, voltou àreligião pagã. Não pertenceu ao círculo decelebridades consagradas de seu tempo,mas viveu vida esquiva e afastada dosclamores do mundo e cultivou a filosofiaentendida como exercício, não apenas deinteligência, mas também de vida e deascese espiritual, junto com poucos dis-cípulos profundamente ligados a ele. Infe-lizmente nada escreveu e seu pensamentoé de difícil reconstrução. Mas os fatosseguintes, entre outras coisas, mostram queseu pensamento foi de excepcionalprofundidade e alcance. Chegando aAlexandria, Plotino ouviu todas ascelebridades que então professavamfilosofia na cidade, mas continuou

insatisfeito. Levado por um amigo a

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358 - •SétifHã parte - (Ds úl+imos desenvolvimentos da filosofia pagã an+iga

^  TA vida, as obras ^e a Escola de Plotino

Plotino passou a pertencer ao círculode Amônio em 232 d.C. (com vinte e oitoanos, tendo nascido em 205 d.C., em Licó-polis), permanecendo até 243 d.C., ano emque deixou Alexandria para seguir o impe-rador Gordiano em sua expedição oriental.Fracassada a expedição, devido à morte doimperador, Plotino decidiu ir para Roma,onde chegou em 244 d.C., lá abrindo umaEscola. Entre 244 e 253 d.C., apenas profe-riu palestras, sem nada escrever, por fideli-

dade a um pacto que estreitara com Erênioe Orígenes, o Pagão, no sentido de não di-vulgar as doutrinas de Amônio. Mas logoErênio e Orígenes romperam o pacto. As-sim, a partir de 254 d.C., Plotino tambémcomeçou a escrever tratados, nos quais fi-xava seus ensinamentos. Seu discípulo Por-fírio ordenou esses tratados, que são emnúmero de cinqüenta e quatro, dividindo- osem seis grupos de nove, guiando-se pelosignificado metafísico do número 9, de ondeo título de Enéadas (ennea, em grego, signi-fica “nove”) dado a esses escritos, que nos

chegaram integralmente, e que, juntamentecom os diálogos platônicos e os esotéricosaristotélicos, contêm uma das mais eleva-das mensagens filosóficas da antiguidade edo Ocidente.

Plotino gozou de enorme prestígio.Suas aulas eram freqüentadas até por polí-ticos poderosos. O próprio imperador Ga-liano e sua mulher Solonina apreciavamnosso filósofo a tal ponto que chegaram aexaminar um seu projeto de fundar uma ci-dade de filósofos, que deveria se chamarPlatonópolis, cujos habitantes teriam de“observar as leis de Platão”, ou seja, viver

realizando a união com o divino. O projetofracassou devido às tramas dos cortesãos.Plotino morreu aos sessenta e seis anos, em270 d.C., por causa de uma doença que oforçara a interromper suas lições e retirar-se para longe dos amigos.

Suas últimas palavras ao médico Eus-tóquio (que espelham bem, além das fina-lidades do seu filosofar, o escopo de fundoda sua Escola) soam como autênticotestamento espiritual, que sela para sempresua doutrina: “Procurai unir o divino que háem vós com o divino que há no universo.”

primeiro absoluto,

 p^odiA^or de si mesmo

Plotino realizou verdadeira e própriarefundação da metafísica clássica,desenvolvendo posições que são novas emrelação a Platão e Aristóteles. E verdadeque há em Platão elementos plotinianosante litteram e que, na história posterior doPlatonismo, esses elementos foramconsideravelmente fermentados (oNeopitagorismo, o Médio- platonismo e oNeo-aristotelismo constituem etapas

essenciais, sem as quais o Neo- platonismoseria impensável), mas também é verdadeque, em Plotino, eles se tornam algo novo eoriginalíssimo.

Segundo Plotino, todo ente é tal emvirtude de sua “unidade”: retirada aunidade, retira-se o ente. Ora, há princípiosde unidade em diversos níveis, mas todospressupõem um princípio supremo deunidade, que ele denomina precisamente de“Uno”, e o concebe “acima” do ser e dainteligência.

A concepção do Uno-Bem como algo“acima do ser” e, implicitamente, acima dainteligência (e portanto também da vida), játransparecia em Platão. Mas somente emPlotino encontra-se a motivação radical eúltima desse “estar acima”, a qual consiste precisamente na “infinitude” do Uno. Assim,é compreensível que Plotino tenda a dar aoUno caracterizações e definições  predo-minantemente negativas: com efeito, comoinfinito, não se aplica a ele nenhuma dasdeterminações do finito, que são todas pos-teriores. A expressão “além de tudo” é aúnica que resulta adequada. E, quando re-fere caracterizações positivas ao Uno, Plo-

tino usa linguagem analógica.O outro termo que Plotino usa com

freqüência é “Bem” (agathón). Obviamente,não se trata de um bem em particular, masdo Bem-em-si, ou melhor, daquilo que éBem para todas as outras coisas que delenecessitam. Em suma, é o Bem “absoluta-mente transcendente”, o Super-Bem.

Assim, fica claro o sentido das afirma-ções plotinianas de que o Uno está “acimado ser, do pensamento e da vida”. Essasafirmações não significam que o Uno é não-ser, não-pensamento e não-vida, mas simque é Super-ser, Super-pensamento eSuper-vida.

 

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Capítulo décimo sexto - Plotino e o AJeo platonismo

que há o Absoluto e por que ele é o que é?Esta é uma pergunta que nenhum dos filó-

sofos gregos se pusera (e à qual talvez Plo-tino tenha sido impelido por causa de suapolêmica antignóstica), tocando verdadei-ramente nos limites da metafísica por suaacuidade. E a resposta de Plotino alcançaum dos cumes mais elevados do pensamen-to ocidental: o Uno se “autocoloca”, é “ati-vidade autoprodutora”, é “o Bem que secria a si mesmo”. Ele é como quis ser. Equis ser assim como é, porque é “o que demais elevado se possa imaginar”.

O Uno, portanto, é atividade autopro-dutora, absoluta liberdade criadora, causade si mesmo, aquilo que existe em si e para

si, “o que transcende a si mesmo”. Aconcepção do Absoluto como causa sui ou“au- tóctise”, de que falará a filosofiamoderna, já está plenamente presente emnível temático e sistemático em Plotino,

idéia, alcança picos ainda mais elevados doque os alcançados por Platão e Aristóteles.

fàí ^ processão das coisas a

partir do ÍAno

Por que e como as outras coisas deri-varam do Uno? Por que o Uno, bastantepara si mesmo, não permaneceu em simesmo? A resposta dada por Platino a esseproblema também constitui um dos vérticesda antiguidade e um “unicum” na históriada filosofia do Ocidente.

A resposta a esse problema muitas

vezes ficou subentendida, porque quase to-dos os leitores das Enéadas se detiveramnas imagens que Plotino apresenta parailustrá- la. A mais célebre dessas imagensé, certamente, a da luz. A derivação dascoisas a

Cabeça de mármorerepresentando Plotino (205-270 d.C.), a última grandevoz da antiguidade greco-pagã e um dos maioresfilósofos antigos e de todosos tempos. Conserva-seno Museu de Ostia Antiga.

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Sétima parte - Os úl+imos desenvolvimentos da filosofia paga antiga

partir do Uno é representada pela irradiaçãode uma luz a partir de uma fonte luminosa

em forma de círculos sucessivos, como “luzda luz!”. Outras imagens, não menosfamosas, são a do fogo que emana calor, ada substância odorífera que emana perfu-me, a da fonte inexaurível que gera rios, ada seiva das árvores que produz e perpassao todo a partir das raízes, e a dos círculosconcêntricos que se expandem pouco apouco a partir de um centro único.

 Todavia, essas imagens ilustram so-mente um ponto da doutrina, ou seja, o deque o Uno produz todas as coisas permane-cendo firme e, ao permanecer, gera, semque o seu gerar o empobreça e o condicione

de algum modo: aquilo que é gerado éinferior ao que o gerou e não serve ao que ogerou. Mas a doutrina plotiniana é muitomais rica do que as imagens de que sevaleu com objetivos puramente didáticos.

Eis o núcleo central de seupensamento.

Existe: a) uma atividade do Uno, que éaquela pela qual o Uno é Uno e “permane-ce” Uno; b) uma atividade que deriva doUno, que é aquela pela qual do Uno procedealgo diverso dele. A segunda atividade,obviamente, depende da primeira.

a) A atividade do Uno consiste no au-tocolocar-se do Uno, na liberdade auto-criadora do Uno e, portanto, é livre porexcelência.

b) Ao contrário, a atividade queprocede do Uno é sui generis, porque é“necessidade” que depende de um “ato deliberdade” (poder-se-ia dizer que énecessidade desejada).

Isso é suficiente para mostrar que nãose pode falar de “emanação”, mas sim de“pro- cessão” das coisas a partir do Uno, eque a “processão” não é mera necessidadedo tipo usual,  porque se segue à suprema

atividade, que é absoluta liberdade (emtermos teológicos diríamos que, paraPlotino, Deus não cria livremente o outro apartir de si, mas cria livremente a si mesmocomo potência infinita; esta, por sua vez, se

|Üi ^ segunda kipóstase: o"J\]ous" ou (Sspírito

Da primeira realidade suprema ou hi-póstase deriva a segunda, que Plotino cha-ma de Nous. Para ficar claro, esse Nous é a

inteligência suprema aristotélica, que con-tém em si todo o mundo platônico das

Idéias, isto é, a Inteligência que pensa atotalidade dos inteligíveis. A tradução deNous por “Intelecto” empobrece osignificado original do termo; por isso, seriamelhor traduzi-lo por “Espírito”, comofazem muitos, entendendo com isso a uniãodo supremo Pensamento com o supremoPensado.

O Espírito nasce do modo seguinte. Aatividade que procede do Uno é como umapotência informe (espécie de “matéria inte-ligível”) que, para subsistir, deve a) voltar-se para a “contemplação” do princípio doqual derivou e fecundar-se ou preencher-se

dele, e depois, b) deve voltar-se para simesma e contemplar-se, assim fecundada.

a) No primeiro momento, nasce o serou substância ou conteúdo do pensamento.

b) No segundo momento, nasce o  pen-samento propriamente dito.

Assim nasce também a multiplicidade(dualidade) de pensamento e pensado, bemcomo a multiplicidade no pensado, dadoque o Espírito, quando se vê fecundado peloUno, vê em si a “totalidade das coisas”, ouseja, a totalidade das Idéias. Enquanto oUno era a “potência de todas as coisas”, o

Espírito torna-se “todas as coisas” ou aexplicação de todas as coisas no planoideal. O mundo platônico das Idéias,portanto, é o Nous, o Espírito. As Idéias nãosão apenas pensamento do Espírito, maselas próprias são Espírito, Pensamento.

Assim, o Espírito plotiniano torna-se oSer, o Pensamento, a Vida por excelência. Écosmo inteligível no qual o Todo ecoa emcada Idéia e, vice-versa, cada Idéia sereflete no Todo. E pura Beleza, já que aBeleza é essencialmente forma. iMffYI

6 A terceira Kipóstase: a y\!

ma

Da mesma forma que o Uno, se quisertornar-se mundo das Formas e Pensamento,ou seja, se quiser pensar, deve tornar-seEspírito, assim também, se quiser criar umuniverso e um cosmo físico, deve tornar-seAlma.

A Alma deriva do Espírito do mesmomodo como este deriva do Uno.

Existe: a) uma atividade do Espírito,

que é aquela que o faz ser tal e quecoincide com a examinada acima; e existe

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Capítulo décimo sexto - Plotino e o Aleopla+onismo

O resultado da atividade que procedea partir do Espírito não é sem mais (ou seja,

imediatamente) a Alma. Analogamente aoque vimos a propósito do Espírito em rela-ção ao Uno, também a potência que proce-de da atividade do Espírito volta-se paracontemplar o próprio Espírito. Voltando-separa o Espírito, a Alma recebe sua própriasubsistência (hipóstase) e, através do Espí-rito, vê o Uno e entra em contato com opróprio Bem.

Essa vinculação da Alma com o Uno-Bem constitui um dos eixos básicos de todoo sistema plotiniano, ou seja, o fundamentonão apenas da atividade criadora da Almamas também da possibilidade de “retorno

ao Uno”.A natureza específica da Alma não

consiste no puro pensar (do contrário não sedistinguiria do Espírito), mas sim no dar vidaa todas as outras coisas que existem, ouseja, a todas as coisas sensíveis,ordenando-as, dirigindo-as e governando-as.E esse “ordenar, dirigir e comandar”coincide com o gerar e fazer viver aspróprias coisas. A alma, portanto, éprincípio de movimento e também émovimento ela mesma. Ela é a “últimadeusa”, ou seja, a última realidade inteligí-

vel, a realidade que confina com o sensível,sendo causa ela própria.A Alma tem, portanto, “posição inter-

mediária” e, por isso, tem como “duas fa-ces”, porque, gerando o corpóreo, emboracontinue sendo e permanecendo realidadeincorpórea, “acontece-lhe” de relacionar-secom o corpóreo por ela produzido, mas nãono modo do corpóreo. Ela, portanto, podeentrar em qualquer parte do corpóreo “semdesviar-se da unidade do seu ser” e, assim,pode tornar-se toda-em-tudo. Nesse senti-do, pode-se dizer que a alma é divisa-e-in-divisa, una-e-múltipla. Portanto, a Alma é

“uno-e-muitos”, ao passo que o Espírito é“uno-muitos”, o Princípio primeiro é somen-te “Uno” e os corpos são apenas “muitos”.

Para que se entenda bem essa últimaafirmação, devemos recordar que, paraPlotino, a pluralidade da alma, além de “ho-rizontal”, também é “vertical”, no sentidode que é uma hierarquia de almas.

a) Em primeiro lugar, há a “Alma Su-prema”, a Alma como pura hipóstase, quepermanece em estreita união com o Espíritodo qual provém.

b) Depois, há a “Alma do todo”, que é

a Alma enquanto criadora do mundo e douniverso físico.

c) Por fim, há também as almas parti-culares, aquelas que “descem” para animar

os corpos, os astros e todos os seres vivos.E claro que todas as almas derivam daprimeira, não só mantendo com ela umarelação de uno-e-muitos, mas também sen-do “distintas” da Alma suprema sem serdela “separadas”. ggSfgral

do cosmo físico

Com a Alma encerra-se a série de hi-

póstases do mundo incorpóreo e inteligívele, como dissemos, dela deriva o mundosensível. Contudo, por que a realidade nãotermina com o mundo incorpóreo e existetambém um mundo corpóreo? Como surgiuo sensível? Qual é seu valor?

A novidade que Plotino introduz na ex-plicação da origem do cosmo físico está so-bretudo no fato de que ele tenta deduzir amatéria, sem pressupô-la como se fossealgo que se contraponha ao primeiroprincípio desde a eternidade.

A matéria sensível deriva de sua cau-

sa como possibilidade última, ou seja, comoetapa extrema do processo em que a forçaprodutora se enfraquece até exaurir-se.Desse modo, a matéria torna-se exaustãototal e, portanto, privação extrema da po-tência do Uno (e, assim, do próprio Uno) ou,em outros termos, privação do Bem (quecoincide com o Uno). Nesse sentido, amatéria é “mal”; mas o mal não é forçanegativa que se oponha ao positivo, mas ésimplesmente carência ou “privação” dopositivo. A matéria também é consideradanão-ser, “porque é diversa do ser, e jaz sobele”.

O mundo físico, portanto, nasce doseguinte modo: a) inicialmente, a Alma criaa matéria, que é como que a extremidadedo círculo de luz que se torna obscuridade;b) em seguida, dá forma a essa matéria,quase que expulsando sua obscuridade e, àmedida do possível, recuperando-a para aluz. Obviamente, as duas operações nãosão cronologicamente distintas, masapenas logicamente. A primeira ação daalma consiste no enfraquecimento dacontemplação, a segunda na extremaredenção da própria contemplação. O

mundo físico é um espelho de formas, que,por seu turno, são a reverbe

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362Sétima parte - Os úl+imos desenvolvimentos da filosofia pagã antiga

ração das Idéias e, desse modo, tudo é for-ma e tudo é logos.

E como nasce a temporalidade?A resposta de Plotino é muitoengenhosa. A temporalidade nasce daprópria atividade com que a Alma cria omundo físico (ou seja, algo distinto doInteligível, que, ao contrário, pertence àdimensão do eterno). Colhida pelo “desejode transferir para um diverso a visão lá decima”, a Alma não se satisfaz com o vertudo “simultaneamente”: sai da unidade,avança e se distende em umprolongamento e em uma série de atos, quese sucedem uns aos outros, colocando as-sim em sucessão de antes e depois aquilo

que, na esfera do Espírito, é simultâneo.  A Alma cria a vida como temporalidade, comocópia da vida do Espírito, que está nadimensão da eternidade. E a vida comotemporalidade é vida que transcorre emmomentos sucessivos e que, portanto, estáconstantemente voltada para momentossempre posteriores e carregada dosmomentos transcorridos.

Nessa visão, nascer e morrer tornam-se nada mais que jogo móvel da alma quereflete suas formas como em um espelho,

 jogo em que nada perece e tudo se

conserva “porque nada pode ser canceladopelo ser”. Julgado na justa ótica, o cosmo físico é

perfeito. Efetivamente, ele é cópia que imi-ta o modelo e não é o modelo. Mas, comoimagem, revela-se a mais bela imagem dooriginal. De resto, como todas as hipóstasesdo mundo supra-sensível, o próprio cosmo“existe para Ele e olha para cima”. Plotinoimpele a espiritualização do cosmo aos li-mites do acosmismo: a matéria é forma ín-fima, o corpo é forma, o mundo um jogomóvel de formas, a forma está vinculada às

8 AJatureza e des+i no

do kornem

O homem é fundamentalmente a suaalma. E todas as atividades da vida do ho-mem dependem da alma. A alma é impassí-vel, capaz somente de agir. A própriasensação, para Plotino, é ato cognoscitivoda alma. Com efeito, quando sentimos, onosso corpo sofre uma alteração por partede outro corpo; mas, por outro lado, nossaalma entra em ação, não só no sentido de

que a alteração corpórea “não lhe escapa”,mas também no sentido de que ela “julga”

as alterações. Mais ainda: para Plotino, naimpressão sensorial que se produz nos ór-gãos corpóreos, a alma vê (embora em umnível mais fraco e debilitado) o rastro deformas inteligíveis e, portanto, para a alma,a própria sensação é uma forma decontemplação do inteligível no sensível.

De resto, isso nada mais é do que ocorolário que brota da concepção plotinianado mundo físico, segundo a qual os corpossão produzidos pelos logoi, ou seja, pelasformas racionais da Alma do universo (quesão um reflexo das Idéias), e a elas se redu-zem em última análise, de modo que, em

certo sentido, as sensações revelam-senada mais que “pensamentos obscuros”, aopasso que os pensamentos dos inteligíveissão “sensações claras”.

Aliás, para nosso filósofo, a sensação étanto mais possível quanto mais a almainferior que sente está ligada à Alma supe-rior, que tem percepção dos inteligíveis pu-ros (a anamnese platônica); ademais, o sen-tir da alma inferior capta as formassensíveis como que irradiando-as com umaluz que emana dela, proveniente

 justamente daquela posse originária que a

Alma superior tem das formas.E, assim como a sensação, Plotinotambém interpreta como atividades daalma a memória, os sentimentos, aspaixões e as volições, e tudo o que a eles seliga.

A atividade mais elevada da alma con-siste na liberdade, que é estreitamente liga-da à imaterialidade. A liberdade seidentifica com a volição do Bem. Enquanto aliberdade do Uno é liberdade de seautocolocar como Bem absoluto, aliberdade do Espírito está em permanecerindissoluvelmente ligado ao Bem, e a

liberdade da Alma consiste em tender parao Bem, através do Espírito, em diversosníveis.

Os destinos da alma consistem na reu-nião com o divino. Plotino retoma a escato-logia platônica, mas sustenta que  já nestaterra é possível realizar a separação do cor- póreo e a reunião com o Uno. Os filósofosda era helenística já haviam insistido bas-tante no fato de que a felicidade plena podeser desfrutada nesta terra, até mesmoentre tormentos físicos. Plotino reafirmadecididamente esse conceito, mas destaca

que o ser feliz até entre tormentos físicos,no “toro de Falárides” (ou seja, entre

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Capítulo décimo sexto - Ploti no e o AJeopla tonismo

transcendente que pode nos unir ao divinoenquanto o corpo sofre. Assim, aquilo que

fora o ideal supremo da época helenística éposto a nu em sua ilusoriedade, quandoperseguido no plano da pura imanência:apenas com um sólido vínculo com atranscendência é possível aquilo que aépoca helenística procurara em vão em

l|j|j|| CD retomo 0.0 ^Absolutoe o êxtase

São múltiplos os caminhos do retornoao Absoluto: a) o da virtude; b) o da eróticaplatônica; c) o da dialética. Mas, a estestradicionais, Plotino ainda acrescenta umquarto caminho: o da “simplificação”, que é“reunião com o Uno” e “êxtase” (uniomystica).

Com efeito, as hipóstases derivam doUno por uma espécie de “diferenciação” e“alteridade” ontológica, às quais se acres-centam no homem as alteridades morais.  Areunião com o Uno se dá pela retirada des-sas alteridades. E isso é possível porque a“alteridade” não existe na hipóstase doUno. No homem, ao invés, a alteridade está

presente, e despojar-se de toda alteridadesignifica para ele deixar o mundo sensível ecorpóreo reentrar em si mesmo, na própriaalma; depois, despojar-se da parte sensitivada alma; em seguida, da palavra e da razãodiscursiva; por fim, “emergir na contempla-ção d’Ele”.

A frase que resume de forma icástica oprocesso de purificação total da alma quequer unir-se ao Uno é a seguinte: “Despoja-te de tudo”. Mas, nesse contexto, despojar-se de tudo não significa empobrecer-se ouanular-se a si mesmo, e sim, ao contrário,significa ampliar-se, preencher-se comDeus, com o Todo, com o Infinito.

Ao menos em uma passagem essa uni-ficação com o Uno é denominada por Plo

tino como “êxtase”. O “ êxtase”plotiniano não é um estado de

inconsciência, e sim de hiperconsciência;não é algo de irracional ou hipo-racional, mas sim hiper-racional. Noêxtase, a alma se vê divinizada e preen-chida pelo Uno.

E indubitável que a doutrina do êxtasefoi difundida nos meios alexandrinos porFílon, o Judeu. Entretanto, deve-se destacarque enquanto Fílon, no espírito bíblico, en-tendia o êxtase como “graça”, ou seja,como “dom gratuito” de Deus, emharmonia com o conceito bíblico de que éDeus que faz dom de si e das coisas por elecriadas ao homem, Plotino o insere em uma

visão que se mantém ligada às categoriasdo pensamento grego: Deus não faz domde si aos homens, mas os homens podemsubir até ele e a ele se reunir por sua força

gUll Originalidadedo pensamento plotiniano

Como vimos, em toda a “processão”metafísica o momento principal do qualnasce a “hipóstase”, ou seja, o momento de

criação, coincide com a “contemplação”.A própria atividade prática, mesmo

em seu mais baixo grau, procura “com umgirar perdido” conquistar a contemplação.De fato, que finalidade quer alcançar quemse dedica à ação? “Certamente não a denão conhecer, mas, ao contrário, a deconhecer aquele objeto dado, decontemplá-lo”.

Em suma, para Plotino a atividadeespiritual de ver e contemplar setransforma em criar. E a contemplação ésilêncio metafísico.

Nesse contexto, o “retorno” ao Unoocorre mediante o êxtase, que é simplifica-ção e “contemplação” em que sujeito quecontempla e objeto contemplado sefundem. É a famosa “fuga do só para o Só”,

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364 ^ •SétifHã pãVte - Os últimos desenvolvimentos da filosofia paga antiga

II. Desenvolvimentos 1—*

do A) eoplatonismo e fim dafilosofia pagã antiga

• O Neoplatonismo teve evolução complexa, que se articulou em váriasescolas sucessivas com orientações diversas:

a) a orientação metafísico-especulativa, quecaracterizava  As Escola  as esco'as c*e Amônio e de Plotino (respectivamente, aprimeira

Escola de Alexandria, fundada por volta de 200, e a Escolade §1 Roma, fundada por volta de 244 d.C.);

b) a orientação que unia ao rigor filosófico a inspiraçãomístico-religioso-teúrgica, e que caracterizou sobretudo a Escola siríaca de Jâmblico (pouco depois de 300 d.C.) e a Escola de Atenas de Prodo (sécs. IV-V d.C.);

c) o direcionamento religioso prevalentemente teúrgico, com escassaimportância filosófica, típico da Escola de Pérgamo (por volta de 325 d.C.);

d) por fim, o direcionamento erudito próprio da segunda Escola deAlexandria (sécs. V-VII).

• Proclo de Constantinopla (410-485 d.C.) levou o Platonismo àsextremas conseqüências, pondo ordem nas leis que governam a geração detodas as coisas.

A lei da processão, já formulada por Plotino,determina-se Prodo: a lei como dinâmica de três momentos: da  permanência,

ou seja, do da permanência/  princípio que permanece; da processão, ou seja, dasaída do processão/  principiado a partir do princípio, e do retorno ouconversão, ouconversão seja, da reunião do principiado com o princípio.

Esta lei, que em Plotino se referia às hipóstases emgeral, em Proclo se refere a cada momento da realidade também nosparticulares. Neste processo o produtor permanece idêntico a si mesmo, oproduto é semelhante ao produtor (não sai em sentido radical, não se tornatotalmente outro), mas lhe é inferior e, exatamente por isto, tendeestruturalmente a retornar ao princípio.

• Outra lei importante é a do ternário — retomada do Filebo de Platão —,que considera toda realidade, sensível e supra-sensível, como um "misto"

■lllli gemidas Escolas neoplatônicas, de

suas tendências e de seus

expoentes

Resumindo tudo o que dissemos econtemplando o panorama geral da filosofiapagã do período tardio antigo, temos o se-guinte quadro geral.

1) Primeira Escola de Alexandria, fun-dada por Amônio Sacas, provavelmente emtorno de 200 d.C., tendo seu auge ao longoda primeira metade do séc. III d.C. Comosabemos, os membros mais famosos dessaEscola foram Erênio, Orígenes, o Pagão, ePlotino, além do célebre literato Longino.(Provavelmente, também Orígenes, oCristão, foi aluno de Amônio.)

2) Escola fundada por Plotino em Ro-

ma, em 244 d.C., que floresceu ao longo da

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Capítulo décimo sexto - Plo+i no e o /\]e.opla+cmismo

segunda metade do séc. III d.C. Os membrosmais significativos dessa Escola foram

Amélio e Porfírio (233/234-305 d.C.), esteúltimo desenvolvendo sua atividade tambémna Sicília.

3) Escola da Síria, fundada por Jâmbli-co (que nasceu entre 240 e 250 d.C. emorreu em torno de 325 d.C.) pouco depoisde 300d. C., tendo seu auge durante asprimeiras décadas do séc. IV d.C.

4)Escola de Pérgamo, fundada porEdé- sio, discípulo de Jâmblico, poucodepois da morte deste último. Foramexpoentes dessa Escola sobretudo oimperador Juliano Apóstata, e seu

colaborador Salústio. A dissolução da Escolapode coincidir com a morte de Juliano (363d.C.).

5) Escola de Atenas, fundada por Plu-tarco de Atenas entre fins do séc. IV eprincípios do séc. V d.C., e consolidada porSiriano. Pro- clo de Constantinopla foi seuexpoente mais insigne. Outrosrepresentantes de relevo foram Damáscio eSimplício. A Escola foi fechada emdecorrência de um edito de Justi- niano, em529 d.C.

6) Segunda Escola de Alexandria, en-

tre cujos expoentes devemos mencionar Hi-patia, Sinésio de Cirene, Hiérocles de Ale-xandria. Essa Escola nasceu, ou melhor,renasceu contemporaneamente à Escola deAtenas, sobrevivendo até princípios do séc.VII d.C.

No que se refere às tendências dessasEscolas, devemos destacar o seguinte:

a) Plotino, com sua escola (como, tal-vez, também Amônio com seu círculo), re-presenta a tendência metafísico-especulativa pura. Com efeito, ele mantémsua filosofia bem distinta tanto da religião“positiva” como das práticas mágico-

teúrgicas, e sua própria religiosidade foi decaráter tipicamente filosófico. Emboracedendo em alguma coisa, também osseguidores de Plotino não chegaram, a nãoser de modo parcial e não substancial, atransformar o desempenho do mestre, comoveremos.

b) A Escola de Jâmblico e a Escola deAtenas representam como que uma síntese- ou, se preferirmos, uma combinação —entre a tendência filosófica e a tendênciamís- tico-religioso-teúrgica: além deespeculação filosófica, o Neoplatonismo

torna-se também fundamento e defesaapologética da religião politeísta e assume

teúrgica e de clara decadência do compo-nente filosófico-especulativo.

d)A segunda Escola de Alexandria temcaráter predominantemente erudito,tendendo à simplificação do Neoplatonismo.Sua importância histórica e filosófica deve-se sobretudo aos comentários a Aristótelesproduzidos pela Escola de Amônio, fillho deHérmias (Asclépio, Olimpiodoro, Davi eEstêvão), que, em parte, chegaram até nós.Como dissemos, esses autores liamAristóteles como preparação introdutória aPlatão.

Entre todos esses filósofos Proclo é oúnico que se destaca de modo decisivo. En-tretanto, deve-se ressaltar a importância,

sobretudo histórica, de Porfírio e depois de Jâmblico, a quem remonta a responsabili-dade pela nova orientação filosófico-teúr-gica do Neoplatonismo.

Parece que Porfírio procurou inovarPlotino sobretudo na metafísica. Com efeito,com base nos estudos mais recentes, pare-ce que ele colocou no vértice da hierarquiauma enéada, ou seja, três hipóstases, cadauma delas caracterizada por uma tríade,talvez influenciado pelos Oráculos Caldeus.

 Jâmblico foi muito mais além. Pareceque chegou até a desdobrar o Uno em um

“Primeiro” e um “Segundo Uno”. Alémdisso, dividiu a hipóstase plotiniana doEspírito em um plano do “inteligível”,subdividido em uma tríade, e num plano do“intelectual”, ulteriormente distinto emforma triá- dica. E possível ainda que, entreesses dois planos, ele já tenha introduzidotambém o plano do inteligível-e-intelectual,posteriormente dividido em tríades. Etambém dis- tinguiu em uma tríade ahipóstase da Alma. Além de sob o aspectometafísico, essas hipóstases também eramapresentadas sob o aspecto religioso, sendoconsideradas deuses, de modo a poder

 justificar racionalmente o politeísmo. OsNeoplatônicos continuaram nesse caminhode distinções hipostáticas, de Teodoro deAsine, discípulo de Jâmblico, a Proclo eDamáscio, no qual esta tendência atingeseu ponto culminante. Mas, no caso de

2 Proclo: a úl+ima voz original da

antiguidade pagã

Proclo nasceu em Constantinopla noano de 410 e morreu em 485 d.C. Muitacoisa de sua rica produção chegou até nós,

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366 ' ■, , SétifHã parte - (Ds úl+imos desenvolvimentos da filosofia pagã antiga

destacando-se os comentários e alguns diá-logos platônicos, especialmente Teologia

 platônica e Elementos de teologia.Não nos deteremos na complexa siste-matização do mundo inteligível, com todasas suas divisões e subdivisões triádicas,porque a grandeza de Proclo não residenisso. Com efeito, ele se distinguiu peloaprofundamento das leis que governam aprocessão da realidade, ou seja,precisamente pelo aprofundamento daqueleponto que, como vimos, marcou acontribuição essencial do Neoplatonismo.

Em primeiro lugar, devemos destacara determinação perfeita que Proclo fez dalei ontológica que governa a geração de to-

das as coisas, entendida como processo cir-cular constituído de três momentos:

1) a “manência” (moné), ou seja, opermanecer em si do princípio;

2) a “processão” (próodos), ou seja, osair do princípio;

3)o “retorno” ou a “conversão” (epis-tropbé), ou seja, a reunião ao princípio.

Como vimos, Plotino já identificaraesses três momentos, que desempenhamem seu sistema papel bem mais complexodo que habitualmente se acredita.

Entretanto, Proclo vai além de Plotino,

levando essa lei triádica a um nível excep-cional de refinamento especulativo. A leivale não somente em geral, mas tambémem particular, à medida que expressa opróprio ritmo da realidade em suatotalidade, bem como em todos os seusmomentos particulares.

Assim como qualquer outra realidadeque produz algo, o Uno produz por causa“de sua perfeição e superabundância depoder”, segundo um processo triádico.

1)  Todo ente produtivo permanececomo é (precisamente devido à sua perfei-ção) e, por causa desse seu permanecer

imóvel e irredutível, produz.2)A “processão” não é uma transição,

como se o produto que dela deriva fosseparte dividida do produtor, mas é oresultado da multiplicação que o produtorfaz de si mesmo, em virtude de sua própriapotência. Ademais, aquilo que procede ésemelhante àquilo do qual procede, e asemelhança é anterior à dessemelhança: adessemelhança consiste apenas no fato deser o produtor melhor, ou seja, maispotente, que o produto.

3) Conseqüentemente, as coisas deri-

vadas têm afinidade estrutural com suascausas; ademais, aspiram a manter-se em

contato com elas e, portanto, a “retornar” aelas. Por isso, as hipóstases nascem por

razão de semelhança e não por razão dedessemelhança.O processo triádico é pensado em ter-

mos de círculo, não no sentido da sucessãode momentos, como se houvesse distinçãocronológica de antes e depois entre“manência”, “processão” e “retorno”, masno sentido da distinção lógica e, portanto,da coexistência dos momentos, no sentidode que todo processo é perene permanecer,perene proceder e perene retornar. Alémdisso, ressalte-se que, com base noprincípio da semelhança que ilustramos,não somente a causa permanece como

causa, mas também, em certo sentido, oproduto permanece na causa no mesmomomento em que procede, pelo motivo deque o proceder não é um “separar-se”, ouseja, um tornar-se totalmente outro.

Uma segunda lei, estreitamente ligadaa essa, é a do assim chamado “ternário”.Em estudos especializados, há muito queessa lei já fora indicada como “a chave dafilosofia de Proclo”, mas não havia sido aca-tada pela communis opinio. Agora, porém,foi reafirmada e posta em primeiro plano.Proclo considera que toda realidade, em to-

dos os níveis, do incorpóreo ao corpóreo, éconstituída por estes componentes essen-ciais: 1) o limite (péras) e 2) o “ilimite”(ápeiron) ou “infinito” (que são como formae matéria); conseqüentemente, 3) todo enteé como que a “mistura” ou a síntese deles(essa é uma tese evidentemente derivadado Filebo e das doutrinas não escritas dePlatão).

A lei do ternário (que consiste, portan-to, no fato de ser todo ente constituído pelolimite, pelo ilimite e pela diferente misturados dois) não vale somente para as hipós-tases superiores, mas também para a alma,

para os entes matemáticos, para os entesfísicos; em suma, para tudo, sem exceção.

Nesse contexto, a matéria (sensível)vem a ser a última infinitude (ou ilimitação)e, assim, “é boa em certo sentido” (ao con-trário do que pensava Plotino), enquanto é aúltima efusão do Uno segundo a lei unitáriada realidade.

Os Elementos de teologia, dedicados àilustração desses princípios e às leis geraisdo sistema, constituem a obra mais vigoro-sa de Proclo, visto que, nela, o filósofo, ti-rando dos ombros em grande parte a preo-

cupação dominante da Teologia platônica,

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Capítulo décimo sexto - Ploti no e o ^Jeoplatonismo

que era a de defender o politeísmo pagão efundamentar o  pantheon metafísico capaz

de acolher todos os deuses, concentra-se noessencial, apresentando-nos um tratado me-tafísico de primeira categoria. Foi precisa-mente isso que possibilitou a essa obra umgrande sucesso, também na Idade Média.

É ü■ 0 f im da filosofia pagã antiga

O fim da filosofia pagã antiga temdata oficial, ou seja, 529 d.C., ano em que

 Justi- niano proibiu aos pagãos qualquerofício público e, portanto, também a

possibilidade de manter escolas e ensinar.Eis um trecho significativo do Codex 

de Justiniano: “Nós proibimos que seja en-sinada qualquer doutrina por partedaqueles que estão afetados pela loucurados ímpios pagãos. Por isso, que nenhumpagão simule estar instruindo aqueles que,desventurada- mente, freqüentam sua casaenquanto, na realidade, nada mais estáfazendo do que corromper as almas dosdiscípulos. Ademais,

que não receba subvenções públicas, já quenão tem nenhum direito derivado de escri-

turas divinas ou de editos estatais para ob-ter licença para coisas desse gênero. Sealguém, aqui (em Constantinopla) ou nasprovíncias, resultar culpado desse crime enão se apressar a retornar ao seio de nossasanta Igreja, juntamente com sua família,ou seja, juntamente com a mulher e osfilhos, recairá sob as referidas sanções,suas propriedades serão confiscadas e elepróprio será enviado ao exílio.”

Esse edito é sem dúvida muito impor-tante para o destino da filosofia greco-pagã, bem como a data em que foipromulgado. Entretanto, devemos destacar

que o ano de 529 d.C., como todas as datasque abrem ou encerram uma época, nadamais faz do que sancionar com umacontecimento de repercussão aquilo que jáera realidade produzida por toda uma sériede acontecimentos anteriores.

O edito de 529 d.C., portanto, nadamais fez do que acelerar e estabelecer dedireito aquele fim ao qual, de fato e por simesma, a filosofia pagã antiga estavadestinada inexoravelmente.

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Sétima pattB - Os úl+imos desenvolvimen+os da filosofia pagã an+iga

PLOTINOAS TRÊS HIPÓSTASES

UNO - Primeira hipóstase

Características próprias do Uno

todo ente é tal por causa de sua unidadepor isso é superior ao ser é infinitapotência criadora se autocria (=autóctise) é superior ao pensamento,porque é causa do pensamento (= Nous)é superior ao Bem, porque é causa doBem do Uno pode-se falar ou por viaanalógica ou por via negativa

Atividades próprias do Uno- atividade do Uno: permite ao Uno criar-se e ser o que é- atividade a partir do  Uno: permite aoUno criar as hipóstases inferiores- o Uno é absolutamente livre quando criaa si mesmo, mas, uma vez criado, éforçado a produzir as outras hipóstases- as atividades do  e as atividades a

partir do  são próprias de todas ashipóstases é uma necessidade que sesegue a uma liberdade

NOUS (ou Intelecto ou Espírito) - Segunda hipóstaseEnquanto pensamento, rompe a unidade do Uno, introduzindo a dualidadepensamento/pensado, e a multiplicidade das Idéias que pensa. E, portanto, um-muitosAs Idéias pensadas pelo Nous em certo sentido correspondem às Idéias platônicas, enquantosão o verdadeiro Ser; em outro sentido se diferenciam delas porque não são puros inteligíveis,mas são também inteligências e, portanto, são forças ativas, elas mesmas criadorasO Nous é, portanto, pensamento por excelência, Ser por excelência (por via das Idéias quecontém) e Vida por excelência, enquanto a atividade do pensar é a mais alta forma de vida OUno devia tornar-se Nous para poder pensar 

ALMA - Terceira hipóstaseA Alma tem como atividade específica a de criar o mundo. É a última deusa, isto é, a últimarealidade inteligívelA alma é una-e-muitos, em sentido horizontal, enquanto se divide nos vários corpos, e emsentido vertical enquanto é hierarquicamente subdividida em:

 Alma suprema, que permanece em estreita união com oEspírito Alma do Todo, que cria o cosmo físico Almas particulares,que descem para animar os corpos A essência da Alma é em todo casoúnica e, portanto, ela está toda em tudo O Uno devia tornar-se Alma para poder criar 

HOMEMO homem é sobretudo natureza espiritual. Ele, portanto, tende a reunir-se com sua origem,isto é, com o UnoEsta tentativa realiza-se com um processo chamado “via do retorno” e que acontece por meioda virtude, da erótica e da dialéticaConsiste em uma progressiva “simplificação”, eliminando tudo o que é múltiplo e material, atéo momento do êxtase ou união mística com a Primeira hipóstase

O homem deve despojar-se de tudo

MATÉRIAE o produto da Alma, mas não tem mais a força de contemplar sua fonte e, por isso, é estéril enão cria mais nadaA matéria deve ser sustentada pelas almas que nela traduzem as Idéias do Nous

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Capítulo décimo sexto - Plo+i no e. o /'Oeopla+onismo

PLOTINO

fís três hipóstases:Uno, €spírito (NousJ e filma

O princípio do quol derivam todas ascoisas é o Uno. 6 o Uno produz todas ascoisas p0la sua superabundância. 6 osupero- bundôncia é a sua infinito potência.OSeré o primeiro produto do Uno; e o Serolhando a si próprio torna-se Inteligência

(Nous, Espírito). Do Nous proced0,ult0riormente, a Filma que, por sua vez,produz a Natureza em suas várias Formas.

O Uno é todas as coisos 0 nõo 0nenhuma delas: com ©feito, o princípio detodas as coisas nõo 0 todas as coisas, mastodas d0Í0 derivam, uma vez  qu0 daquelemodo a ele retornam; ou m0lhor, nele nõoestão, mas estarão.

Porém, como pod0m d0rivar do Uno,

s© ele é simples 0 não mostra 0m sinenhuma multiplicidade e distinção?Uma vez que n0nhuma coisa estava

nele, por isso todas dele derivam: para queo ser exista, é necessário que o Uno nõoS0ja o ser, mas o gerador do ser. O ser écomo qu© S0U primogênito. O Uno, comefeito, 0 p0rf0ito, enquanto não procuranada, não possui nada, não temnecessidade de nada, 0, por isso, su-p0rabunda 0 sua sup0rabundância produziuoutra coisa. O gerado se volta paro sipróprio e de tal modo olha para si próprio: eisto é o Nous. Seu estar em relação com o

Uno gera o ser, o olhar pora si próprio gera oNous (o Espírito). €, uma vez que se detémpara se contemplar, torna-se ao mesmot0mpo espírito 0 ser. £, uma vez qu0 0imagem do Uno, ele produz uma coisasemelhante a si, explicando sua ricapotência; a coisa gerada 0 imag0m dele, as-sim como o fepírito 0 imag0m de quem lheé superior e o gerou. €st0 ato que procededo ser 0 a Alma; o €spírito permaneceimóvel ao gerá-la, assim como permaneceimóvel o Uno ao gerar o êspírito.

A alma, porém, não geropermanecendo imóvel: ela se move pora

produzir uma imagem de si. Olhando para oser do qual d0riva, ©Ia permanece

uma imagem de si, a sensação, e anatureza que ostá nas plantas. Todavia,

nada ©stá separado e cortado daquilo queo precede; por isso, porece que a alma seestenda até as plantas; e de certo modo elaaí se estende, pois a potência negativa lhepertence; porém não se estende inteira,mas vem a encontrar-se nas plantasenquonto que, descendo assim paro obaixo, produz no seu processo e por bene-volência para com as coisos inferiores outraexistência. Mas ela deixa que sua parte su-perior, que está em contato com o fepírito eque é o seu espírito, permaneça imóvel emsi m0sma.

 

O Uno e a processão dasoutras hipóstases e de todasas outras realidades a partirdo Uno

Para dar uma explicação alusiva emsentido metafísico da processão das hi-póstases 0 de todas as outras realidadeso partir do Uno, Plotino se valeu de algu-

mas imagens que se tornaram muito fa-mosas.fí imagem certamente mais famosa é

a da luz 0 da derivação das realidades apartir do Uno como luz a partir da luz. OUno é como que a fonte da luz, que irradialuz na forma de círculos sucessivos. Oprimeiro círculo de luz é o Nous, ou seja, asegunda hipóstase; o outro círculo éo dafílma. O círculo que vem depois marca oextinguir-se da luz e é o da matéria.

€xiste C0rtam0nt0 um centro e ao

redor dele um círculo que dele emanairradiando, e em torno deste outro círculo:luz a partir do luz. Além destos, o novocírculo não é mais círculo d© luz porqu©não tem luz própria, e por isso temnecessidade de luz alheia: ele é mais comouma roda, ou melhor, como esfera que doterceiro lugar recebe — uma vez que lhe écontígua — toda o luz que dele emana.

A grande luz, irradiando, permaneceimóvel e o esplendor que dela ©mona s©difund© conforme o razão, mas as outrosluzes irradiam ao mesmo tempo e em parteestão firmes, em part© são atraídas p©loesplendor daquilo que é iluminado.

Plotino, €néadas, IV, 3, 17.

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Sétima parte - Os úl+i mos desenvolvimentos da filosofia pagã antiga

fl segunda hipóstase: o

Nous, Inteligência ou €spírito

O Nous, ou Espírito ou Inteligência,procede do Uno do seguinte modo. Flquiloque procede do Uno é por siindeterminado, e se determina voltando-separa o Uno e pensando o Uno, ou melhor, asi mesmo fecundado pelo Uno. Nasceassim o múltiplo inteligível, ou seja, omundo das Idéias. O mundo platônico dasIdéias torna-se de tal modo parte in-tegrante da segunda hipóstase, comoobjeto da suprema Inteligência na sua

totalidade.Por conseguinte, se o Uno é a

potência de todas as coisas, ou seja, oprincípio do qual derivam todas as coisas, oEspírito ou Inteligência suprema é todas oscoisas, ou seja, a totalidade dos entesinteligíveis, objeto de pensamento dasuprema Inteligência. Logo, podemos dizerque a segunda hipóstase, para Plotino, é atotalidade do ser em todas as suasmúltiplos articulações inteligíveis e oensamento na sua lobal idade ue

O oto de pensar não é o primeiro nem

na ordem ontológica nem em dignidade,mas tem o segundo lugar e se produzporque o Bem o faz existir e, uma vezgerado, o atrai para si: e assim opensamento é movido e vê. Pensar querdizer mover-se para o Bem e desejá-lo. Odesejo gera o pensamento e ao mesmotempo o faz existir, o desejo de ver gera avisão. Portanto, o próprio Bem não devepensar nada, uma vez que não há outracoisa que seja o seu bem. € também opensamento de si mesmo não eXiste a nãoser em um ser diferente do Bem: e este serpensa porque é semelhante ao Bem e tem

uma imagem do Bem, porque o Bem setornou o objeto de seu desejo e porquerepresenta para si o Bem. € se acontecesempre assim, sempre ele pensa.Pensando o Bem ele pensa a si mesmo poracidente; olhando o Bem ele pensa a simesmo: no seu ato ele se pensa, pois todoato é dirigido para o Bem.

Plotino, Enéadas, V, 6, 5.

físsim como do Uno deriva o Espíritoou Inteligência, também do Espírito deriva a

Rima. O que procede do Espírito é comoes........................ 1  ... —Sn*1

-----„---------------------------------------------------------------------------------pécie de matéria inteligível, que se torna

Filma voltando-se para o Espírito e contem-plando-o. Econtemplando o Espírito que, porsua vez, contempla o Uno, ou seja, o Bem, aRima contemplo tombém ela o Uno ou Bem.Eomo o Espírito é a imagem do Uno, tam-bém a Rima, analogamente, é a imagem do€s írito.

Passemos agora a falar da alma e adizer como sua contemplação, seu amorpela ciência e pela pesquisa, o esforço paragerar que deriva daquilo que ela conhece esua plenitude fazem com que a alma,tornada completamente objeto decontemplação, produza outro objeto decontemplação. Do mesmo modo a arte,quando chega à perfeição, produz outraarte, em certo sentido menor, no aprendizque dela possui uma imagem: todavia, estesobjetos que ele contempla e imagina em sisão obscuros e incapazes de subsistir.

fl primeira parte da alma está no alto,vizinha ao topo, eternamente satisfeita eiluminada, e permanece em cima; a outraparte, que participa da primeira, enquantodela participa, procede eternamente, vida a

partir da vida: ela é, com efeito, atividadeque se difunde em todo lugar e estápresente por todo lugar, fl alma,procedendo, deixa imóvel sua parte superiorno lugar que abandonou; com efeito, se elaabandonasse a parte superior, não estariapor todo lugar, mas apenas onde elatermina. Mas aquilo que procede não é igualàquilo que permanece. Se, portanto, énecessário que a alma esteja em todo lugar,se não há lugar onde esteja ausente suaatividade e se o que existie antes é diferentedaquilo que existe depois, se toda atividadederiva ou de uma contemplação ou de uma

ação, de uma ação que ainda não existia —pois a ação não pode preceder a con-templação — segue-se necessariamenteque a segunda contemplação é mais fracado que a primeira, mas é semprecontemplação: de modo que a ação quederiva da contemplação parece sercontemplação bastante fraca. Com efeito, ogerado é sempre necessariamente domesmo gênero daquele que o gerou, mas émais fraco, porque na descida perde suaforça. Tudo isso acontece no silêncio, porquea alma não tem necessidade nem de coisavisível nem de contemplação que proceda

do exterior, nem de ação; aquela quecontempla é, porém, alma, e sua parte que

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, - . 371

Capítulo décimo sexto - Plotino e o .Neoplatonismo ....................-

Com efeito, nem a contemplação nem seuobjeto têm limite. €la, por isso, está em todo

lugar. Com efeito, onde não está? 61a estáem toda alma, sempre a mesma, pois nãoestá circunscrita no espaço. Não está,porém, do mesmo modo em todas as coisas,nem em todas as partes da alma. Por isso(diz Platão), "o cocheiro forma parte com oscavalos doquilo que viu" e eles o acolhem; eé cloro que desejam aquilo que viram, poisnõo o acolheram completamente. €, sedesejam, agem, agem em vista do objetoque desejam. € este é objeto de contem-plação e contemplação.

 

Purificação do olmoe reconjunção como Absoluto

Com base nas passagens que lemos,torna-se fadlmente compreensível que aalma pode se libertar da "queda",eliminando todas as "diferenças" ou"alteridades" que provocaram suaseparação das realidades superiores.

físsim como o olho, para ver o objeto,deve tornar-se semelhante ao objeto, tom-bém o alma deve tornar-se divina e belapara poder ver o Divino e a Beleza que é oEspírito, manifestação suprema do Bem,ou sejo, do fíbsoluto.

Para despojar-se de toda olteridade, aalma do homem deve:

a) reentrar em si mesma;b) separar-se depois também da

parte afetiva de si mesma;c) até de si mesma;d) unindo-se, deste modo, com o pró-

prio Uno.

fl alma, purificado, torna-se forma,razão, torna-se totalmente incorpóreo,intelectual e pertence inteiramente ooDivino, onde está o fonte da beleza e deonde nos vêm todos as coisas do mesmogênero, fl almo, portanto, reconduzida àinteligência, é muito mais bela que as coisossensíveis. Mas a inteligência e aquilo quedela derivo é para a alma uma belezapróprio, não alheio, pois a alma então estáverdadeiramente só. Por isso se diz

 justamente que o bem e o beleza da olmoconsistem em se assemelhar a Deus, uma

depois, é verdadeira realidade, enquanto afealdade é uma natureza diversa, fl mesma

coisa são, em primeiro lugor, p feio e o mau;assim são a mesma coiso o bom e o belo, ouo Bem e a Belezo. é preciso, portanto,buscar, com o mesmo método, o bem e obelo, o feio e o mal. € preciso observar antesde tudo que o Belo é o mesmo que o Bem,do qual a inteligência extrai suo beleza: e aalma é bela para a inteligência: as outrasbelezas—as das ações e das ocupações —são tois porque a almo as informa, fl alma,ainda, torna belos também os corpos quesão assim chamados: e uma vez que ela édivina e como que parte da beleza, ela tornabelas todos as coisas que toca e dirige,conforme a possibilidade destas departicipar da beleza.

 

fl reconjunção com o Uno ea "fuga do só poro o Só”

fí reunificação com o Uno, que, emseu momento culminante, Plotino chamatambém de "êxtase", é um estado quepoderíamos chamar de hiperconsciência ehiper-racio- nalidade. fí alma, no êxtase,vê a si mesma "endeusada" e tornadaparticipante do Unoe, portanto, em certo sentido, plenamenteassimilada ao Uno, ou, como diz Plotinocom bela expressão metafórico que, demodo esplêndido, concluí as Enéados, é

C isto quer dizer a prescrição dosmistérios que proíbe manifestar Deus aosnão iniciados, vetando como ilícito desvelaraquilo que é divino àqueles que não podem

compreendê- lo. Portanto, uma vez que nõoeram dois, mas um, o contemplante e ocontemplado, como se este não fossecontemplado mas unido, aquele que assimfoi, se pudesse recordar-se de quando seuniu com Deus, teria em si a imagem dopróprio Deus. Mas também ele próprio erauno e não tinha nenhuma diferença nem emsi nem em relação a outro. Com efeito, emDeus nada se move, nem em quem seelevou até Deus existe ira ou desejo, nõosomente, mas nem mesmo raciocínio oupensamento; também nem é mais simesmo, se podemos ossim dizer, mas,como raptado e absorvido em tranqüila

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Sétima parte - Os últi mos desenvolvimentos da filosofia paga antiga

tando-se oo redor, mas completamenteestável e como que tornado a própria

quietude. Nem olha as coisas belas, mastranscende o próprio belo e transcendetambém o coro das virtudes, semelhanteàquele que, entrando no interior dospenetrais, deixou para trás de si as estátuasdo templo, as quais, para ele, que sai denovo dos penetrais, se apresentam porprimeiro depois da visão interna, em que aunião ocorrera nõo com as estátuos nemcom as imagens, mas com Deus: elas são,portanto, uma segunda visão. Isto, porém,nõo é uma visão, mas outro modo de ver,um êxtase, uma volta à essência simples,uma potencialização de si, desejo de

conjunção e quietude e processo decompenetração, admitindo que se posso vernos penetrais. Uma vez que, olhandodiversamente, nada se vê. Também ossábios entre os profetas com estasfigurações simbólicas acenam para o modocomo se possa contemplar Deus. O sábiosacerdote, explicando o mistério, entrandonos penetrais, alcança ali a verdadeiravisão; se não entrar, considerando ospenetrais como invisíveis, como a fonte e oprincípio, o conhecerá como princípio; e seaí entrar, vê o princípio e se une o ele,

deseja aquilo que permanece da própriovisão: e o que permanece para aquele que

tudo transcende é o próprio Transcendente.Com efeito, a natureza da alma jamaischegará ao não-ser absoluto, mas, caindopara baixo, chegará ao mal, isto é, ao não-ser relativo, e não ao absoluto. Quando, aocontrário, tiver percorrido o cominhoinverso, não a outro, mas a si própriachegará, e assim, não estando em outro,não quer dizer que elo esteja no nada, masem si mesma; e estar apenas só em simesma e não no ser quer dizer estar emDeus.

Cada um, com efeito, não se tornaessência mas superior à essência porque se

compenetra com Deus. Se, portanto, alguémsouber contemplar-se assim, terá o simesmo como imagem de Deus e, seultrapassa de si para Cie, como do imagempara o exemplar, alcançará o fim de seucaminho. Mas se cair da contemplação, denovo, reavivando a virtude que está nele ereconhecendo-se inteiramente disposto,poderá elevar-se da virtude para opensamento e da sabedoria até Deus.

Csta é a vida dos deuses e dos homensdivinos e bem-aventurados: libertação dascoisas de cá embaixo, vida livre das amarras

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............................... . Capítulo ilécimo sétimo ............................................

7^ ciência MKVHCJO »Aa a imperial

I. O declínio da ciência kelenís+ica

• Na eraimperial, também depois da destruição da Biblioteca de Alexandria, o centroda pesquisa cultural e científica se deslocou de Alexandria para Roma, aí assumindo as características da mentalidade romana, mais prática do queteórica. De AlexandriaVerificou-se, por conseguinte, certa decadência dos níveis da a Roma ciênciaem geral, com exceção da astronomia e da medicina, que . § 1 encontraram

1 Roma torna-seo novo cenir-o cultural

 Já vimos que o momento mágico daciência helenística foi relativamente breve(cerca de um século e meio).

O ano de 145 a.C. marca a primeiragrande crise do Museu e da Biblioteca. O reiPtolomeu Fiscon entrou em grave desen-tendimento com os intelectuais gregos pormotivos políticos e, não podendo domar aresistência deles, constrangeu-os a abando-nar Alexandria. O fato marcou a ruptura dagrande aliança entre os representantes dainteligência grega e o trono egípcio, abrindoum período de decadência que se tornariairreversível. Depois, o Museu e a Bibliotecaretomaram suas atividades, mas em tomdecididamente menor.

O ano de 47 a.C. marca a segunda eta-pa da crise. Durante a campanha de Césarno Egito, a Biblioteca foi incendiada. Nessemomento, antes do incêndio, seus livros ha-viam atingido um total de setecentos mil,cifra enorme para a época. Salvaram-semuitos livros do incêndio, mas as perdasforam irrecuperáveis e, portanto, muito

Em 30 a.C., Otaviano conquistou Ale-xandria, e o Egito tornou-se província do

Império romano.E compreensível, portanto, que, na eraimperial, Alexandria já não desempenhasseum papel nem de longe comparável ao quedesenvolvera na era helenística. Romatornou- se o novo centro, onde osinteresses eram outros e outra a têmperaespiritual. Os romanos tinham interessespráticos e operativos, apreciandoresultados concretos e imediatos. Em suma:para os romanos, era estranha exatamentea dimensão especulativo- teorética que,como vimos, alimentara não só a grandefilosofia grega, mas também a grande

ciência helenística.Assim, não é difícil compreender por

que a era imperial foi uma era de epígonos,de figuras de segundo plano, salvo algumasexceções significativas, sobretudo nocampo da astronomia com Ptolomeu, emAlexandria, e no campo da medicina comGaleno, em Roma. Falaremos agora dessasduas grandes figuras da ciência, até porquea herança que deixaram constituiu ponto dereferência até os tempos modernos, sendocomo que uma grande ponte entre a anti-

uidade e o mundo moderno.

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SétifflU pãtte - Os úl+imos desenvolvimen+os da filosofia pagã a n+iga

 -- -- II. "P+ol omeu ----

e a sín+ese da as+ronomia an+iga

• Ptolomeu (séc. II d.C.) representou para a astronomia o que Euclidesrepresentou para a geometria: foi o grande sistematizador da teoriaastronômica.

Sua síntese se baseia sobre estas teses fundamentais:  A 

ustematizaçáo 1) o cosmo e a terra são esferiformes; da teoria 2) a terraestá parada no centro do universo, enquanto osgeocêntrica céus se movem ao redor dela com movimento circular;

•§1-2 3) as dimensões da terra em relação ao cosmo sãomíni

mas, equiparáveis às de um ponto.

 Tais princípios são tirados diretamente da experiência: não só o daesfericidade do céu, óbvio em si, mas também o da redondeza da terra, queé claramente atestado pelos sentidos (os objetos distantes aparecem à vistacomo que surgindo no horizonte). E assim também é demonstrável o fato deque a terra ocupa o centro do cosmo: ela é, com efeito, o ponto para o qualos corpos pesados caem.

Outro principio essencial é que todos os movimentos aparentes dosastros devem ser explicados com base em rbitas circulares, porque o

||J||j Vida e obras de "Ptolomeu

Ptolomeu de Ptolemaida (alto Egito) vi-veu no séc. II d.C., conjecturalmente sepensa entre os anos 100 e 170. Delechegaram até nós numerosos escritos, entreos quais sobressai o Sistema matemático(Mathematiké Syntaxis), que é a suma dopensamento astronômico do mundo antigo,o correspondente exato do querepresentaram os Elementos de Euclides nocampo das matemáticas. O Sistemamatemático é conhecido sob o nome de Almagesto, como de fato foi batizado pelosárabes. Com efeito, ele devia ser indicadocom o adjetivo meghistos, que significa “omaior” (o maior tratado de astronomia),mas que os árabes traduziram, com certadeformação, por “magesto”, acrescentando-lhe o artigo “al”.

Outras obras dignas de menção são aHipótese sobre os planetas, a Geografia, aÓtica, os Harmônicos, Sobre o juízo e ohege- nômico e o Tetrabiblo (que significa“livro quadripartido”). Este último era umaespécie de complemento astrológico do Almagesto, com grande sucesso na IdadeMédia, bem como no Renascimento, porque

codificava de modo equilibrado, inserindo-

num tipo de discurso científico, as crençasacerca das influências dos astros e as possi-

bilidades de predição astrológica.

m^ll O sistema ptolomaico

tSM O quadt*o teórico do

“.Almages+o"

No Almagesto, Ptolomeu preocupou- seem colocar de modo preciso sua pesquisano âmbito do quadro do saber que fora

traçado por Aristóteles. Este dissera que asciências se dividem em poéticas, práticas eteoréticas, sendo que as últimas se dividemem física, matemática e teologia (=metafísica). Ora, Ptolomeu estavaconvencido da nítida superioridade dasciências teoréticas, mas, entre elas, davaprioridade às matemáticas. A teologia temum objeto muito elevado, “numa distânciaque está além das coisas mais elevadas domundo”, e “absolutamente separado dascoisas sensíveis”; a física, ao contrário, dizrespeito a entes arrastados nas mutações,dado que estuda justamente as coisas

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Cãpítulo décimo SetimO - ciência antÍ0a na e**a impedia!

sua preferência pela matemática. Além dis-so, ela é de utilidade para a física com o es-

tudo analítico dos movimentos.Ademais, segundo Ptolomeu, a astro-nomia tem um preciso valor ético-educativo.

EES teses basilares de Ptolomeu

 Traçado o quadro teórico da obra, ve- jamos os conceitos técnicos de base.

No que se refere ao mundo e à terra,as teses fundamentais são as cincoseguintes:

1) o mundo (o céu) é esferiforme e mo-

ve-se como uma esfera;2) analogamente, considerada em seuconjunto, a terra é esferiforme;

3) a terra está situada “no meio domundo, como um centro”;

4) no que tange às distâncias egrandezas, a terra está, em relação à esferadas estrelas fixas (aquela que engloba océu), na relação de um ponto;

5) a terra “não realiza nenhum movi-mento local”, ou seja, é imóvel.

Posto que essas teses são os pontoscardeais do sistema geocêntrico, quepermanecerão até a revolução copernicana,

queremos ilustrá-los brevemente,apresentando os principais argumentos dePtolomeu.

1) A experiência demonstra que o céué esferiforme e move-se circularmente. Hátempo os homens chegaram a tais conclu-sões, vendo o sol, a lua e os astros desloca-rem-se do Oriente para o Ocidente segundocírculos paralelos, bem como a regularidadee a constância dos lugares em que ocorremo alvorecer e o pôr-do-sol. Sempre atendo-nos à experiência, o centro de taisrevoluções é único e coincide com a terra.

Qualquer outro tipo de movimento que nãofosse o esferiforme não poderia explicar osfenômenos que observamos.

2) A conclusão de que a terra éredonda prova-se, por exemplo, pelo fato deque o sol, a lua e as estrelas não surgem enão se põem ao mesmo tempo para os queestão em diversos pontos da terra, masprimeiro para os que habitam os países doOriente, depois para os que habitam ospaíses do Ocidente. Ademais, entre outrascoisas, prova-se pelo fato de que quemnavega em direção a montes ou lugareselevados, de qualquer direção que

provenha, os vê aumentarem progressiva- 

plicáveis. Eis como Ptolomeu resume seupensamento sobre esse ponto: “se a terra

não estivesse no centro, toda a ordemobservada dos incrementos e reduções danoite e do dia seria completamenteconvulsionada. Ademais, os eclipses da luanão poderiam ocorrer na posiçãodiametralmente oposta ao sol em relação atodas as partes do céu, dado quefreqüentemente a interposição da terraocorreria com estes dois astros em posiçõesnão diametralmente opostas, masseparadas por intervalos inferiores a umsemicírculo.”

4)A conclusão de que a terra tem umadimensão comparável a um ponto, em rela-

ção à esfera das estrelas fixas, prova-se,além disso, pelo fato de que, seja qual for aparte da terra da qual se observam agrandeza dos astros e suas distânciasrecíprocas, estas permanecem iguais emtoda parte.

5) A terra está imóvel no centro, por-que é o ponto em direção ao qual todos oscorpos pesados caem. Erram os que susten-tam que a terra gire em torno do próprioeixo do Ocidente para o Oriente, realizandouma volta por dia. Se assim fosse, omovimento deveria ser muito impetuoso

(dado que se cumpre no período de um dia)e então todos os corpos que não estãoapoiados na terra deveriam aparecer paranós como que realizando um movimento emdireção contrária; ademais, não poderíamosver nuvens rumando para o Oriente, nem sepoderia ver nada que é atirado ou que voa,porque o movimento da terra oultrapassaria sempre com sua velocidade.Se disséssemos que o ar também se move

 junto com os corpos no ar, nesse caso tudodeveria parecer estático e não se deveriaver nada avançar nem recuar.

6) O céu é feito de éter, por natureza

esferiforme e incorruptível.

E*1 Os movimentos dos

corpos celestes

O movimento das estrelas fixas expli-ca-se pelo movimento rotatório uniforme daesfera etérea concêntrica das estrelas fixas.Ao contrário, os movimentos do sol, da luae dos outros cinco planetas são explicadoscom as hipóteses já sustentadas sobretudopor Hiparco, mas engenhosamente reformu-ladas e habilmente completadas.

Os dois pontos básicos são:“ -

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3*76.......... Sétima parte - Os úl+imos détsenvolvimen+os da filosofia paga an+iga

2) explicar tudo sempre e só recorren-do a “movimentos uniformes e circulares,

dado que estes são os movimentos apro-priados à natureza das coisas divinas”.Os novos tipos de movimento circular

são:1) os das órbitas excêntricas, ou seja,

que possuem um centro não coincidentecom o da terra;

2) os das órbitas epicíclicas, ou seja,das órbitas que giram em torno de um cen-tro colocado sobre um círculo que, por suavez, também gira.

O círculo rotatório ao qual o epiciclo serefere chama-se “deferente”. Os epiciclos,colocados sobre deferentes excêntricos em

relação à terra e calculados em número emaneira conveniente, explicavamgeometricamente todos os “fenômenos”, ouseja, todas as aparentes “irregularidades”dos planetas.

Assim, Ptolomeu levava à perfeição o

Hiparco. O movimento dos planetas é cau-sado por uma “força vital”, de que são do-

tados por natureza. E isso resolvia o pro-blema tradicional dos “motores”, bem comoas complicações aristotélicas a esserespeito.

A engenhosidade com que Ptolomeuapresentou os cálculos, jogando comepiciclos e círculos excêntricos, garantiu àsua teoria um sucesso sem precedentes nocampo astronômico, tornando-o a autori-dade por excelência na matéria durante ca-torze séculos.

Ademais, o modo elegante com quesoube conjugar este racionalismo geométri-co de visão do cosmo com a doutrina das

influências astrais sobre a vida dos homenstornou a doutrina ptolemaica ainda maisaceita na grecidade tardia, que reencontra-va, transcrita em termos de razão matemá-tica, a sua antiga fé no destino que governatodas as coisas.

"Ecumene ou mapa do mundo conhecido”: é o Quadro I da Cosmographia de Ptolomeu emum códice do séc. XV (Nápoles, Biblioteca Nacional).

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' " • ' • 377Cãpítulo décifflO sétifflO -  y\ ciência antiga na e^a imperial

III. C\o\ eno

e a sín+ese da medicina antiga

•Galeno (séc. II d.C.), depois de crítica muito forte e articulada à figura eao papel do médico em seu tempo, fixou em uma grande construçãoenciclopédica o conhecimento médico, tirando-o das seguintes fontes:

1)dos conhecimentos anatômicos da medicina alexandrina;  AS fontes2)da biologia e zoologia de Aristóteles; da medicina3)da doutrina dos humores de Hipócrates; de Galeno4) dos contributos de Possidônio (teoria do pneuma e do -^>§1-3, calor

inato).Por fim, a estrutura geral da medicina e sua forma esquemática eram

tiradas do Timeu de Platão.

•Quanto aos conteúdos doutrinais essenciais, lembra-se que na base docorpo humano são colocadas as quatro qualidades (quente, frio, seco,úmido), por sua vez dependentes dos quatro elementos (fogo, ar, terra,água). As quatro qualidades concorrem, depois, para formar Os conteúdos umasérie numerosa de faculdades (por exemplo, as faculdades doutrinais pulsante,digestiva, respiratória etc.), que em concreto deter- ->§4 minam a naturezados viventes singulares. Entre estas faculdades predominam a atrativa (queatrai aquilo que é apropriado) e a expulsora (que afasta aquilo que écontrário).

Na psicologia Galeno assumiu a tripartição platônica de alma irascível,colocada no coração; alma concupiscível, colocada no fígado, e alma racional,

que se encontra no cérebro.• A doutrina de Galeno teve sorte muito grande na antiguidade, na Idade

Média e até no Renascimento, de modo que se consolidou uma espécie de"Galenismo", imóvel e repetitivo, o qual, além de trair o espíri- . „ tode Galeno, prejudicou o progresso da ciência médica. Galenismo

Vida e obms de ^a,e^° Galeno nasceu emPérgamo por volta de 129 d.C. Estudou na

própria cidade natal, depois em Corinto eem Alexandria. No ano 157, retornando aPérgamo, foi médico dos gladiadores (umposto então ambicionado). Em torno do ano163 foi para Roma, onde permaneceu cercade um triênio. Em Esmirna freqüentou asaulas do médio-pla- tônico Albino, comquem deve ter aprendido muito, dada apresença maciça de doutrinas platônicasem seus escritos.

O ano de 168 assinala uma virada de-cisiva na vida de Galeno. O imperador Mar-co Aurélio o chamou a Roma, convidando- oa segui-lo como seu médico pessoal na

expedição contra os germânicos. Uma sériede acontecimentos, logo depois dos prepa-rativos para a campanha, forçaram o impe-rador a voltar para Roma, onde Galeno afir-mou-se como médico pessoal de Cômodo,filho do imperador, enquanto este tornava apartir. Como médico da corte, Galeno tevetempo e dinheiro para dedicar-se às suaspesquisas e à elaboração dos principais li-vros. Sua fama foi tal que, ainda durante avida, eram produzidos e vendidos deusesfalsos, usando o seu nome. O próprio Gale-no narra, com evidente prazer, ter assistidoa uma divertida cena em uma bodega, naqual um romano culto desmascarava o li-vreiro, gritando que o livro que ele queria

vender-lhe como sendo de Galeno era falso,porque estava escrito em grego sofrível, in

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378 Sétima parte - CDs úl+imos desenvolvimentos da filosofia pagã antiga

Galeno(Pérgamo, *129 - Roma, f 200)em uma incisão do séc. XVI.

digno da pena de Galeno. Morreu prova-velmente em torno de 200 d.C.

A produção literária de Galeno deveriarecobrir vários milhares de páginas. Muitosdos seus escritos se perderam (alguns aindadurante a vida do autor), mas um número

considerável (cerca de uma centena de títu-los) chegou até nós.

Uma olhada no catálogo redigido pelopróprio Galeno na obra Os meus livros, em-bora limitada aos títulos gerais sob os quaisele relaciona e sistematiza cada tratado,pode dar uma idéia da importânciaverdadeiramente monumental da suaprodução. Eis o esquema:

1) obras terapêuticas;2) livros de doutrina prognostica;3) comentários a Hipócrates;4) livros polêmicos contra Erasístrato;5) livros referentes a Asclépio;

6) livros sobre as divergências emrelação aos médicos metódicos;

7) livros úteis para demonstrações;8) livros de filosofia moral;9) livros sobre a filosofia de Platão;10)obras relativas à filosofia de Aristó-

teles;11) obras sobre as divergências com a

filosofia estóica;12) obras referentes à filosofia de

Epicuro;13) livros sobre temas gramaticais e

retóricos.Entre as obras mais significativas

que chegaram até nós, podemosrecordar: Os procedimentos anatômicos-,A utilidade das partes-, As faculdadesnaturais-, O método terapêutico; O manualde medicina (que se tornoufamosíssimo) e Os comentários a

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Cãpítulo décimo sétiffio - y\ ciência an+iga na era imperial

 A nova figura do médico; o

verdadeiro médico deve ser

também filósofo

Galeno apresentar-se como o restaura-dor da antiga dignidade do médico, da qualHipócrates fora o exemplo mais significati-vo, aliás, seu paradigma vivo. SegundoGaleno, os médicos de seu tempo haviamesquecido Hipócrates, dando-lhe as costas,e lhes faz três gravíssimas acusações:

1) de serem ignorantes;2) de serem corruptos;3)de estarem absurdamente divididos.1) Segundo Galeno, a ignorância dos

novos médicos consistia sobretudo em: a)não possuírem mais o conhecimentometódico do corpo humano; b)conseqüentemente, não saberem distinguirmais as doenças segundo gênero e espécie;c) não possuírem claras noções de lógica,sem a qual não se pode fazer diagnósticos.Ignorando essas coisas, a arte médicatorna-se pura prática empírica.

2)A corrupção dos novos médicos con-siste: a) em entregarem-se à licenciosidade,b) na sede insaciável de dinheiro e c) napreguiça: vícios esses que confundem a

mente e a vontade.Logo, o médico precisa ter oconhecimento da verdade, a prática davirtude e o exercício da lógica, de modo que“quem é verdadeiro médico, é sempretambém filósofo”.

3) No que diz respeito à “divisão emseitas”, é necessário recordar que há algumtempo a medicina havia sofrido ruptura emtrês correntes:

a) a dos chamados “dogmáticos”, queeram assim denominados porque sustenta-vam que, no conhecimento dos fatores sau-dáveis e mórbidos nos quais se baseia a

arte médica, a razão exercia papeldeterminante;

b) a dos chamados “empíricos”, osquais sustentavam que, para a arte médica,bastava a pura experiência;

c) a dos “metódicos” (que seautodenominavam desse modo paradistinguir-se dos dogmáticos), quebaseavam a arte médica em algumasnoções esquemáticas muito simples(“restrição” e “fluxo”), com as quais expli-cavam todas as doenças.

Galeno rejeita sumariamente estes úl-

timos, considerando-os verdadeiro perigo

to, tempera o momento lógico com o expe-rimental, considerando ambos como igual-mente necessários.

Iglu y\ grande, construção

enciclopédica de (galeno e

seus componentes

Galeno apresentou, em sua imensaobra, a construção de uma grandiosaenciclopédia do saber médico. Confluiu paraessa enciclopédia grande parte do materialanteriormente adquirido, mas Galeno teve omérito de dar-lhe nova forma e de tê-lo

enriquecido com contribuições pessoais.Os ramos principais dos quais deriva a

imponente construção galeniana já forambem identificados em suas linhasfundamentais. M. Vegetti os resume nostópicos seguintes:

a) os conhecimentos anatômicosadquiridos pelos médicos do Museu deAlexandria, sobretudo por Erófilo eErasístrato;

b) elementos da zoologia e da biologiade Aristóteles, rigorosamente adaptados aocontexto de um mais severo teleologismo;

c) a doutrina dos elementos, das quali-dades e dos humores, proveniente da Esco-la hipocrática;

d) as doutrinas do “calor inato” e do“pneuma”, provenientes sobretudo de Pos-sidônio, com oportunas modificações;

e) a adoção do Timeu, lido em basesmé- dio-platônicas (como aprendera comAlbino), como quadro de conjunto e comoesquema geral para a construção daenciclopédia médica.

A esses elementos deve-se agregar aconcepção teleológica geral, que Galenodeduz sobretudo da tradição platônico-

aristotélica, mas que leva às últimasconseqüências, dotando-a de sua marcaprópria.

Ilustremos brevemente alguns destespontos, enquanto de outros falaremos maisadiante.

No que se refere à anatomia, é de senotar que Galeno alcançou sólida prepara-ção, em razão do motivo que lembramos etambém graças à prática assídua da disse-cação e da vivissecção, realizada especial-mente em símios, bem como por ter proce-dido (logo depois de incerto início, quando

se fazia esfolar os animais por um servente)

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Capítulo décimo sétimo - A ciência an+iga na et*a imperial

pneuma natural. As teses típicas do Fédonnão são aceitas por Galeno.

I yAs'mzões do granclí sucesso de galeno

A importante sistematização do sabermédico e das disciplinas nas quais se apóia,o claro esquema teórico (platônico e aristo-télico) e o elevado sentido religioso e moraldo pensamento de Galeno garantiram-lhesucesso enorme na Idade Média e no Renas-cimento.

Mas ocorreu com Galeno algo análogoao que sucedeu com Aristóteles: sua dou-

trina passou a ser tomada como “dogma” erepetida ao pé da letra, tornando-se desvir-tuada no seu espírito. Muitos de seus errosforam transmitidos por longo tempo, cons-tituindo, como tais, um obstáculo ao pro-gresso da medicina. Mas é preciso distinguirGaleno do galenismo, da mesma formacomo se deve distinguir Aristóteles doaristo- telismo. Assim como, na épocamoderna, foi necessário contestarAristóteles para destruir o aristotelismo, damesma forma foi necessário contestarGaleno para destruir o galenismo.

Miniatura tirada de um códice do Quatrocentos, que contém os escritos de Galeno traduzidos em latim. Na

imagem se vê Galeno que explica aos discípulos as virtudes de seus remédios à base de ervas (SãchsischeLandesbibliotbek, Dresden).

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382.......... Sétima parte - Os últimos desenvolvimentos da filosofia pagã antiga

Mas a excepcional estatura históricado personagem, apesar disso, continua

indiscutível.

ém ° fim das grandes instituições

científicas alexandrinas e o

declínio da ciência no mundo

antigo

No primeiro parágrafo do presente ca-pítulo recordamos os fatos que provocarama crise irreversível das instituições científi-cas que tornaram Alexandria grande. Paracompletar o quadro, recordemos agora oseventos que assinalaram seu fim.

Alguns cristãos consideravam um pe-rigo as instituições científicas que manti-nham conceitualmente em vida a religiãopagã, conservando a grande cultura queconstituíra seu suporte. Assim, em 391 d.C.,o bispo Teófilo promoveu o saque da Biblio-teca, que provocou graves perdasposteriores.

O golpe de misericórdia, porém, foidado pelos muçulmanos, que, depois deconquistada Alexandria, decidiram-se pela

total destruição da Biblioteca em 641 d.C.,considerando inteiramente inútil qualquerlivro que não fosse o Corão.

Ninguém pode avaliar a gravidade dasperdas provocadas por esses acontecimen-tos. Mas devemos destacar também outroaspecto. Os livros da Biblioteca de Alexan-dria eram rolos cilíndricos, muito grandes edifíceis de manejar. Em Pérgamo ocorreu

tendo os egípcios vetado a exportação dopapiro, que então era o material mais

precioso para se escrever, os sábios dePérgamo (rival de Alexandria) passaram autilizar outro material, que se reveloumelhor para a escrita e que passou a serchamado, em função do seu lugar deorigem, de “pergaminho”. Sua invençãodeu-se na segunda metade do séc. I d.C. Aolongo dos três séculos seguintes, se impôsdefinitivamente. Nasceu então o códice depergaminho. E tudo o que atravessou osséculos do mundo antigo chegou-nossobretudo nessa forma, muito mais práticae sólida que o antigo cilindro.

Voltando a Alexandria, recordemosque, embora perdendo pouco a pouco seuantigo esplendor no campo científico, pelosmotivos explicados, a cidade ainda conti-nuou como centro filosófico importantíssi-mo. Nela floresceu a última filosofia grega,com a Escola de Amônio (entre os sécs. II eIII d.C.) e com a Escola dos grandes comen-tadores neoplatônicos de Aristóteles (sécs.V-VI d.C.), da qual já falamos. Em Alexan-dria deu-se também a primeira tentativa defusão entre a filosofia grega e opensamento bíblico com Fílon, o Judeu, naprimeira metade do séc. I d.C. (recordemos

que os judeus eram muito numerosos emAlexandria). Todavia, sobretudo emAlexandria floresceu a Escola Catequética, apartir do final do séc. II d.C., em que setentou a primeira grande síntese entrefilosofia helênica e mensagem cristã,nascendo assim a Pa- trística, que lançou asbases do pensamento medieval e europeu,de que falaremos amplamente.

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Milão 1964; F. Copleston, Storia delia filosofia, 9vols., Paideia, Bréscia 1966-1984; G. DeRuggiero, Storia delia filosofia, 13 vols., Laterza,Bari 19671968; B. Farrington, Lavoro intellettualee lavoro manuale nelVantica Grecia, Feltrinelli,Milão 1970; I. P. Vernant, Mito e pensiero presso iGreci, Einaudi, Turim 1970; L. Geymonat (ecolaboradores), Storia dei pensiero filosofico escientifico, 6 vols., Garzanti, Milão 1970-1972 (aseguir citada como Geymonat, Storia); M. Dal Pra(diretor), Storia delia filosofia, vols. I-VI, Vallardi,Milão 1975-1976; G. Reale, Storia delia filosofiaantica, vols. I-IV, Milão 197519 80, 19 875; G. E.R. Lloyd, La scienza dei Greci, Laterza, Roma-Bari1978; N. Abbagnano, Storia delia filosofia, 4 vols.,

Utet, Turim 1991 (o vol. IV é de G. Fornero ecolaboradores).

De particular interesse são também:a) Grande Antologia Filosofica, dirigida por U.Padovani e M. F. Sciacca, vols. I-V, Marzorati, Mi-lão 1988: as introduções às seções antológicasparticulares são feitas por especialistas naquestão; as bibliografias são muito amplas, e aelas aqui remetemos de uma vez por todas.

b) Questioni di storiografia filosofica. La storia deliafilosofia attraverso i suoi interpreti, La Scuola,Brescia 1974-1976, em 6 volumes.

Instrumentos úteis para consulta são, por fim:Enciclopédia filosofica, sob os cuidados do Centro

di Studi Filosofici di Gallarate, Sansoni, Florença1967-1969; e a ágil Enciclopédia Garzanti di filo-sofia (e logica, linguistica, epistemologia, pedagogia,psicologia, psicoanalisi, sociologia, antropologiaculturale, religioni, teologia), sob os cuidados

"Para a presente bibliografia não nos propusemos,obviamente, nenhuma pretensão de ser completos, masprocuramos fornecer uma plataforma de partidasuficientemente ampla para qualquer aprofundamentoposterior sério.

Foram excluídas, de propósito, citações de revistas.Os volumes elencados estão todos exclusivamente em

língua italiana: é por isso que nunca indicamos, para osautores estrangeiros, que se trata de traduções.

das Redazioni Garzanti, com a consultoria geralde G. Vattimo em colaboração com M. Ferraris eD. Marconi, Garzanti, Milão 1994.Como fonte para os filósofos antigos veja-se:Diógenes Laércio, Vite dei filosofi, sob o cuidado

de M. Gigante, Laterza, Bari 1962.

Cap. 1. Gênese, natureza edesenvolvimento

 _________da filosofia antiga _________ 

 TextosG. Colli, La sapienza greca, vol. I, Adelphi, Milão1977. As passages de Aristóteles citadas nestecapítulo são tiradas da Metafísica e do Protrettico,para os quais veja-se: Aristóteles, La metafísica,sob o cuidado de G. Reale, 2 vols., Loffredo,Ná oles 1968, 19822; Id., Esortazione alia filosofia

Cap. 2. Os “Naturalistas”ou filósofos da “physis” ______________ 

 TextosA maior parte dos textos citados neste capítuloforam traduzidos por G. Reale em Storia deliafilosofia antica, vol. I, Milão 19875; veja-setambém tudo o que segue.Para os Pré-socráticos em geral: VV.AA., I Preso-cratici. Testimonianze e frammenti, sob o cuidadode G. Giannantoni, 2 vols., Laterza, Bari1969,19813 (as traduções aqui contidas são deG. Giannantoni, R. Laurenti, A. Maddalena, P.Albertelli, V. E. Alfieri, M. Timpanaro Cardini).Para os Jônicos: A. Maddalena, lonici. Testimo-

nianze e frammenti, La Nuova Italia, Florença1963. Para os Pitagóricos: M. Timpanaro Cardini,Pita- gorici. Testimonianze e frammenti, 3 vols., LaNuova Italia, Florença 1970.Para Melisso: G. Reale, Melisso. Testimonianze eframmenti, La Nuova Italia, Florença 1970.Para Empédocles: E. Bignone, Empedocle. Studiocritico, traduzione e commento delle testimonianzee frammenti, Turim 1916, Roma 19632.Para Anaxágoras: D. Lanza,  Anassagora. Testimo-nianze e frammenti, introdução, tradução ecomentário, La Nuova Italia, Florença 1966.

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Bibl iog^afia do primeiro volume

LiteraturaPara todo o capítulo vejam-se: G. Reale, Storiadelia filosofia antica, cit., vol. I, pp. 53-196, e

também as obras citadas nas notas e no vol. Vnos verbetes dos vários autores; W. Jaeger, Lateologia dei primi pensatorigreci, La Nuova Italia,Florença 1961; Id. Paideia. La formazionedeWuomo greco, vol. I, La Nuova Italia, Florença1967.

Cap. 3. A Sofistica

 Textos

M. Timpanaro Cardini, 1 sofisti, Laterza, Bari

1954. Literatura

L. Robin, Storia dei pensiero greco, Turim 1951; W.

 Jaeger, La teologia dei primi pensatori greci, cit.; A.Levi, Storia delia Sofistica, sob o cuidado de D.Pesce, Morano, Nápoles 1966; G. Reale, Storiadelia filosofia antica, cit.; cf. a bibliografia citadanas notas e no vol. V nos verbetes dospensadores mencionados.

Cap. 4. Sócrates e os Socráticos

menores Textos

Sócrates:  Tutte le testimonianze da Aristofane aSenofonte ai Padri cristiani, sob o cuidado de G.Giannantoni, Laterza, Bari 1971.

Literatura

L. Robin, Storia dei pensiero greco, cit.; F. Sarri,Socrate e la genesi storica dell’idea occidentale dianima, 2 vols., Abete, Roma 1975; G. Reale,Storia delia filosofia antica, cit.; cf. a bibliografiacitada nas notas e no vol. V nos verbetes dospensadores mencionados.

Cap. 5. O nascimento da medicina

 Textos

Hipócrates: Opere, sob o cuidado de M. Vegetti,Utet, Turim 1965.

Literatura

G. Reale, Storia delia filosofia antica, cit.; cf. a bi-bliografia citada nas notas e no vol. V nosverbetes dos pensadores mencionados.

Cap 6 Platão e a Academia antiga

LiteraturaW. Jaeger, Paideia. La formazione dell'uomo greco,vol. II, La Nuova Italia, Florença 1967; H. J.

Krãmer, Platone e i fondamenti delia metafísica.Saggio sulla teoria dei principi e sulle dottrine nonscritte di Platone con una raccolta dei documentifondamentali in edizione bilingüe e bibliografia,introdução e tradução de G. Reale, Vita ePensiero, Milão 1982; G. Reale, Per una nuovainterpre- tazione di Platone. Rilettura deliametafisica dei grandi dialoghi alia luce delle“Dottrine non scritte ”, Cusl, Milão 19864, Vita ePensiero, Milão 19875; Id., Storia delia filosofiaantica, cit ., vol. I I, 1987 (quinta ediçãototalmente revista na parte que se refere aPlatão), pp. 7-374.

Cap. 7. Aristóteles e oPerípato TextosAristóteles: Opere, tradução realizada pornumerosos autores, sob o cuidado de F.Giannantoni, 4 vols., Laterza, Roma-Bari 1973;La Metafisica, sob o cuidado de G. Reale, 2 vols.,Loffredo, Nápoles 1968 (com comentário); amesma tradução sem comentário se encontrana coleção “I classici dei pensiero” da EditriceRusconi, Milão 1978; as passagens do De animacitadas neste volume são traduzidas por G.Reale em Storia delia filosofia antica, cit., vol. II;La politica. La costituzione di Atene, sob o cuidadode A. Viano, Utet, Turim 1966; Analitici pr imi, sob

o cuidado de M. Mignucci, Loffredo, Nápoles1969 (com comentário); L’anima, sob o cuidadode G. Movia, Loffredo, Nápoles 1979; Eticanicomachea, sob o cuidado de C. Mazzarelli,Rusconi, Milão 1979; Fisica, com texto grego aolado, sob o cuidado de L. Ruggiu, Rusconi, Milão1995; Poética, com texto grego ao lado, sob ocuidado de D. Pesce, Rusconi, Milão 1995.

LiteraturaE. Berti, La filosofia dei primo Aristotele, Olschki,Florença 1962; G. Reale, 11 concetto di filosofia

 prima e l’unità delia Metafisica di Aristotele, Vita ePensiero, Milão 1967; Id., Storia delia filosofiaantica, cit., vol. II (quinta edição), pp. 379-607(para as remitências bibliográficas contidas nas

notas e no vol. V, cf. Aristotele).

Sexta parte (caps. 8-13)As escolas filosóficas da era helenística